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Caracterização e distribuição de cronotipos no sul do Brasil: diferenças de gênero e estação de nascimento

Characterization and distribution of chronotypes in southern Brazil: gender and season of birth differences

Resumos

OBJETIVO: Investigar a tipologia circadiana e as diferenças de gênero em universitários do sul do Brasil. MÉTODOS: Voluntários (736) de 17 a 49 anos preencheram a versão brasileira do Questionário de Cronotipo (QC), tradução do Morningness-eveningness Questionnaire (MEQ) de Horne e Östberg. Medidas de tendência central e dispersão e curva de distribuição dos escores do QC (Kolmogorov-Smirnov) foram calculadas de acordo com gênero (teste t de Student), idade, estação de nascimento e desconforto com o horário de verão (qui-quadrado). RESULTADOS: Foram incluídos 648 indivíduos (36% homens, 64% mulheres), com perdas de 12% por questionários incorretos. A distribuição dos escores do QC evidenciou uma curva normal (amplitude = 18-77; média = 46,6; desvio-padrão = 10,8). Nesta amostra, 32% foram vespertinos, 54% intermediários e 14% matutinos. As médias do QC foram significativamente diferentes (p = 0,003): homens (44,9 ± 10,8) comparados com mulheres (47,5 ± 10,7) e 70% dos que nasceram na primavera e no verão foram vespertinos (p = 0,015), sem associação gênero-estação do ano. CONCLUSÃO: Homens e nascidos na primavera-verão evidenciaram preferência pela vespertinidade, não havendo diferença de gênero com relação à estação de nascimento. Nossos resultados estão de acordo com estudos realizados no hemisfério norte que mostraram, também, uma associação entre a estação de nascimento e o cronotipo.

Matutinidade-vespertinidade; cronotipo; ritmos circadianos; diferenças de gênero; estação do ano de nascimento


OBJECTIVE: To analyze circadian typology (diurnal preference) and gender differences in a university student population from Southern Brazil. METHODS: Seven hundred and thirty six university student volunteers, with an age range 17-49 years, filled the Brazilian version of the Chronotype Questionnaire (CQ), the portuguese translation of the Horne and Östberg's Morningness-Eveningness Questionnaire (MEQ). Central and dispersion tendencies measures and CQ scores distribution curve (Kolmogorov-Smirnov) were calculated according to gender (Student t), age, birth season, and daylight-saving time discomfort (qui-square). RESULTS: Six hundred and fourty eight individuals (36% men; 64% women) were included in this study, with 12% of losses due to incorrect questionnaires. CQ score distribution was correlated to the normal curve (range=18-77; mean=46.6; s.d.=10.8). In this sample, 32% were evening-types; 54% were intermediate-types, and 14% were morning-types. CQ means were significatively different (p=0.003) when males (44.9±10.8) were compared to females (47.5±10.7), and 70% of those born during spring and summer were evening-types (p=0.015).There was no gender-by-season association. CONCLUSIONS: Men, and Individuals born in spring and summer, presented eveningness preference, without gender-birth season interaction. Our results are also in agreement with studies performed in the Northern Hemisphere, which showed an association between birth season and diurnal preference.

Morningness-eveningness; diurnal preference; circadian rhythms; gender differences; birth season


ARTIGO ORIGINAL

Caracterização e distribuição de cronotipos no sul do Brasil: diferenças de gênero e estação de nascimento

Characterization and distribution of chronotypes in southern Brazil: gender and season of birth differences

Marilene Farias AlamI; Elaine TomasiII; Maurício Silva de LimaIII; Roberta AreasIV; Luiz Menna-BarretoIV

IMestrado em Saúde e Comportamento pela Universidade Católica de Pelotas (UCPEL)

IIEscola de Psicologia da UCPEL

IIIDepartamento de Saúde Mental da Universidade Federal de Pelotas

IVUniversidade de São Paulo (USP)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Marilene Farias Alam Rua Almirante Barroso, 1.202, Bloco G-109 96010-280 – Pelotas, RS E-mail: malam@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Investigar a tipologia circadiana e as diferenças de gênero em universitários do sul do Brasil.

MÉTODOS: Voluntários (736) de 17 a 49 anos preencheram a versão brasileira do Questionário de Cronotipo (QC), tradução do Morningness–eveningness Questionnaire (MEQ) de Horne e Östberg. Medidas de tendência central e dispersão e curva de distribuição dos escores do QC (Kolmogorov-Smirnov) foram calculadas de acordo com gênero (teste t de Student), idade, estação de nascimento e desconforto com o horário de verão (qui-quadrado).

RESULTADOS: Foram incluídos 648 indivíduos (36% homens, 64% mulheres), com perdas de 12% por questionários incorretos. A distribuição dos escores do QC evidenciou uma curva normal (amplitude = 18-77; média = 46,6; desvio-padrão = 10,8). Nesta amostra, 32% foram vespertinos, 54% intermediários e 14% matutinos. As médias do QC foram significativamente diferentes (p = 0,003): homens (44,9 ± 10,8) comparados com mulheres (47,5 ± 10,7) e 70% dos que nasceram na primavera e no verão foram vespertinos (p = 0,015), sem associação gênero–estação do ano.

CONCLUSÃO: Homens e nascidos na primavera-verão evidenciaram preferência pela vespertinidade, não havendo diferença de gênero com relação à estação de nascimento. Nossos resultados estão de acordo com estudos realizados no hemisfério norte que mostraram, também, uma associação entre a estação de nascimento e o cronotipo.

Palavras-chave: Matutinidade–vespertinidade, cronotipo, ritmos circadianos, diferenças de gênero, estação do ano de nascimento.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To analyze circadian typology (diurnal preference) and gender differences in a university student population from Southern Brazil.

METHODS: Seven hundred and thirty six university student volunteers, with an age range 17-49 years, filled the Brazilian version of the Chronotype Questionnaire (CQ), the portuguese translation of the Horne and Östberg's Morningness–Eveningness Questionnaire (MEQ). Central and dispersion tendencies measures and CQ scores distribution curve (Kolmogorov-Smirnov) were calculated according to gender (Student t), age, birth season, and daylight-saving time discomfort (qui-square).

RESULTS: Six hundred and fourty eight individuals (36% men; 64% women) were included in this study, with 12% of losses due to incorrect questionnaires. CQ score distribution was correlated to the normal curve (range=18-77; mean=46.6; s.d.=10.8). In this sample, 32% were evening-types; 54% were intermediate-types, and 14% were morning-types. CQ means were significatively different (p=0.003) when males (44.9±10.8) were compared to females (47.5±10.7), and 70% of those born during spring and summer were evening-types (p=0.015).There was no gender-by-season association.

CONCLUSIONS: Men, and Individuals born in spring and summer, presented eveningness preference, without gender-birth season interaction. Our results are also in agreement with studies performed in the Northern Hemisphere, which showed an association between birth season and diurnal preference.

Keywords: Morningness–eveningness, diurnal preference, circadian rhythms, gender differences, birth season.

INTRODUÇÃO

A preferência pela matutinidade–vespertinidade (M-V), cronotipo ou tipologia circadiana, é a diferença individual que explica mais claramente as variações na expressão rítmica de padrões biológicos e comportamentais.

Como um dia consiste de um ciclo com período de alternância de claro-escuro e duração constante de 24 horas, muitas funções biológicas obedecem ao mesmo ritmo diário. Os ritmos circadianos (circa diem, ou seja, próximo de um dia) se expressam por meio de hábitos e comportamentos cíclicos, como vigília–sono e estado de alerta e ritmos fisiológicos (por exemplo, temperatura e secreções hormonais).

O ritmo circadiano de dormir/acordar, ciclo vigília–sono (CVS), associa-se a diferenças interindividuais na fase (horário) do marcapasso circadiano endógeno, o relógio biológico central tratado como o " guarda-costas" da homeostase temporal1. Esse sistema de temporização, marcador do tempo biológico que se localiza no núcleo supraquiasmático (NSQ) do hipotálamo é sincronizado com a periodicidade de 24 horas por sinalizadores externos – zeitgebers (Aschoff, 1954 apud Marques e Menna-Barreto)2, como o ciclo diário claro/escuro (dia/noite) e fatores sociais.

O cronotipo é uma propriedade do sistema de temporização circadiana. Os fatores determinantes para os cronotipos humanos, distribuídos em determinada população num continuum de extrema vespertinidade à extrema matutinidade, são ainda desconhecidos.

Avanços na investigação das bases biológicas dos cronotipos têm contribuído para o entendimento das bases moleculares da ritmicidade circadiana3, acumulando-se evidências de que a M-V possa ter componentes genéticos4,5 e que determinado cronotipo pode resultar da combinação de fatores genéticos, sociodemográficos (idade e gênero), individuais (personalidade, estilo de vida, condições de trabalho) e ambientais, como a latitude geográfica6,7. A genotipagem tem sido empregada como ferramenta molecular importante para identificar a associação entre polimorfismos nos genes-relógio Clock e Per3 – engrenagens genéticas do relógio central e o cronotipo. Tanto as variações genéticas nos genes Clock, como as influências ambientais, contribuem para a distribuição dos cronotipos8. A investigação sobre uma possível associação entre polimorfismos no gene Clock e fenótipos circadianos, em uma amostra da população brasileira, indicou que o efeito do polimorfismo sobre o cronotipo pode ser influenciado pela latitude5.

O cronotipo pode relacionar-se com a capacidade de adaptação e o desempenho de atividades diárias quando são exigidas mudanças dos hábitos de sono que possam determinar privação ou débito desse importante estado funcional.

A M-V cronotipo tem sido avaliada com o Morningness–Eveningness Questionnaire (MEQ), de Horne e Östberg9, um instrumento amplamente utilizado para diferenciar cronotipos. O uso desse questionário tem permitido aos investigadores, em pesquisas epidemiológicas de larga escala, examinar os perfis de preferência circadiana de acordo com a idade10-12 e o gênero13. As influências da etnicidade e fatores socioeconômicos sobre a M-V também foram investigadas em inquéritos epidemiológicos14.

No estudo de Adan e Natale13 com uma amostra italiana e espanhola de estudantes universitários de 18 a 30 anos de idade, os homens e as mulheres apresentaram escores totais do MEQ diferentes e diferenças nas distribuições da tipologia circadiana. Os homens tiveram os escores mais baixos, com proporção maior de vespertinos. Mongrain et al.7 estudaram as diferenças de gênero em adultos jovens, universitários de 17 a 35 anos, cujos resultados revelaram escores do MEQ mais altos, refletindo mais matutinidade, em mulheres do que em homens.

A preferência diurna relaciona-se com os cronotipos: dormir cedo e acordar cedo é preferido pelos matutinos; dormir tarde e acordar mais tarde, pelos vespertinos. O cronotipo indiferente intermediário no espectro matutinidade–vespertinidade tem sido apontado2 como mais flexível, ajustando-se melhor aos horários impostos pelas rotinas diárias (jornada de trabalho e/ou estudo).

Alterações no CVS são freqüentes e podem afetar boa parte da população, como no horário de verão e nas mudanças do ciclo durante a semana. Quem dorme tarde e acorda mais tarde nos finais de semana, com atraso de fase do CVS, costuma se queixar na segunda-feira de cansaço e sonolência durante o dia. Tal queixa comumente rotulada de blue monday15 teria uma possível explicação: os relógios biológicos operariam nos finais de semana como se o dia fosse " maior" do que o de 24 horas. Acordando cedo na segunda-feira para cumprir seus compromissos, alguns indivíduos chegam a acumular a cada semana um déficit de sono que tem sido associado a riscos de acidentes no trabalho16,17, no trânsito18-20, com impacto sobre a qualidade de vida e o aprendizado escolar. Jovens com compromisso diário de estudar e trabalhar se queixam da dificuldade de concentração nos seus estudos porque se sentem sonolentos na escola.

Estudantes universitários exibem, habitualmente, um padrão irregular do CVS, caracterizado por grandes atrasos de fase nos finais de semana e pequena duração do sono nos outros dias21. Considerando diferentes faixas etárias, este padrão, que aparece durante a puberdade, é freqüentemente acentuado na adolescência e na juventude10, o que parece ser reforçado pelo modo de vida moderno.

O objetivo do presente estudo, que faz parte de um projeto de investigação maior, o PROSUL (Cronobiologia Genética Molecular – Genes–relógio: " Caracterização genética e distribuição de cronotipos em diferentes latitudes da América Latina" , coordenado por Mário Pedrazzoli Neto (Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo [UNIFESP] e Luiz Menna-Barreto da Universidade de São Paulo [USP]) está sendo determinar a distribuição dos cronotipos do espectro matutino/vespertino e as diferenças de gênero em uma amostra de estudantes universitários da região sul do Brasil.

MÉTODOS

O presente estudo transversal com base em instituições universitárias de Pelotas (RS) e Rio Grande (RS), região sul do Brasil, realizou-se de fevereiro de 2005 a abril de 2006. Pelotas, com aproximadamente 340 mil habitantes, está situada a 31º46'19" S, e Rio Grande, cidade litorânea com aproximadamente 197 mil habitantes, situa-se a 32º02'06" S.

Depois de uma breve explanação sobre a pesquisa, estudantes da Universidade Católica de Pelotas (UCPEL), da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) e da Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG) foram convidados a participar. Com o consentimento dos professores, 736 voluntários dos cursos de medicina, odontologia, ciências biológicas, fisioterapia e enfermagem e obstetrícia responderam em sala de aula o Questionário de Cronotipo, uma versão em português do Morningness–eveningness Questionnaire (MEQ) de Horne e Östberg9, traduzida e adaptada pelo Grupo Multidisciplinar de Desenvolvimento e Ritmos Biológicos (GMDRB) do Instituto de Ciências Biomédicas da USP. Esse questionário é o mais utilizado e validado mundialmente para a identificação de cronotipos. É um instrumento de auto-avaliação que contém 19 questões, atribuindo-se a cada resposta um valor, cuja soma varia de 16 a 86. Escores acima de 58 classificam os indivíduos como matutinos, abaixo de 42 como vespertinos e de 42 a 58 como intermediários ou indiferentes.

O questionário, contendo um cadastro, registrou o consentimento livre e esclarecido pós-informação, o gênero e a data de nascimento, além de perguntas referentes ao estudo, trabalho e desconforto na entrada do horário de verão.

Para investigar uma possível relação entre a estação de nascimento e a tipologia circadiana, as estações do ano foram definidas, para o propósito deste estudo, de acordo com a sua ocorrência no hemisfério sul: primavera (22 de setembro a 20 de dezembro); verão (21 de dezembro a 20 de março); outono (21 de março a 20 de junho) e inverno (21 de junho a 21 de setembro).

Os questionários preenchidos foram examinados antes do registro dos dados. Isso preveniu inconsistências ou falta de resposta em alguma questão, o que impediria a transmissão completa do MEQ on-line e a obtenção dos escores. Os dados de cada estudante foram transmitidos na versão eletrônica do MEQ, pela página www.crono.icb.usp.br/cronotipo para armazenamento em uma base de dados de acesso coletivo para os pesquisadores do PROSUL. Com um código de identificação da amostra investigada os dados ficaram disponíveis no formato de planilha eletrônica.

Para a análise, os dados da planilha foram convertidos para o pacote estatístico Statistical Package for Social Sciences (SPSS) 10.0. Inicialmente, foram verificadas as freqüências simples de todas as variáveis. Estatísticas descritivas foram obtidas por meio das medidas de tendência central e dispersão para a variável dependente–escore do MEQ, com normalidade aferida pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. Para a análise bivariada, foram feitas comparações entre médias dos escores do MEQ por gênero (teste t de Student) e entre proporções, utilizando-se o teste do qui-quadrado com nível de significância estatística de p < 0,05.

O estudo foi conduzido de acordo com os padrões éticos para pesquisa cronobiológica em humanos22, obedecendo a diretrizes da Declaração de Helsinki, e recebeu aprovação do Comitê de Ética da UCPEL.

RESULTADOS

Foram incluídos no estudo 648 indivíduos, representando 88% do total de 736 questionários distribuídos e respondidos. As perdas foram devidas ao preenchimento incompleto e incoerente, não diferindo significativamente em relação ao gênero. Do total da amostra, 36% (234) foram do sexo masculino e 64% (414) do sexo feminino, distribuição similar ao gênero dos matriculados no período da coleta de dados. A idade variou de 17 a 49 anos (média = 22,7; mediana = 22; moda = 21; desvio-padrão = 3,19) (Tabela 1).

A freqüência dos escores do MEQ evidenciou uma distribuição normal (Figura 1), e a variação foi de 18 a 77 pontos (média = 46,6; mediana = 47; moda = 52; desvio-padrão = 10,8). A distribuição de acordo com os cronotipos foi: 32% (209) vespertinos; 14% (88) matutinos e 54% (351) intermediários.


Constatou-se diferença significativa entre os escores médios de acordo com o gênero (mulheres = 47,5 ± 10,7; homens = 44,9 ± 10,8; p = 0,003), confirmando-se a maior tendência à matutinidade nas mulheres, que apresentaram escores do MEQ mais altos do que os homens (Figura 2).


A proporção dos cronotipos mostrou diferença significativa com relação ao gênero (p = 0,026), sendo os homens mais vespertinos. Nas mulheres, a proporção do cronotipo matutino foi maior (16%) quando comparada à dos homens (9%) (Tabela 2). Os cronotipos vespertinos nasceram, proporcionalmente, mais (70%) na primavera e no verão do que no outono e inverno (59%); matutinos nasceram mais no outono e inverno (37%) do que na primavera e no verão (17%) (p = 0,015) (Tabela 2) e (Figura 3).


Na comparação entre as proporções dos cronotipos em relação a outros fatores analisados (idade, município, ocupação e desconforto com horário de verão), não houve significância estatística (p > 0,05) (Tabela 2).

DISCUSSÃO

O presente estudo abrangeu a maior população de universitários investigada até agora, no sul do Brasil (n = 648), com pequena proporção de perdas (12%). A idade dos participantes não evidenciou diferenças significativas, provavelmente pela homogeneidade da amostra constituída predominantemente de indivíduos jovens. Uma série de estudos sobre cronotipos humanos em populações com diferentes idades12,23-25 associam ritmos de comportamento circadiano com o cronotipo M-V em um crescente interesse de esclarecer os mecanismos envolvidos.

Homens e mulheres apresentaram diferenças significativas nos escores do MEQ, bem como diferente distribuição da tipologia circadiana. Os homens tiveram os mais baixos escores médios (relacionados com a indicadores de vespertinidade), resultados similares aos encontrados em uma população italiana e espanhola de universitários13.

A flexibilidade do sistema de temporização circadiana diante dos contínuos desafios para manter a regularidade do CVS e a adaptação para trabalhos em turnos18 pode estar associada com o cronotipo a M-V. Matutinos não se adaptam bem ao trabalho noturno, pois dormem mal depois dos turnos quando comparados aos vespertinos, em decorrência de os seus ritmos permanecerem dissociados por terem comportamento rígido em relação ao sono26. Os vespertinos podem sofrer mais privação de sono (débito) causada pela hora de início dos seus compromissos de escola ou trabalho, pois se estabelece um conflito: preferem dormir até mais tarde, mas passam a ter o final de seu sono ditado por um " despertador" . As diferenças de gênero nos ritmos circadianos têm sido interpretadas como influências socioculturais e ambientais. De acordo com Adan e Natale13, diversos autores têm observado um avanço de fase dos ritmos circadianos nos matutinos e nos mais idosos, o que reflete mais sensibilidade ao zeitgeber ambiental, relatando-se a existência de diferentes padrões de sincronização com o meio. Se a força do zeitgeber pode variar em latitudes diferentes de forma inversamente proporcional, essa influência tem de ser considerada quando se faz a comparação com outros estudos.

Ainda não houve um consenso se as diferenças de gênero são atribuídas ao marcapasso circadiano (NSQ) ou a um processo homeostático, podendo haver uma mistura de influências de ambos13, uma vez que o sistema circadiano humano envolve dois processos endógenos básicos de controle do CVS: o componente homeostático e o controle do NSQ central27. Um conhecimento profundo desse sistema permitirá mais bem entender a regulação dos ritmos circadianos, sua participação na fisiopatologia de diversos transtornos, assim como desenvolver estratégias terapêuticas e de prevenção adequadas e mais eficazes.

Na organização do trabalho na área da saúde, por exemplo, esquemas de horários com freqüentes plantões deveriam respeitar os princípios biológicos dos profissionais. Embora existam diferenças individuais na adaptação ao regime de trabalho em turnos, uns conseguem tolerar melhor tais esquemas28, enquanto outros mostram grave intolerância18 com inegável desgaste, tanto na esfera profissional quanto na vida pessoal e familiar.

Estudantes da área da saúde precisam ser conscientizados sobre a diferença na sua vulnerabilidade para erros, decisões e deficiências do desempenho à noite, especialmente quando estão fatigados. Eles devem ser instruídos sobre os ritmos circadianos de desempenho e de habilidades cognitivas, bem como para o reconhecimento dos efeitos da fadiga, resultante da sobrecarga de trabalho. Na medicina, por exemplo, devem ser alertados para os efeitos do grande número de plantões com privação de sono e das suas conseqüências, tanto para a relação médico-paciente como para a sua qualidade de vida. Estratégias, como programar cochilos, sestas restauradoras e/ou a reestruturação das rotinas do plantão hospitalar com jornadas muito longas de trabalho, devem ser recomendadas16.

Associando o cronotipo com a estação de nascimento29, o presente estudo mostrou que os indivíduos nascidos no outono e inverno tiveram os escores do MEQ mais altos, indicando mais matutinidade do que os nascidos na primavera e no verão. Esses resultados são consistentes com estudos em populações do hemisfério norte7,30. Pela similaridade de resultados encontrados em vários países do hemisfério norte, têm sido sugeridas replicações de estudos em outras latitudes, especialmente nas mais extremas, onde as variações sazonais da duração do fotoperíodo (duração do dia) são maiores. Os efeitos do alongamento ou encurtamento do fotoperíodo sobre a periodicidade circadiana, durante o desenvolvimento, não têm sido estudados. A associação entre cronotipo e estação de nascimento é interessante, e a sua interpretação ainda bastante especulativa. A exposição inicial à luz pode ser um fator ambiental que interage com predisposições genéticas para guiar a expressão fenotípica da M-V cronotipo7.

Diante de dados ainda não conclusivos sobre possíveis influências genéticas e da latitude na M-V cronotipo, aponta-se para a necessidade de mais estudos, de base populacional maior e em diferentes latitudes, abrindo-se, portanto, novas vias para futuras investigações. Para analisar melhor a associação do fotoperíodo no nascimento com o cronotipo, é importante que se obtenha a informação do exato local de nascimento das pessoas. Mesmo sem essa precisão no presente estudo, uma associação significativa entre a estação de nascimento e o cronotipo M-V foi encontrada, pela primeira vez, no hemisfério sul, contribuindo com nova evidência. Mudanças no fotoperíodo podem ser responsáveis por essa associação, com os dias encurtando mais a partir do outono em direção ao inverno, mais longos a partir da primavera e com duração maior no verão. A hipótese de Mongrain et al.7 para essa associação é de que o NSQ dos seres humanos poderia ser mais sensível ao aumento ou diminuição do fotoperíodo durante os períodos críticos de seu desenvolvimento. Fotoperíodo menor do que 12 horas favoreceria o desenvolvimento de uma periodicidade circadiana endógena mais curta, como se observa nos matutinos.

Com o crescente conhecimento e conscientização da importância social da biologia circadiana, a sociedade deveria adaptar sua organização temporal às necessidades do comportamento humano, a fim de superar as discrepâncias entre o tempo social e o biológico, que se rotula de jetlag social8. A grande diferença entre o bem conhecido jetlag transmeridiano – uma dissincronia transitória dos ritmos biológicos pela mudança rápida de fuso horário que afeta, ocasionalmente, algumas pessoas (as que viajam) –, é que o jetlag social é crônico e se refere à grande parte da população em países industrializados. Na puberdade, adolescência e entre adultos jovens, especialmente estudantes, é que as pessoas são mais desafiadas pelo jetlag social. O impacto sobre a fisiologia é uma característica da vida moderna com implicações de longo alcance, muito ignoradas até agora. Está se reconhecendo, modernamente, uma possível interação entre os relógios biológicos e sociais que podem levar a uma forma crônica de jetlag dependente do cronotipo e da situação social (jetlag social), capaz de comprometer a qualidade do sono e o bem-estar psicológico.

As pesquisas comportamentais evidenciam a relevância da aplicação sistemática dos conhecimentos sobre a harmonia da organização temporal humana, em que se incluem o ciclo vigília–sono e os demais ritmos circadianos, razão pela qual programas de atividades diárias privilegiando períodos mais compatíveis com o grau de alerta dos cronotipos visam a melhor desempenho e, sobretudo, a almejado respeito à qualidade de vida das pessoas que bem se inicia por respeitar a sua fisiologia.

CONCLUSÃO

As diferenças de gênero foram significativamente relacionadas com o cronotipo, sendo os homens mais vespertinos do que as mulheres. Os nascidos na primavera–verão primavera e no verão também evidenciaram preferência pela vespertinidade, o que está de acordo com estudos realizados no hemisfério norte.

AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Euclydes A. Santos-Filho, pelo importante apoio para a coleta de dados na FURG, aliado a oportunos e construtivos comentários sobre o presente estudo. À editora e gráfica da UFPEL, pelos questionários impressos utilizados na pesquisa.

Recebido 8/1/2008

Aprovado 23/3/2008

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  • Endereço para correspondência:
    Marilene Farias Alam
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Set 2008
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Aceito
      23 Mar 2008
    • Recebido
      08 Jan 2008
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