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Cartas

Senhor Editor,

Como em várias outras ocasiões, na última reunião do Serviço de Cardiologia da UFPe, discutimos três casos clínicos, sobre portadores de cardiopatia valvar reumática, incluindo uma adolescente de 15 anos com insuficiência mitral e aórtica, uma mulher, de 24 anos, com gravíssima insuficiência mitral e hipertensão arterial pulmonar, e outra de 34 anos, com estenose mitral severa, por sinal, as duas últimas desempregadas. Logo depois, seríamos avisados da admissão, no Serviço de Pediatria, de duas crianças com cardite reumática, uma delas em insuficiência cardíaca congestiva.

Isto vem a propósito da Mesa Redonda, ocorrida no recente Congresso Brasileiro de Cardiologia, no Rio de Janeiro, onde foi expressada a quase inexistência de cardite reumática no país, segundo a estimativa dos que compunham a Mesa – teríamos atingido, em matéria de controle da febre reumática, os desejados níveis do Primeiro Mundo.

Por outra, observamos, com certa apreensão, pelo menos aqui em Recife, nas chamadas de televisão sobre a "Semana de Prevenção das Doenças do Coração", que não era feita nenhuma referência à enfermidade reumática.

Ora, atravessamos atualmente no país um tipo de transição epidemiológica, tardia e perversa, onde os que moram nas periferias dos grandes centros urbanos, sobretudo das regiões mais carentes, são vítimas, simultaneamente, das moléstias próprias da escassez, de natureza infecto-contagiosa e das doenças típicas das sociedades de consumo, de natureza crônico-degenerativa, como a obesidade, a hipertensão arterial sistêmica e o diabetes mellitus – não é por um simples acaso que, entre nós, a prevalência das duas primeiras alcance índices semelhantes aos dos Estados Unidos.

Embora nosso país constitua quase um continente, mantemos laços políticos, culturais e lingüísticos, numa singularidade ímpar e bela, que nos une. Mesmo assim, o que é visto, em termos epidemiológicos, no Sudeste do país, não reflete, necessariamente, a realidade de toda a nação.

O que, de fato, parece ocorrer é que, dentro daquela perversidade, a moléstia reumática passa a ser uma característica dos excluídos da nossa sociedade. Não seria adequado, talvez, no momento em que entramos no pós-modernismo neoliberal, que os males dos pobres do Nordeste do Brasil, - similares aos da Índia, do Paquistão, do México e dos aborígenes australianos, - recebam uma apreciação oportuna e justa, em um contexto onde predomina a visão dos que lideram a economia e a pesquisa científica mundiais, acompanhada de um frenesi de informações, obscuras por vezes, como se a solidez do conhecimento prescindisse da meditação enriquecedora.

Estas derradeiras palavras talvez soem "jurássicas" para alguns, mas só nos é lícito falar do que vemos e do que sentimos.

Atenciosamente,

Lurildo Ribeiro Saraiva

Professor Adjunto de Cardiologia - UFPe

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jan 2002
  • Data do Fascículo
    Abr 2001
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