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Efeitos do betacaroteno e do tabagismo sobre a remodelação cardíaca pós-infarto do miocárdio

Resumos

OBJETIVO: Analisar os efeitos do betacaroteno no processo de remodelação ventricular após o infarto agudo do miocárdio (IAM), em ratos expostos à fumaça do cigarro. MÉTODOS: Após o IAM, os animais foram divididos em quatro grupos: 1) grupo C, 24 animais que receberam dieta-padrão; 2) grupo BC, 26 animais que receberam betacaroteno; 3) grupo EFC, 26 animais que receberam dieta-padrão e foram expostos à fumaça de cigarro; e 4) grupo BC+EFC, 20 animais que receberam betacaroteno e foram expostos à fumaça de cigarro. Após seis meses, foi realizado estudo morfofuncional. Utilizou-se significância de 5%. RESULTADOS: Em relação às áreas diastólicas (AD) e sistólicas (AS), os valores do grupo BC foram maiores que os do grupo C. Considerando a AD/peso corporal (PC) e AS/PC, os valores do grupo BC+EFC foram maiores que os valores de C. Em relação à fração de variação de área, foram observadas diferenças significativas entre EFC (valores menores) e C (valores maiores) e entre BC (valores menores) e C (valores maiores). Não foram observadas diferenças entre os grupos em relação ao tamanho do infarto. O grupo EFC apresentou valores maiores da área seccional dos miócitos (ASM) que os animais-controle. Em adição, o grupo BC+EFC apresentou maiores valores de ASM que BC, EFC e C. CONCLUSÃO: Após o infarto do miocárdio, o tabagismo e o betacaroteno promoveram intensificação do processo de remodelação cardíaca; houve potencialização dos efeitos deletérios no processo de remodelação com os dois tratamentos em conjunto.

Betacaroteno; tabagismo; infarto do miocárdio; remodelação ventricular


OBJECTIVE: To analyze the effects of beta-carotene on the ventricular remodeling process following myocardial infarction (MI) in rats exposed to cigarette smoke. METHODS: After acute myocardial infarction (AMI), the animals were divided into four groups: 1) Group C, 24 animals that were given standard diet; 2) Group BC, 26 animals that were given beta-carotene; 3) Group ECS, 26 animals that were given standard diet and were exposed to cigarette smoke; and 4) Group BC+ECS, 20 animals that were given beta-carotene and were exposed to cigarette smoke. After six months, a morphofunctional study was performed. We used a 5% significance level. RESULTS: As regards diastolic areas (DA) and systolic areas (SA), the values for the BC group were higher than those for the C group. If DA/body weight (BW) and SA/BW are considered, the values for group BC+ECS were higher than the values for group C. As regards the fractional area change, we observed significant differences between ECS (lower values) and C (higher values) and between BC (lower values) and C (higher values). Differences between groups regarding infarction size were not observed. The ECS group presented higher values for myocyte cross-section area (MCA) than control animals. Additionally, the BC+ECS group presented higher MCA values than the BC, ECS and C groups. CONCLUSION: After myocardial infarction, smoking and beta-carotene intensified the heart remodeling process; harmful effects of the remodeling process were heightened when the two treatments were used in conjunction.

Betacarotene; smoking; myocardial infarction; ventricular remodeling


ARTIGO ORIGINAL

Efeitos do betacaroteno e do tabagismo sobre a remodelação cardíaca pós-infarto do miocárdio

Leonardo A. M. Zornoff; Daniella R. Duarte; Marcos F. Minicucci; Paula S. Azevedo; Beatriz B. Matsubara; Luiz S. Matsubara; Álvaro O. Campana; Sergio A. R. Paiva

Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual de São Paulo - Botucatu, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Leonardo A. M. Zornoff Faculdade de Medicina de Botucatu Departamento de Clínica Médica 18618-000 Botucatu, SP - Brasil E-mail: lzornoff@fmb.unesp.br

RESUMO

OBJETIVO: Analisar os efeitos do betacaroteno no processo de remodelação ventricular após o infarto agudo do miocárdio (IAM), em ratos expostos à fumaça do cigarro.

MÉTODOS: Após o IAM, os animais foram divididos em quatro grupos: 1) grupo C, 24 animais que receberam dieta-padrão; 2) grupo BC, 26 animais que receberam betacaroteno; 3) grupo EFC, 26 animais que receberam dieta-padrão e foram expostos à fumaça de cigarro; e 4) grupo BC+EFC, 20 animais que receberam betacaroteno e foram expostos à fumaça de cigarro. Após seis meses, foi realizado estudo morfofuncional. Utilizou-se significância de 5%.

RESULTADOS: Em relação às áreas diastólicas (AD) e sistólicas (AS), os valores do grupo BC foram maiores que os do grupo C. Considerando a AD/peso corporal (PC) e AS/PC, os valores do grupo BC+EFC foram maiores que os valores de C. Em relação à fração de variação de área, foram observadas diferenças significativas entre EFC (valores menores) e C (valores maiores) e entre BC (valores menores) e C (valores maiores). Não foram observadas diferenças entre os grupos em relação ao tamanho do infarto. O grupo EFC apresentou valores maiores da área seccional dos miócitos (ASM) que os animais-controle. Em adição, o grupo BC+EFC apresentou maiores valores de ASM que BC, EFC e C.

CONCLUSÃO: Após o infarto do miocárdio, o tabagismo e o betacaroteno promoveram intensificação do processo de remodelação cardíaca; houve potencialização dos efeitos deletérios no processo de remodelação com os dois tratamentos em conjunto.

Palavras-chave: Betacaroteno, tabagismo, infarto do miocárdio, remodelação ventricular.

Introdução

As doenças cardiovasculares estão em primeiro lugar entre as causas de morte no Brasil, correspondendo a 32% do total de óbitos1. Entre as doenças cardiovasculares, o infarto do miocárdio destaca-se como a patologia com maior índice de mortalidade2.

Especula-se que o tabagismo tenha influência na prevalência de infarto do miocárdio por meio de diversos mecanismos, dentre os quais poderíamos citar lesão aterosclerótica, aumento da agregação plaquetária, aumento dos níveis das moléculas de adesão e fibrinogênio e vasoconstrição3,4.

Apesar de a associação entre a exposição à fumaça do cigarro e o infarto do miocárdio ser universalmente aceita, os efeitos do tabagismo ou de compostos produzidos pela queima do cigarro diretamente sobre o coração são menos conhecidos. No modelo de agressão cardíaca envolvendo a exposição à fumaça de cigarro, nosso grupo observou que a suplementação da dieta com betacaroteno atenuou o processo de remodelação cardíaca induzido pela exposição à fumaça de cigarro em ratos, em parte por sua capacidade de diminuir o estresse oxidativo5.

Em recente estudo de nosso laboratório, a exposição à fumaça do cigarro por seis meses resultou em intensificação da remodelação após IAM6. Nesse contexto, é relevante considerar que o estresse oxidativo é aceito como um dos mais importantes moduladores da remodelação ventricular após o IAM7-9. Dessa forma, substâncias com capacidade antioxidante, como o betacaroteno, poderiam atenuar esse processo.

Considerando que a exposição à fumaça de cigarro intensifica o processo de remodelação cardíaca após o infarto, pode-se propor a hipótese de que a administração de betacaroteno atenuaria as alterações relacionadas à remodelação cardíaca pós-IAM em ratos expostos à fumaça de cigarro. Assim, o objetivo desse estudo foi analisar os efeitos da suplementação de betacaroteno no processo de remodelação cardíaca, em ratos submetidos ao infarto do miocárdio experimental e expostos à fumaça de cigarro.

Métodos

Infarto do miocárdio - O protocolo experimental do presente trabalho foi aprovado pela Comissão de Ética em Experimentação Animal de nossa instituição e está em conformidade com os Princípios Éticos na Experimentação Animal, adotados pelo Colégio Brasileiro de Experimentação Animal.

Foram utilizados ratos Wistar, machos, provenientes do Biotério da Unicamp. Os animais foram mantidos em gaiolas para recuperação, alimentados com ração comercial padrão e livre acesso à água, com controle de luz (ciclos de 12 horas), de temperatura (aproximadamente 25° C) e de umidade.

O infarto do miocárdio foi produzido de acordo com método descrito previamente10. Após o IAM, os animais foram observados por período de seis meses.

Grupos experimentais - Quarenta e oito horas após o IAM, os animais foram alocados em quatro grupos experimentais: 1) grupo C, n = 24 - formado pelos animais que receberam a dieta mencionada, sem suplementação de betacaroteno e sem exposição à fumaça de cigarro; 2) grupo BC, n = 26 - formado pelos animais que receberam betacaroteno, na forma de cristal adicionado e misturado na dieta, na dose de 500 mg de betacaroteno/kg de dieta e que não foram expostos à fumaça de cigarro; 3) grupo EFC, n = 26 - formado pelos animais que receberam a dieta sem suplementação com betacaroteno e que foram expostos à fumaça de cigarro; e 4) grupo BC+EFC, n = 20 - formado pelos animais que receberam betacaroteno na mesma forma que o BC e foram expostos à fumaça de cigarro. A quantidade de dieta oferecida aos grupos "não-fumantes" (C e BC) foi ajustada de acordo com as ingestões diárias observadas nos grupos "fumantes" (EFC e BC+EFC).

Exposição ao fumo - Para expor os animais à fumaça do cigarro, foi utilizado o método proposto por Wang e cols.11, já padronizado em nosso laboratório5,7. No fim do período de estudo experimental, os animais foram expostos à fumaça de 40 cigarros/dia.

Avaliação morfológica e funcional pelo ecocardiograma - Após seis meses do infarto do miocárdio, os animais sobreviventes foram submetidos ao estudo ecocardiográfico. Utilizou-se equipamento da Hewlett-Packard (modelo Sonos 2000) ou da Philips (modelo TDI 5500) dotado de transdutor eletrônico de 12 MHz. As estruturas cardíacas foram medidas de acordo com as recomendações da American Society of Echocardiography12 e já validadas no modelo de ratos infartados13. As áreas diastólicas (AD) e sistólicas (AS) foram medidas no modo bidimensional, por meio de planimetria e ajustadas ao peso corporal (PC) dos animais. A função sistólica do ventrículo esquerdo foi avaliada calculando-se a fração de variação de área (FVA=AD-AS/AD x 100)13.

Avaliação funcional por meio do coração isolado - Entre um e três dias após o estudo ecocardiográfico, os animais receberam pentobarbital sódico (50 mg/kg) e heparina (1.000 UI) por via intraperitoneal e foram submetidos a estudo funcional in vitro por meio da técnica com o coração isolado. Nessa preparação, em que o coração opera em condições isovolumétricas, foram obtidos os registros da pressão sistólica (PS), da derivada positiva (dp/dt) e da derivada negativa (-dp/dt) de pressão máximas14.

Estudo morfométrico - Após o estudo funcional, amostras de tecido cardíaco foram fixadas em solução de formol a 10% por período de 48 horas, segundo método já descrito15, para aferição da área seccional transversa dos miócitos (ASM) e da fração de colágeno intersticial (CI).

A extensão do músculo infartado e viável nas circunferências endocárdica e epicárdica foi determinada por planimetria. O tamanho do infarto foi calculado pela divisão das circunferências ventriculares endocárdica e epicárdica da região infartada pelas circunferências endocárdica e epicárdica totais. As medidas foram realizadas em cortes transversais do ventrículo esquerdo, cinco a seis milímetros do ápice, assumindo-se que, nessa região, os cortes apresentam relação linear com a soma das medições das áreas de todos os cortes do coração16,17.

Método estatístico - Com relação às variáveis morfológicas e funcionais, foi aplicada a análise de variância (ANOVA) de um e de dois fatores. Na ANOVA de uma via, 3 graus de liberdade foram aplicados para detectar diferenças entre os tratamentos. Ocorrendo interação significativa entre os fatores (p < 0,05), foram realizadas comparações múltiplas, utilizando-se o teste de Tukey. Quando não ocorreu a interação (p > 0,05), as variáveis estudadas foram testadas quanto aos efeitos dos fatores de modo separado. Os resultados foram apresentados em valores médios e em erros-padrão (SE) da média dos quatro grupos estudados (C, BC, EFC e BC+EFC). O nível de significância adotado foi de 5%.

Empregou-se, para a análise dos testes de ANOVA de uma e de duas vias, o pacote estatístico SigmaStat for Windows v 2.03 da SPSS.

Resultados

As tabelas 1 e 2 sumarizam os resultados do estudo ecocardiográfico. Considerando a análise da ANOVA de uma via, podem-se observar diferenças entre os grupos na relação diâmetro do átrio esquerdo (AE) ajustado pelo PC, onda A, freqüência cardíaca (FC), AD/PC no eixo menor, AS/PC no eixo menor e FVA. Em relação à AD/PC e AS/PC, os valores do grupo BC foram maiores que os do grupo C; em relação à onda A e FAV, os valores do grupo BC foram menores que os dos animais-controle. Em relação à AE/PC, AD/PC e AS/PC, os valores do grupo BC+EFC foram maiores que os valores de C. Em relação à FC, tanto os valores de EFC como os de BC+EFC foram maiores que os valores de C.

Considerando a análise ANOVA de duas vias, em relação à FAV, foram observadas diferenças significativas entre EFC (valores menores) e C (valores maiores) e entre BC (valores menores) e C (valores maiores). Em adição, houve interação significativa entre os grupos, sugerindo que o efeito do fumo dependeu do betacaroteno. Assim, os valores de FAV foram maiores no grupo BC + EFC do que nos animais que receberam tratamentos isolados (fig. 1). Em relação às outras variáveis, não foram observadas interações. Não tendo ocorrido interação significativa entre fatores (exposição à fumaça de cigarro e suplementação da dieta com betacaroteno), entende-se que os efeitos de um fator não dependeram do outro fator. Dessa forma, os valores de AE/PC, AD/PC no eixo maior, AD/PC no eixo menor e AS/PC no eixo menor foram maiores, e os valores das ondas A e E foram menores nos animais suplementados com betacaroteno (BC e BC+EFC) que nos animais não suplementados com betacaroteno (C e EFC). Em relação à FC, os valores dos animais fumantes (EFC e BC+EFC) foram maiores que os verificados nos animais não-fumantes (C e BC).


Os dados relativos ao estudo funcional do coração isolado estão apresentados na tabela 3. Considerando a ANOVA de uma via, foram observadas diferenças em relação à –dp/dt máxima, desde que os valores de BC foram menores que os valores de BC+EFC. Considerando a ANOVA de duas vias, ocorreu interação estatisticamente significativa entre o fumo e a suplementação do betacaroteno. A análise da –dp/dt máxima mostrou diferenças entre o grupo BC (valores menores) em relação ao grupo BC+EFC (valores maiores) e entre EFC (valores menores) e BC+EFC (valores maiores). Em relação à PS máxima, houve interação estatisticamente significativa entre o fumo e a suplementação do betacaroteno. Na análise, observaram-se diferenças entre BC (valores menores) e C (valores maiores) e entre BC (valores menores) e BC+EFC (valores maiores). Em relação ao volume máximo injetado no balão, houve interação estatisticamente significativa entre o fumo e a suplementação do betacaroteno (fig. 2). A análise mostrou diferenças entre os valores de EFC (valores menores) e C (valores maiores) e entre BC (valores menores) e BC+EFC (valores maiores).


Os dados relativos às analises morfométricas estão na tabela 4. Não foram observadas diferenças entre os grupos em relação ao tamanho do infarto. Considerando a ANOVA de uma via, observaram-se diferenças entre os grupos em relação ao PC, PVD/PC, ASM e teor de água dos pulmões, VD e VE. O grupo EFC apresentou valores maiores de PVD/PC e ASM que os animais-controle. Em adição, o grupo BC+EFC apresentou maiores valores de ASM que BC, EFC e C. Em relação ao teor de água dos pulmões, o grupo EFC apresentou valores maiores que C (C = 22,0±3,0, EFC = 29,0±2,0; p < 0,05). Em adição, o grupo BC+EFC apresentou maiores valores de teor de água no VD (C = 4,63±0,33, BC+EFC = 5,69±0,14; p < 0,05) e VE (C = 5,11±0,25, BC+EFC = 6,81±0,31; p < 0,05) que o grupo C.

Considerando a ANOVA de duas vias, foi observada interação em relação ao PVC/PC e ASM. Em relação ao PVD/PC, observou-se diferença significativa entre EFC (valores maiores) e C (valores menores). A relação PVD/PC foi menor no grupo BC+EFC que no grupo EFC. Em relação aos valores de ASM, os valores de EFC foram maiores que C, os valores de BC+EFC foram maiores que BC e que EFC (fig. 3). Em relação ao teor de água, os animais fumantes (EFC e BC+EFC) apresentaram maiores valores que os animais não-fumantes (C e BC).


Discussão

O objetivo do presente trabalho foi analisar os efeitos da suplementação de betacaroteno no processo de remodelação ventricular, após o infarto agudo do miocárdio, em ratos expostos à fumaça do cigarro. Nossa hipótese era que os efeitos antioxidantes do betacaroteno resultariam em atenuação do processo de remodelação pós-IAM em animais expostos à fumaça de cigarro. Diferentemente da nossa hipótese, entretanto, nossos resultados sugerem que o betacaroteno intensificou o processo de remodelação cardíaca pós-infarto nessa situação. Em adição, a suplementação de betacaroteno potencializou os efeitos morfológicos deletérios induzidos pelo infarto.

A remodelação cardíaca pode ser definida como alterações genéticas que resultam em modificações moleculares, celulares e intersticiais cardíacas. Essas alterações podem se manifestar clinicamente como alterações de volume, massa, constituição, geometria e/ou de função cardíaca18-20. Apesar da extrema complexidade do processo de remodelação ventricular após o infarto do miocárdio, esse termo é freqüentemente utilizado como sinônimo de crescimento celular, detectado pelo aumento da cavidade ventricular18-20. Um aspecto relevante desse processo refere-se ao fato de que a remodelação ventricular pós-infarto do miocárdio está associada a pior prognóstico, pois sua presença e intensidade estão relacionadas com fibrose, disfunção ventricular progressiva, arritmias e maior mortalidade21.

Os mecanismos que modulam o processo de remodelação após o infarto não estão completamente esclarecidos. Atualmente é aceito que o aumento do estresse oxidativo, decorrente do acúmulo das espécies reativas de oxigênio, possa ser um dos mecanismos desencadeantes ou reguladores das adaptações cardíacas em resposta à determinada agressão22-24. Assim, situações caracterizadas por aumento do estresse oxidativo após o infarto poderiam potencializar o processo de remodelação.

Uma das condições caracterizadas por aumento do estresse oxidativo é o hábito de fumar. Devemos considerar, entretanto, que poucos estudos analisaram os efeitos do tabagismo no processo de remodelação ventricular após o infarto do miocárdio. A nicotina promoveu dilatação do ventrículo esquerdo em ratos submetidos ao infarto do miocárdio. Aparentemente, esse fenômeno ocorre à custa do aumento da expansão do infarto, já que se detectou parede infartada mais delgada nos animais tratados25. Em nosso laboratório, a exposição à fumaça do cigarro por seis meses resultou em intensificação da remodelação, o que foi acompanhado de piora de variáveis funcionais7. Assim, a exposição à fumaça do cigarro parece promover remodelação tanto em condições normais como em situações de agressão cardíaca.

No presente trabalho, os animais expostos à fumaça do cigarro apresentaram aumento das dimensões sistólicas e diastólicas do VE e aumento da área seccional dos miócitos em relação aos animais-controle. Portanto, podemos inferir que a exposição à fumaça do cigarro intensificou o processo de remodelação ventricular após o infarto, em concordância com estudos citados anteriormente6,7.

Considerando que tanto o infarto agudo do miocárdio como a exposição à fumaça do cigarro representam condições de aumento do estresse oxidativo, formulamos a hipótese de que a administração de betacaroteno atenuaria a remodelação ventricular secundária a essas agressões. Entretanto, contrariamente à nossa hipótese, os animais expostos aos dois tratamentos (betacaroteno e exposição à fumaça do cigarro) apresentaram intensificação adicional da remodelação cardíaca, representada pelo aumento do átrio esquerdo e pela área seccional dos miócitos. Em adição, o grupo suplementado apresentou aumento das dimensões sistólicas e diastólicas do VE, em relação aos animais do grupo controle. Até o momento, os mecanismos responsáveis por esses efeitos deletérios do betacaroteno no processo de remodelação pós-infarto não estão esclarecidos. Porém, a despeito desse fato, em relação às perspectivas clínicas do estudo, nosso trabalho sugere cautela com o uso de antioxidantes, particularmente o betacaroteno e na presença de tabagismo, para proteção cardiovascular após o infarto do miocárdio.

A remodelação cardíaca resulta, invariavelmente, em queda progressiva da função ventricular. Inicialmente, em conseqüência do crescimento celular, a remodelação pode contribuir para manter ou restaurar a função cardíaca. Cronicamente, entretanto, ocorrem alterações bioquímicas, genéticas e estruturais que vão resultar em disfunção ventricular progressiva. Em nosso estudo, os resultados funcionais estão parcialmente discordantes desse conceito. No grupo suplementado com betacaroteno, variáveis ecocardiográficas e do coração isolado confirmam disfunção ventricular esquerda em relação ao grupo-controle. No grupo betacaroteno e fumo, entretanto, apesar da mais intensa remodelação, não foram observadas diferenças estatisticamente significativas em relação ao grupo-controle. Entretanto, encontramos melhora da função em algumas variáveis desse grupo em relação ao grupo BC. Uma explicação para esse fato pode estar relacionada aos efeitos agudos ou crônicos da exposição à fumaça do cigarro.

Em nosso trabalho, tanto o estudo ecocardiográfico como a análise com o coração isolado foram feitos no período da tarde. Entretanto, os animais foram expostos à fumaça do cigarro no período da manhã. Assim, poderíamos inferir que a análise funcional pode ter sofrido influência da estimulação inotrópica positiva aguda do cigarro. Essa limitação deve ser considerada na interpretação de nossos resultados. Corroborando essa hipótese, os animais fumantes apresentaram maior freqüência cardíaca e maior teor de água em alguns dos órgãos analisados, compatível com situação de disfunção ventricular crônica.

Em suma, os dados obtidos nesse estudo permitem as seguintes conclusões: a exposição dos ratos à fumaça de cigarro, após o infarto do miocárdio, promoveu intensificação do processo de remodelação cardíaca; a suplementação da dieta com betacaroteno resultou em aumento da remodelação cardíaca provocada pelo infarto miocárdico experimental; houve potencialização dos efeitos deletérios no processo de remodelação com os dois tratamentos em conjunto.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP.

Vinculação Acadêmica

Esse artigo é parte de tese de livre-docência de Leonardo A. M. Zornoff, pela Faculdade de Medicina de Botucatu.

Artigo recebido em 18/12/06; revisado recebido em 01/03/07; aceito em 26/03/07.

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  • Correspondência:
    Leonardo A. M. Zornoff
    Faculdade de Medicina de Botucatu
    Departamento de Clínica Médica
    18618-000
    Botucatu, SP - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Set 2007
    • Data do Fascículo
      Set 2007

    Histórico

    • Aceito
      26 Mar 2007
    • Revisado
      01 Mar 2007
    • Recebido
      18 Dez 2006
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