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Detecção de Cardiotoxicidade Subclínica Induzida por trastuzumabe em portadoras de câncer de mama

EDITORIAL

Detecção de Cardiotoxicidade Subclínica Induzida por trastuzumabe em portadoras de câncer de mama

Marília Harumi Higuchi dos Santos

Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP), São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Marília Harumi Higuchi dos Santos Rua Capote Valente 361 ap. 142. Jd America São Paulo - SP - Brasil - CEP 05409-001 E-mail: mhhsantos@yahoo.com

Palavras-chave: Antineoplasicos, Cardiotoxinas, Neoplasias da Mama, Disfunção Ventricular, Insuficiência Cardíaca.

Nas últimas décadas, o tratamento do câncer teve grande evolução nos campos da cirurgia, da radioterapia, e no surgimento de quimioterápicos citotóxicos, e terapias-alvo (incluindo anticorpos monoclonais, inibidores de tirosina quinase e inibidores da angiogênese). Com isso, houve aumento na sobrevida de pacientes com câncer fazendo que as complicações cardiovasculares relacionadas ao tratamento oncológico sejam mais valorizadas por cardiologistas e oncologistas.

A manifestação clínica mais frequente de cardiotoxicidade é a disfunção ventricular sintomática ou assintomática que pode progredir para insuficiência cardíaca1. A disfunção ventricular pode ocorrer não apenas após a quimioterapia convencional com antraciclinas, mas também com os novos agentes antitumorais como o trastuzumabe.

Diversos estudos têm mostrado que o rastreamento de cardiotoxicidade através do seguimento de fração de ejeção pode ser inadequado para detectar a forma subclínica da doença2. Sabe-se que o tempo de instituição de terapia cardiovascular é importante fator prognóstico de recuperação da função cardíaca e para evitar o desenvolvimento de insuficiência cardíaca3. Assim, vários biomarcadores têm sido estudados na tentativa de detecção precoce de cardiotoxicidade, sobretudo a troponina, o BNP e os microRNAs4,5. No entanto, ainda não estão estabelecidos o tempo ideal de coleta, nem a população ideal a ser submetida a esse rastreio. Além disso, métodos mais sensíveis de avaliação da estrutura e função cardíaca como a ressonância magnética e o ecocardiograma com strain parecem detectar formas subclínicas da doença2.

Algumas medicações comumente utilizadas no manejo da insuficiência cardíaca têm mostrado efeito benéfico sobre a cardiotoxicidade relacionada aos quimioterápicos. O uso de inibidores de enzima de conversão da angiotensina em pacientes com aumento de troponina durante o tratamento quimioterápico pode ser uma ferramenta efetiva na prevenção de disfunção ventricular esquerda e eventos cardiovasculares tardios6. Entretanto, não existem grandes estudos para avaliação do efeito dessas medicações sobre a eficácia terapêutica antineoplásica. No tratamento da cardiotoxicidade associada ao uso de agentes quimioterápicos, betabloqueadores e inibidores de enzima de conversão de angiotensina parecem ser efetivos. No entanto, o tratamento precoce da disfunção ventricular é fundamental, uma vez que existe correlação entre o tempo de início do tratamento da disfunção ventricular e recuperação da função cardíaca1.

A amplificação do gene HER2 e/ou hiperexpressão de sua proteína ocorre em aproximadamente 20% dos cânceres de mama e está associada a pior prognóstico7. Novos agentes quimioterápicos, com alvo no receptor HER2 e sua via de ação, revolucionaram o tratamento desse tipo de câncer8. O trastuzumabe, um anticorpo monoclonal humanizado, foi a primeira terapia-alvo contra a via HER2, e seu uso mudou a história natural do câncer de mama HER2+, resultando em melhora da sobrevida similar a cânceres de mama HER2-. Dessa forma, o trastuzumabe tornou-se ponto-chave no tratamento de câncer de mama HER2+. Entretanto, apesar dos benefícios proeminentes em sobrevida relacionado ao tratamento anti-HER2, foi notado um significante aumento na toxicidade cardíaca relacionado à medicação9, com vários eventos de disfunção cardíaca reportados em estudos clínicos com o uso de trastuzumabe. Embora a toxicidade cardíaca induzida pela terapia anti-HER2 não seja completamente conhecida, estudos pré-clínicos mostram importante papel das vias de sinalização de HER2 na fisiologia cardíaca, dado que ambos os receptores HER2 e seus ligantes são expressos nos cardiomiócitos. Apesar dos benefícios anticâncer oferecidos pela terapia anti-HER, existe justificada preocupação com o potencial de eventos cardíacos adversos e estudos são necessários para avaliar formas de detecção precoce dessa toxicidade, bem como a melhor forma de manejo, visto que as vias de toxicidade e terapêutica podem estar superpostas10.

Acredita-se que a disfunção diastólica possa preceder o aparecimento de disfunção sistólica de ventrículo esquerdo11. Nesta edição, Dores e cols.12 estudaram 51 mulheres com câncer de mama HER2+ por cinco meses para avaliar a ocorrência de cardiotoxicidade precoce. Apesar de não terem encontrado insuficiência cardíaca sintomática, os autores mostraram que ao terceiro mês já existiam diferenças nos parâmetros diastólicos após a utilização do trastuzumabe. Os autores encontraram diferença estatisticamente significante na relação E/e´do início ao terceiro mês de seguimento, relacionada a uma redução na velocidade é miocárdica, conforme avaliado por Doppler tecidual. Em mais da metade das pacientes (57,9%), foi encontrada queda de fração de ejeção, mas apenas em uma para valores abaixo de 55%.

Com o crescimento da cardio-oncologia e o surgimento constante de novos agentes quimioterápicos, estudos de vigilância e a busca de marcadores precoces de alterações cardíacas no paciente oncológico são de grande importância para o manejo adequado desses pacientes.

"Editorial sob responsabilidade do Cardiosource em Português. http://cientifico.cardiol.br/cardiosource2/default.asp"

Artigo recebido em 11/06/13; revisado em 11/06/13; aceito em 11/06/13.

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  • Correspondência:

    Marília Harumi Higuchi dos Santos
    Rua Capote Valente 361 ap. 142. Jd America
    São Paulo - SP - Brasil - CEP 05409-001
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jul 2013
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