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Os critérios de julgamento das licitações

ARTIGO

Os critérios de julgamento das licitações

Ernst Muhr

1. INTRODUÇÃO. OS CINCO CRITÉRIOS DE JULGAMENTO DAS LICITAÇÕES

É objetivo deste artigo apresentar e debater os aspectos legais e técnicos do julgamento de licitações na administração pública brasileira. Licitação é uma sucessão ordenada de atos, mediante os quais a administração seleciona a proposta mais vantajosa para a compra do seu interesse. Como se sabe, o Decreto-lei federal nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, reformulou os princípios da compra na esfera pública que vinham sendo criticados, especialmente no que tocava aos critérios de julgamento. Considerava-se que, antes desse decreto-lei, era obrigatória a compra da proposta concorrente mais barata, sendo que o preço era a pedra de toque usada para aferir as propostas. O Decreto-lei nº 200/67, essa pedra fundamental da reforma administrativa que o Governo Castelo Branco tentou implantar no país, promoveu profunda alteração no mecanismo da compra pública.

Cinco são os critérios que o decreto-lei faculta sejam levados em conta "no interesse do serviço público",1 1 Decreto-lei nº 200/67. no julgamento das licitações. E, da maneira como está redigido, entendemos que esses cinco critérios, bem como, eventualmente, outros, não apenas podem, mas devem ser levados em conta, sempre que aplicáveis.

Convém assinalar, entretanto, que nem mesmo a lei anterior, de 1922, contida no Regulamento do Código da Contabilidade Pública da União,2 2 Regulamento do Código da Contabilidade Publicada União, Art. 755. mandava escolher invariavelmente a proposta mais barata, pois permitia que, por "outras razões, de preferência antecipadamente assinaladas no edital", outra proposta, ainda que não a mais barata, pudesse ser escolhida.

Os cinco critérios são, na ordem em que os lista o decreto-lei, as "condições de qualidade, rendimento, preço, condições de pagamento, prazos e outras pertinentes, estabelecidas no edital".

2. O CRITÉRIO QUALIDADE

Cita o decreto-lei, em primeiro lugar, a qualidade. Se bem que a palavra qualidade seja, em si, um termo neutro, podendo haver uma série de graus de qualidade, abrangendo desde um bom até um mau nível de qualidade, o legislador talvez quisesse dizer que a melhor qualidade deveria classificar melhor a proposta, enquanto a menor qualidade deveria piorar sua classificação. Na verdade, o comprador tem de exigir tão-somente um nível exato de qualidade, patamar esse estipulado por especificações ou normas técnicas. Toda vez que existe uma especificação, explicitando as condições para a aceitação de material, é a esse padrão que nos devemos referir, aceitando por igual todas as propostas que o satisfazem, não exigindo nem valorizando mais que esse exato padrão.

A qualidade, portanto, não é propriamente um fator de julgamento ou ordenamento das propostas, mas de qualificação ou desclassificação, conforme a especificação for, ou não, atendida. Não se deve exigir mais que a especificação, pois, em regra, a qualidade melhor será mais cara. Raciocínio idêntico é válido para obras e serviços.

Entretanto, se não houve especificação técnica no edital, a qualidade deve ser objeto de julgamento na própria licitação. É desejável que a comissão de julgamento estabeleça, antes do julgamento, as características de qualidade a serem levadas em conta. De outra forma, nasceria a suspeita de que os critérios foram estabelecidos com vistas a favorecer uma ou outra proposta. Para muitos produtos - por exemplo, alimentos vegetais, tecidos, materiais de construção e outros - o grau de qualidade correspondente à classificação em primeira, segunda e terceira escolhas é amplamente divulgado no ramo e deve ser reconhecido pelo administrador e usado na licitação e no julgamento, sempre dentro do conceito de qualidade mínima exigível.

3. A DURABILIDADE, COMO CARACTERÍSTICA DE QUALIDADE

Alguns aspectos de qualidade devem ser destacados, pois sua conceituação não é sempre clara. O primeiro é a durabilidade. Se a norma técnica não especificar a durabilidade mínima do produto, do serviço ou da obra, a garantia do fornecedor, no tocante à durabilidade oferecida, é fator que deveria ser levado em consideração. Trata-se, como, aliás, é o caso de outros critérios, de fator objetivo, pois seu efeito sobre o preço real pode ser ajustado, através do cálculo de fluxo de caixa descontado.

Com efeito, se a durabilidade de certo produto é de 5 mil horas de utilização e se se espera que essas 5 mil horas sejam alcançadas em dois anos e meio, a garantia do fornecedor for uma durabilidade de 7 mil horas (ou três anos e meio) permitirá ao comprador pagar um preço maior. Mas a proporção do preço que corresponder às 2 mil horas adicionais, representando, no caso, 28,57% do preço, não pode simplesmente ser descontada do preço, para fins de comparação, pois, no entretempo, o dinheiro do Estado fica imobilizado. Se a administração paga juros reais (acima da correção monetária) de 10% ao ano, para um prazo médio de três anos, o preço cotado pode ser reduzido em 21,47%, valor presente de sobrevida de 2 mil horas (21,47% =

). Contudo, é bom lembrar que, em muitas normas técnicas, existe indicação de durabilidade mínima, sendo preferível adquirir produto padronizado que satisfaça a esse requisito.

4. A SEGURANÇA, COMO CARACTERÍSTICA DE QUALIDADE

A segurança tem dois aspectos: o inerente à durabilidade da própria obra ou do produto e o inerente à segurança do usuário.

O primeiro, na verdade, é uma extensão do próprio conceito de durabilidade. A garantia do fornecedor cobre, antes de mais nada, a segurança do produto. Em obras, o prazo de garantia é fixado por lei e a ela deve referir-se o comprador. Em serviços, isso nem sempre é o caso e, muitas vezes, é preciso indicar o prazo da segurança, que mais uma vez se reveste do caráter de durabilidade.

Quanto à segurança do usuário, dificilmente se podem fixar critérios objetivos. A sociedade é quem nos diz qual o grau de segurança exigido. O julgamento acaba sendo, primordialmente, subjetivo. O resultado será a classificação ou a desclassificação, não se podendo nem devendo atribuir classificação melhor ao produto de maior segurança ou pior ao produto com menor segurança.

5. A CONFIBIALIDADE, COMO CARACTERÍSTICA DE QUALIDADE

A confiabilidadeé a probabilidade de que certo produto irá efetivamente exercer a sua função durante o tempo previsto para sua missão. Uma confiabilidade de 99,2% significa ser provável que essa função seja exercida durante 99,2% do tempo de missão previsto, ou, alternativamente, que 99,2% dos itens desse produto funcionarão satisfatoriamente durante todo o tempo de missão.

Esse grau é determinado através de ensaios e da experiência prática. É evidente que o maior ou o menor grau de confiabilidade implica ajuste de preço. Para se comparar um produto de 98% de confiabilidade com outro de 99% de confiabilidade, basta dividir os respectivos preços por 0,98 e 0,99 para se obterem preços comparáveis.

6. CONSERTABILIDADE, COMO CARACTERÍSTICA DE QUALIDADE

A consertabilidade é a facilidade de se consertar um equipamento. Determinados componentes quebram com certa freqüência; outros, raramente. Algumas peças de um equipamento, de um motor, por exemplo, são fáceis de serem alcançadas pelo mecânico e de serem trocadas; outras, difíceis. O custo de consertar, quando fora de garantia, e o tempo que se leva para consertar, mesmo estando dentro da garantia, podem ser avaliado e ponderados pela probabilidade de quebra. Esse custo, descontado a valor presente, também ajusta o preço cotado.

Ligada a essa característica, surge a necessidade de manutenção de um estoque de sobressalentes. Os fabricantes recomendam ter no almoxarifado uma reserva das peças que mais comumente quebram ou se desgastam. O custo inicial desse estoque, cotado em separado do preço do próprio equipamento, deverá ser acrescido a este último, sendo o total usado para fins de comparação.

Além disso, as peças que se sabe, de antemão, terem vida limitada, deverão ser avaliadas conforme sua vida média; o custo adicional de comprar novas peças de reposição e mantê-las em estoque, enquanto não usadas, também deverá ser descontado para seu valor presente e acrescido ao preço.

7. A CONSERVABILIDADE, COMO CARACTERÍSTICA DE QUALIDADE

Conservabilidade é a característica de se poder facilmente proceder aos trabalhos de manutenção preventiva. Abrange a facilidade de suprimento de materiais de consumo necessários, por exemplo, de lubrificantes e de aquisição de peças de substituição preventiva.

Para calcular o custo da conservabilidade, ao longo da vida do produto, devem-se apurar as horas de mecânico e a quantidade de material empregado, trazidas para valor presente. Para as peças sobressalentes, deve-se proceder da mesma forma que com o estoque de peças para manutenção corretiva, método esse já explicado no item 6, que trata da consertabilidade.

8. UM EXEMPLO DE AVALIAÇÃO DE CARACTERÍSTICAS DE QUALIDADE

Um exemplo elucidativo de avaliação das características de qualidade é o motor do avião. Neste caso, não poderia haver qualquer compromisso com a segurança, que deve ser absoluta.

Na encomenda de uma aeronave, o motor é especificado em separado, pois diversos motores podem ser montados num mesmo avião.

Ao se descobrir posteriormente algum defeito de projeto ou de execução que possa prejudicar o nível de segurança, efetua-se a alteração, não importa qual seja o preço.

A confiabilidade (ver item 5) pode não ser absoluta, pois admite-se que possam aparecer certos defeitos em subconjuntos secundários, desde que não afetem a segurança da aeronave.

A consertabilidade deve ser de tal ordem que, constatado um defeito, seja durante o uso, seja durante a execução da manutenção preventiva, toda a operação de reparo possa ser feita no menor tempo possível, para que a aeronave não fique parada por longo período. A fácil e rápida substituição das peças é essencial.

Finalmente, a conservabilidade é medida pela facilidade de revisão, no menor tempo possível, bem como pelo número de horas que o motor irá funcionar normalmente, antes de voltar à inspeção.

9. A FACILIDADE DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA, COMO CARACTERÍSTICA DE QUALIDADE

Não pode ser excluída, da apreciação relativa à qualidade, a assistência técnica por parte do fabricante ou fornecedor. Essa assistência técnica é normalmente gratuita durante o período de garantia e cobrada após esse período. Ademais, para os defeitos não-ocasionados por insuficiência de qualidade, mas pelo mau uso do produto, a assistência técnica é cobrada, mesmo durante o período de garantia.

O administrador deve ponderar muito bem a disponibilidade dessa assistência técnica. É preciso que a oficina do fornecedor ou o ponto em que se localiza seu representante sejam suficientemente próximos para que se possa dar rapidamente o atendimento. É necessário também que haja, em caso de chamada* um compromisso de atendimento imediato, que deverá especificar o período coberto (um turno, dois turnos, três turnos, sábados e domingos etc).

No caso de equipamento de processamento de dados , o compromisso de assistência técnica imediata é objeto de contrato, e não o uso desse compromisso. O custo desse contrato deve ser acrescido ao preço do equipamento, no cálculo do fluxo de caixa descontado, para avaliação correta do preço da alternativa. Em certos casos, é conveniente manter equipamento de reserva (back-up), cujo custo deve ser, obviamente, acrescido ao preço da proposta.

10. FALSAS CARACTERÍSTICAS DE QUALIDADE

Os conceitos de competência reconhecida, marca superior, notória especialização, fornecedor exclusivo e outros semelhantes não podem, hoje em dia, ser objeto de apreciação, como critérios de qualidade, na fase de julgamento das propostas. Na fase de habilitação, aí sim, o produto de determinado licitante pode ser eliminado de vez, se não lhe for possível apresentar os atestados exigidos de bom desempenho.

Durante o julgamento, só a demonstração inequívoca de baixa qualidade poderia declassificar o licitante ou abaixar sua classificação. O julgamento tem que ser feito com argumentos objetivos - por exemplo, a falta de declaração, por parte do licitante, de que o produto atende às especificações, ou a demonstração de que amostras regulares e aleatórias do produto não atendem às exigências dos ensaios. É permitido à administração exigir a apresentação de amostras ou reservar-se o direito de obtê-las diretamente no mercado e certificar-se, por meio delas, de que o produto atende às especificações.

11. USO DE NORMAS DE QUALIDADE

Mais uma vez enfatizamos não ser conveniente ao administrador estabelecer especificações próprias, salvo na falta de normas válidas para o setor. A formulação de especificações próprias resulta em excesso de exigências ou em desvio em relação ao padrão vigente, o que encarece sobremaneira o produto, sem vantagens compensatórias. A experiência da administração federal norte-americana, nesse sentido, tem merecido a atenção geral, pois se trata do maior orçamento de compras do mundo. Verificou-se que o enfeitamento dos produtos (gold plating) os encarece desnecessariamente, não apenas porque sua produção é mais complexa, mas também por falta de economia de escala, o que obriga a ratear os custos fixos sobre um volume pequeno de produção.

Os especialistas em análise de valor - engenharia de valor consideram que a aquisição de produtos padronizados representr o maior potencial de economia à disposição do comprador.

12. O CRITÉRIO RENDIMENTO

O rendimento é o segundo critério de julgamento das licitações estabelecido no decreto-lei.

Conceito de difícil entendimento, é freqüentemente confundido com qualidade.

Rendimento, termo sinônimo de eficiência ou de produtividade, é expresso sob forma de um quociente, menor que 1, representando a sua capacidade de produzir um resultado visado, em comparação com um ideal teórico, cujo rendimento, por definição, é igual a 1.

Uma definição alternativa de rendimento é a relação entre o resultado obtido e o esforço aplicado, ou seja, a relação entre produto final e insumo.

Por exemplo, se um motor de combustão interna consome 100 gramas de óleo diesel por cavalo-vapor/hora de potência norminal, em determinadas condições, pode-se calcular que, em termos de energia efetivamente contida no combustível, o rendimento foi de apenas 25%, considerado, aliás, satisfatório em face da tecnologia hoje existente.

O rendimento pode facilmente ser transformado em fator de custo. No exemplo em foco, o custo do combustível, devidamente descontado no tempo, deve ser simplesmente acrescentado ao preço do equipamento, encarecendo, pois, as propostas de menor rendimento. Pode ocorrer que um motor mais caro, mas de maior rendimento, acabe sendo mais econômico que o motor de menor preço, mas de menor rendimento.

Em exemplo recente, um fabricante de turbinas de avião garantiu aos interessados uma economia de consumo de combustível de 5 a 8% sobre o competidor, comprometendo-se a devolver aos compradores em potencial o diferencial de preço, caso não fosse atingida a economia prometida.

A noção de rendimento é transcendental na compra de equipamentos de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica. Ao avaliar propostas, a concessionária deve levar em conta o rendimento das turbinas hidráulicas ou térmicas, o dos geradores elétricos, dos transformadores, das linhas. Ajustam-se os diferenciais de preços dos concorrentes pelo fator rendimento.

13. O CRITÉRIO PREÇO

Pelo menos do ponto de vista formal, o preço não é mais o único, nem talvez o principal critério, mas apenas um entre cinco.

Era bastante rigorosa a lei de 1922, já referida no item 1. Afirmava incisivamente que "a concorrência cabe de direito ao autor da proposta mais barata, por mínima que seja a diferença entre ela e qualquer outra".3 3 Regulamento do Código da Contabilidade da União, art. 743. Embora - conforme já mencionado no item 1 - sempre existisse uma brecha para exceção a essa regra, a falta de indicações claras sobre os critérios a adotar além do preço, bem como a exigência de justificativa escrita sempre que a proposta de menor preço não fosse escolhida, não favorecem o uso desses critérios divergentes.

O Decreto-lei nº 200/67 mantém a obrigação da "justificativa escrita da autoridade competente, sempre que não for escolhida a proposta de menor preço'' (art. 133, parágrafo único). Portanto, o fator preço continua preponderante. Resta saber se se trata do preço bruto ou do preço ajustado pelos outros critérios, conforme já explicado em pormenores nos itens anteriores.

Por força da Lei federal nº 5.456, de 20 de junho de 1968, que determinou que todas as disposições do Decreto-lei nº 200/67 fossem aplicadas aos estados e aos municípios, a Lei paulista nº 10.395, de 17 de dezembro de 1970, que dispõe sobre obras, serviços, compras e alienações da administração centralizada e autárquica do estado, encampou todas as disposições do decreto-lei federal.4 4 Lei nº 10.395, de 17 de dezembro de 1970 (São paulo). .

Através do § 1 º do seu art. 36, a lei paulista elucidou a relação entre o preço e os demais critérios, tornando mais explícito o que está apenas implícito no Decreto-lei nº 200/67:

"§ 1 ? - No exame do preço serão consideradas todas as circunstâncias de que resulte vantagem para a Administração."

A interpretação desse dispositivo foi muito bem efetuada por Hely Lopes Meirelles, presidente e relator da comissão que elaborou o projeto da lei paulista: "Na apreciação do preço a Administração deverá considerar todos os fatores e circunstâncias que acarretem a sua redução ou seu aumento, pois é desse confronto de vantagens e desvantagens que se extrai o melhor preço, que nem sempre é o unitário ou o global em números absolutos. As vantagens de pagamento, prazo, financiamento, desconto, carências, juros, impostos e outras de repercussões econômicas efetivas e mensuráveis são computáveis no julgamento das propostas, desde que pedidas ou admitidas pela Administração. O essencial é que se identifique realmente o menor preço resultante das vantagens economicamente quantificáveis e auferíveis pela Administração. Essas vantagens devem ser calculadas matematicamente e demonstradas expressamente pelos julgadores no relatório do julgamento das propostas, na forma indicada na lei."5 5 Estudos sobre a Lei paulista n.º 10.395/70. São Paulo, Centro de Estudos de Dereito Rodoviário. (Cedro), 1971. Meirelles, Hely Lopes. O procedimento da licitação.

O Departamento Federal de Compras, por sua vez, procurou esclarecer o assunto em ato normativo de suas licitações, estipulando que "o preço escolhido deverá ser o que melhores vantagens oferecer aos cofres públicos ou que melhor satisfizer aos interesses do serviço, prevalecendo, em princípio, a proposta de prazo mínimo" (Portaria DFC nº 123, de 12 de dezembro de 1969, item 11.1).

Em conseqüência, é nosso entender que todas as condições, de qualidade, entendimento e outras já mencionadas, além das financeiras, que debateremos em seguida, devem ser levadas em conta no cálculo do preço real.

14. LICITAÇÃO DE MENOR PREÇO

Falamos até agora das licitações em que os fornecedores cotam os preços solicitados para entrega de produto, obra ou serviço especificados pela administração. O julgamento se fará na base da melhor técnica do fornecedor (qualidade, segurança, rendimento, etc.) pelo menor preço.

Há algumas situações em que não se poderia falar de procura de melhor técnica, por se tratar de produto simples e padronizado, tal como cimento comum, alimentos e outros gêneros usuais. Nesses casos, fala-se em licitação de menor preço, em que a administração procura simplesmente a vantagem econômica.

Diversas práticas adotadas têm sido as seguintes:

1. No regime do preço do dia toma-se como base o preço médio de cotação na respectiva bolsa, que, no caso de alimentos, será o mercado ou centro de abastecimento local, ou uma lista do CIP, da Sunab, ou da Comissão Central de Compras. Na sua proposta, cada licitante indicará o fator a aplicar a esse preço base, fator esse que será de desconto ou aumento. Quem oferecer o coeficiente mais baixo será o vencedor. Em obras, é rotineiro trabalhar seja com um orçamento global, seja com preços unitários, por exemplo, por metro cúbico de concretagem.

2. No regime de preço base, a administração fixa um coeficiente máximo e outro mínimo, isto é, um aumento e um desconto limites, entre os quais a proposta deve estar contida. Esse sistema induz os interessados a optar pela cotação mínima admissível, ocorrendo empate. Seria preferível, em tais casos, admitir qualquer preço, por menor que seja, mas exigir do licitante, cujo preço seja menor que o mínimo divulgado, a prova de que possa sustentar esse preço modesto. Se, por outro lado, todas as ofertas excederem o preço máximo da faixa acordada, a administração tem liberdade para contratar sem licitação, desde que não exceda esse limite superior.

Uma terceira forma de licitação de menor preço consiste em adjudicar o contrato a quem mais se aproxima do preço, guardado em segredo pela administração. Não é formato recomendável. A licitação de preço médio, que consiste em considerar vencedora a proposta que mais se aproxima do preço médio das propostas, tampouco tem razão de ser. Essa modalidade, aliás, já foi três vezes condenada pelo Tribunal de Contas da União.6 6 Diário Oficial da União, 12.5.77, p. 5.737-8; 7.2.78, p. 2.486-7.

15. LICITAÇÃO COM DESCONTO

A lei paulista proíbe expressamente levar em consideração proposta que não estipule um preço, mas sim um desconto sobre a proposta de preço mais baixo. ("Art. 36 3º §. Não poderá ser levada em conta qualquer oferta de vantagem não prevista no edital ou no convite, nem preço ou vantagem baseada nas ofertas dos demais licitantes.")

Temos aqui uma situação de recusa de oferta de menor preço, pois sua aceitação colocaria o licitante em situação de vantagem automática. O dispositivo legal é moralizador.

16. CONTRATOS DO TIPO "ADMINISTRAÇÃO CONTRATADA"

A legislação prevê a possibilidade de as obras e os serviços serem executados por "administração contratada" (Lei nº 10.395, de 17 de dezembro de 1970, art. 6º, II. c).

Nessa modalidade, a obra é contratada mediante o reembolso das despesas e o pagamento de remuneração correspondente à administração. O custo da obra ou do serviço é fixado pela administração, que arcacom as despesas. A licitação é restrita à taxa de administração.

São válidas aqui também as considerações tecidas para os outros tipos de licitações. Como a taxa de administração é, em geral, pequena em relação ao orçamento da obra ou do serviço, outros fatores - como a capacidade técnica-podem ser mais importantes no julgamento das propostas do que o percentual da taxa de administração.

Nos contratos de pesquisa e desenvolvimento para as Forças Armadas (Department of Defense), nos EUA, procura-se obter vantagens adicionais para o Tesouro, oferecendo prêmio a quem consegue alcançar o objetivo por preço menor que o orçamento e penalizando quem incorre em custo mais elevado. A penalidade não deverá, evidentemente, exceder a taxa cobrada para a administração do contrato, nem o prêmio ultrapassar derterminado valor. A combinação de taxa de administração e de prêmio ou penalidade pode servir de base eficaz para o julgamento da licitação, observados, obviamente, os demais critérios cabíveis.

17. CONDIÇÕES DE PAGAMENTO: O QUARTO CRITÉRIO

As condições de pagamento constituem um fator importante como critério de julgamento, pois devem ser usadas para ajustar o preço nominal, transformando-o em prazo real.

Para os órgãos da administração direta ou indireta que tenham condições de pagar suas contas com regularidade, seria desejável que se abrisse aos licitantes a possibilidade de cotar diversas condições de pagamento na proposta de cada um deles; a administração escolheria a que lhe fosse mais vantajosa, não apenas quanto ao custo financeiro, mas também quanto ao fluxo de caixa decorrente. Essas condições de pagamento devem ser, cada uma, convertidas a valor presente, pelo método de desconto composto. A taxa de juros será a que a administração paga no mercado financeiro.

Suponhamos que um fornecedor ofereça as seguintes condições de pagamento ao comprador: 60 dias da data (da entrega), líquido; ou 30 dias da data, com 3% de desconto. Se o juro efetivo pago pela administração no mercado financeiro for inferior a 3º7o ao mês, é preferível pagar em 30 dias e não em 60. Se for superior, é preferível pagar em 60 dias.

18. ATRASO DE PAGAMENTO

Os atrasos de pagamento da administração têm por efeito aumentar os preços da licitação, pois os fornecedores, precavidos, imbutem juros e correção monetária nas suas cotações. Se um licitante não se proteger dessa forma, e ganhar a concorrência, poderá sofrer elevado prejuí/o caso se confirme o atraso de pagamento. Esse fato distorce a licitação. Seria necessário, para igualar as propostas, que a administração inclua uma cláusula de cobrança de juros (e de correção monetária, se existir inflação) em caso de atraso de pagamento. É o que ocorre em algumas empresas industriais de serviços públicos em São Paulo, permitindo aos licitantes não inflar os preços preventivamente.

19. ADIANTAMENTOS

Pagamentos adiantados ao fornecedor são de praxe nos contratos entre empresas privadas, especialmente no caso de aquisição de equipamentos especiais, fabricados sob encomenda. Ocorrem também na administração pública, embora não sejam permitidos na administração centralizada federal.7 7 Lei nº 4.320, de 17 de setembro de 1964, art. 63, § 2º, III. É fácil converter qualquer esquema de pagamento para um valor equivalente em determinada data, através de fórmulas simples de juros e descontos, permitindo, assim, comparar propostas diversas.

20. CONSIDERAÇÕES RELATIVAS A FINANCIAMENTO E CÂMBIO

A fim de reduzir o montante das cotações, a administração pode exigir, especialmente em concorrências internacionais, que o fornecedor utilize "financiamento de exportação'', tradicionalmente lastreado em taxa de juro bem inferior à do mercado financeiro comum.

A moeda de financiamento do contrato é também tópico relevante. A melhor doutrina para a administração é evitar o risco cambial. Estando o cruzeiro atrelado ao dólar, o menor risco consiste em contratar a dívida em moeda norte-americana, ignorando as imprevisíveis flutuações das outras moedas em relação ao dólar.

É ainda de se notar o risco representado por uma taxa variável de juros num contrato de financiamento de uma licitação. O contratante pagará pela inflação do país detentor da dívida, caso os juros subam em função da depreciação da moeda, e ele pode vir a ser penalizado , devendo arcar com maior pagamento na moeda forte.

Em suma, à longa lista das considerações importantes para o pagamento da licitação, acrescentamos os riscos de financiamento e de câmbio, que a administração deveria sempre procurar minimizar, preferindo as propostas que reduzem esses riscos.

21. O ÚLTIMO CRITÉRIO: PRAZOS

Finalmente existem os prazos como critério de julgamento mencionado na legislação. Entendem-se aqui os prazos de fornecimento ou execução do serviço ou obra. Enquanto a obra - por exemplo, uma ferrovia - não estiver terminada, ela não tem serventia para a sociedade, que, entretanto, a paga, mensalmente, de acordo com a medição do trecho já executado. O custo real é, no mínimo, o dispêndio financeiro correspondente à imobilização do capital investido, pois a administração toma dinheiro no mercado para financiar a obra ou, alternativamente, deixa de obter rendimento com seu numerário, se está aplicado numa obra não-terminada.

O custo financeiro cessa a partir do momento em que o trabalho está terminado e entregue aos usuários, pois, daí em diante, a obra produzirá o benefício dela esperado.

22. LUCROS CESSANTES

Se a obra for uma empresa industrial - siderúrgica, fábrica de alumínio ou de cobre, refinaria de petróleo - deve ser levado em conta não apenas o custo financeiro da obra não-terminada, mas também o lucro esperado de operação industrial em foco, que não será usufruído pela sociedade enquanto não se iniciar a produção.

Em suma, no julgamento das propostas, a administração deve estimar a probabilidade de o licitante terminar a obra no prazo de entrega estipulado, sem o que ocorrerão lucros cessantes, nem sempre cobertos pelas multas contratuais previstas.

23. REDUÇÃO DOS PRAZOS

Certas obras, por exemplo, o asfaltamento de uma estrada de terra, podem significar vantagens econômicas tão óbvias, que a sua conclusão em prazo menor que o fixado no edital merece ser levada em conta no julgamento. Se uma proposta mais cara contempla realizar a obra em menor tempo e se a economia resultante for maior que a diferença de preço entre essa proposta e outra que leva maior tempo, a proposta mais cara deve ser considerada vencedora.

Considerações idênticas são válidas para os prazos de fornecimento de mercadorias, tais como equipamentos especiais, hidrogeradores, por exemplo.

Em suma, tempo é dinheiro e prazo de entrega também. Considerações econômicas relativas a taxas de juros e a benefícios auferidos por prazos menores de entrega permitem ajustar os preços dos diversos licitantes e convertê-los em valores equivalentes, facultando um julgamento racional das propostas.

24. CONCLUSÃO

Na empresa privada, os objetivos do comprador são bem definidos. Ele almeja adquirir os bens de qualidade especificada, na quantidade necessária, para entrega no prazo adequado, ao menor custo possível. Se se tratar de equipamento, serviços ou obras de grande complexidade, ele efetuará uma análise de viabilidade comparativa entre as diversas alternativas propostas.

O ideal do legislador sempre foi alcançar na área pública o grau de racionalidade existente na área privada. Seria necessário estabelecer normas a serem seguidas pela administração para proteger os interesses da sociedade e salvaguardar a reputação do julgador da licitação.

A lei mais antiga, a de 1922, estipulava que o preço seria o critério principal, se não único, do julgamento. Embora permitisse certa flexibilidade, não chegava a explicar as "circunstâncias" nas quais o comprador poderia desviar-se da preferência pelo preço menor,' 'por mínima que seja a diferença". A camisa-de-força era real.

O Decreto-lei nº 200/67 definiu melhor os critérios de julgamento, listando cinco deles e referindo-se a "outras condições pertinentes". Preservou, entretanto, o critério de menor preço como a consideração suprema e não esclareceu o relacionamento entre os critérios. As leis estaduais pouco acrescentaram à federal.

O presente artigo traça a evolução da legislação, em direção a uma racionalização crescente da compra pública e, portanto, a uma liberação maior do comprador, de modo a poder escolher a proposta de maior valor para a sociedade.

Em nossa opinião, os cinco critérios mencionados na lei não apenas podem, mas devem ser usados para avaliar a melhor proposta. E a justificativa escrita, para explicar a escolha sempre que divergir do menor preço, deve ser substituída por uma análise técnico-econômica consubstanciada, ou seja, uma análise de viabilidade das propostas, explicando quais os critérios retidos e a sua ponderação. Como em outros países, a análise de valor das propostas deveria ser obrigação legal. Poderiam ser essas as bases de uma futura legislação sobre compra no setor público.

Notas

Art. 133. Na fixação de critérios para julgamento das licitações, levar-se-ão em conta, no interesse do serviço público, as condições de qualidade, rendimento, preço, condições de pagamento, prazos e outras pertinentes, estabelecidas no edital. Parágrafo único. Será obrigatória a justificação escrita da autoridade competente, sempre que não for escolhida a proposta de menor preço."

"Art. 36. No julgamento das propostas levar-se-ão, em conta, conforme o caso, no interesse do serviço público, os seguintes fatores:

I - qualidade;

II - rendimento;

III - preço;

IV - condições de pagamento;

V - prazos;

VI - outras vantagens ou fatores previstos no edital ou no convite.

§ 1º No exame do preço serão consideradas todas as circunstâncias de que resulte vantagem para a Administração.

§ 2º Será obrigatória a justificação escrita da Comissão Julgadora, sempre que não for escolhida a proposta de menor preço.

§ 3º Não poderá ser levada em conta qualquer oferta de vantagem não prevista no edital ou no convite, nem preço ou vantagem baseada nas ofertas dos demais licitantes."

  • 5 Estudos sobre a Lei paulista n.º 10.395/70. São Paulo, Centro de Estudos de Dereito Rodoviário. (Cedro), 1971.
  • Meirelles, Hely Lopes. O procedimento da licitação.
  • 6 Diário Oficial da União, 12.5.77, p. 5.737-8; 7.2.78, p. 2.486-7.
  • 1
    Decreto-lei nº 200/67.
  • 2
    Regulamento do Código da Contabilidade Publicada União, Art. 755.
  • 3
    Regulamento do Código da Contabilidade da União, art. 743.
  • 4
    Lei nº 10.395, de 17 de dezembro de 1970 (São paulo).
  • 5
    Estudos sobre a Lei paulista n.º 10.395/70. São Paulo, Centro de Estudos de Dereito Rodoviário. (Cedro), 1971. Meirelles, Hely Lopes.
    O procedimento da licitação.
  • 6
    Diário Oficial da União, 12.5.77, p. 5.737-8; 7.2.78, p. 2.486-7.
  • 7
    Lei nº 4.320, de 17 de setembro de 1964, art. 63, § 2º, III.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 1986
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