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Noctuídeos (Lepidoptera, Noctuidae) coletados em quatro Áreas Estaduais de Conservação do Rio Grande do Sul, Brasil

Owlet moths (Lepidoptera, Noctuidae) collected in four protected areas located in Rio Grande do Sul State, Brazil

Resumos

O objetivo deste estudo foi analisar a composição das comunidades de Noctuidae na Reserva Biológica do Ibirapuitã (Alegrete) e nos Parques Estaduais do Turvo (Derrubadas), Rondinha (Sarandi) e Espigão Alto (Barracão). Dez armadilhas luminosas foram utilizadas para coletar os insetos, de novembro de 2000 a fevereiro de 2001, amostrando-se uma noite por local. Os lepidópteros foram identificados aos níveis de família, subfamília e, quando viável, até espécie. Foram coletados 6.374 noctuídeos pertencentes a 249 táxons, distribuídos em 17 subfamílias. Os resultados indicam a existência de número maior de noctuídeos no Estado e a importância das Unidades Estaduais de Conservação para a manutenção da biodiversidade.

Armadilha luminosa; biodiversidade; estrutura da comunidade; inventariamento de fauna


The objective of this work was to analyze the composition of the Noctuidae communities at Reserva Biológica de Ibirapuitã (Alegrete) and at Parque Estadual do Turvo (Derrubadas), Parque Estadual de Rondinha (Sarandi) and Parque Estadual do Espigão Alto (Barracão). Ten light traps were used to collect the insects from November/2000 to February/2001, sampling one night per area. The lepidopterous were identified at family and subfamily levels and, when it was possible, at genera and species levels. A total of 6,374 noctuids belonging to 249 taxa, distributed in 17 subfamilies were collected. The large number of species observed in all areas emphasize the importance of Conservation State Unity for the biodiversity maintenance.

Biodiversity; community structure; faunistic inventory; light trap


BIOLOGIA, ECOLOGIA E DIVERSIDADE

Noctuídeos (Lepidoptera, Noctuidae) coletados em quatro Áreas Estaduais de Conservação do Rio Grande do Sul, Brasil

Owlet moths (Lepidoptera, Noctuidae) collected in four protected areas located in Rio Grande do Sul State, Brazil

Alexandre SpechtI; José Augusto TestonII; Rocco Alfredo Di MareIII; Elio CorseuilIV

ICurso de Ciências-Biologia, Departamento de Ciências Exatas e da Natureza, Universidade de Caxias do Sul-UCS. Alameda João Dal Sasso 800, 95700-000 Bento Gonçalves-RS, Brasil; Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia, Instituto de Biociências, UCS. Rua Francisco Getúlio Vargas 1130, 95070-560 Caxias do Sul-RS, Brasil. aspecht@ucs.br

IICurso de Ciências Biológicas, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade de Cruz Alta-UNICRUZ. Rua Andrade Neves 308, 98025-810 Cruz Alta-RS, Brasil. jateston@unicruz.edu.br

IIIDepartamento de Biologia, Centro de Ciências Naturais e Exatas, Universidade Federal de Santa Maria-UFSM. Campus Universitário, Faixa de Camobi-Km 9, 97105-900 Santa Maria-RS, Brasil. ram13@terra.com.br

IVFaculdade de Biociências, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul-PUCRS. Caixa Postal 1429, 90619-900 Porto Alegre-RS, Brasil. corseuil@pucrs.br

RESUMO

O objetivo deste estudo foi analisar a composição das comunidades de Noctuidae na Reserva Biológica do Ibirapuitã (Alegrete) e nos Parques Estaduais do Turvo (Derrubadas), Rondinha (Sarandi) e Espigão Alto (Barracão). Dez armadilhas luminosas foram utilizadas para coletar os insetos, de novembro de 2000 a fevereiro de 2001, amostrando-se uma noite por local. Os lepidópteros foram identificados aos níveis de família, subfamília e, quando viável, até espécie. Foram coletados 6.374 noctuídeos pertencentes a 249 táxons, distribuídos em 17 subfamílias. Os resultados indicam a existência de número maior de noctuídeos no Estado e a importância das Unidades Estaduais de Conservação para a manutenção da biodiversidade.

Palavras-Chave: Armadilha luminosa; biodiversidade; estrutura da comunidade; inventariamento de fauna.

ABSTRACT

The objective of this work was to analyze the composition of the Noctuidae communities at Reserva Biológica de Ibirapuitã (Alegrete) and at Parque Estadual do Turvo (Derrubadas), Parque Estadual de Rondinha (Sarandi) and Parque Estadual do Espigão Alto (Barracão). Ten light traps were used to collect the insects from November/2000 to February/2001, sampling one night per area. The lepidopterous were identified at family and subfamily levels and, when it was possible, at genera and species levels. A total of 6,374 noctuids belonging to 249 taxa, distributed in 17 subfamilies were collected. The large number of species observed in all areas emphasize the importance of Conservation State Unity for the biodiversity maintenance.

Keywords: Biodiversity; community structure; faunistic inventory; light trap.

Os lepidópteros constituem uma das ordens mais diversas de insetos e têm representantes de fácil captura, especialmente as mariposas, que são atraídas por fontes luminosas (Gardiner 1995). Vários modelos de aparelhos e fontes luminosas são empregados na coleta de mariposas sempre apresentando grande sucesso tanto em relação à quantidade quanto à variedade (Muirhead-Thomson 1991; Fry & Waring 1996). Por outro lado, Marinoni & Dutra (1996) ressaltam que existem várias limitações relacionadas ao seu emprego como método para obtenção de amostragens, especialmente no que se refere à seletividade e efeitos ambientais sobre as coletas.

A exemplo de vários estudos em outros países (Barlow & Woiwod 1989; Holloway & Barlow 1992; Lin 1995; Chey et al. 1997; Intachat et al. 1997; Woiwod 1997; Usher & Keiller 1998; Kitching et al. 2000), também no Brasil os lepidópteros noturnos têm sido utilizados para indicar diversidade (Ferreira et al. 1995; Lübeck et al. 1995; Marinoni & Dutra 1996; Marinoni et al. 1997; Camargo 1999; Specht 2001; Specht & Corseuil 2002b; Teston & Corseuil 2004).

A família Noctuidae destaca-se entre os principais grupos de mariposas pela grande diversidade, especialmente na Região Neotropical (Heppner 1991). Suas espécies relacionam-se com diversos ambientes e seus recursos, especialmente durante o período larval; alimentam-se de folhas, caules, brotos, raízes, flores, frutos, sementes, detritos ou outros insetos; algumas espécies que se alimentam de plantas cultivadas constituem-se pragas de extrema importância econômica (Holloway et al. 1992). A grande diversidade, por vezes aliada a espécies com níveis populacionais elevados faz com que essas mariposas constituam a maior proporção dos lepidópteros amostrados com armadilhas luminosas (Gaston 1988; Barlow & Woiwod 1989; Chey et al. 1997; Camargo 1999). Assim, o estudo deste grupo pode contribuir para o conhecimento da maior parte das características de um determinado ambiente.

O Rio Grande do Sul está inserido em dois grandes Biomas: Mata Atlântica e Campos Sulinos (Brasil 2000) porém, apresenta grande diversidade de ambientes com características físicas, climáticas, topográficas e fitogeográficas que motivaram o estabelecimento de onze zonas fisiográficas (Arend 1997). Em função desta diversidade de ambientes, o Estado do Rio Grande do Sul, através do Departamento de Florestas e Áreas Protegidas (DEFAP) da Secretaria Estadual do Meio Ambiente - SEMA, vem implementando planos de manejo para suas Unidades Estaduais de Conservação.

Este estudo objetivou contribuir com conhecimentos sobre os noctuídeos ocorrentes em quatro Unidades Estaduais de Conservação.

MATERIAL E MÉTODOS

Os exemplares foram coletados nas Unidades de Conservação mantidas pelo DEFAP/SEMA, caracterizadas a seguir, com base nas descrições constantes em SEMA (2002).

Reserva Biológica do Ibirapuitã (RBI) – Localizada na região da Campanha, no oeste do Estado, às margens do rio Ibirapuitã, é a única área de proteção integral a preservar porções de campos nativos e mata ciliar. A área de campo caracteriza-se pelo domínio de espécies de gramíneas com presença esparsa de espinilhos [Acacia spp. - Mimosaceae] e aroeiras-pretas [Myracrodruon urundeuva Fr. All. - Anacardiaceae]. São ainda encontrados afloramentos de rocha onde se destacam cactáceas. Dentre as espécies da mata ciliar, estão o angico-vermelho [Parapiptadenia rigida (Bentham) Brenan - Mimosaceae], o camboim [Myrciaria tenella (Dc.)Berg.- Myrtaceae], a embira [Daphnopsis racemosa Griseb. - Thymelaeaceae] e a espinheira-santa [Maytenus ilicifolia Reiss - Celastraceae]. Situa-se no município de Alegrete, entre as coordenadas 29º54' e 29º57' S; 55º45' e 55º48' W, com área de 351,42 ha.

Parque Estadual do Turvo (PET) - Localizado na região do Planalto, às margens do rio Uruguai, é coberto pela Floresta do Alto Uruguai (Floresta Estacional Decidual), com árvores de até 30 m de altura, como o cedro [Cedrela fissilis Vellozo - Meliaceae], a grápia [Apuleia leiocarpa Vog. Macbride - Caesalpiniaceae], a canjerana [Cabralea canjerana (Vell.) Mart. - Meliaceae] e o louro [Laurus nobilis L. - Lauraceae]. Situa-se no município de Derrubadas, entre as coordenadas 27º00' e 27º20' S; 53º40' e 54º10'W, com área de 17.491,40 ha.

Parque Estadual de Rondinha (PER) - Localizado no Planalto divide-se em Floresta de Araucária (Floresta Ombrófila Mista) e campos (savanas) com destaque para pequenos butiazais Butia spp. - Arecaceae] e jaboticabais [Myrcia cauliflora Berg - Myrtaceae]. Sua área é relativamente pequena e sofre forte pressão de uso agrícola. Situa-se no município de Sarandí, entre as coordenadas 27º45'e 27º58'S; 52º45' e 52º55'W, com área de 1.000 ha.

Parque Estadual de Espigão Alto (PEE) - Localizado no Planalto, próximo ao rio Uruguai no vale do Arroio Marmeleiro, preserva o maior fragmento de floresta de araucária (Floresta Ombrófila Mista) e porções menores da Floresta do Alto Uruguai (Floresta Estacional Decidual). Localiza-se no município de Barracão, entre as coordenadas 27º30' e 27º45' S; 51º20' e 51º40' W, com área de 1.331,9 ha.

As coletas foram efetuadas empregando armadilhas luminosas, modelo Pensilvânia (Frost 1957), distribuídas em pontos representativos dos vários tipos de vegetação ocorrentes em cada Reserva. As armadilhas providas de lâmpadas fluorescentes ultravioleta modelo F15 T12 LN, com comprimentos de onda variando de 290 a 450 nanômetros com pico ao redor de 340 nanômetros, utilizaram, como fonte de energia, baterias de 12 volts. Na porção inferior de cada aparelho, foi fixado um tronco de cone plástico, cujo maior diâmetro media 32 cm e o menor 16 cm, ao qual acoplou-se um balde plástico contendo três litros de álcool etílico 96GL. Foram instaladas a cerca de 2,0 m do nível do solo e ficaram ligadas do ocaso até a manhã seguinte, aproximadamente 12 horas. As coletas foram realizadas nas noites de 23/24 de novembro de 2000, na Reserva Biológica do Ibirapuitã; 24/25 de janeiro de 2001, no Parque Estadual do Turvo; 26/27 de janeiro de 2001, no Parque Estadual de Rondinha e, 21/22 de fevereiro de 2001, no Parque Estadual do Espigão Alto. O esforço de coleta compreendeu a utilização de dez armadilhas durante apenas uma noite em cada local.

Em laboratório, os Noctuidae foram separados e registrados em uma listagem preliminar das espécies ocorrentes no Estado. Todos os exemplares que suscitaram dúvidas foram, após observação da presença da abertura timpânica entre o metatórax e o abdome, que evidencia pertencerem a Noctuoidea, separados para estudos subseqüentes. Os exemplares, cuja identificação não pôde ser prontamente realizada, foram preparados em alfinetes entomológicos e incluídos na listagem ao nível de gênero ou de subfamília. Além destes, exemplares representativos de cada espécie foram incorporados à coleção do Laboratório de Entomologia, Museu de Ciências e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (MCTP). A identificação foi realizada com base na coleção de referência formada por estudos de inventariamento faunístico regional do MCTP (Specht & Corseuil 1996, 1998, 2001, 2002a), Coleção do Museu Entomológico Ceslau Biezanko da Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel, Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e obras de Hampson (1903-1913), Seitz (1919-1944) e Poole et al. (1993). Utilizou-se a classificação proposta por Lafontaine & Poole (1991) para Plusiinae, e Poole (1989) para as demais subfamílias.

De posse dos dados, organizou-se uma tabela de freqüência/abundância com os nomes listados em ordem alfabética, por subfamília, gênero e espécies. Nas espécies em que Poole (1989) coloca o respectivo gênero em dúvida, o mesmo foi colocado entre colchetes.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram coletados 6.374 noctuídeos pertencentes a 17 subfamílias, identificando-se 249 táxons, sendo 180 ao nível específico, 42 ao nível de genérico e 27 que ainda permanecem apenas ao nível de subfamília (Tabela I).

Com referência à importância destas áreas de preservação, destaca-se que, com esforço relativamente pequeno, coletou-se 180 (50,8%) das espécies de Noctuidae já registradas para o Estado (Specht & Corseuil 1996, 1998, 2001, 2002a) (Tabela II).

Na Tabela III destaca-se o grande número de espécies exclusivas de cada localidade (117); observa-se que 65 ocorreram simultaneamente em duas, 49 em três e, apenas, 18 em todas. Entre os noctuídeos capturados simultaneamente em três ou nos quatro locais destaca-se a predominância de espécies normalmente relacionadas com gramíneas ou culturas de verão (Silva et al. 1968); as demais, em sua maioria, já foram consideradas como constantes em outros trabalhos no Estado (Link 1977, Specht & Corseuil 2002b).

Da mesma forma, observou-se grande variação no número de espécies por subfamília entre os locais (Tabela II), melhor evidenciado nas subfamílias com maior diversidade (Amphipyrinae, Catocalinae, Hadeninae, Noctuinae e Ophiderinae). Tais variações podem decorrer das diferentes épocas de coleta ou da utilização de plantas hospedeiras específicas de cada ambiente próprio de cada Unidade de Conservação. Assim, na Reserva Biológica do Ibirapuitã, a maior parte das espécies relaciona-se com plantas típicas de ambiente de Campo enquanto as dos Parques relacionam-se mais com vegetação de floresta, o que vem ao encontro com as ponderações de Kitching et al. (2000).

A Reserva Biológica do Ibirapuitã pertence a uma área Prioritária de Conservação da Biodiversidade dos Campos Sulinos, categorizada como de extrema importância biológica (Brasil 2000). Neste local, observou-se a predominância de espécies relacionadas com a vegetação de campo, muitas das quais são hóspedes das gramíneas nativas (Silva et al. 1968) que ocorrem na área. Representantes da maior parte destes noctuídeos são encontrados na coleção do Museu Entomológico Ceslau Biezanko (UFPel), capturados entre 1930 e 1970 e, atualmente, não são facilmente encontradas em regiões onde foram implantadas gramíneas exóticas, tanto para produção de forragem como de grãos. Com relação à importância dessa Reserva para a manutenção da biodiversidade dos ecossistemas de campos destaca-se que, apesar de ser o local com menor riqueza de espécies coletadas (n = 83), foi a unidade de conservação que apresentou o maior percentual de espécies (34,9%) de ocorrência exclusiva, com 29 espécies (Tabela III). Isto, provavelmente, por ser a única, deste estudo, a representar o Bioma Campos Sulinos (Brasil 2000) com suas características fisiográficas particulares. Algumas espécies consideradas raras ou, pelo menos, infreqüentes como Agrotis canities (Grote, 1902), Cydosia rimata Draudt, 1927 e Elaphria interstriata (Hampson, 1909) foram coletadas em números expressivos (Tabela I) o que pode indicar que esta reserva ainda mantem condições favoráveis à manutenção destas espécies típicas deste ambiente. Apenas 14 (21,5%) espécies foram coletadas simultaneamente em cada uma das demais Unidades de Conservação: 3 com o Parque Estadual Florestal do Turvo, 7 com o Parque Estadual de Rondinha e 4 com o Parque Estadual de Espigão Alto (Tabela III). Este pequeno número de espécies compartilhadas com as outras Unidades de Conservação, evidencia o isolamento dessa Reserva como parte de um Bioma distinto. Entretanto, entre os noctuídeos coletados simultaneamente em três locais, representados principalmente por espécies polífagas ou relacionados com plantas cultivadas, observou-se uma proporção maior (44,9%), com 22 das 49 espécies (Tabela III).

As subfamílias Noctuinae, Plusiinae e Sarrothripinae, mais relacionadas com ambientes de vegetação aberta, apresentaram o número de espécies relativamente alto; Amphipyrinae, Catocalinae e Ophiderinae, tipicamente mais diversas em ambientes de floresta, foram relativamente pobres em espécies (Tabela II), o que é condizente com o esperado para o local (Scoble, 1992).

Devido às demais unidades de conservação (Parque Estadual Florestal do Turvo, Parque Estadual de Rondinha e Parque Estadual do Espigão Alto) encontrarem-se inseridas no Bioma Mata Atlântica (Brasil 2000) compartilham diversas características fisiográficas em comum. Atribui-se a este fato a observação de que a maior parte (78,5%) das espécies (n = 65) observadas simultaneamente entre dois locais (n= 51) estiveram presentes nestes Parques. Da mesma forma, observou-se a maior proporção (55,1%) das espécies que ocorreram simultaneamente em três locais (n = 27/49) (Tabela III). Ainda com relação ao Bioma, na Tabela II, evidencia-se a maior riqueza de espécies, especialmente em Amphipyrinae, Catocalinae e Ophiderinae, coerente com observações constantes em Scoble (1992).

No Parque Estadual Florestal do Turvo, delimitado dentro de uma área prioritária para a conservação da biodiversidade da Mata Atlântica e considerado de extrema importância biológica (Brasil 2000) foram coletadas 134 espécies de Noctuidae. Destas, 38 ocorreram unicamente neste parque, 170 das 220 (77,3 %) espécies coletadas no Bioma Mata Atlântica. (Tabela III). Compartilhou 13 espécies com o Parque Estadual de Rondinha, 24 com o do Espigão Alto e apenas 3 com a Reserva Biológica do Ibirapuitã. Quando consideradas as espécies ocorrentes em três locais compartilhou mais 38, especialmente com os demais parques do Bioma Mata Atlântica (n = 27). Tais resultados indicam que este Parque, bem preservado (observação local), que dispõe de área consideravelmente grande (17.491,40 ha) no Rio Grande do Sul e que se prolonga pelo estado de Santa Catarina e na Argentina, apresenta boas condições para manter espécies típicas de seu ambiente, algumas muito raramente encontradas no Estado [Stauropides superba (Druce, 1894), Acanthodica lignaris Schaus, 1894, Acanthodica penicillium (C. Felder & Rogenhofer, 1774), entre outras]. Ressalta-se a presença de somente três espécies pertencentes a Noctuinae, conhecendo-se bem apenas Anicla ignicans (Guenée, 1852) cujas plantas hospedeiras são gramíneas (Silva et al. 1968). A espécie mais abundante foi Anticarsia gemmatalis Hübner, 1818 com 185 indivíduos provavelmente oriundos das plantações de soja situadas no entorno do Parque; entretanto sobre a segunda espécie com maior abundância, Perigea xylophasioides Guenée, 1852, não se conhece o hábito alimentar.

No Parque Estadual de Rondinha, foram coletadas 114 espécies das quais 19 foram únicas. Estes dados indicam que, apesar do tamanho reduzido deste Parque (1.000 ha) e da forte pressão de uso agrícola no seu entorno, um grande número de espécies representativas do local ainda encontra ambiente favorável ao seu desenvolvimento e à manutenção de suas populações. Por outro lado, observou-se a maior proporção de indivíduos por espécie de todos os locais (23,97) evidenciando a forte pressão de uso agrícola no seu entorno, maximizada pela sua pequena área. Neste local as três espécies mais abundantes relacionam-se com as plantas cultivadas nas proximidades, especialmente soja. Estas observações concordam com o fato de que os efeitos da perturbação ambiental dependem do tamanho das áreas a serem preservadas (Hamer & Hill 2000). Ilustrando isto, A. gemmatalis, conhecida como lagarta-da-soja, foi a espécie mais abundante com 1191 indivíduos seguida por Condica sutor (Guenée, 1852) (249) que é hóspede de diversas plantas invasoras e de aipo (Umbeliferae) (Crumb 1956) e Spodoptera cosmioides (Walker, 1858) (157) que é hóspede de diversas culturas de interesse econômico (Silva et al. 1968). Apesar deste parque fazer parte do Bioma Mata Atlântica (Brasil 2000) a riqueza de espécies de Amphipyrinae e Ophiderinae (Tabela II) foi relativamente pequena.

No parque Estadual do Espigão Alto foram coletadas, à semelhança do Parque Estadual Florestal do Turvo, 135 espécies, porém observou-se a predominância de Amphipyrinae e Hadeninae (Tabela II). O número de espécies representantes de Ophiderinae representou menos da metade do observado no Parque Estadual do Turvo (Tabela II). Neste Parque foram coletadas 31 espécies únicas, o que demonstra a sua importância para preservação. Este parque, de tamanho reduzido (1.331,9 ha), também situa-se em uma área de extrema importância biológica das áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade da Mata Atlântica (Brasil 2000). Provavelmente o grande número de espécies observado esteja relacionado com o seu excelente estado de conservação e por estar conectado com diversas áreas de mata preservada que se continuam pelo vale do Rio Pelotas. Observou-se também, em função da altitude, a ocorrência de espécies típicas do Bioma Campos Sulinos, de Cima da Serra, como Anicla temperata (Schaus, 1894) e Tripseuxoa deeringi Schaus, 1929 (Specht 2001).

Apesar dos ecossistemas pertencentes aos Campos Sulinos apresentarem riqueza menor que os pertencentes ao Bioma Mata Atlântica (Brasil 2000), há necessidade da manutenção de Unidades de Conservação em ambos os Biomas, tanto pelo número de espécies abrigadas quanto pela falta de conhecimento sobre elas.

Este estudo, a exemplo de outros (Barlow & Woiwod 1989; Holloway & Barlow 1992; Marinoni & Dutra 1996; Ferreira et al. 1995; Lübeck et al. 1995; Chey et al. 1997; Intachat et al. 1997; Marinoni et al. 1997; Woiwod 1997; Usher & Keiller 1998; Camargo 1999; Kitching et al. 2000; Specht 2001; Specht & Corseuil 2002b; Teston & Corseuil 2004) demonstrou a possibilidade da utilização de grupos de lepidópteros para obter informações ecológicas sobre áreas de preservação, em tempo relativamente curto e custos muito pequenos (Oliver & Beattie 1996). Além disto, devido à incorporação dos exemplares em coleções de referência, seus dados permitem ampliar a distribuição geográfica e inventariamento das espécies contribuindo para o conhecimento da biodiversidade local, regional e mais amplamente global (Kremen et al. 1993).

Os maiores valores de riqueza observados em Amphipyrinae, Ophiderinae e Hadeninae concordam com os referidos para Santa Maria, RS (Link 1977) e Salvador do Sul, RS (Specht & Corseuil 2002b). Observa-se que, como destacado pelos últimos autores, Ophiderinae foi representada por número de indivíduos relativamente pequeno, especialmente quando se exclui A. gemmatalis, que é praga da cultura da soja. Como demonstrado para a comunidade de Noctuidae de Salvador do Sul, RS (Specht & Corseuil 2002b) e Santa Maria, RS (Link 1977), as espécies que apresentaram as maiores abundâncias são espécies-praga de determinadas culturas ou relacionam-se a plantas invasoras ou muito comuns. Assim como neste estudo, a variação específica entre localidades em função da vegetação predominante também é descrita para cultivos e, especialmente, florestas (Lin 1995; Chey et al. 1997; Intachat et al. 1997; Usher & Keiller 1998).

Apesar dos conhecimentos sobre os noctuídeos neotropicais serem relativamente escassos, a avaliação das características próprias de cada comunidade, neste estudo através da riqueza e abundância permitiram caracterizar as comunidades de cada uma das unidades de conservação. Devido às amostragens terem sido efetuadas em períodos muito curtos, as informações, mesmo que de forma limitada, contribuíram para a ampliação do inventariamento e distribuição geográfica das espécies no Estado. Considerando que vários grupos de mariposas, incluindo Noctuidae, são indicadores de qualidade ambiental (Kitching et al. 2000), recomenda-se que sejam efetuados levantamentos nas diferentes épocas e em vários anos (Specht 2001) pois com o conhecimento de toda a comunidade e suas características ao longo do ano, estes lepidópteros poderão ser utilizados para avaliar as mudanças ambientais e seus agentes causais.

O presente estudo permitiu constatar que o número de noctuídeos ocorrentes no Rio Grande do Sul é bem maior que as 354 espécies já referidas e que as Unidades Estaduais de Conservação constituem importantes meios para ampliação dos conhecimentos sobre este grupo e para a manutenção da sua diversidade .

Agradecimentos. Ao Engenheiro Agrônomo Alexandre Carvalho da Empresa Magna Engenharia, pela operacionalização e viabilização dos trabalhos de campo.

Recebido em 14.V.2004; aceito em 12.XI.2004

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Maio 2005
  • Data do Fascículo
    Mar 2005

Histórico

  • Recebido
    14 Maio 2004
  • Aceito
    12 Nov 2004
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