Acessibilidade / Reportar erro

Estratégias de prevenção do acidente vascular encefálico cardioembólico na doença de Chagas

Resumos

FUNDAMENTO: O acidente vascular encefálico isquêmico (AVEi) cardioembólico é uma manifestação clínica importante da cardiopatia chagásica crônica, no entanto, ainda não foram definidos sua incidência e os fatores de risco associados a este evento. OBJETIVO: Definir estratégias de prevenção de uma complicação freqüente e incapacitante da doença de Chagas, o AVEi cardioembólico. MÉTODOS: No período de março de 1990 a março de 2002, 1.043 pacientes com doença de Chagas foram recrutados e acompanhados até março de 2003 em um estudo prospectivo e observacional de coorte. Por meio da regressão de Cox foi desenvolvido um escore de risco de AVEi, que se correlacionou com a incidência anual desse evento: 4-5 pontos, > 4%; 3 pontos, 2% a 4%; 2 pontos, 1% a 2 %; e 0-1 ponto, < 1%. Foram avaliadas a eficácia e a segurança de duas coortes de tratamento: grupo 1, 52 pacientes em uso de varfarina por 14 ± 14 meses, mantendo INR 2-3; e grupo 2, 104 pacientes em uso de ácido acetilsalicílico (AAS) 200 mg/dia, por 22 ± 21 meses. RESULTADOS: No grupo 1, a taxa anual de sangramento maior necessitando hemotransfusão foi de 1,9%, sem ocorrência de AVEi. Por meio da regressão de Cox foram identificadas 4 variáveis independentes associadas ao evento (disfunção sistólica, aneurisma apical, alteração primária da repolarização ventricular e idade > 48 anos) sendo desenvolvido um escore de risco de AVEi, que se relacionou com a incidência anual desse evento. No grupo 2, não houve complicações hemorrágicas, e a incidência anual de AVEi foi de 3,2%, todos em pacientes com 4-5 pontos. CONCLUSÃO: Por meio da análise de risco-benefício, varfarina estaria indicada aos pacientes com 4-5 pontos, cuja incidência de evento supera a taxa de sangramento maior. No subgrupo de 3 pontos, as taxas de evento e sangramento com anticoagulante se equivalem, sendo indicados AAS ou varfarina, conforme o risco individual de sangramento ou embolização. Nos pacientes com 2 pontos, com baixa incidência de AVEi, seriam recomendados AAS ou nenhuma profilaxia. Os pacientes com 0-1 ponto, com incidência do evento próxima a zero, não necessitam de profilaxia.

Cardiomiopatia chagásica; acidente cerebrovascular; fatores de risco; prognóstico


BACKGROUND: The cardioembolic (CE) ischemic stroke is an important clinical manifestation of chronic chagasic cardiopathy; however, its incidence and the risk factors associated to this event have yet to be defined. OBJECTIVE: To determine prevention strategies for a common and devastating complication of Chagas' disease, the cardioembolic (CE) ischemic stroke. METHODS: 1,043 patients with Chagas' disease were prospectively evaluated from 03/1990 to 03/2002 and followed up to 03/2003. Cox regression was performed to create the CE risk score that was related with the annual incidence of this event: 4-5 points - >4%; 3 points - 2-4%; 2 points - 1-2%; 0-1 points - <1%. We evaluated the efficacy and safety of two treatment cohorts: (1) 52 patients who used warfarin (INR 2-3) for 14±14 months; (2) 104 patients who used acetylsalicylic acid (ASA) (200 mg/d) for 22±21 months. RESULTS: In group (1), the risk of a major bleeding that needed blood transfusion was 1.9% a year, without CE. Cox regression was used to identify 4 independent variables associated to the event (systolic dysfunction, apical aneurysm, primary alteration of ventricular repolarization and age > 48 years) and an CE risk score was developed, which was associated with the annual incidence of this event. In group (2) there were no bleeding complications and the annual incidence of CE was 3.2%, all of them in patients with 4-5 points. CONCLUSION: Based on the risk-benefit analysis, warfarin prophylaxis for cardioembolic stroke in Chagas' disease is recommended for patients with a score of 4-5 points, in whom the risk of CE overweighs the risk of a major bleeding. With a 3-point score, the risks of bleeding and CE are the same, so the medical decision of using either warfarin or ASA has to be an individual one. In patients with a low risk of CE (2-point score) either ASA or no therapy can be chosen. The prophylaxis is not necessary in patients with 0-1 point scores, in whom the stroke incidence is near zero.

Chagas' cardiomyopathy; cerebrovascular accident; risk factors; prognosis


ARTIGO ORIGINAL

DOENÇA DE CHAGAS

Estratégias de prevenção do acidente vascular encefálico cardioembólico na doença de Chagas

Andréa Silvestre de SousaI, II; Sérgio Salles XavierI, II; Gabriel Rodriguez de FreitasII; Alejandro Hasslocher-MorenoI

IInstituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas – FIOCRUZ/RJ - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

IIUniversidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Correspondência Correspondência: Andréa Silvestre de Sousa Fundação Oswaldo Cruz – IPEC – Av. Brasil, 4365 – Manguinhos 21045-900 – Rio de Janeiro, RJ - Brasil E-mail: asilvestre@cardiol.br

RESUMO

FUNDAMENTO: O acidente vascular encefálico isquêmico (AVEi) cardioembólico é uma manifestação clínica importante da cardiopatia chagásica crônica, no entanto, ainda não foram definidos sua incidência e os fatores de risco associados a este evento.

OBJETIVO: Definir estratégias de prevenção de uma complicação freqüente e incapacitante da doença de Chagas, o AVEi cardioembólico.

MÉTODOS: No período de março de 1990 a março de 2002, 1.043 pacientes com doença de Chagas foram recrutados e acompanhados até março de 2003 em um estudo prospectivo e observacional de coorte. Por meio da regressão de Cox foi desenvolvido um escore de risco de AVEi, que se correlacionou com a incidência anual desse evento: 4-5 pontos, > 4%; 3 pontos, 2% a 4%; 2 pontos, 1% a 2 %; e 0-1 ponto, < 1%. Foram avaliadas a eficácia e a segurança de duas coortes de tratamento: grupo 1, 52 pacientes em uso de varfarina por 14 ± 14 meses, mantendo INR 2-3; e grupo 2, 104 pacientes em uso de ácido acetilsalicílico (AAS) 200 mg/dia, por 22 ± 21 meses.

RESULTADOS: No grupo 1, a taxa anual de sangramento maior necessitando hemotransfusão foi de 1,9%, sem ocorrência de AVEi. Por meio da regressão de Cox foram identificadas 4 variáveis independentes associadas ao evento (disfunção sistólica, aneurisma apical, alteração primária da repolarização ventricular e idade > 48 anos) sendo desenvolvido um escore de risco de AVEi, que se relacionou com a incidência anual desse evento. No grupo 2, não houve complicações hemorrágicas, e a incidência anual de AVEi foi de 3,2%, todos em pacientes com 4-5 pontos.

CONCLUSÃO: Por meio da análise de risco-benefício, varfarina estaria indicada aos pacientes com 4-5 pontos, cuja incidência de evento supera a taxa de sangramento maior. No subgrupo de 3 pontos, as taxas de evento e sangramento com anticoagulante se equivalem, sendo indicados AAS ou varfarina, conforme o risco individual de sangramento ou embolização. Nos pacientes com 2 pontos, com baixa incidência de AVEi, seriam recomendados AAS ou nenhuma profilaxia. Os pacientes com 0-1 ponto, com incidência do evento próxima a zero, não necessitam de profilaxia.

Palavras-chave: Cardiomiopatia chagásica, acidente cerebrovascular / complicações, fatores de risco, prognóstico.

Introdução

A doença de Chagas ainda é, nos dias de hoje, um grave problema de saúde pública na América Latina, onde se encontram cerca de 16 a 18 milhões de pacientes infectados, 3 a 5 milhões dos quais no Brasil1. Cerca de 30% desses pacientes irão desenvolver cardiopatia chagásica crônica, a forma clínica sintomática mais prevalente e a maior determinante de sua gravidade2,3, que tem como principais manifestações clínicas a insuficiência cardíaca, as taquicardias e as bradiarritmias, e os fenômenos tromboembólicos4.

A real incidência de acidente vascular encefálico isquêmico de origem embólica (AVEi) na doença de Chagas ainda não foi adequadamente definida. Embora estudos preliminares tenham sugerido que esses eventos possam constituir fatores prognósticos relevantes, seu risco não é definitivamente conhecido na cardiopatia chagásica crônica5.

Dada a importância clínica e socioeconômica do AVEi, estudos que definam seu risco e proponham medidas preventivas serão sempre muito valiosos. Dentro do modelo de AVEi cardioembólico, o único subgrupo com proposta bem estabelecida de profilaxia é o da fibrilação atrial6. Outro modelo já foi descrito, o da cardiomiopatia dilatada7-11, porém sem estudos prospectivos capazes de definir estratégias de prevenção. Em nosso meio, a cardiopatia chagásica crônica pode contribuir de forma significativa para a gênese desse evento letal e definitivamente incapacitante, talvez por apresentar um risco elevado complicações embólicas, justificado por características próprias da cardiopatia12-15.

O presente estudo, realizado a partir dessas evidências, tem como objetivo propor estratégias de prevenção baseadas em uma análise de risco-benefício, que sejam mais adequadas a essa cardiopatia e suas particularidades.

Métodos

Foram incluídos neste estudo prospectivo e observacional de coorte, pacientes consecutivos admitidos no período de março de 1990 a março de 2002, com sorologias positivas para doença de Chagas (imunofluorescência indireta > 1:80 e ELISA > 1,2), sendo acompanhados até março de 2003, com período mínimo de seguimento de um ano.

Os critérios de exclusão foram a evidência de outra cardiopatia não-chagásica ou a opção de desligamento da coorte por motivos pessoais ou viagem com o tempo de seguimento inferior a um ano.

Todos os pacientes foram submetidos a um mesmo protocolo de avaliação clínico-epidemiológica, eletrocardiográfica (eletrocardiografia de repouso com 12 derivações e DII longo), radiológica (radiografia de tórax) e ecocardiográfica (utilizando cortes convencionais e suas variações, com o objetivo de identificar alterações segmentares específicas da cardiopatia chagásica, especialmente o aneurisma apical).

Os pacientes foram mantidos em acompanhamento ambulatorial, utilizando medicações específicas direcionadas a sintomas ou presença de cardiopatia: inibidores da enzima conversora de angiotensina, betabloqueadores, diuréticos, digitais e antiarrítmicos.

Duas subpopulações específicas de tratamento foram estudadas separadamente: pacientes em uso de anticoagulante oral de acordo com as normas vigentes (fibrilação ou flutter atrial, trombo intracavitário ou evento cardioembólico prévio) e pacientes em uso de ácido acetilsalicílico (AAS) (hipertensos, diabéticos e síndrome metabólica ou aqueles com aneurisma apical associado à disfunção sistólica, esta última indicação consensual dos pesquisadores).

Foram definidos como eventos todos os casos de AVEi ou ataque isquêmico transitório definidos como do tipo cardioembólico, segundo a classificação do Trial of Org 10172 in Acute Stroke Treatment (TOAST)16. Tomografia computadorizada (TC) de crânio com e sem contraste e Doppler de carótidas e vertebrais foram realizados sempre que possível na apresentação do evento.

Todos os casos classificados pelos cardiologistas do grupo foram retrospectivamente avaliados de forma cega por um neurologista, aplicando a classificação de TOAST, sendo estabelecida a concordância interobservador. Em caso de discordância, prevaleceu a análise do neurologista.

Análise estatística

Um banco de dados com todas as variáveis estudadas foi construído utilizando-se o programa SPSS, versão 11.0.

O grau de concordância interobservador para o diagnóstico etiológico do evento cardioembólico segundo a classificação de TOAST foi avaliado pela estatística kappa, sendo definida concordância substancial quando κ estiver entre 0,61 e 0,8, e concordância quase perfeita quando κ for maior que 0,8.

Regressão de Cox foi utilizada para análise uni e multivariada dos preditores de risco, permitindo a criação de escores com subgrupos específicos de risco. A acurácia do modelo criado foi avaliada por meio da área sob a curva ROC (estatística C).

O nível de significância em todos os testes foi de 5%.

Resultados

No período de março de 1990 a março de 2003, foram acompanhados 1.043 pacientes, com seguimento completo em 84% dos casos (875 pacientes). O tempo de seguimento foi de 65,6 + 44 meses (5,5 anos). A média de idade da coorte geral foi de 45,8 + 11,7 anos, com leve preponderância do sexo feminino (53,4%).

Foram identificados 36 eventos evolutivos, com diagnóstico de AVEi cardioembólico em 31 pacientes, conferindo incidência de 3% ou 0,56% ao ano. TC de crânio foi realizada em 30 casos (83,3%) e Doppler de carótidas e vertebrais, em 21 (58,3%).

A concordância do diagnóstico etiológico de AVEi entre cardiologistas e neurologista foi considerada substancial, com coeficiente de correlação de 0,76 + 0,13.

Por meio da regressão de Cox foi construído um modelo preditivo de AVEi e definido um escore de pontos para cada uma das variáveis independentes selecionadas, derivado dos coeficientes de regressão da análise multivariada: 2 pontos para disfunção sistólica e 1 ponto para as demais (aneurisma apical, alteração primária da repolarização ventricular à eletrocardiografia e idade > 48 anos). Foi elaborado um escore de risco, atribuindo a cada paciente 0 a 5 pontos, de acordo com a presença ou a ausência de cada um dos quatro fatores de risco identificados. Na Tabela 1 estão descritos valores dos coeficientes de regressão, escore de pontos, erro padrão da média, p e razão de risco, com intervalo de confiança de 95% (IC 95%). A área sob a curva ROC desse modelo foi igual a 0,90 (IC 95% de 0,86 a 0,94). A incidência de AVEi é ascendente à medida que aumenta o escore de pontos, o que pode ser visualizado na Figura 1.


Coortes de tratamento

A varfarina foi utilizada por 52 pacientes (20 casos de fibrilação atrial, 6 de flutter atrial, 18 de AVEi cardioembólico e 15 com trombos intracavitários), objetivando manter INR entre 2 e 3, com tempo de seguimento de 13,99 + 14,12 meses. A taxa de sangramento maior, necessitando hemotransfusão, foi de 1,9% (n = 1), com eficácia em evitar AVEi de 100%.

AAS foi prescrito para 113 pacientes ao longo do período de acompanhamento, com dose média de 200 mg/dia. O tempo médio de seguimento foi de 22,8 + 22,6 meses, sem complicações hemorrágicas. Por ocasião da exclusão dos pacientes que iniciaram o uso de AAS após o evento, foram identificados 5 pacientes que evoluíram com AVEi, todos eles do subgrupo de alto risco, com 4-5 pontos. A incidência de AVEi entre todos os pacientes em uso de AAS foi de 4,8% (3,2% ao ano), e no subgrupo de 4-5 pontos foi de 18% (13,3% ao ano).

Análise de risco-benefício

Por meio da análise de risco-benefício, a varfarina estaria indicada aos pacientes com 4-5 pontos, cuja incidência de evento (4,4% ao ano) supera a taxa de sangramento maior, que, nessa coorte, foi de aproximadamente 2% ao ano. No subgrupo de 3 pontos, as taxas de evento e sangramento com anticoagulante se equivalem, sendo indicados AAS ou varfarina, conforme o risco individual de sangramento ou embolização. Nos pacientes com 2 pontos, com baixa incidência de AVEi (1,22% ao ano), seriam recomendados AAS ou nenhuma profilaxia. Os pacientes com 0-1 ponto, com incidência do evento próxima a zero, não necessitam de profilaxia. Na Tabela 2 foi resumida a recomendação de profilaxia, com a incidência de AVEi em cada um dos subgrupos de risco.

Discussão

A incidência de AVEi cardioembólico nesta coorte de pacientes com doença de Chagas foi de 0,56% ao ano, no período médio de seguimento de 5,5 anos. Esse valor parece ser inferior ao descrito na cardiopatia isquêmica, em que a incidência de AVEi foi de 1,1% a 1,8% ao ano7-11. No entanto, esses estudos incluíram apenas pacientes de mais alto risco, com disfunção sistólica moderada a grave. Ao se analisar esse subgrupo específico da coorte, pode-se inferir que a cardiopatia chagásica apresenta maior potencial de complicações embólicas, visto que a incidência de AVEi em pacientes com disfunção moderada a grave nessa cardiopatia foi de 3,25% ao ano. Na verdade, a simples presença de disfunção sistólica na cardiopatia chagásica, independentemente do grau de acometimento miocárdico, foi relacionada a elevada incidência de AVEi (2,64% ao ano). Além disso, particularidades dessa cardiopatia, como a presença de alterações segmentares específicas, principalmente o aneurisma apical, seria um fator de risco importante para os eventos cardioembólicos14, mesmo na ausência de disfunção sistólica, o que nos faz sugerir que as indicações formais de profilaxia de AVEi não podem ser simplesmente extrapoladas para a cardiopatia chagásica.

Tanto a disfunção sistólica (de qualquer grau) como a presença de aneurisma apical foram selecionadas como variáveis independentes de AVEi cardioembólico nessa coorte de pacientes chagásicos. As outras variáveis selecionadas foram idade superior a 48 anos, que traduz maior tempo de evolução da doença e probabilidade de ocorrência de eventos, e alteração primária da repolarização ventricular à eletrocardiografia, provavelmente caracterizando pacientes nos quais o processo inflamatório da miocardite chagásica é mais ativo.

O modelo criado com essas quatro variáveis e transformado em escore de pontos permitiu caracterizar subpopulações de risco crescente de AVEi, o que pode ser visibilizado na Figura 1. Pacientes com 4-5 pontos teriam incidência tão alta quanto 4,4% ao ano, contrapondo-se a indivíduos com incidência próxima a zero, com 0-1 ponto.

Analisando as coortes de tratamento, observa-se que não houve casos de AVEi na vigência de anticoagulação oral, o que nos permite concluir que a eficácia da varfarina em evitar o evento foi de 100%. No entanto, esse benefício se dá à custa de um risco de sangramento maior, que, nessa coorte e na literatura17, está em torno de 2% ao ano. Assim, anticoagulação oral estaria indicada como profilaxia apenas em subgrupos de alto risco de eventos cardioembólicos, caracterizados pelos pacientes com 4-5 pontos. Pacientes em uso de AAS não apresentaram complicações hemorrágicas; no entanto, essa droga não é tão eficaz quanto o anticoagulante, visto que ocorreram 5 eventos em pacientes em uso de antiplaquetários, sendo todos pacientes de alto risco (4-5 pontos), nenhum deles com indicação de anticoagulação pelas normas vigentes18.

Neste estudo, 75 pacientes foram caracterizados como de alto risco (4-5 pontos), correspondendo a 7,3% do total da coorte, em que foram diagnosticados 14 AVEi (45% dos eventos). Dessa forma, a anticoagulação de 7,3% da população de chagásicos permitiria evitar cerca de 45% dos AVEi cardioembólicos. Se fossem anticoagulados pacientes de risco moderado e alto (3-5 pontos), 80,6% dos eventos seriam evitados (25 AVEi) à custa de número maior de tratamentos: 17,6% da população. No entanto, a anticoagulação de pacientes com 3 pontos deve ser muito bem ponderada, visto que o risco de sangramento é semelhante à incidência do evento, devendo ser indicada apenas em pacientes com baixo risco de complicações hemorrágicas e possibilidade de adequado controle do INR.

À observação isolada da incidência geral de AVEi na coorte (0,56% ao ano), pode-se inferir que uma proposta de prevenção desse evento teria baixo impacto sobre a população. No entanto, como a prevalência de doença de Chagas permanece elevada em nosso meio, seriam esperados a cada ano entre 16 e 28 mil novos casos de AVEi cardioembólico relacionados a essa doença. Se forem considerados subgrupos específicos de risco, como pacientes com disfunção moderada a grave, que correspondem a 15% do total de chagásicos4, poderiam ser esperados entre 97 e 162 mil novos casos de AVEi cardioembólico a cada ano, em nosso País. A maioria desses casos não seria identificada pelas normas vigentes de anticoagulação; no entanto, quase metade desses casos poderiam ser evitados com a utilização do sistema de escore proposto.

Conclusão

Diante do exposto, faz-se necessária a busca de novas propostas de prevenção do AVEi cardioembólico, muitas vezes incapacitante e de alto risco, que sejam especificamente direcionadas às particularidades da cardiopatia chagásica, caracterizada por elevado potencial de complicações embólicas. A partir dessa análise de risco-benefício, indica-se a utilização de varfarina (INR 2-3) em pacientes de alto risco (4-5 pontos) e de AAS ou varfarina nos de risco intermediário (3 pontos).

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de tese de Doutorado de Andrea Silvestre de Sousa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Artigo recebido em 26/09/06; revisado recebido em 26/02/07; aceito em 08/10/07

  • 1. Control of Chagas disease. Report of a WHO Expert Committee. World Health Organ Tech Rep Ser. 1991, 811: 1-95.
  • 2. Dias JCP. A doença de Chagas e seu controle na América Latina: uma análise de possibilidades. Cadernos de Saúde Pública. Rio de Janeiro. 1993; 9: 201-9.
  • 3. Camargo ME, Silva GR, Castilho EA, Silveira AC. Inquérito sorológico da prevalência de infecção chagásica no Brasil: 1975-1980. Rev Inst Med Trop São Paulo. 1984; 26: 192-204.
  • 4. Xavier SS. Estudo longitudinal da morbi-mortalidade cardíaca da doença de Chagas em uma coorte de um grande centro urbano: análise clínica, eletrocardiográfica, radiológica e ecocardiográfica de 604 casos [Doutorado]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 1999. 181p.
  • 5. Marin-Neto JA, Simões MV, Sarabanda AV. Forma crônica cardíaca. In: Brener Z, Andrade ZA, Barral-Neto M (eds). Trypanosoma cruzi e doença de Chagas. 2Ş ed. Rio de Janeiro: Guanabara; 2000. p. 266-96.
  • 6. ACC/AHA/ESC guidelines for the management of patients with atrial fibrillation: executive summary. A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines and the European Society of Cardiology. Committee for Practice Guidelines and Policy Conferences (Committee to Develop Guidelines for the Management of Patients with Atrial Fibrillation. J Am Coll Cardiol. 2001, 38: 1231-66.
  • 7. Cohn JN, Archibald DG, Ziesche S, Franciosa JA, Harston WE, Tristani FE, et al. Effect of vasodilator therapy on mortality in chronic congestive heart failure: results of a veterans administration cooperative study. N Engl J Med. 1986, 314: 1547-52.
  • 8. Pfeffer MA, Braunwald E, Moye LA, Basta L, Brown EJ Jr, Cuddy TE, et al. Effect of captopril on mortality and morbidity in patients with left ventricular dysfunction after myocardial infarction: results of survival and ventricular enlargement trial. The SAVE Investigators. N Engl J Med. 1992; 327: 669-77.
  • 9. Dunkman WB, Johnson GR, Carson PE, Bhat G, Farrel L, Cohn JN. Incidence of thromboembolic events in congestive heart failure. Circulation. 1993; 87 (Suppl. VI): 94-101.
  • 10. Dries DL, Rosenberg YD, Waclawiw MA, Domanski MJ. Ejection fraction and risk of thromboembolic events in patients with systolic dysfunction and sinus rhythm: evidence for gender differences in the studies of left ventricular dysfunction trials. J Am Coll Cardiol.1997; 29: 1074-80.
  • 11. Loh E, Sutton MSJ, Wun CC, Rouleau JL, Flaker GC, Gottlieb SS, et al. Ventricular dysfunction and the risk of stroke after myocardial infarction. N Engl J Med. 1997; 336: 251-7.
  • 12. Cunha GP. Síndromes clínicas na cardiomiopatia chagásica crônica. O Hospital. 1960; 57: 71-95.
  • 13. Samuel J, Oliveira M, Correa De Araújo RR, Navarro MA, Muccillo G. Cardiac thrombosis and thromboembolism in chronic Chagas' heart disease. Am J Cardiol. 1983; 52 (1): 147-51.
  • 14. Albanesi-Filho FM, Gomes-Filho JBM. A lesão apical do ventrículo esquerdo na evolução clínica da cardiomiopatia chagásica crônica. Arq Bras Cardiol. 1991; 56 (6): 457-63.
  • 15. Tinone G. Doença de Chagas e acidente vascular cerebral isquêmico. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 1999; 9 (4): 658-65.
  • 16. Adams HP Jr, Bendixen BH, Kappelle LJ, and TOAST investigators. Classification of subtype of acute isquemic stroke: definitions for use in a multicenter clinical trial. Stroke. 1993; 24: 34-51.
  • 17. Garg RK, Gheorghiade M, Jafri SM. Antiplatelet and anticoagulant therapy in the prevention of thromboemboli in chronic heart failure. Progr Cardiovasc Dis. 1998; 41 (3): 225-36.
  • 18. Hunt SA, Baker DW, Chin MH, Cinquegrani MP, Feldman AM, Francis GS, et al. ACC/AHA Guidelines for the evaluation and management of chronic heart failure in the adult: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines (Committee to Revise the 1995 Guidelines for The Evaluation and Management of Heart Failure). J Am Coll Cardiol. 2001; 38: 2101-13.
  • Correspondência:
    Andréa Silvestre de Sousa
    Fundação Oswaldo Cruz – IPEC – Av. Brasil, 4365 – Manguinhos
    21045-900 – Rio de Janeiro, RJ - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Jan 2009
    • Data do Fascículo
      Nov 2008

    Histórico

    • Aceito
      08 Out 2007
    • Revisado
      26 Fev 2007
    • Recebido
      26 Set 2006
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br