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Importância Prognóstica do Eletrocardiograma Pré-Operatório em Pacientes de Baixo Risco Submetidos à Intervenção Cirúrgica sob Anestesia Geral

Resumo

Fundamento

Pacientes com idade superior a 50 anos requerem quatro vezes mais intervenções cirúrgicas que o grupo mais jovem. Muitas diretrizes recomendam a realização do eletrocardiograma pré-operatório nessa faixa etária.

Objetivos

Determinar a importância do ECG pré-operatório em pacientes com idade superior a 50 anos e com classificação de risco cirúrgico ASA I e II.

Métodos

Foram recrutados pacientes com idade superior a 50 anos, sem comorbidades, submetidos à intervenção cirúrgica sob anestesia geral. Os pacientes foram randomizados para a realização (grupo A n=214) ou não (grupo B n=213) do ECG pré-operatório. Foram analisadas as variáveis: sexo, idade, resultado do ECG, da radiografia do tórax e dos exames laboratoriais, risco cirúrgico, duração do procedimento, eventos adversos e mortalidade intra-hospitalar. O nível de significância estatística adotado foi de 5%.

Resultados

Houve ocorrência de desfechos adversos em 23 (5,4%) pacientes, com um número significante de eventos adversos nos pacientes do sexo masculino (OR=7,91, IC95% 3,3-18,90, p<0,001) e naqueles com intervenções de maior porte cirúrgico (OR=30,02, IC95% 4,01-224,92, p<0,001). Não houve diferença entre os grupos que realizaram ou não o ECG (OR=1,59, IC95% 0,67-3,75, p=0,289). As demais variáveis não mostraram diferenças significantes. Na regressão logística multivariada o sexo masculino (OR=6,49; IC95% 2,42-17,42, p<0,001) e o porte cirúrgico (OR=22,62; IC95% 2,95-173,41, p=0,002) foram preditores independentes de desfechos adversos, enquanto realizar ou não ECG (OR=1,09; IC95% 0,41-2,90, p=0,867) permaneceu sem significância estatística.

Conclusões

Os resultados sugerem que o ECG pré-operatório não foi capaz de predizer aumento do risco de desfechos adversos nos pacientes estudados, durante a fase hospitalar.

Eletrocardiografia; Cuidados Pré-Operatórios; Cirurgia Geral

Abstract

Background

Patients aged over 50 years require four times more surgical interventions than younger groups. Many guidelines recommend the performance of preoperative electrocardiogram (ECG) in this population.

Objectives

To determine the value of preoperative ECG in patients aged over 50 years and classified as ASA I–II (surgical risk).

Methods

Patients older than 50 years, without comorbidities, who underwent surgical intervention and general anesthesia were included in the study. Patients were randomized to undergo ECG (group A, n=214) or not (group B, n=213) in the preoperative period. The following variables were analyzed: sex, age, ECG, chest x-ray and laboratory tests results, surgical risk, surgery duration, adverse events and in-hospital mortality. The level of significance was set at 5%.

Results

Adverse outcomes were reported in 23 (5.4%) patients, with a significant number of adverse events in male patients (OR=7.91 95%CI 3.3-18.90, p<0.001) and in those undergoing major surgeries (OR=30.02 95%CI 4.01-224.92, p<0.001). No differences were observed between patients who underwent ECG and those who did not (OR=1.59, 95%CI, 0.67-3.75, p=0.289). No significant differences were found in the other variables. In multivariate logistic regression, male sex (OR = 6.49; 95%CI 2.42-17.42, p<0.001) and major surgery (OR=22.62; 95%CI 2.95-173.41, p=0.002) were independent predictors of adverse outcomes, whereas undergoing (or not) ECG (OR=1.09; IC95% 0.41-2.90, p=0.867) remained without statistical significance.

Conclusion

Our findings suggest that preoperative ECG could not predict an increased risk of adverse outcomes in our study population during the hospital phase.

Electrocardiography; Preoperative Care; General Surgery

Introdução

O número de procedimentos cirúrgicos não cardíacos está em franca ascensão, ultrapassando a barreira das 300 milhões de intervenções ao ano. 11. Weiser TG, Haynes AB, Molina G, Lipsitz SR, Esquivel MM, Uribe-Leitz T, et al. Size and Distribution of the Global Volume of Surgery in 2012. Bull World Health Organ. 2016;94(3):201-9. doi: 10.2471/BLT.15.159293.
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, 22. Weiser TG, Regenbogen SE, Thompson KD, Haynes AB, Lipsitz SR, Berry WR, et al. An Estimation of the Global Volume of Surgery: a Modelling Strategy Based on Available Data. Lancet. 2008;372(9633):139-44. doi: 10.1016/S0140-6736(08)60878-8.
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(08)60...
Nos países desenvolvidos, a mortalidade hospitalar varia de 0,4 a 0,8% e a taxa de complicações entre 3% e 16%, das quais 40% estão relacionadas ao sistema cardiovascular. 33. Kable AK, Gibberd RW, Spigelman AD. Adverse Events in Surgical Patients in Australia. Int J Qual Health Care. 2002;14(4):269-76. doi: 10.1093/intqhc/14.4.269.
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, 44. Devereaux PJ, Biccard BM, Sigamani A, Xavier D, Chan MTV, Srinathan SK, et al. Association of Postoperative High-Sensitivity Troponin Levels with Myocardial Injury and 30-Day Mortality Among Patients Undergoing Noncardiac Surgery. JAMA. 2017;317(16):1642-51. doi: 10.1001/jama.2017.4360.
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Além disso, a população acima dos 50 anos de idade requer quatro vezes mais intervenções cirúrgicas que o grupo mais jovem. Ainda, com o envelhecimento crescente da população, graças principalmente a uma melhor atenção dada às enfermidades crônicas, é estimado que exista um aumento exponencial dos procedimentos nesse grupo nos próximos anos. 55. Mangano DT. Perioperative Medicine: NHLBI Working Group Deliberations and Recommendations. J Cardiothorac Vasc Anesth. 2004;18(1):1-6. doi: 10.1053/j.jvca.2003.10.002.
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Atualmente recomenda-se a realização de um eletrocardiograma (ECG) pré-operatório em indivíduos com idade superior a 40 anos, visto que estudos na população cirúrgica mostram que alterações eletrocardiográficas aumentam com a idade e muitas delas podem ter implicações clínicas para o manuseio anestésico. 66. Liu LL, Dzankic S, Leung JM. Preoperative Electrocardiogram Abnormalities do not Predict Postoperative Cardiac Complications in Geriatric Surgical Patients. J Am Geriatr Soc. 2002;50(7):1186-91. doi: 10.1046/j.1532-5415.2002.t01-1-50303.x.
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, 77. Gold BS, Young ML, Kinman JL, Kitz DS, Berlin J, Schwartz JS. The Utility of Preoperative Electrocardiograms in the Ambulatory Surgical Patient. Arch Intern Med. 1992;152(2):301-5.

Devido a isso, na maioria das instituições, faz-se rotineiramente avaliação clínica e laboratorial antes de uma cirurgia para determinar a condição pré-operatória do paciente com o objetivo de reduzir a morbimortalidade. E no âmbito da avaliação clínica, um dos exames realizados é o ECG. Esse é particularmente solicitado em pacientes acima dos 40 anos de idade independente da condição clínica, com grau de recomendação variável dependendo da diretriz adotada, mas sempre com um nível de evidência fraco, exatamente pela escassez de estudos com número de pacientes, desenho e qualidade suficientes para uma recomendação mais robusta. 88. Fleisher LA, Fleischmann KE, Auerbach AD, Barnason SA, Beckman JA, Bozkurt B, et al. 2014 ACC/AHA Guideline on Perioperative Cardiovascular Evaluation and Management of Patients Undergoing Noncardiac Surgery: a Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on practice guidelines. J Am Coll Cardiol. 2014;64(22):e77-137. doi: 10.1016/j.jacc.2014.07.944.
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11. Gualandro DM, Yu PC, Caramelli B, Marques AC, Calderaro D, Fornari LS, et al. 3rd Guideline for Perioperative Cardiovascular Evaluation of the Brazilian Society of Cardiology. Arq Bras Cardiol. 2017;109(3 Supl 1):1-104. doi: 10.5935/abc.20170140.
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- 1212. Kyo S, Imanaka K, Masuda M, Miyata T, Morita K, Morota T, et al. Guidelines for Perioperative Cardiovascular Evaluation and Management for Noncardiac Surgery (JCS 2014) - Digest Version. Circ J. 2017;81(2):245-67. doi: 10.1253/circj.CJ-66-0135.
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O presente estudo visa avaliar pela primeira vez, em um desenho prospectivo e randomizado, a necessidade da realização de um ECG na rotina pré-operatória para pacientes com idade superior a 50 anos, sem comorbidades, e que foram submetidos à intervenção cirúrgica não cardíaca de forma eletiva sob anestesia geral.

Métodos

Entre abril 2020 e fevereiro 2022 foram avaliados 427 pacientes com idade superior a 50 anos sem comorbidades, que foram submetidos à intervenção cirúrgica sob anestesia geral. Todos possuíam exame físico normal no momento da avaliação clínica pré-operatória. Os pacientes que preencheram os critérios de inclusão e aceitaram participar do estudo após assinar o termo de consentimento livre e esclarecido foram randomizados na proporção 1:1 para a realização ou não do ECG.

Todos os pacientes realizaram exames laboratoriais (hemograma, glicemia, ureia, creatinina e coagulograma) e radiografia de tórax na posição posteroanterior, e foram submetidos a procedimento cirúrgico sob anestesia geral para tratamento de doença neoplásica.

Foram coletadas de cada paciente as seguintes variáveis: sexo, idade, resultado do ECG (para aqueles que realizaram), da radiografia do tórax e dos exames laboratoriais (hemograma, glicemia, ureia, creatinina e coagulograma). Informações sobre o risco cirúrgico pré-operatório (American Society of Anesthesiology - ASA), duração do procedimento, eventos adversos e mortalidade intra-hospitalar também foram contabilizados. A morbimortalidade intra-hospitalar dos pacientes que fizeram o ECG (grupo A) foi comparada com aqueles que foram submetidos à intervenção cirúrgica sem o exame (grupo B). Os pacientes do grupo A ainda foram divididos em dois subgrupos: A1 (com ECG normal) e A2 (com ECG apresentando alguma anormalidade) que foram comparados entre si e com os pacientes do grupo B. O ECG foi interpretado pelo cardiologista sênior da instituição participante e foi considerado anormal qualquer traçado que apresentasse um ritmo diferente do sinusal, presença de sobrecargas de câmaras cardíacas, bloqueios intraventriculares ou atrioventriculares, inversão da polaridade da onda T em pelo menos duas derivações contíguas, mais que três batimentos prematuros atriais ou ventriculares, presença de pré-excitação ventricular ou QTc > 470 ms. Radiografia de tórax foi avaliada por dois radiologistas do departamento de imagem e foi considerada anormal a presença de infiltrados parenquimatosos, sequela de tuberculose, presença de derrame pleural, área cardíaca aumentada ou presença de metástases. Foi considerado exame laboratorial alterado qualquer resultado diferente dos limites considerados normais adotados pelo laboratório central da Instituição. Nenhum paciente foi excluído da randomização devido a alguma anormalidade observada nos exames laboratoriais, na radiografia de tórax ou no ECG.

O porte cirúrgico foi dividido em dois grandes grupos: baixo e moderado/alto risco. Para efeito desse estudo foi considerada cirurgia de moderado/alto risco qualquer procedimento intracavitário (crânio, tórax, abdome ou pelve) ou aqueles cuja reposição de fluidos durante o ato cirúrgico excederam 30 mL/Kg.

Desfecho adverso foi considerado qualquer tipo de complicação (clínica e/ou cirúrgica) que aumentasse o tempo de internação previsto para cada procedimento realizado ou óbito por qualquer causa os quais foram estudados de forma individual e em conjunto sob denominação de morbimortalidade.

Esse estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer e pelos comitês das instituições coparticipantes sob o n o CAAE 20728719.3.0000.0072

Análise estatística

As características qualitativas foram descritas em frequências absolutas e relativas segundo a realização ou não do ECG, e verificada a associação pelo teste do qui-quadrado ou testes exatos (teste exato de Fisher ou teste da razão de verossimilhanças). As características quantitativas foram descritas segundo realização do ECG com uso de medidas resumo (média, desvio padrão, mediana e quartis) e comparadas pelo teste t-Student não pareado ou teste Mann-Whitney, conforme normalidade de distribuição avaliada por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov.

A ocorrência de morbimortalidade foi descrita segundo cada característica qualitativa e quantitativa pelos mesmos testes mencionados anteriormente.

As variáveis que foram significativas nas análises pelos testes exatos de Fisher/razão de verossimilhança ou teste t-Student/Mann-Whitney relativamente à morbimortalidade foram inseridas na análise multivariada com uso de regressão logística, inserindo o uso de ECG na análise para avaliar se a realização do exame teve influência na morbimortalidade.

As análises foram realizadas com uso do software SPSS for Windows versão 22.0 e os testes foram realizados com nível de significância de 5%.

Resultados

Esse estudo incluiu 427 pacientes (83.6% mulheres) acima de 50 anos (58,04±6,89 anos -) portadores de tumores sólidos sem história de comorbidades e que foram submetidos a procedimentos cirúrgicos eletivos sob anestesia geral. O grupo que realizou ECG (grupo A) era mais velho, possuía mais anormalidades nos exames laboratoriais e foi submetido a procedimento com maior tempo operatório. As demais variáveis estudadas não apresentaram diferenças significativas ( Tabela 1 ).

Tabela 1
– Análise da população que foi submetida à intervenção cirúrgica com e sem eletrocardiograma (ECG)

Efeitos adversos ocorreram em 23 (5.4%) pacientes, sendo três óbitos (0.7%). Foi observado um número significante de eventos adversos nos pacientes do sexo masculino e naqueles que se submeteram a intervenções de moderado/alto risco, não observando qualquer diferença em relação as complicações pós-operatórias entre os grupos que realizaram ou não o ECG ( Figura Central ). Não foram observadas diferenças estatisticamente significativas em relação à idade, anormalidades observadas no RX de tórax ou laboratoriais, risco cirúrgico (ASA) e duração do procedimento ( Tabela 2 ).

Figura Central
: Importância Prognóstica do Eletrocardiograma Pré-Operatório em Pacientes de Baixo Risco Submetidos à Intervenção Cirúrgica sob Anestesia Geral

Tabela 2
– Análise dos desfechos pós-operatórios em relação às variáveis estudadas

Quando se observa a análise de regressão logística multivariada podemos notar que o sexo masculino e o porte cirúrgico foram preditores de desfechos adversos no pós-operatório nessa população, enquanto realizar ou não o ECG permaneceu sem qualquer significância estatística ( Tabela 3 ).

Tabela 3
– Preditores de morbimortalidade na população estudada. Análise de regressão logística multivariada

Foi também analisado se a presença de anormalidades eletrocardiográficas impactaria a morbimortalidade pós-operatória. Quando se compara o grupo com anormalidades eletrocardiográficas com aqueles com ECG normal e com o grupo que não foi submetido ao exame (grupo B) não se observa diferença significativa entre os grupos em relação à ocorrência de eventos adversos ( Tabela 4 ). Na comparação entre os pacientes do grupo A, (aqueles em que o ECG era normal) com aqueles que possuíam alguma anormalidade, também não foi observada qualquer diferença ( Tabela 5 ).

Tabela 4
– Desfecho pós-operatório em pacientes com eletrocardiograma (ECG) normal ou anormal, comparado com aqueles que não realizaram ECG
Tabela 5
– Comparação de desfechos pós-operatórios adversos entre os pacientes com eletrocardiograma (ECG) normal e pacientes com ECG alterado

Os pacientes do sexo masculino eram mais velhos e foram submetidos à intervenção cirúrgica de maior risco. Em relação as outras variáveis estudadas, não houve diferenças significativas em relação ao gênero ( Tabela 6 ).

Tabela 6
– Características dos pacientes em relação ao gênero

Discussão

A significância prognóstica do ECG pré-operatório tem sofrido importantes modificações nas últimas décadas. No final dos anos 70 a eletrocardiografia de repouso foi largamente utilizada como marcador de risco cardiovascular em indivíduos submetidos à intervenção cirúrgica eletiva. Alterações eletrocardiográficas como presença de onda Q patológica e vários graus de arritmias faziam parte do escore de risco de Goldman. 1313. Goldman L, Caldera DL, Nussbaum SR, Southwick FS, Krogstad D, Murray B, et al. Multifactorial Index of Cardiac Risk in Noncardiac Surgical Procedures. N Engl J Med. 1977;297(16):845-50. doi: 10.1056/NEJM197710202971601.
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Esses resultados foram posteriormente repetidos, confirmando o valor prognóstico do ECG pré-operatório. 1414. Detsky AS, Abrams HB, Forbath N, Scott JG, Hilliard JR. Cardiac Assessment for Patients Undergoing Noncardiac Surgery. A multifactorial Clinical Risk Index. Arch Intern Med. 1986;146(11):2131-4. doi: 10.1001/archinte.1986.00360230047007.
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, 1515. Lee TH, Marcantonio ER, Mangione CM, Thomas EJ, Polanczyk CA, Cook EF, et al. Derivation and Prospective Validation of a Simple Index for Prediction of Cardiac Risk of Major Noncardiac Surgery. Circulation. 1999;100(10):1043-9. doi: 10.1161/01.cir.100.10.1043.
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Payne et al. 1616. Payne CJ, Payne AR, Gibson SC, Jardine AG, Berry C, Kingsmore DB. Is There Still a Role for Preoperative 12-Lead Electrocardiography? World J Surg. 2011;35(12):2611-6. doi: 10.1007/s00268-011-1289-y. avaliaram 345 pacientes em uma coorte prospectiva e concluíram que o ECG é um exame útil para predizer eventos cardiovasculares perioperatórios. Outros estudos 1717. Biteker M, Duman D, Dayan A, Can MM, Tekkeşin AI. Inappropriate Use of Digoxin in Elderly Patients Presenting to an Outpatient Cardiology Clinic of a Tertiary Hospital in Turkey. Turk Kardiyol Dern Ars. 2011;39(5):365-70. doi: 10.5543/tkda.2011.01530.
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- 1919. Souza FS, Pedro JR, Vieira JE, Segurado AV, Botelho MP, Mathias LA. The Validity of the Electrocardiogram Accomplishment in the Elderly Surgical Patient Preoperative Evaluation. Rev Bras Anestesiol. 2005;55(1):59-71. doi: 10.1590/s0034-70942005000100007. mostraram que anormalidades no ECG pré-operatório foi capaz de predizer complicações cardiovasculares principalmente quando existe a presença de um QT longo. Entretanto, mais tarde, esses resultados favoráveis foram questionados por vários outros autores, 66. Liu LL, Dzankic S, Leung JM. Preoperative Electrocardiogram Abnormalities do not Predict Postoperative Cardiac Complications in Geriatric Surgical Patients. J Am Geriatr Soc. 2002;50(7):1186-91. doi: 10.1046/j.1532-5415.2002.t01-1-50303.x.
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, 2020. van Klei WA, Bryson GL, Yang H, Kalkman CJ, Wells GA, Beattie WS. The Value of Routine Preoperative Electrocardiography in Predicting Myocardial Infarction After Noncardiac Surgery. Ann Surg. 2007;246(2):165-70. doi: 10.1097/01.sla.0000261737.62514.63.
https://doi.org/10.1097/01.sla.000026173...
, 2121. Richardson KM, Shen ST, Gupta DK, Wells QS, Ehrenfeld JM, Wanderer JP. Prognostic Significance and Clinical Utility of Intraventricular Conduction Delays on the Preoperative Electrocardiogram. Am J Cardiol. 2018;121(8):997-1003. doi: 10.1016/j.amjcard.2018.01.009. e essa controvérsia tem se mantido atualmente. Muitas dessas dúvidas poderiam ter sido sanadas se tivéssemos evidências robustas advindas de ensaios prospectivos e randomizados em pacientes submetidos à intervenção cirúrgica eletiva sob anestesia geral.

O principal achado do nosso estudo foi mostrar que pacientes sem comorbidades mesmo acima de 50 anos (idade média de 58 anos) submetidos à intervenção cirúrgica sob anestesia geral parecem não se beneficiar da realização do ECG pré-operatório. Não encontramos diferença no percentual de eventos adversos entre o grupo A, que realizou o ECG quando comparado com o grupo B, sem ECG. Houve até uma tendência de maior morbimortalidade no grupo A, o que pode ser explicado pelo fato de serem mais velhos, possuir mais anormalidade nos exames laboratoriais e de terem realizado procedimentos com maior tempo cirúrgico.

Alguns estudos corroboram nossos achados. Richardson et al., 2121. Richardson KM, Shen ST, Gupta DK, Wells QS, Ehrenfeld JM, Wanderer JP. Prognostic Significance and Clinical Utility of Intraventricular Conduction Delays on the Preoperative Electrocardiogram. Am J Cardiol. 2018;121(8):997-1003. doi: 10.1016/j.amjcard.2018.01.009. avaliando uma coorte de 152 479 pacientes de forma retrospectiva concluiu que o ECG pré-operatório não possui valor para predizer infarto ou mortalidade cardiovascular pós-operatória. Da mesma forma, Liu et al., 66. Liu LL, Dzankic S, Leung JM. Preoperative Electrocardiogram Abnormalities do not Predict Postoperative Cardiac Complications in Geriatric Surgical Patients. J Am Geriatr Soc. 2002;50(7):1186-91. doi: 10.1046/j.1532-5415.2002.t01-1-50303.x.
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analisando 513 pacientes observaram que anormalidades eletrocardiográficas não era capaz de predizer complicações cardiovasculares na população geriátrica e que esse exame não era útil nesses indivíduos. Na mesma linha, van Klei et al. 2020. van Klei WA, Bryson GL, Yang H, Kalkman CJ, Wells GA, Beattie WS. The Value of Routine Preoperative Electrocardiography in Predicting Myocardial Infarction After Noncardiac Surgery. Ann Surg. 2007;246(2):165-70. doi: 10.1097/01.sla.0000261737.62514.63.
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avaliaram o ECG de 2967 pacientes acima de 50 anos em um estudo observacional e notaram que a presença de bloqueios intraventriculares apesar de correlacionar com o risco de infarto pós-operatório e óbito, não melhorou a predição além dos fatores de risco identificados na história clínica do paciente, questionando a necessidade da realização do ECG pré-operatório.

Em nosso estudo, o sexo masculino e cirurgia de moderado/alto risco foram preditores independentes para desfechos adversos pós-operatórios na fase hospitalar. Uma significante maior prevalência de complicações em cirurgias de maior porte é facilmente compreensível, visto que os eventos adversos são devido a fatores inerentes ao paciente, mas também estão fortemente relacionados a complexidade dos procedimentos cirúrgicos. A explicação do gênero como fator de risco para eventos adversos é mais difícil. Acreditamos que pelo fato de os pacientes do sexo masculino serem mais velhos e haverem se submetido a intervenções de maior porte pode em parte explicar esses resultados. Ainda, podemos observar que não houve diferença de gênero entre o grupo A e o grupo B. Também não foi observada maior prevalência de anormalidades eletrocardiográficas no sexo masculino.

Nesse ensaio, nós também avaliamos a importância das alterações eletrocardiográficas no desfecho pós-operatório e não encontramos nenhuma diferença significante. Outros estudos também têm demonstrado esses mesmos resultados. 66. Liu LL, Dzankic S, Leung JM. Preoperative Electrocardiogram Abnormalities do not Predict Postoperative Cardiac Complications in Geriatric Surgical Patients. J Am Geriatr Soc. 2002;50(7):1186-91. doi: 10.1046/j.1532-5415.2002.t01-1-50303.x.
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, 2121. Richardson KM, Shen ST, Gupta DK, Wells QS, Ehrenfeld JM, Wanderer JP. Prognostic Significance and Clinical Utility of Intraventricular Conduction Delays on the Preoperative Electrocardiogram. Am J Cardiol. 2018;121(8):997-1003. doi: 10.1016/j.amjcard.2018.01.009.

Até onde nós conhecemos, este é o primeiro estudo desenhado de forma prospectiva e randomizada a avaliar o papel do ECG pré-operatório sobre os desfechos adversos pós-operatórios durante a fase hospitalar em indivíduos acima de 50 anos submetidos à intervenção cirúrgica sob anestesia geral. Nossos resultados podem ter implicações práticas imediatas, ao ajudar algumas sociedades médicas a se reposicionarem sobre as recomendações de diretrizes em solicitar o ECG pré-operatório baseado apenas na idade dos pacientes.

As limitações desse estudo são: primeiro, consideramos o número de pacientes ainda pequeno frente o universo de procedimentos cirúrgicos realizados; segundo, esse estudo foi realizado em uma única instituição o que pode dificultar a extrapolação desses resultados para outras instituições com estrutura e profissionais distintos; terceiro, estudamos apenas uma população que possuía como diagnóstico de base uma doença neoplásica e sem alta prevalência de comorbidades, e em quarto, não foi feito o seguimento tardio desses pacientes após a alta hospitalar, escopo para outra análise.

Conclusão

Os achados desse estudo sugerem que em pacientes com idade superior a 50 anos, sem comorbidades, submetidos à intervenção cirúrgica sob anestesia geral, o ECG pré-operatório não acrescenta benefício em predizer complicações pós-operatórias durante a fase hospitalar, sugerindo uma profunda reflexão sobre a real necessidade da solicitação de forma rotineira desse exame baseado apenas na faixa etária dos pacientes.

Referências

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  • Vinculação acadêmica
    Este artigo é parte de tese de Pós-doutorado de Lafayete Ramos pelo Instituto Brasileiro de Controle do Câncer.
    Aprovação ética e consentimento informado
    Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer sob o número de protocolo CAAE 20728719.3.0000.0072 / 20728719.3.3001.5505. Todos os procedimentos envolvidos nesse estudo estão de acordo com a Declaração de Helsinki de 1975, atualizada em 2013. O consentimento informado foi obtido de todos os participantes incluídos no estudo.
  • Fontes de financiamento: O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Editado por

Editor responsável pela revisão: Nuno Bettencourt

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    Jan 2024

Histórico

  • Recebido
    20 Fev 2023
  • Revisado
    20 Ago 2023
  • Aceito
    25 Out 2023
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