Acessibilidade / Reportar erro

Mortalidade por câncer em militares da Marinha do Brasil

Cancer mortality among service men in the Brazilian Navy

Resumos

OBJETIVO: Verificar se existe excesso na mortalidade por câncer em militares da Marinha do Brasil em comparação com uma população geral de referência e fatores de risco ocupacionais potenciais. MÉTODOS: Utilizaram-se dados de mortalidade extraídos de certidões de óbitos e históricos ocupacionais de militares da Marinha do Brasil, de idade acima de 19 anos, no período de 1991 a 1995. A população de referência escolhida foi a do Estado do Rio de Janeiro, onde se concentram 70% dos militares da Marinha. RESULTADOS: Razões de mortalidade ajustadas por idade mostraram que câncer de cérebro, próstata e linfomas não Hodgkin foram mais comuns em militares do que na população de referência. A análise de ocupação, restrita ao grupo militar, evidenciou o câncer de cérebro e de fígado em associação com as funções do grupo saúde; cólon-reto com funções dos oficiais da Armada e da administração; e câncer de laringe com o grupo de manutenção e reparos. CONCLUSÕES: A mortalidade por tipo de câncer entre os militares da Marinha difere da população geral de referência e se associa a certas ocupações, em cujas populações os fatores de risco para neoplasias necessitam ser avaliados, especificando-se os tipos histopatológicos e também as exposições ocupacionais.

Neoplasias; Militares; Riscos ocupacionais; Ocupações


OBJECTIVE: To identify differences in cancer proportionate mortality among male servicemen of the Brazilian Navy when compared to a referent population and to detect potential occupational risk factors. METHODS: Cancer proportionate mortality was estimated using death certificates and occupational histories of Brazilian navy servicemen aged 19 or more in the period of 1991 to 1995. The population of Rio de Janeiro (Brazil) was chosen as referent group because this city concentrates 70% of all Navy servicemen. RESULTS: Servicemen are more likely to die from brain neoplasm (age-adjusted cancer proportionate mortality ratio - ACPMR=339.27), prostate cancer (ACPMR=135.04), and non-Hodgkin lymphoma (ACPMR=152.28) than the referent population. Health-related occupations show an excess of brain neoplasm (ACPMR=2.7, 95% confidence interval, CI: 1.1-6.5) and liver cancer (ACPMR=2.9; 95% CI: 1.1- 7.8); colon-rectal cancer was higher among officials of the Army Corp and other administrative occupations (ACPMR=2.4, 95% CI: 1.3 -4.5); larynx cancer (ACPMR=2.3, 95% CI; 1.1, 5.0) is more common among men working in maintenance and repair occupations. CONCLUSIONS: In this study, servicemen of the Brazilian Navy Force have a distinct cancer mortality profile from the general reference population. Risk factors for cancer need to be further evaluated, by using more specific diagnosis and occupational-related exposure data.

Neoplasms; Military personal; Working risks; Occupations; Mortality rate; Brazilian Navy Force


Mortalidade por câncer em militares da Marinha do Brasil* * Pesquisa financiada parcialmente pelo: CNPq (Processo n o 522621/96-1); "National Institutes of Health/Fogarty Foundation" (Grant n o 1043 TW00827-02), convênio entre a "University of North Carolina, Chapel Hill" e a Universidade Federal da Bahia. Dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, 1998.

Cancer mortality among service men in the Brazilian Navy

Marlene Silvaa** ** Pós-graduanda , Vilma S Santanaa eDana Loomisb

aInstituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia. Salvador, BA, Brasil. bDepartment of Epidemiology, School of Public Health, University of North Carolina. Chapel Hill, USA

DESCRITORES
Neoplasias, mortalidade#. Militares#. Riscos ocupacionais#. Ocupações. RESUMO

OBJETIVO:

Verificar se existe excesso na mortalidade por câncer em militares da Marinha do Brasil em comparação com uma população geral de referência e fatores de risco ocupacionais potenciais.

MÉTODOS:

Utilizaram-se dados de mortalidade extraídos de certidões de óbitos e históricos ocupacionais de militares da Marinha do Brasil, de idade acima de 19 anos, no período de 1991 a 1995. A população de referência escolhida foi a do Estado do Rio de Janeiro, onde se concentram 70% dos militares da Marinha.

RESULTADOS:

Razões de mortalidade ajustadas por idade mostraram que câncer de cérebro, próstata e linfomas não Hodgkin foram mais comuns em militares do que na população de referência. A análise de ocupação, restrita ao grupo militar, evidenciou o câncer de cérebro e de fígado em associação com as funções do grupo saúde; cólon-reto com funções dos oficiais da Armada e da administração; e câncer de laringe com o grupo de manutenção e reparos.

CONCLUSÕES:

A mortalidade por tipo de câncer entre os militares da Marinha difere da população geral de referência e se associa a certas ocupações, em cujas populações os fatores de risco para neoplasias necessitam ser avaliados, especificando-se os tipos histopatológicos e também as exposições ocupacionais.

KEYWORDS
Neoplasms, mortality#. Military personal#. Working risks#. Occupations. Mortality rate. ¾ Brazilian Navy Force. ABSTRACT

OBJECTIVE:

To identify differences in cancer proportionate mortality among male servicemen of the Brazilian Navy when compared to a referent population and to detect potential occupational risk factors.

METHODS:

Cancer proportionate mortality was estimated using death certificates and occupational histories of Brazilian navy servicemen aged 19 or more in the period of 1991 to 1995. The population of Rio de Janeiro (Brazil) was chosen as referent group because this city concentrates 70% of all Navy servicemen.

RESULTS:

Servicemen are more likely to die from brain neoplasm (age-adjusted cancer proportionate mortality ratio - ACPMR=339.27), prostate cancer (ACPMR=135.04), and non-Hodgkin lymphoma (ACPMR=152.28) than the referent population. Health-related occupations show an excess of brain neoplasm (ACPMR=2.7, 95% confidence interval, CI: 1.1-6.5) and liver cancer (ACPMR=2.9; 95% CI: 1.1- 7.8); colon-rectal cancer was higher among officials of the Army Corp and other administrative occupations (ACPMR=2.4, 95% CI: 1.3 -4.5); larynx cancer (ACPMR=2.3, 95% CI; 1.1, 5.0) is more common among men working in maintenance and repair occupations.

CONCLUSIONS:

In this study, servicemen of the Brazilian Navy Force have a distinct cancer mortality profile from the general reference population. Risk factors for cancer need to be further evaluated, by using more specific diagnosis and occupational-related exposure data.

INTRODUÇÃO

Resultados de estudos de mortalidade têm revelado que certos tipos de câncer são mais comuns em militares do que na população geral. Exemplo disso são os mesoteliomas, mais freqüentes na Marinha do que na população geral,3 e os cânceres de pulmão, cavidade oral, esôfago, laringe, fígado, cólon, testículo, próstata, cérebro e sistema nervoso, doença de Hodgkin, leucemias, linfomas não Hodgkin e melanomas de pele, de maior mortalidade nas demais corporações militares.1,3-5,7,8,14

Atividades ocupacionais das corporações militares são diferentes do padrão encontrado na população geral e podem ser a origem de exposições a carcinógenos confirmados, como o asbestos, solventes orgânicos, óleos lubrificantes e radiações não ionizantes; ou a carcinógenos potenciais como as poeiras de metais, fumaças, gases, diesel, solventes inorgânicos e radiações ionizantes.13 Além disso, é possível que exposições sejam de maior intensidade no interior de navios, onde as dimensões dos ambientes de trabalho são reduzidas e a ventilação nem sempre é adequada.15

A Marinha do Brasil, além da responsabilidade da salvaguarda marítima de portos e costas nacionais, produz armas e munições, equipamentos bélicos e de navegação e até mesmo medicamentos. Os serviços desenvolvidos pela Marinha são vários, como a manutenção de instalações de terra, de navios e seus equipamentos, de atividades de ensino, administração e assistência médica e social, entre outras.

Dados preliminares mostraram as neoplasias como a segunda causa de morte, com razão de mortalidade proporcional de 170,4%, tomando-se a população geral como referente.12 No presente estudo, verificam-se as diferenças no perfil de mortalidade proporcional por câncer em militares da Marinha do Brasil relativas a uma população de referência. Pretende-se propor hipóteses sobre os riscos ocupacionais, analisando-se razões de mortalidade específicas para cada um dos grupos ocupacionais da Marinha (chamados de especialidades) e tipos de câncer.

MÉTODOS

A população do estudo compreende todos os óbitos de militares ativos e inativos da Marinha do Brasil de idade acima de 19 anos, ocorridos no período de janeiro de 1991 a dezembro de 1995. Foram utilizadas certidões de óbito e históricos ocupacionais do Serviço de Inativos e Pensionistas da Marinha e do Sistema de Informação de Mortalidade do Brasil (SIM), do Ministério da Saúde. Estimou-se um contingente de 60.000 militares ativos e 36.000 inativos, incluindo-se os da reserva, isto é, os que atingiram idade limite nos postos ou graduações, ultrapassaram os 25 anos de serviço, licenciados "ex-offício" e os reformados que atingiram a idade limite na reserva ou se tornaram inativos por problemas de saúde. Como o recrutamento de mulheres é recente e o número de óbitos ainda reduzido, o presente estudo limita-se à corporação masculina. Para a população de referência escolheu-se a do Estado do Rio de Janeiro, devido à proximidade dos valores da mortalidade por causas maldefinidas com a da população do estudo, além de nele concentrarem-se 70% dos militares da Marinha.12

A coleta dos dados e a avaliação da confiabilidade dos diagnósticos da causa básica de morte foram descritos em outras publicações.9,12 As chamadas "especialidades", que correspondem a ocupações, foram agrupadas de acordo com a similaridade das atividades: Combate e Armamento (manuseio de armas submarinas, artilharia, direção de tiro, torpedos, minas e bombas e infantaria); Saúde (médicos, dentistas, farmacêuticos, auxiliares de enfermagem e operadores de raios X); Mecânica e Metalúrgica (máquinas e motores, mecânicos de aviação, artífices mecânicos, metalúrgicos, caldeireiros); Eletricidade, Eletrônica e Comunicação (comunicação naval e interiores, operadores de sinalização, operadores de sonar, radar e telegrafia, operadores de equipamentos eletrônicos em geral e de aviação, eletricistas); Ciências Navais e Administração (oficiais do Corpo da Armada, especialistas em hidrografia, intendentes, administradores, contadores, escreventes e secretários); Manutenção e Reparos (artífices de obras e instalações, carpintaria, controle de avarias, manobras e reparos de equipamentos de convés e aviação); Serviços Gerais e outros (cozinheiros, arrumadores, barbeiros, paioleiros, ajudantes de limpeza e músicos).

Calculou-se a mortalidade proporcional por câncer (MPC) e por idade (MPI), tanto para a população de estudo como para a população de referência. Tomou-se como numerador cada um dos tipos de câncer (MPC) ou cada uma das faixas etárias (MPI), em relação ao total de óbitos por câncer. As razões de mortalidade proporcionais por câncer ¾ RMPC ¾ brutas e ajustadas por idade pelo método indireto foram estimadas. Como a ocupação era uma variável não disponível na população de referência, restringiu-se essa análise aos militares, comparando-se a mortalidade proporcional por localização anatômica em cada um dos grupos ocupacionais com aquela estimada para todos as demais. Na presente análise, para a inferência estatística, empregaram-se intervalos de confiança base-teste e um alfa=0,05 para testes bicaudais.

RESULTADOS

Do total de 3.882 óbitos encontrados, 319 (8,0%) certidões de óbito não foram localizadas e sete casos excluídos devido à idade abaixo dos grupos definidos na base de dados da população de referência. Neoplasia foi a causa básica de 715 (20,1%) óbitos em militares e de 33.157 (11,8%) óbitos na população de referência, com uma razão de mortalidade proporcional bruta de 170,4% e ajustada por idade de 148,1%. A MPC foi maior entre militares do que na população de referência, especialmente no grupo de idade média, isto é, entre 50 e 60 anos. Nas demais faixas de idade, o percentual dos óbitos por câncer na Marinha do Brasil manteve-se abaixo do estimado para a população referente, embora se aproximem no grupo acima de 79 anos (Figura).


Na Tabela 1, observa-se que, na Marinha, os cânceres mais comuns foram os de pulmão (MPC=21,5%), próstata (MPC=13,7%) e estômago (MPC=9,8%), encontrados com a mesma ordem de freqüência da população referente, MPC de 20,6%, 10,3% e 12,0%, respectivamente. Verificaram-se alterações na ordem de magnitude para o câncer de próstata, que na Marinha ocupou a segunda posição, enquanto na população de referência foi encontrado em terceiro lugar. Entre os militares, o câncer de cérebro foi a 5a neoplasia mais comum (MPC=5,6%), embora ocupasse o 12o lugar (MPC=1,8%) na população geral de referência. Em uma direção oposta, o câncer de cavidade oral obteve menor ocorrência entre militares (8a posição), atingindo o 4o lugar na população geral (Tabela 1).

As razões de mortalidade proporcional do câncer, ajustadas por idade (Tabela 2), apontam as neoplasias de cérebro (RMPCajust. 339,3%), linfomas não Hodgkin (RMPCajust. 152,3%) e câncer de próstata (RMPCajust. 135,0%) como as três mais importantes causas de maior mortalidade por câncer entre os militares em comparação com a população de referência. Os militares também apresentaram elevada mortalidade por câncer de intestino delgado quando comparados com a população referente (RMPCajust. 592,1%), embora por serem raros (n=9), tenham pouco impacto para o diferencial total da mortalidade proporcional por câncer. Verificaram-se também razões de mortalidade proporcional discretamente maiores para os militares em relação ao câncer de fígado (RMPC= 113,4%), laringe (RMPC=110,7%), cólon e reto (RMPC=105,5%), pulmão (RMPC=104,7%) e para as leucemias (RMPC=102,2%). Em geral, não se verificaram diferenças marcantes entre as estimativas brutas e as ajustadas por idade, à exceção das leucemias (RMPCajust.110,4%).

A análise por especialidade, restrita à população de militares, mostrou que a mortalidade proporcional de certas neoplasias se associa com alguns grupos ocupacionais. Dentre aqueles que acometeram de modo expressivo mais os militares do que a população de referência, como as neoplasias de cérebro, houve um predomínio no grupo de ocupações da saúde (RMPC=2,7; 95% IC:1,1-6,5) e de combate e armamento (RMPC=1,5; 95% IC:0,8-3,0). Os linfomas não Hodgkin prevaleceram nos grupos de manutenção e reparos (RMPC=1,7; 95% IC:0,6-4,8) e serviços gerais (RMPC=1,5; 95% IC:0,5-4,2), com diferenças não estatisticamente significantes. Não houve associações entre a mortalidade proporcional pelo câncer de próstata e ocupações dos militares da Marinha (Tabela 3).

Entre as neoplasias que apresentaram pequenos diferenciais para os militares mas se associavam a alguns grupos ocupacionais, destacaram-se o câncer de fígado, mais comum entre profissionais da saúde (RMPC=2,9; 95% IC:1,1-7,8), trabalhadores de serviços gerais (RMPC=1,6; 95% IC:0,7-3,7) e pessoal de combate e armamento (RMPC=1,5; 95% IC:0,7-3,2). A mortalidade proporcional por câncer de laringe foi elevada nos grupos de manutenção e reparos (RMPC=2,3; 95% IC:1,1-5,0) e de combate e armamento (RMPC=1,8; 95% IC:0,9- 3,6). As maiores razões de mortalidade proporcional de câncer do cólon e reto foram verificadas entre os profissionais de ciências navais e administração (RMPC=2,4; 95% IC:1,3-4,5) e eletricidade, eletrônica e comunicação (RMPC=1,9; 95% IC:0,9- 3,7). As leucemias foram mais freqüentes nas ocupações das ciências navais e administração (RMPC=2,0; 95% IC:0,7-5,2) e de serviços gerais (RMPC=1,7; 95% IC:0,6-4,9). O câncer de estômago foi mais comum em militares que desenvolviam atividades relacionadas a eletricidade, eletrônica e comunicação (RMPC=1,5; 95% IC:0,9-2,6); câncer de esôfago no grupo de serviços gerais (RMPC=2,0; 95% IC: 0,8-5,5) e combate e armamento (RMPC=1,7; 95% IC:0,7-4,4); câncer de pâncreas entre os profissionais de mecânica e metalurgia (RMPC=1,7; 95% IC:0,6-4,5) e ciências navais e administração (RMPC=1,6; 95% IC:0,5-4,6); e cânceres de cavidade oral associados às atividades de combate e armamento (RMPC=1,6; 95% IC:0,7-3,4), todos em relação às demais ocupações. Não houve associação entre a mortalidade proporcional por neoplasia de pulmão e ocupações na população do estudo.

DISCUSSÃO

Encontraram-se diferenças na mortalidade proporcional por câncer em militares da Marinha do Brasil em relação à população geral de referência, para a idade e tipos de câncer. A maior mortalidade proporcional por câncer entre os militares com idade entre 50 e 60 anos é compatível com a hipótese da presença de cancerígenos ocupacionais no trabalho naval. A mortalidade por câncer de cérebro, próstata, linfomas não Hodgkin e câncer de intestino delgado está aumentada em militares, o que leva também à consideração de fatores ocupacionais para essas diferenças. Foram encontradas associações positivas entre o câncer de certos tipos ou localização anatômica e grupos ocupacionais. Esses achados não parecem ser decorrentes de diferenças na idade, por não terem se alterado após o ajuste respectivo. Diferenças no perfil de mortalidade de pessoal militar naval e população geral foram também descritas por vários autores,3,7,8,14 mas com resultados distintos no que se refere à faixa etária e aos tipos de câncer mais comuns.

Dados semelhantes aos do presente estudo, de maior mortalidade entre militares navais, foram descritos para os tumores de cérebro.7 Na Marinha do Brasil, a mortalidade por câncer de cérebro, três vezes maior do que a esperada, está associada a ocupações da área da saúde, infantaria, armamento e treinamento em combate, mesmo após o ajuste simultâneo para a idade, estado civil e nível socioeconômico.9 Entretanto, o grupo dos profissionais de saúde, além do câncer de cérebro, apresentou maior proporção do câncer de fígado, ambos encontrados em associação com radiações ionizantes14 em militares nos Estados Unidos.

Causas possíveis para o excesso de linfomas não Hodgkin encontrado em militares têm sido atribuídas por outros autores a fatores ocupacionais e ambientais, tais como solventes orgânicos, exposições aos campos eletromagnéticos de baixa freqüência, radiações ionizantes e ultra-violeta, presentes em locais de trabalho naval e descritos como fatores de risco para esse tipo de câncer.10,11,13,14 Militares expostos a dioxina ou que participaram de testes de bombas nucleares apresentaram maior risco de linfoma não Hodgkin11,14 do que militares supostamente não expostos a esses agentes. Vale notar que a AIDS é causa de morte comum entre militares navais brasileiros,12 e como os linfomas não Hodgkin são uma afecção freqüentemente associada àquela enfermidade, não é possível descartar que a associação encontrada seja devida a erros diagnósticos.

O excesso de óbitos por câncer de próstata não apresentou variações relevantes entre os grupos ocupacionais. Todavia, estudos conduzidos com civis mostraram que exposições ocupacionais, a exemplo do cádmio,13 poeiras de metais, formaldeído, fumaças de diesel, emulsão de óleos lubrificantes, hidrocarbonetos policíclicos aromáticos e campos eletro-magnéticos10 eram possíveis fatores de risco para esse tipo de câncer. Aspectos comportamentais, como dieta (consumo elevado de gorduras e baixo consumo de vitaminas), promiscuidade e antecedentes de doenças sexualmente transmissíveis foram também apontados como outros fatores de risco para o câncer de próstata,6,10,13 cuja etiologia continua ainda pouco conhecida.

A mortalidade aumentada do câncer de intestino delgado em militares é instigante, mas o pequeno número de óbitos limitou a análise, especialmente em relação às ocupações. Embora os achados sejam sugestivos de associações com os grupos de manutenção e reparos, saúde e de serviços gerais, maiores estudos são necessários. As fibras de asbestos, presentes em alguns ambientes de trabalho naval, são uma causa conhecida dos vários cânceres do trato intestinal13 e possivelmente contribuíram para o excesso do câncer de laringe nos grupos de manutenção e reparos, combate e armamento, e também para maior mortalidade por câncer de cólon e reto em operadores de equipamentos eletro-eletrônicos e comunicação em comparação aos demais grupos ocupacionais. Entretanto, em ocupações supostamente menos expostas ao asbesto, como os oficiais do Corpo da Armada e militares com funções administrativas, o câncer de cólon e reto pode estar relacionado às ocupações sedentárias comuns a essas atividades. Outras neoplasias de órgãos digestivos, como o estômago, pâncreas, cavidade oral e esôfago, apresentaram mortalidade menor do que a esperada entre os militares, distintamente de outros estudos,1,3,8,14 embora o consumo de álcool e tabaco, comum em ambiente militar,1,3,8 seja conhecido fator de risco para esses cânceres.

O uso da mortalidade proporcional, ao invés de coeficientes de mortalidade, apresenta limitações por serem proporções do total de óbitos. Sua magnitude depende, portanto, do padrão de falecimento na população, ou seja, da força da mortalidade, de riscos competitivos, das diferenças de idade ou sexo, entre outros. Todavia, é medida indicada na falta de denominadores apropriados ou para se evitar vieses decorrentes de diferenças no acesso ou qualidade de recursos diagnósticos entre as populações de interesse. As razões de mortalidade proporcional específicas por causas, principalmente as ajustadas por idade, são comuns em comparações populacionais e são boas aproximações de razões de coeficientes de mortalidade. Especialmente quando não existem diferenças entre as mortalidades gerais da população de interesse e da referente (razão de coeficientes de mortalidade geral igual a 1) e a enfermidade de interesse é rara.2 Grupos ocupacionais são conhecidos por terem pouca especificidade como aproximações às exposições, mas são amplamente utilizados em estudos exploratórios como o presente. A escolha da população do Rio de Janeiro para comparação, ao invés da população geral do País, evitou distorções devido ao grande sub-registro de óbitos e diagnósticos de causas maldefinidas no País. O uso de óbitos por câncer no denominador, em lugar do total de óbitos, vem sendo recomendado por reduzir diferenças de condições de diagnóstico, tratamento e sobrevida entre as populações em comparação. O efeito do trabalhador sadio, ou de sobrevivência do trabalhador sadio, distorce resultados em pesquisas que comparam trabalhadores com a população geral mas foi minimizado no presente estudo, especialmente no componente de exclusão ou "de segmento incompleto" devido à inclusão dos militares não ativos e afastados.

Uma das limitações do estudo é o uso de dados secundários, especialmente certidões de óbitos em vez das declarações de óbito originais. Todavia, os resultados da avaliação de confiabilidade mostraram diferenças não relevantes entre essas duas fontes de dados para o diagnóstico de câncer. Os dados disponíveis não permitiram a análise de tipos histológicos, conhecidos por apresentarem modelos etiológicos diversos e, portanto, passíveis de diferenças quanto às associações com as ocupações. Ademais, o pequeno número de óbitos de alguns dos tipos de câncer reduziu as possibilidades de análise específica nessa mesma base de dados.

Em suma, os presentes achados indicam a necessidade do desenvolvimento de investigações focalizadas em exposições ocupacionais e ambientais comuns a atividades da Marinha. Além dessas, considerando-se as especificidades da vida em meio militar, deve-se contemplar aspectos do estilo de vida como dieta, isolamento social e a migração, especificando-se o local de residência antes da incorporação, entre outros aspectos, que podem contribuir para o esclarecimento de diferenças geográficas encontradas para a mortalidade por câncer. Com dados mais específicos sobre riscos ocupacionais e ambientais, será possível a implementação de políticas efetivas de promoção e proteção à saúde.

AGRADECIMENTOS

Ao Comando do Serviço de Inativos e Pensionistas da Marinha, em especial à comandante-chefe do Departamento Jurídico, à Dra. Angela Cascão, da Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro, por ter colocado à disposição os dados, e à Professora Maria Isabel Vianna, da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal da Bahia, pelas sugestões.

Correspondência para/Correspondence to:

Marlene Silva

Rua Padre Feijó, 29, 4º andar, Canela

40110-170 Salvador, BA

E-mail: marlenes@ufba.br

Recebido em 2/9/1999. Reapresentado em 21/2/2000. Aprovado em 5/4/2000.

  • 1. Coggon D, Wield G. Mortality of army cooks. Scand J Work Environ Health 1993;19: 85-8.
  • 2. Checkoway H, Pearce NE, Crawford-Brown DJ. Research methods in occupational epidemiology. In: Checkoway H, Pearce NE, Crawford-Brown DJ, editors. Overview of study designs New York: Oxford University Press; 1989. p.46-71.
  • 3. Darby SC, Muirhead CR, Doll R, Kendall GM, Thakrar B. Mortality among United Kingdom servicemen who served abroad in the 1950s and 1960s. Br J Ind Med 1990; 47:793-804.
  • 4. Garland FC, Shaw E, Gorham ED, Garland CF, White MR, Sinsheimer PJ. Incidence of leukemia in occupations with potential electromagnetic field exposure in United States Navy personnel. Am J Epidemiol 1990;132:293-303.
  • 5. Garland FC, White MR, Garland CF, Shaw E, Gorham ED. Occupational sunlight exposure and melanoma in the US Navy. Arch Environ Health 1990;45:261-7.
  • 6. Greenwald P, Kramer BS, Weed DL. Cancer prevention and control New York: Marcel Dekker; 1995.
  • 7. Hoiberg A, Ernst J. Cancer among Navy personnel: incidence and mortality. Mil Med 1980;145:195-200.
  • 8. Inskip H, Snee M, Styles L. The mortality of Royal Naval submariners. Occup Environ Med 1997;54:209-15.
  • 9. Santana VS, Silva M, Loomis D. Brain neoplasms among naval military men. Int J Occup Environ Health 1999;5:88-94.
  • 10. Schottenfeld D. Cancer epidemiology and prevention 2nd ed. Oxford: Oxford University Press; 1996.
  • 11. Selected Cancer Cooperative Study Group. The association of selected cancer with service in the US military in Vietnam. Arch Int Med 1990;150:2473-83.
  • 12. Silva M, Santana VS, Loomis DP. Mortalidade proporcional entre militares da Marinha do Brasil. Arq Bras Med Naval 1998;59:7-16.
  • 13. Vainio H, Mattos E, Kogevinas M. Identification of occupational carcinogens In: Pearce N, Matos E, Vainio H, Boffetta P, Kogevinas M, editors. Occupational cancer in developing countries Lyon: International Agency for Research on Cancer; 1994. p.41-59.
  • 14. Watanabe KK, Kang HK, Dalager NA. Cancer mortality risk among military participants of a 1958 atmospheric nuclear weapons test. Am J Public Health 1995;85:523-7.
  • 15. White MR, McNally MS. Morbidity and mortality in U S Navy personnel from exposures to hazardous materials, 1974-1885. Mil Med 1991;156:70-3.
  • *
    Pesquisa financiada parcialmente pelo: CNPq (Processo n
    o 522621/96-1); "National Institutes of Health/Fogarty Foundation" (Grant n
    o 1043 TW00827-02), convênio entre a "University of North Carolina, Chapel Hill" e a Universidade Federal da Bahia. Dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, 1998.
  • **
    Pós-graduanda
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Out 2006
    • Data do Fascículo
      Ago 2000

    Histórico

    • Aceito
      05 Abr 2000
    • Revisado
      21 Fev 2000
    • Recebido
      02 Set 1999
    Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Avenida Dr. Arnaldo, 715, 01246-904 São Paulo SP Brazil, Tel./Fax: +55 11 3061-7985 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revsp@usp.br