Acessibilidade / Reportar erro

Sub-registro de acidentes do trabalho em localidade do Estado de São Paulo, 1997

Under registration of occupational accidents in Brazil, 1997

Resumos

OBJETIVO: Estimar o número de acidentes do trabalho ocorridos em determinada localidade e intervalo de tempo e a extensão do sub-registro de casos. MÉTODOS: Amostraram-se 4.782 domicílios residenciais do município de Botucatu, SP, contendo 17.219 moradores, em primeiro de julho de 1997. Em cada um dos domicílios, um morador adulto era entrevistado para identificar ocorrência de acidentes do trabalho nos três meses precedentes à entrevista. Nos casos positivos, os acidentados foram entrevistados. Para cálculo do intervalo de confiança utilizou-se a formula de Cochran. RESULTADOS: Confirmaram ter sofrido acidente do trabalho 76 indivíduos, estimando-se em 1.810 o número desses eventos em Botucatu no ano de 1997 e a proporção de incidência em 4,1% (IC95% 3,0%-5,3%). Dos 76 acidentados, 39 não eram cobertos pelo seguro acidente previdenciário (51,3% IC95% 41,1%-61,6%), não se enquadrando na obrigatoriedade de emissão de Comunicação de Acidente do Trabalho (funcionários públicos estatutários, autônomos, assalariados sem registro em carteira, proprietários e outros). Dentre os 37 casos com obrigatoriedade de emissão desse documento, 20 casos não possuíam (54,1% IC39,4%-68,7%). Houve maior proporção de sub-registro de casos em trabalhadores de micro, pequenas e médias empresas, do que entre grandes empresas. Apenas 22,4% (IC13,8%, 30,9%) dos acidentes do trabalho informados nas entrevistas domiciliares foram captados pelos registros previdenciários CONCLUSÕES: Os achados indicam a necessidade de melhoria de utilização de outras fontes de informação, além das Comunicações de Acidentes do Trabalho, para elaboração das estatísticas oficiais sobre acidentes do trabalho.

Acidentes de trabalho; Epidemiologia; Sub-registro; Notificação de acidentes de trabalho


OBJECTIVES: To estimate the number of occupational accidents that occurred in a certain municipality during a specific period of time as well as the extent of sub-registration. METHODS: The study sample was comprised of 4.782 households within the municipality of Botucatu, São Paulo occupied by a total 17,219 inhabitants on the 1st of July, 1997. In each household, an adult inhabitant was interviewed in order to identify the occurrence of occupational accidents in the three months preceding the interview. When such occurrences were identified, the injured workers were interviewed. The Cochran formula was utilized to calculate the confidence interval. RESULTS: Seventy-six individuals confirmed that they had suffered occupational accidents during these three months. In 1997, there were approximately 1,810 occupational accidents in Botucatu, according to our estimates, and the incidence of work related injuries in the population was approximately 4.1% (CI 95% 3.0%-5.3%). Thirty-nine (51.3%, CI 95% 41.1%61.6%) of the above 76 workers were not covered by the Social Security System. Consequently, their injuries were not reported for there was no legally binding obligation to fill out and emit the official registration form - Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT) [the work injury report]. Included among the latter are civil servants and informal sector workers, such as self-employed, casual workers and others. Although the remaining 37 workers (48.7%) were covered by the Social Security System and emission of the work injury report was obligatory, 20 of the cases (54.1% CI 95% 39.4%-68.7%) had not been registered. A greater proportion of cases of sub-registration were found among those workers employed in micro, small and medium sized businesses than among those working in large firms. Only 22.4% (CI 13.8%-30.9%) of the occupational accidents reported in this study were registered by the Social Security System. CONCLUSIONS: Research findings confirm that analyses based on the number of officially registered workplace accidents are limited. It highlights the importance of utilizing other sources of data, besides the registration form for occupational accidents used currently by the Social Security System, Comunicação de Acidente do Trabalho or CAT, in order to elaborate official statistics on occupational accidents.

Accidents; Epidemiology; Underregistration; Occupational accidents registry


ARTIGOS ORIGINAIS

Sub-registro de acidentes do trabalho em localidade do Estado de São Paulo, 1997

Maria Cecília Pereira Binder; Ricardo Cordeiro

Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista. Botucatu, SP, Brasil

Endereço para correspondência E ndereço para correspondência Maria Cecília Pereira Binder Departamento de Saúde Pública Faculdade de Medicina de Botucatu (Unesp) CEP: 18618-000 Botucatu, SP, Brasil E-mail: binder@laser.com.br / E-mail: cordeiro@fmb.unesp.br

RESUMO

OBJETIVO: Estimar o número de acidentes do trabalho ocorridos em determinada localidade e intervalo de tempo e a extensão do sub-registro de casos.

MÉTODOS: Amostraram-se 4.782 domicílios residenciais do município de Botucatu, SP, contendo 17.219 moradores, em primeiro de julho de 1997. Em cada um dos domicílios, um morador adulto era entrevistado para identificar ocorrência de acidentes do trabalho nos três meses precedentes à entrevista. Nos casos positivos, os acidentados foram entrevistados. Para cálculo do intervalo de confiança utilizou-se a formula de Cochran.

RESULTADOS: Confirmaram ter sofrido acidente do trabalho 76 indivíduos, estimando-se em 1.810 o número desses eventos em Botucatu no ano de 1997 e a proporção de incidência em 4,1% (IC95% 3,0%-5,3%). Dos 76 acidentados, 39 não eram cobertos pelo seguro acidente previdenciário (51,3% IC95% 41,1%-61,6%), não se enquadrando na obrigatoriedade de emissão de Comunicação de Acidente do Trabalho (funcionários públicos estatutários, autônomos, assalariados sem registro em carteira, proprietários e outros). Dentre os 37 casos com obrigatoriedade de emissão desse documento, 20 casos não possuíam (54,1% IC39,4%-68,7%). Houve maior proporção de sub-registro de casos em trabalhadores de micro, pequenas e médias empresas, do que entre grandes empresas. Apenas 22,4% (IC13,8%, 30,9%) dos acidentes do trabalho informados nas entrevistas domiciliares foram captados pelos registros previdenciários

CONCLUSÕES: Os achados indicam a necessidade de melhoria de utilização de outras fontes de informação, além das Comunicações de Acidentes do Trabalho, para elaboração das estatísticas oficiais sobre acidentes do trabalho.

Descritores: Acidentes de trabalho. Epidemiologia. Sub-registro. Notificação de acidentes de trabalho.

INTRODUÇÃO

Acidentes do trabalho são fenômenos socialmente determinados, indicativos da intensa exploração a que é submetida grande parte dos trabalhadores. Constituem importante problema de saúde pública no Brasil, atingindo principalmente adultos jovens e causando elevado número de casos de invalidez permanente e óbitos.4,6,14

Segundo a legislação previdenciária brasileira,11 acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause morte, ou perda, ou redução (permanente ou temporária) da capacidade para o trabalho. São também considerados acidentes do trabalho os que ocorrem no trajeto da residência para o trabalho e vice-versa.

As estatísticas oficiais brasileiras de acidentes do trabalho, consideradas precárias por vários autores,1,4,10,12 são elaboradas a partir de informações contidas em documento denominado Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT), desenvolvido pela Previdência Social, com fins securitários. Tais estatísticas excluem funcionários públicos civis e militares estatutários, trabalhadores do setor informal, trabalhadores previdenciários autônomos, empregados domésticos e proprietários. Segundo o Plano de Benefícios da Previdência Social,11 esses trabalhadores não estão cobertos pelo seguro acidente, não se enquadrando na obrigatoriedade do referido documento.

Para os empregados que se acidentam, cobertos pelo seguro acidente, o fluxo das CAT até seu registro no Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) depende:

• Em grande parte, de ato voluntário de sua emissão pelo empregador, em que pese a possibilidade teórica de, caso o empregador não o faça, o documento pode ser emitido por qualquer outro interessado: acidentado, seus familiares, entidade sindical competente, médico de atendimento, ou qualquer autoridade pública;11,12

• De preenchimento do atestado médico contido no item II do modelo da CAT, pelo médico de atendimento;

• De seu encaminhamento à agência do INSS da área de ocorrência do acidente.

A partir de 1976, segundo as estatísticas oficiais, vem ocorrendo declínio da incidência de acidentes do trabalho. No período inicial essa tendência foi influenciada por modificações na legislação previdenciária: aumento da carência do pagamento do seguro de dois para 15 dias, acarretando aumento do sub-registro de acidentes leves; e inclusão de autônomos e de empregados domésticos no Regime Geral da Previdência sem seguro acidente.6,13 Carmo et al4 apontam a extinção de pagamento diferenciado aos hospitais privados pelo atendimento de acidentados do trabalho e a expansão do atendimento na rede pública, ocorridas a partir de meados da década de 80, como fatores que contribuíram para a diminuição da notificação de tais eventos. Mais recentemente, a explicação para a evolução observada tem sido devido a processos de reestruturação produtiva, introdução de novas tecnologias e retração do setor secundário com concomitante expansão do setor terciário da economia.15,16

Acredita-se que no Brasil ocorra sub-notificação importante de acidentes do trabalho, particularmente dos de menor gravidade e, em áreas menos desenvolvidas, inclusive de acidentes graves.1,4,6 Recentemente, estudo em municípios do interior do Estado de São Paulo com população superior a oitenta mil habitantes revelou sub-notificação de acidentes do trabalho de 42% entre assalariados do setor formal da economia e de 71% para a população economicamente ativa.2

Frente a essa precariedade dos dados sobre acidentes do trabalho, a Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva1 1 Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. I Seminário Nacional de Pesquisa em Saúde do Trabalhador. Rio de Janeiro, 5-7 de agosto de 1996 2 Equivalentes em moeda americana, em 1º de julho de 1997, a R$ 1,0771 cada dólar 3 Ver nota anterior, p. 412 recomendou, em 1996, a realização de esforços, visando dimensionar e caracterizar com maior precisão os acidentes de trabalho no País.

Consonante com essa recomendação, os objetivos do presente estudo foram: estimar o número de acidentes do trabalho ocorridos em determinado município, independentemente da forma de inserção dos indivíduos no mercado de trabalho; e estimar a dimensão do sub-registro desses eventos entre os trabalhadores que, segundo o Plano de Benefícios da Previdência Social, enquadram-se na obrigatoriedade de emissão de CAT.

MÉTODOS

O estudo foi realizado em amostra populacional, no município de Botucatu, SP, com população estimada em 102.494 habitantes.

O processo amostral, descrito em Cordeiro,8 foi realizado em junho e julho de 1997, adotando-se como referência primeiro de julho de 1997, e utilizando-se das informações da Contagem Populacional de 1996,9 segundo a qual existiam em Botucatu, 33.900 domicílios residenciais, sendo 31.604 em área urbana e 2.296 em área rural.

Na zona urbana, por amostra aleatória sistemática de conglomerados, foram selecionados 4.454 domicílios; na zona rural, por amostra de conveniência de conglomerados, foram selecionados 328 domicílios, totalizando 17.219 moradores.

Todos os domicílios da amostra foram visitados por entrevistador treinado. Desses, 10% foram re-visitados pelos coordenadores de campo, para verificação de imprecisões, erros sistemáticos ou mesmo fraudes dos entrevistadores.

Na zona urbana, os domicílios permanentemente desocupados foram substituídos pelos imediatamente subseqüentes e domicílios encontrados fechados na primeira visita foram visitados duas outras vezes, em dia e período diferentes da visita inicial. Se fechado nas três visitas, foi excluído da amostra, sem reposição.

Os entrevistadores perguntaram a um morador adulto (com 18 anos de idade ou mais) quantos indivíduos residiam naquele endereço e se, nos últimos 90 dias, algum deles sofrera qualquer acidente no exercício do trabalho. Em caso afirmativo, após confirmação do acidente, a entrevista era realizada com o acidentado, por meio de questionário contendo: identificação, situação de trabalho (proprietário, autônomo, empregado permanente ou temporário, com ou sem registro em carteira, funcionário público estatutário ou celetista, empregada doméstica, e outros), nome da empresa, descrição sumária do acidente, tempo de afastamento do trabalho, tipo e local da lesão, atendimento médico, emissão ou não de CAT e recebimento de benefício previdenciário.

A partir dos resultados obtidos na população amostrada, estimou-se o número total de acidentes do trabalho ocorridos nos 90 dias que precederam a data da entrevista. Para tanto, multiplicou-se a proporção de acidentados, encontrada entre os moradores dos domicílios amostrados pela população de Botucatu em julho de 1997. O intervalo de confiança foi calculado estimando-se a variância amostral do estimador da proporção de acidentados na amostra de conglomerados segundo fórmula desenvolvida por Cochran:5

na qual

ƒ = fração amostral

n = número de domicílios amostrados

m = número médio de moradores nos domicílios

ai = número de trabalhadores acidentados nos últimos 90 dias no domicílio i

p = proporção de trabalhadores acidentados nos últimos 90 dias na amostra

mi = número de moradores no domicílio i

Para estimar o número de acidentes de trabalho ocorridos em 1997, pressupôs-se ser homogênea a distribuição anual dos acidentes do trabalho e multiplicou-se por 365/90 a estimativa feita para o período de 90 dias.

Confrontaram-se as informações sobre emissão de CAT obtidas nas entrevistas com as existentes em banco de dados, elaborado a partir desses documentos, conforme descrito por Binder et al.3

Para a estimação do sub-registro de acidentes de trabalho, considerou-se o domicílio residencial como a unidade amostral de interesse e calculou-se a razão entre o número observado de acidentes do trabalho de registro obrigatório no INSS - e de fato notificados - e o número constatado nas visitas domiciliares.

Utilizou-se a fórmula de Cochran5 para o cálculo dos intervalos de confiança:

ƒ = fração amostral

n = número de domicílios amostrados

x = média amostral de acidentes do trabalho de notificação compulsória por domicílio

yi = número de acidentes do trabalho de notificação compulsória não notificados no domicílio i

R = razão amostral entre acidentes do trabalho de notificação compulsória não notificados e acidentes de trabalho de notificação compulsória

xi = número de acidentes do trabalho de notificação compulsória encontrados no domicílio i

Os dados foram processados utilizando-se o programa Epi-Info, versão 6.0.

RESULTADOS

As visitas aos domicílios residenciais amostrados revelaram haver 776 domicílios permanentemente desocupados, todos substituídos; 111 domicílios fechados em três visitas, implicando 2,3% de perda; oito casos de recusa, com exclusão do domicílio sem reposição, significando mais 0,2% de perda.

Estimou-se em 5.432 o número de domicílios residenciais permanentemente desocupados, multiplicando-se por sete o total de 776 domicílios desocupados encontrados na amostra. Assim, o número de domicílios residenciais habitados foi estimado em 28.468 (33.900-5.432). Desses, 4.782 foram visitados, correspondendo à fração amostral de 0,1680.

Na primeira entrevista domiciliária, as informações do morador adulto presente revelaram 141 acidentes presumivelmente ocorridos no trabalho, sendo que em 14 dos casos, a visita não pôde ser realizada pelos seguintes motivos: pessoa ausente do domicílio em pelo menos 3 visitas agendadas (oito casos); pessoa não localizada por mudança de endereço (dois casos); recusa em conceder a entrevista (três casos); e óbito (um caso).

Assim, entrevistaram-se 127 indivíduos, dos quais: 19 negaram ter sofrido qualquer tipo de acidente; três revelaram ter sofrido acidente não relacionado ao trabalho; seis referiram ser portadores de doença profissional; 23 confirmaram ter sofrido acidente do trabalho no passado, em período anterior ao definido no estudo, e que variou de sete meses a oito anos antes; 76 confirmaram ter sofrido acidente do trabalho no período referente ao estudo, sendo 64 acidentes típicos e 12 acidentes de trajeto.

A Tabela 1 mostra a distribuição dos acidentados segundo alguns atributos, revelando que eram majoritariamente do sexo masculino (82,9%); com idades entre 20 e 39 anos (67,1%); casados (63,2%); com escolaridade de 47,4% referente ao primeiro grau incompleto e 26,3% com o segundo grau incompleto; quanto aos rendimentos, cinco entrevistados informaram renda mensal de um salário-mínimo e 51, a maioria (67,11%) renda mensal entre dois e cinco salários-mínimos, sendo que entre os que informaram, a média de rendimentos foi de R$603,00 por mês.2 1 Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. I Seminário Nacional de Pesquisa em Saúde do Trabalhador. Rio de Janeiro, 5-7 de agosto de 1996 2 Equivalentes em moeda americana, em 1º de julho de 1997, a R$ 1,0771 cada dólar 3 Ver nota anterior, p. 412

Estimou-se o total de acidentes do trabalho ocorridos no ano de 1997, em Botucatu, conforme procedimento descrito em Métodos, como sendo 1.810 (IC95% 1.367-2.252). A partir da População Economicamente Ativa (PEA), definida como população de 10 anos ou mais9 e estimada em 43.970 trabalhadores (IC95% 42.842-45.097),8 a proporção de incidência de acidentes do trabalho no mesmo ano (1997) foi estimada em 4,1% (IC95% 3,0%-5,3%).

Dos 76 acidentados, segundo a situação de trabalho em relação à obrigatoriedade de emissão de CAT, constatouse que 39 casos (51,3%, IC95% 41,1%-61,6%) não se enquadravam na obrigatoriedade de emissão desse documento, por serem funcionários públicos estatutários, autônomos, assalariados sem registro em carteira, proprietários e outros. Para os restantes 37 acidentados (48,7%, IC95% 38,4%-58,9%), compostos por assalariados com contrato registrado em carteira de trabalho, havia obrigatoriedade da emissão da CAT (Tabela 2).

Para os 37 casos identificados pelas entrevistas e enquadrados na obrigatoriedade de emissão de CAT, verificou-se que 20, isto é, 54,1% (39,4%-68,7%) não haviam sido registrados no INSS local. Esses resultados evidenciam que os registros da Previdência Social captaram apenas 22,4% (13,8%-30,9%) dos acidentes do trabalho informados nas entrevistas domiciliares, conforme mostra a Figura.


A Tabela 3 mostra que, dentre esses 37 casos, 48,6% (34,0%-63,3%) eram empregados de 10 empresas de grande porte, e os 51,4% restantes (36,7%-66,0%), de médias, pequenas e micro-empresas. Dentre os casos ocorridos em empresas de grande porte, 61,1% (44,7%-77,5%) estavam registrados no INSS, e 38,9% (22,5%-55,3%), não. Já nas pequenas empresas, constatou-se que 31,6% (3,5%-59,6%) dos casos haviam sido registrados, contra 68,4% (40,4%-96,5%) não registrados. Foram classificadas como de grande porte, as empresas com efetivo igual ou superior a quinhentos trabalhadores, ainda que, na unidade localizada em Botucatu, esse número fosse menor. Não foi possível diferenciar micro, pequenas e médias empresas, pela inexistência de cadastros contendo informações atualizadas e confiáveis que permitissem efetuar essa distinção.

Em relação à assistência médica, constatou-se que 92,1% (86,6%-97,6%) dos acidentados receberam atendimento: 100% dos enquadrados na obrigatoriedade de emissão de CAT e 84,6% (74,3%-94,9%) dos não enquadrados.

Quanto ao afastamento do trabalho, a Tabela 4 mostra que isso ocorreu em 69,7% (60,3%-79,2%) dos casos estudados: 78,4% (66,3%-90,5%) entre os enquadrados na obrigatoriedade de emissão de CAT e 61,5% (47,6%-75,5%) entre os não enquadrados.

O tempo médio de afastamento do trabalho dos 76 acidentados foi 18,4 dias. Entre os enquadrados na obrigatoriedade de emissão de CAT, essa média foi de 19 dias e, entre os não enquadrados, de 22,1 dias. Do total de acidentados, 14 permaneceram afastados por tempo igual ou superior a um mês. Houve oito assalariados com carteira de trabalho assinada que se acidentaram e continuaram trabalhando, sem se afastar. Desses, cinco informaram ter sofrido lesões leves (corte superficial, pequena queimadura e corpo estranho ocular). Entretanto, três trabalhadores com recomendação médica de afastamento referiram ter preferido continuar trabalhando por medo de perder o emprego.

A Tabela 5 apresenta os resultados segundo o setor da economia. Verificouse que dentre os 76 acidentados, 9,2% (3,3%-15,1%) trabalhavam no setor primário, 42,1% (32,0%-52,2%) no secundário e 48,7% (38,4%-58,0%) no terciário. No secundário, 43,7% (28,1%-59,4%) dos casos identificados, ocorreram em trabalhadores da indústria da construção civil, sendo que nesse ramo de atividade, 78,6% (62,9%-94,3%) enquadraram-se no grupo em que não havia obrigatoriedade de emissão de CAT (empregados sem registro e autônomos).

Em relação aos casos em que havia obrigatoriedade de emissão de CAT, verificou-se que: apenas um dos cinco casos do setor primário foi registrado no INSS; dos 17 casos do setor secundário, onze (64,7%, 44,0%-85,4%) foram registrados; e dos 15 casos do setor terciário, somente cinco (33,3%, 11,6%-55,1%).

Dos 76 acidentados, verificou-se que 80,3% (72,1%-88,4%) ignoravam o que era Comunicação de Acidente do Trabalho e qual sua finalidade, percentagem que foi semelhante entre os enquadrados e os não enquadrados na obrigatoriedade de emissão do documento.

Usando-se a média de rendimentos dos acidentados, R$ 603,003 1 Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. I Seminário Nacional de Pesquisa em Saúde do Trabalhador. Rio de Janeiro, 5-7 de agosto de 1996 2 Equivalentes em moeda americana, em 1º de julho de 1997, a R$ 1,0771 cada dólar 3 Ver nota anterior, p. 412 estimouse, para Botucatu, o custo anual em salário decorrente de afastamento do trabalho, devido a acidentes, em R$ 669.410,40, multiplicando-se o tempo médio de afastamento (em meses) pela estimativa de acidentes ocorridos no ano, a seguir multiplicado pelo rendimento médio mensal. Considerando-se, além dos gastos salariais acima mencionados, os gastos com assistência médica, de eventuais perdas materiais e redução de produtividade após o acidente, pode-se inferir que, além do custo humano, os custos financeiros dos acidentes são bastante elevados.

DISCUSSÃO

Para obter-se uma boa estimativa da ocorrência de acidentes de trabalho em Botucatu, foi imprescindível contemplar no desenho amostral a zona rural do município. Caso a amostragem fosse restrita à zona urbana da cidade, as ocupações associadas ao setor primário da economia seriam subestimadas. A maior dificuldade encontrada no planejamento amostral desse estudo deveu-se à impossibilidade de amostrar aleatoriamente conglomerados na zona rural. A opção de amostrarem-se domicílios em zona rural (6,3% do total de domicílios) conforme a conveniência de acesso, ao invés de proceder-se segundo um algoritmo probabilístico, foi a única maneira viável de conduzir a amostragem, com os recursos disponíveis. Isso porque, diferentemente da região urbana da cidade, não há mapas dos setores censitários rurais de Botucatu. Sua construção, devido à dispersão e à dificuldade de acesso dos domicílios na zona rural, consumiria praticamente todos os recursos disponíveis para a realização da pesquisa. Entretanto, dada a pequena proporção de domicílios originados da zona rural incluídos na amostra, pressupõe-se que as imprecisões nas estimativas dos intervalos de confianças apresentados que podem advir dessa inclusão são negligenciáveis.

O presente estudo possibilitou estimar o número de acidentes do trabalho ocorridos em 1997, em Botucatu, em 1.810, com média estimada de tempo de afastamento do trabalho em 18,4 dias. Esses dados permitem estimar que foram perdidos 33.304 dias ou 91,2 anos de trabalho naquela localidade no ano de 1997. Os resultados também indicam que, em Botucatu, no ano de 1997, foram captados pelos registros previdenciários apenas 22,4% dos acidentes de trabalho revelados pelas entrevistas domiciliares.

A identificação do trabalhador suspeito de haver sofrido acidente do trabalho, e posteriormente entrevistado, se deu a partir da informação de um morador adulto presente no domicílio na primeira visita. Na maioria dos casos, esse morador era uma dona de casa ou um aposentado, dado que as visitas domiciliares ocorreram preferencialmente no horário comercial, quando a população economicamente ativa, geralmente, encontra-se fora de casa. Assim, na maioria das vezes, a obtenção dessa informação inicial dependeu do conhecimento e da memória do primeiro entrevistado no domicílio. Por essa razão, considera-se que as estimativas do presente estudo, no que se referem ao subregistro de acidentes, podem estar sub-dimensionadas.

Para os casos enquadrados na obrigatoriedade legal de emissão de CAT, não se investigou com as empresas se esse documento havia sido emitido ou não. Considerando que esse documento deve ter o laudo do exame médico preenchido para, a seguir, ser encaminhado ao INSS, é possível que, nesse fluxo, algumas CAT emitidas pelas empresas não tenham chegado ao seu destino. Essa possibilidade é particularmente forte em se tratando de casos que não geram benefício previdenciário, isto é, aqueles nos quais o período de afastamento é igual ou menor do que 15 dias.

O fluxo de informações para o INSS sobre a ocorrência de acidentes do trabalho inicia-se com a emissão de CAT pelo empregador. No caso de Botucatu, um pouco menos da metade dos casos revelados pelas entrevistas deveriam ter sido seguidos de emissão de CAT. Assim, mesmo que se consiga melhorar essa percentagem de casos, muitos acidentes ainda não seriam captados. E a precarização das relações de trabalho que vem ocorrendo nas últimas décadas, sobretudo em anos recentes, leva à formulação da hipótese de que a proporção de trabalhadores cobertos pelo seguro acidente diminuirá progressivamente, com reflexos na capacidade de captação de casos pelas estatísticas oficiais, caso continuem a ser elaboradas a partir das CAT.

Os resultados alcançados foram semelhantes aos observados por Barata et al,2para o ano de 1994, em municípios com mais de oitenta mil habitantes, em que pese o fato de o método utilizado pelos autores não ser similar ao do presente estudo.

Por outro lado, 92% dos acidentados do trabalho identificados neste estudo receberam assistência médica, percentagem que atingiu 100% dentre os enquadrados na obrigatoriedade de emissão de CAT. Esse resultado indica que, em Botucatu, os serviços de saúde de atendimento aos acidentados podem ser considerados boa fonte de informação no que diz respeito à ocorrência de acidentes do trabalho.

Os dados apresentados no estudo permitem concluir que apenas pouco mais de um quinto dos acidentes do trabalho ocorridos no município de Botucatu, no período estudado, foram registrados. O sub-registro observado, de quase 80%, deve-se, em parte, à legislação previdenciária brasileira que exclui do sistema cerca de 50% da força de trabalho, somando-se a isso a vulnerabilidade do próprio sistema de informação, fortemente dependente de ato voluntário do empregador. Nada sugere que o sub-registro encontrado constitua particularidade de Botucatu. Provavelmente, trata-se de situação generalizada em todo o país.

Os resultados do presente estudo indicam a necessidade de construção de sistemas locais de informações sobre acidentes do trabalho capazes de captar de maneira mais adequada a ocorrência desses fenômenos, visando subsidiar os gestores municipais de saúde no planejamento de ações de prevenção e, particularmente, na avaliação do impacto dessas ações.

Trabalho financiado pela Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp - Processo n. 97/12782-9)

Recebido em 29/11/2001

Reapresentado em 19/11/2002

Aprovado em 10/2/2003

  • 1. Alves S, Luchesi G. Acidentes do trabalho e doenças profissionais no Brasil: a precariedade das informações. Inf Epidemiol SUS 1992;3:5-20.
  • 2. Barata RCB, Ribeiro MCSA, Moraes JC. Acidentes do trabalho referidos por trabalhadores moradores em área urbana no interior do estado de São Paulo em 1994. Inf Epidemiol SUS 2000;9:199-210.
  • 3. Binder MCP, Wludarski SL, Almeida IM. Estudo da evolução dos acidentes do trabalho registrados pela previdência social no período de 1995 a 1999, em Botucatu, SP. Cad Saúde Pública 2001;17:915-24.
  • 4. Carmo JC, Almeida IM, Binder MCP, Settimi MM. Acidentes do Trabalho. In: Mendes, R. Patologia do trabalho Rio de Janeiro: Editora Ateneu; 1995. p. 431-55.
  • 5. Cochran WG. Sampling techniques 3rd ed. New York: John Wiley & Sons; 1977.
  • 6. Cohn A, Karsh US, Hirano S, Sato AK. Acidentes do trabalho. Uma forma de violência São Paulo: Ed. Brasiliense; 1985.
  • 7. Cordeiro R, Olivencia ERP, Cardoso CF, Cortez DB, Kakinami E, Souza JJG et al. Desigualdade de indicadores de mortalidade no sudeste do Brasil. Rev Saúde Pública 1999;33:593-601.
  • 8. Cordeiro R. Efeito do desenho em amostragem de conglomerados para estimar a distribuição de ocupações entre trabalhadores. Rev Saúde Pública 2001;35:10-5.
  • 9
    Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Contagem da população, 1996 Rio de Janeiro: Fundação IBGE; 1997. vol. 1.
  • 10. Hirata HS, Salerno MS. L'implantation d'outils statistiques sur l'organisation et les conditions de travail dans les pays dits 'semi-développés' Le cas du Brésil. In: France, Ministère du Travail, de l'Emploi et de la Formation Professionelle. L'usage des méthodes statistiques dans l'étude du travail; 1995. p. 117-29. (Serie Cahier Travail et Emploi).
  • 11. Ministério da Previdência e Assistência Social. Plano de Benefícios da Previdência Social. Lei 8.213, de 24 de julho de 1991. Diário Oficial da União, Brasília, 14 de agosto de 1998, seção I .
  • 12. Possas C. Avaliação da situação atual do sistema de informação sobre doenças e acidentes do trabalho no âmbito da Previdência Social Brasileira e propostas para sua reformulação. Rev Bras Saúde Ocup 1987;15(60):43-67.
  • 13. Possas C. Saúde e trabalho. A crise na previdência social. São Paulo: Hucitec; 1981.
  • 14. Ribeiro HP, Lacaz FAC. Acidentes de trabalho. In: Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisa de Saúde e dos Ambientes de Trabalho, editor. De que adoecem e morrem os trabalhadores São Paulo: Diesat; 1984.
  • 15. Ribeiro HP. O número de acidentes do trabalho no Brasil continua caindo: sonegação ou realidade? SOS Saúde Ocup Segur 1994;20:14-21.
  • 16. Wünsch Filho V. Reestruturação produtiva e acidentes de trabalho no Brasil: estrutura e tendências. Cad Saúde Pública 1999;15:41-51.
  • E
    ndereço para correspondência
    Maria Cecília Pereira Binder
    Departamento de Saúde Pública Faculdade de Medicina de Botucatu (Unesp)
    CEP: 18618-000 Botucatu, SP, Brasil
    E-mail:
  • 1
    Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. I Seminário Nacional de Pesquisa em Saúde do Trabalhador. Rio de Janeiro, 5-7 de agosto de 1996
    2
    Equivalentes em moeda americana, em 1º de julho de 1997, a R$ 1,0771 cada dólar
    3
    Ver nota anterior, p. 412
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Mar 2004
    • Data do Fascículo
      Ago 2003

    Histórico

    • Revisado
      19 Nov 2002
    • Recebido
      29 Nov 2001
    • Aceito
      10 Out 2003
    Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Avenida Dr. Arnaldo, 715, 01246-904 São Paulo SP Brazil, Tel./Fax: +55 11 3061-7985 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revsp@usp.br