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Tratado descritivo do Brasil em 1587

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Tratado descritivo do Brasil em 1587

Por Gabriel Soares de Souza. 5. ed. Edição castigada pelo estudo e exame de muitos códices manuscritos existentes no Brasil, em Portugal, Espanha e França, e acrescentada de alguns comentários por Francisco Adolfo de Varnhagen. São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1971.

A nova edição do livro de Gabriel Soares de Sousa permite levantar uma série de problemas: a grande parte da literatura histórica sobre o Brasil Colonial e Imperial foi publicada nas décadas de 1930 e 1940, por obra de Fernando de Azevedo e Rubens Borba de Moraes. É verdade que, de maneira esparsa, a Editora Zélio Valverde, ou Edições Cultura, ou Ministério da Educação, etc. editaram grande número de manuscritos ou obras de portugueses, relatos de viajantes ou estudos estrangeiros a respeito de aspectos brasileiros. A quase totalidade delas, porém,, está esgotada, tornando difícil o seu manuseio pelo leitor interessado. No entanto, a leitura de um Pohl, um Saint-Hilaire, um Succok, um Koster, um Gardner, um Fernão Cardim, etc, é fundamental para o conhecimento e reavaliação da nossa realidade.

Daí a necessidiade da republicação deste acervo; e, conseqüentemente, da precisão em editar obras de viajantes e observadores estrangeiros - e nacionais - inéditos ou praticamente inéditos. Os casos de um Príncipe Adalberto da Prússia, um Lacerda e Almeida, um Conty etc. comprovam a falta de conhecimento quase geral que temos deste manancial que, infelizmente, é conhecido apenas por parte- ínfima de nossos estudiosos e bibliófilos.

Entretanto, outra observação deve ser feita, relativa à mutilação ou à falta de sentido crítico de algumas publicações. Os exemplos abundam sobre as más traduções ou edições feitas ao sabor de quem organiza a obra: o caso do livro de Roberto Mendes Gonçalves sobre o Diário do Barão de Hübner é sintomático; a pretexto de "inconveniência", o selecionador escolhe a seu bel-prazer os excertos a serem publicados, sem a mínima consideração pelo valor global ou pensamento do autor. Senão - é o outro caso - são as edições que, como no caso deste Tratado, não incluem uma nota sequer, para não dizermos edições críticas, para ajudar o leitor. Sabe-se que a atual versão, feita sob os cuidados de Varnhagen, é uma existente; mas Pirajá da Silva publicou outra, com o título Notícias do Brasil, na Biblioteca Histórica Brasileira. Essa é antecedida por excelente introdução. Natural que as pequenas informações tornar-se-iam úteis para todo estudioso, que se debate com a falta de livros e de bibliografias.

Gabriel Soares de Sousa, nobre português, vem ao Brasil em 1569 e se instala na Bahia e constrói engenho de açúcar. Devido às entradas feitas por um. seu irmão, interessa-se pela descoberta de metais preciosos: vai a Portugal, onde consegue, após muitos anos (1584-1590), o alvará para "prosseguir nos seus descobrimentos além do rio São Francisco". Em 1591 embrenha-se no sertão, onde, depois de muitas peripécias, acaba falecendo.

A obra foi escrita durante os anos que permaneceu em Lisboa e é ofertada, em 1587, a influente político português: seu intuito é fazer uma descrição do mundo brasileiro, porém, trata mais da Bahia. Como diz, "minha pretensão é manifestar a grandeza, fertilidade e outras grandes partes que tem a Bahia de Todos os Santos e os demais Estados do Brasil, do que os Reis passados tanto se descuidaram; a El-Rei Nosso Senhor convém, e ao bem do seu serviço, que lhe mostre, por estas lembranças, os grandes merecimentos d'êste seu Estado, as qualidades e estranhezas d'êle, etc."

É, assim, com o intuito utilitário, que o autor revela, sempre no estilo da época, o roteiro (geografia) da costa brasileira; e a topografia, colonização, agricultura, flora, fauna, etnografia, etc. da Bahia.

A sua vivência e conhecimentos, aliados a um realismo descritivo, fazem do Tratado um verdadeiro repositório de informações imprescindíveis. Como o próprio Varnhagen reconhece, a minúcia e dados fornecidos são fundamentais para a história seiscentista; é exatamente por isto que Capistrano de Abreu e todos os outros historiadores reconhecem em Gabriel Soares de Sousa um observador insuspeito.

A prova aparece em qualquer parte do livro: na descrição de Salvador, diz que "passando além da Sé pelo mesmo rumo do norte, corre outra rua mui larga, também ocupada com lojas de mercadores, a qual vai dar consigo em um terreno bem assentado e grande, aonde se representam as festas a cavalo, por ser maior que a praça, o qual está cercado em quadro de nobres casas". Ou, quando trata dos índios: "fazem estes Ubirajaras suas lavouras, como fica dito dos Amoipiras, e pescam nos rios com os mesmos espinhos, e com outras armadilhas que fazem com ervas; e matam muita caça com certas armadilhas que fazem, em que lhe facilmente cai". Ou, falando das riquezas do mar.- "nos mangues se criam outras ostras pequenas, a que os índios chamam lerimirim, e criamse nas raízes e ramos deles até onde lhes chega a maré de preamar; as quais raízes e ramos estio cobertos destas ostras, que não se enxergam o pau, e estão umas sobre outras; as quais são pequenas, mas muito gostosas; e nunca se acabam, porque tiradas umas, logo lhe nascem outras; e em todo o tempo são muito boas e muito leves".

Os senões assinalados anteriormente não tiram o interesse que desperta a nova edição do livro. O que se deseja é que seja feito esforço para as novas edições de livros fundamentais, tanto inéditos como esgotados.

EDGARD CARONE

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Maio 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 1971
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