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Interações microbianas na disponibilidade e absorção de manganês por soja

Microbial interactions on manganese availability and uptake by soybean

Resumos

O objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito da interação entre fungos micorrízicos arbusculares e a comunidade microbiana do solo, sobre a disponibilidade, a absorção e a atenuação da toxidez de Mn em soja. As plantas foram micorrizadas com Glomus etunicatum ou G. macrocarpum, com e sem o restabelecimento da comunidade microbiana do solo autoclavado. Um tratamento não micorrizado teve a comunidade microbiana restabelecida, enquanto outro foi mantido como controle absoluto. As plantas micorrizadas apresentaram maior crescimento e atenuação da toxidez de Mn, principalmente quando se restabeleceu a comunidade microbiana. Nesse caso, houve aumento da disponibilidade de Fe e diminuição da disponibilidade de Mn no substrato. O teor de P foi maior nas plantas micorrizadas. Houve menor concentração de Fe e Mn na parte aérea das plantas micorrizadas, mais evidente quando a comunidade microbiana foi restabelecida. Nas raízes, esse comportamento foi o mesmo quanto ao Mn e inverso quanto ao ferro. A diminuição da concentração de Mn na parte aérea das plantas micorrizadas foi atribuída à diminuição de sua disponibilidade no substrato, enquanto em relação ao Fe foi atribuída à sua retenção nas raízes.

Glycine max; metal pesado; toxicidade; micorriza arbuscular


The aim of this work was to evaluate the effect of the interaction between arbuscular mycorrhizal fungi and the soil microbial community, on the Mn availability, uptake, and Mn toxicity alleviation in soybean. Plants were inoculated with Glomus etunicatum or G. macrocarpum, with or without the microbial community reestablishment after autoclaving. A nonmycorrhizal treatment had the re-establishment of the soil microbial community, whilst other was kept as absolute control. Mycorrhizal plants had more growth and less Mn toxicity, mainly when the microbial community was re-established. In that case there was an increase in Fe availability and decrease in Mn availability in the substrate. Shoot P concentration was higher in the mycorrhizal plants. There was lower Fe and Mn concentration in the shoots of mycorrhizal plants, more intensively when the microbial community was reestablished. In the roots, this behavior was the same for Mn and inverse for Fe. The Mn decrease in the shoots was attributed to the decrease of its availability, whilst the decrease of Fe concentration in the shoots was attributed to its retention in the roots.

Glycine max; heavy metals; toxicity; arbuscular mycorrhiza


Interações microbianas na disponibilidade e absorção de manganês por soja1 1 Aceito para publicação em 15 de julho 2002. Extraído da tese de doutorado apresentada pelo primeiro autor à Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), Piracicaba. Financiado pela Fapesp. 2 Esalq, Dep. de Solos e Nutrição de Plantas, Caixa Postal 9, CEP 13418900 Piracicaba, SP. Bolsista da Fapesp. E-mail: nogueira@esalq.usp.br 3 Esalq, Dep. de Solos e Nutrição de Plantas. Bolsista do CNPq. E-mail: ejbncard@esalq.usp.br

Microbial interactions on manganese availability and uptake by soybean

Marco Antonio NogueiraI, 2 1 Aceito para publicação em 15 de julho 2002. Extraído da tese de doutorado apresentada pelo primeiro autor à Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), Piracicaba. Financiado pela Fapesp. 2 Esalq, Dep. de Solos e Nutrição de Plantas, Caixa Postal 9, CEP 13418900 Piracicaba, SP. Bolsista da Fapesp. E-mail: nogueira@esalq.usp.br 3 Esalq, Dep. de Solos e Nutrição de Plantas. Bolsista do CNPq. E-mail: ejbncard@esalq.usp.br ; Elke Jurandy Bran Nogueira CardosoII, 3 1 Aceito para publicação em 15 de julho 2002. Extraído da tese de doutorado apresentada pelo primeiro autor à Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), Piracicaba. Financiado pela Fapesp. 2 Esalq, Dep. de Solos e Nutrição de Plantas, Caixa Postal 9, CEP 13418900 Piracicaba, SP. Bolsista da Fapesp. E-mail: nogueira@esalq.usp.br 3 Esalq, Dep. de Solos e Nutrição de Plantas. Bolsista do CNPq. E-mail: ejbncard@esalq.usp.br

IEsalq, Dep. de Solos e Nutrição de Plantas, Caixa Postal 9, CEP 13418900 Piracicaba, SP. Bolsista da Fapesp

IIEsalq, Dep. de Solos e Nutrição de Plantas. Bolsista do CNPq

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Marco Antonio Nogueira E-mail: nogueira@esalq.usp.br

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito da interação entre fungos micorrízicos arbusculares e a comunidade microbiana do solo, sobre a disponibilidade, a absorção e a atenuação da toxidez de Mn em soja. As plantas foram micorrizadas com Glomus etunicatum ou G. macrocarpum, com e sem o restabelecimento da comunidade microbiana do solo autoclavado. Um tratamento não micorrizado teve a comunidade microbiana restabelecida, enquanto outro foi mantido como controle absoluto. As plantas micorrizadas apresentaram maior crescimento e atenuação da toxidez de Mn, principalmente quando se restabeleceu a comunidade microbiana. Nesse caso, houve aumento da disponibilidade de Fe e diminuição da disponibilidade de Mn no substrato. O teor de P foi maior nas plantas micorrizadas. Houve menor concentração de Fe e Mn na parte aérea das plantas micorrizadas, mais evidente quando a comunidade microbiana foi restabelecida. Nas raízes, esse comportamento foi o mesmo quanto ao Mn e inverso quanto ao ferro. A diminuição da concentração de Mn na parte aérea das plantas micorrizadas foi atribuída à diminuição de sua disponibilidade no substrato, enquanto em relação ao Fe foi atribuída à sua retenção nas raízes.

Termos para indexação:Glycine max, metal pesado, toxicidade, micorriza arbuscular.

ABSTRACT

The aim of this work was to evaluate the effect of the interaction between arbuscular mycorrhizal fungi and the soil microbial community, on the Mn availability, uptake, and Mn toxicity alleviation in soybean. Plants were inoculated with Glomus etunicatum or G. macrocarpum, with or without the microbial community reestablishment after autoclaving. A nonmycorrhizal treatment had the re-establishment of the soil microbial community, whilst other was kept as absolute control. Mycorrhizal plants had more growth and less Mn toxicity, mainly when the microbial community was re-established. In that case there was an increase in Fe availability and decrease in Mn availability in the substrate. Shoot P concentration was higher in the mycorrhizal plants. There was lower Fe and Mn concentration in the shoots of mycorrhizal plants, more intensively when the microbial community was reestablished. In the roots, this behavior was the same for Mn and inverse for Fe. The Mn decrease in the shoots was attributed to the decrease of its availability, whilst the decrease of Fe concentration in the shoots was attributed to its retention in the roots.

Index terms:Glycine max, heavy metals, toxicity, arbuscular mycorrhiza.

Introdução

A disponibilidade de manganês (Mn) no solo como nutriente de plantas e de outros organismos depende de seu estado de oxidação. A forma disponível é a reduzida, Mn2+, enquanto a forma oxidada, Mn4+, resulta em óxidos insolúveis (Marschner, 1995). A predominância de cada forma ou o equilíbrio entre elas são governados química e biologicamente. Segundo Ghiorse (1984), a oxidação do Mn é biológica, enquanto a redução pode ser química ou biológica. Assim, a disponibilidade de Mn pode ser determinada pelo equilíbrio das atividades de organismos oxidantes e redutores de manganês. Além disso, a complexação orgânica também torna o Mn2+ indisponível (Miyazawa et al., 1993) sem, no entanto, alterar seu estado de oxidação.

Kothari et al. (1991) observaram que o Mn disponível no substrato diminuiu na mesma ordem que diminuiu o número de bactérias redutoras de Mn, indicando o papel da redução biológica de manganês. Sob essa ótica, a disponibilidade de Mn pode ser aumentada por fatores que aumentem o número de microrganismos redutores (Marschner et al., 1991) ou diminuam o de oxidantes (Rengel, 1997). O desequilíbrio entre essas duas comunidades, favorecendo os redutores ou suprimindo os oxidantes, pode levar à toxidez de Mn às plantas, desde que seu conteúdo no solo seja suficiente para atingir níveis tóxicos.

O teor de Mn e sua absorção são geralmente menores nas plantas micorrizadas. Esse efeito pode contribuir para aumentar a tolerância das plantas ao excesso de Mn, como, por exemplo, no caso da soja (Bethlenfalvay & Franson, 1989; Cardoso, 1996). A proteção contra o excesso de Mn é atribuída a um efeito indireto dos fungos micorrízicos, os quais podem causar mudanças na composição das comunidades de microrganismos oxidantes e redutores de Mn na rizosfera e, por conseguinte, na nutrição das plantas em relação ao Mn (Kothari et al., 1991; Arines et al., 1992; Posta et al., 1994). Por sua vez, certos isolados de Bacillus estimulam a micorrização (AboulNasr, 1996) e a produção de micélio externo, o que pode aumentar a eficiência da simbiose.

O objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito da interação entre fungos micorrízicos arbusculares e a comunidade microbiana do solo, sobre a disponibilidade, a absorção e a atenuação da toxidez de Mn em soja.

Material e Métodos

Utilizou-se uma amostra composta (020 cm) de solo muito argiloso, classificado como Nitossolo Vermelho eutroférrico típico (Embrapa, 1999), por apresentar alto teor natural de Mn disponível (63 mg dm-3). Esse teor aumentou após a autoclavagem a 121oC por 2 horas, para a eliminação da microbiota nativa do substrato. O resultado da análise química, após autoclavagem, revelou os valores: pH (CaCl2), 5,2; matéria orgânica, 19 g dm-3; P (resina), 8 mg dm-3; K, Ca, Mg e H + Al, 1, 55, 19 e 22 mmolc dm-3, respectivamente; B, Cu, Fe, Mn e Zn, 0,23, 0,2, 10, 306 e 1,4 mg dm-3, respectivamente. Não houve necessidade de calagem e o P e o K foram fornecidos nas doses de 24 mg kg-1 (superfosfato triplo) e 121 mg kg-1 (KCl), respectivamente.

Os tratamentos foram: infestação do substrato com esporos dos fungos micorrízicos arbusculares (FMA) G. etunicatum ou G. macrocarpum mais 20 mL de suspensão do mesmo solo utilizado no experimento, porém não autoclavado (filtrado); G. etunicatum ou G. macrocarpum mais 20 mL da mesma suspensão de solo esterilizada em autoclave; adição ao substrato somente da suspensão de solo não autoclavada, sem propágulos de FMA e, finalmente, adição da suspensão de solo esterilizada em autoclave (controle). O delineamento experimental foi inteiramente casualizado, com oito repetições.

Os substratos foram adicionados a vasos com 3,4 kg de capacidade e inoculados com 1.100 esporos de cada FMA, de acordo com o tratamento. Os esporos foram obtidos por peneiramento úmido (Gerdemann & Nicolson, 1963) e desinfestados superficialmente (Colozzi-Filho & Balota, 1994), para que fosse restringida a entrada de outros organismos, principalmente, nos tratamentos que receberam esporos de FMA mais suspensão de solo autoclavada. A suspensão de solo utilizada para restabelecer a comunidade microbiana nativa, exceto FMA nativos, foi obtida pela agitação de 1 kg de solo em 2 L de água destilada, mantida em repouso por 30 minutos. O sobrenadante foi passado por uma série de peneiras, a última com 44 m de malha, para reter esporos de fungos micorrízicos. Essa suspensão é referida no texto como filtrado. Amostras do filtrado foram examinadas sob microscópio estereoscópico para confirmar a ausência de esporos de FMA.

A semeadura de cinco sementes de soja (cultivar IAC-8) por vaso, desinfestadas superficialmente com solução comercial de hipoclorito de sódio a 25% em água, foi feita no dia 22/6/99, deixando-se, após o desbaste, duas plantas por vaso. A seguir, foram feitas adubações complementares com S (1,12 mg kg-1 como MgSO4.7H2O), B (0,37 mg kg-1 como H3BO3), Cu (0,60 mg kg-1 como CuO4.5H2O) e Mo (0,04 mg kg-1 como Na2MoO4.2H2O), todos na forma de solução. O N foi fornecido via fixação biológica, adicionando-se às plântulas em emergência 4 mL de uma suspensão de células (cerca de 1x106 mL-1) das estirpes SEMIA 5019 e SEMIA 587 de Bradyrhizobium elkanii. O experimento foi mantido em casa de vegetação com temperatura controlada (mínima de 20ºC e máxima de 35ºC). Foi feita também uma extensão do fotoperíodo pelo fornecimento de luz artificial incandescente pela manhã, no final da tarde e início da noite, de modo a se ter 14 horas de luminosidade. A irrigação foi feita diariamente com água destilada, conforme a necessidade.

Aos 70 dias após a emergência, na fase de formação de vagens, as plantas e o substrato foram colhidos para análise. A parte aérea, após lavagem por duas vezes em água destilada, foi secada a 60oC em estufa com circulação forçada de ar até peso constante, obtendo-se a massa de material seco produzido pela parte aérea, após o que foi moída e submetida à determinação de P (colorimetria do metavanadato), Fe e Mn (fotometria de absorção atômica) a partir do extrato nítrico-perclórico. As raízes foram removidas do substrato, lavadas sob água de torneira, em solução de HCl 0,01 N, duas vezes em água destilada e secadas da mesma maneira que a parte aérea. Uma amostra foi reidratada e usada para avaliação da colonização micorrízica (Giovannetti & Mosse, 1980), inclusive para o controle não inoculado com fungos micorrízicos e o tratamento que apenas recebeu o filtrado. O material remanescente foi submetido às mesmas análises que a parte aérea.

Uma amostra do substrato foi armazenada a 5oC com umidade natural até o momento da estimativa do comprimento de micélio externo total (MET) produzido pelos FMA (Melloni & Cardoso, 1999). Esse procedimento também foi feito no substrato do tratamento controle e no que recebeu apenas o filtrado. Essas mesmas amostras foram utilizadas na avaliação do número de unidades formadoras de colônias de bactérias oxidantes (Huber & Graham, 1992) e redutoras de Mn (Marschner et al., 1991), por meio de diluição em série do substrato em solução salina 0,85% e plaqueamento de 50 mL da diluição 10-4. Outra amostra foi secada ao ar e passada por peneira com 2 mm de malha, para determinação dos teores de Mn e Fe disponíveis por fotometria de absorção atômica após extração com a solução Mehlich I (HCl 0,050 mol L-1+ H2SO4 0,025 mol L-1), na proporção de 1:10 substrato/solução, agitados horizontalmente por 15 minutos a 250 rpm e filtrados em papel de filtro faixa azul número 42 (Framex®).

As análises estatísticas foram feitas utilizando-se o procedimento GLM do SAS (The Statistical Analysis System), empregando-se o teste t de Student a 5% de probabilidade. Foram feitas análises de correlação simples entre algumas variáveis por meio do procedimento CORR, obtendo-se o coeficiente de correlação de Pearson (SAS Institute, 1991).

Resultados e Discussão

Todas as plantas apresentaram sintomas de toxidez de Mn no início do desenvolvimento, em todos os tratamentos, já que a disponibilidade de Mn no substrato após a autoclavagem era superior a 300 mg dm-3. Segundo Miyazawa et al. (1993), o aumento da disponibilidade do Mn após a autoclavagem é atribuído à decomposição térmica dos quelatos orgânicos que complexam o manganês. Com o tempo, os sintomas de toxidez nas plantas micorrizadas foram suprimidos e o seu crescimento favorecido, tanto na parte aérea, quanto nas raízes, principalmente com o restabelecimento da comunidade microbiana (Figura 1). A atenuação da toxidez causada pelo excesso de Mn em plantas micorrizadas foi observada anteriormente (Bethlenfalvay & Franson, 1989; Cardoso, 1996), mas os mecanismos pelos quais isso ocorreu não foram identificados.


O tratamento com G. macrocarpum foi o que mais favoreceu o crescimento da parte aérea e das raízes das plantas (Figura 1) e a eficiência dos dois FMA em favorecer o crescimento das plantas aumentou quando se reintroduziu a comunidade microbiana nativa. Além da interação entre plantas e FMA, também há interação entre estes e os demais microrganismos do solo (Linderman, 1992; Posta et al., 1994; Aboul-Nasr, 1996), influenciando-se mutuamente. Silveira et al. (1995) observaram que alguns isolados de Pseudomonas aumentaram a eficiência das associações micorrízicas em favorecer o crescimento do feijoeiro, cujos efeitos foram atribuídos não somente aos aspectos nutricionais, mas também a outros fatores como a produção de hormônios vegetais.

A colonização micorrízica não foi alterada pela adição do filtrado, nem pela espécie de FMA (Figura 2). Não houve colonização das raízes das plantas que receberam apenas o filtrado de solo, o que indica que este não continha propágulos viáveis. Na ausência do filtrado, a produção de micélio externo por G. macrocarpum foi superior à produzida por G. etunicatum.


A adição do filtrado de solo alterou os efeitos da micorrização sobre a disponibilidade de Fe e Mn no substrato (Figura 3). A disponibilidade de Fe foi significativamente menor no substrato das plantas micorrizadas com G. etunicatum e significativamente maior onde as plantas foram micorrizadas com G. macrocarpum e receberam o filtrado, comparando-se ao controle e ao tratamento que recebeu apenas o filtrado. De modo contrário, a disponibilidade de Mn tendeu a diminuir nos substratos onde as plantas micorrizadas também receberam o filtrado, principalmente com G. macrocarpum (Figura 3). Bethlenfalvay & Franson (1989) também observaram menor disponibilidade de Mn no substrato cultivado com plantas micorrizadas. As micorrizas influenciam qualitativamente a comunidade microbiana da rizosfera (Kothari et al., 1991; Linderman, 1992), por alterarem quantitativa e qualitativamente a exsudação radicular (Rengel, 1997), além da própria exsudação produzida pelo micélio externo de FMA (Filion et al., 1999). Arines et al. (1992) observaram menor disponibilidade de Mn em substrato em que foram cultivadas plantas micorrizadas, o que coincidiu com o maior número de bactérias oxidantes de manganês. O mesmo foi observado por Kothari et al. (1991), mas nesse caso houve inibição dos microrganismos redutores de Mn na presença de micorriza. No presente trabalho, os efeitos da micorrização sobre o número de unidades formadoras de colônia de bactérias oxidantes e redutoras de Mn não foram significativos. É possível que a falta de resposta tenha sido decorrente do fato de a amostragem ter sido feita no substrato homogeneizado em virtude da dificuldade de se amostrar a região rizosférica, onde as atividades microbianas são mais intensas. Kothari et al. (1991), utilizando um mecanismo para compartimentalizar a região rizosférica, observaram que a estimativa do número de bactérias redutoras de Mn na rizosfera das plantas micorrizadas foi 30 vezes menor que na das plantas não micorrizadas, enquanto no solo a 5-15 mm de distância das raízes não houve diferenças significativas.


Outro fator que influencia a disponibilidade de Mn é a produção microbiana de ligantes orgânicos (Miyazawa et al., 1993). Em solo esterilizado, não há produção microbiana de ligante orgânico e a disponibilidade de Mn aumenta. Quando a comunidade microbiana é restabelecida, a produção de ligantes causa a diminuição da disponibilidade de manganês. Apesar desse ser um mecanismo plausível, neste trabalho o restabelecimento da comunidade microbiana somente resultou na diminuição da disponibilidade de Mn na presença de micorriza.

A concentração de P nos tecidos foi maior nas plantas micorrizadas, comparando-se com a das plantas dos tratamentos controle e filtrado (Figura 4). A atenuação da toxidez de Mn também pode ocorrer pela diminuição da atividade de íons Mn2+ no interior da planta pela formação de compostos insolúveis com o íon fosfato (Ma & Takahashi, 1990). Entretanto, esse mecanismo não foi evidenciado, pois as plantas micorrizadas que não receberam filtrado apresentaram maiores teores de P na parte aérea que as dos tratamentos com o restabelecimento da comunidade microbiana e mesmo assim foram danificadas pela toxidez de Mn (Figura 1). Isso ressalta a importância da diminuição da disponibilidade de Mn no substrato sobre a atenuação dos sintomas de toxidez de Mn, com menor absorção pelas plantas micorrizadas que tiveram a comunidade microbiana restabelecida. A atenuação da toxidez de Mn pela complexação com íons fosfato pode ter ocorrido nos experimentos de Bethlenfalvay & Franson (1989), em que apesar das plantas micorrizadas apresentarem atenuação da toxidez de Mn, seu teor na planta, juntamente com o P, aumentou com a micorrização. Deve-se considerar que os mecanismos que levam à atenuação da toxidez de Mn podem ocorrer simultaneamente, cada qual atuando em maior ou menor intensidade, dependendo da interação fungo-planta-ambiente.


O teor de Fe na parte aérea foi significativamente maior nas plantas do tratamento controle em relação aos demais tratamentos, enquanto nas plantas que receberam os FMA e o filtrado de solo houve expressiva redução (Figura 4). Esse comportamento ocorreu de forma inversa nas raízes, em geral com menor teor de Fe nas raízes das plantas não micorrizadas e maior nas micorrizadas. Nas plantas com G. macrocarpum, esse efeito foi evidente mesmo sem a adição do filtrado de solo.

Os teores de Mn diminuíram significativamente na parte aérea das plantas micorrizadas em relação ao controle, em maior intensidade nos tratamentos com FMA e filtrado (Figura 4). A concentração de Mn nas raízes também foi menor nas plantas micorrizadas, principalmente comparando-se com o tratamento que recebeu apenas o filtrado. São comuns os relatos de que a micorrização diminui a concentração de Mn nas plantas (Cardoso, 1996; Nogueira & Cardoso, 2000). Entretanto, esses trabalhos não investigaram os efeitos do restabelecimento da comunidade microbiana sobre sua disponibilidade e absorção. No presente trabalho, quando além da micorrização se fez o restabelecimento da comunidade microbiana, houve alteração na disponibilidade e na absorção de Fe e Mn pelas plantas, o que indica o efeito microbiano.

A colonização radicular e o micélio externo total correlacionaram-se positivamente com as variáveis massa seca da parte aérea, P na parte aérea, P nas raízes e Fe nas raízes e negativamente com a disponibilidade de Mn, Mn na parte aérea e nas raízes e Fe na parte aérea (Tabela 1). Cardoso (1996) também observou relação negativa entre micorrização e concentração de Fe e Mn na parte aérea das plantas. O micélio externo auxilia na absorção de água e nutrientes, principalmente o P, de sítios que as raízes não alcançam (Li et al., 1991). Isso ficou evidente pela correlação positiva observada entre a produção de micélio externo e os teores de P na parte aérea e raízes (Tabela 1).

Análises de correlação entre teores de Fe na parte aérea e raízes e Fe disponível no substrato não foram significativas, ao passo que entre Mn disponível e o seu teor na parte aérea e raízes, os coeficientes de correlação de Pearson foram +0,72 e +0,61, respectivamente, significativos a 0,01% de probabilidade. Isso indica que, ao contrário do Mn, o teor de Fe nos tecidos não foi dependente de sua disponibilidade no solo. Quanto ao Fe, houve retenção nas raízes das plantas micorrizadas, o que resultou em diminuição na parte aérea (r = -0,59 entre Fe na parte aérea e Fe nas raízes), enquanto para o Mn houve diminuição da disponibilidade, o que resultou tanto em diminuição nas raízes, quanto na parte aérea. A presença de micorriza teve papel importante na disponibilidade de Mn, visto que a colonização radicular apresentou correlação negativa com o Mn disponível (Tabela 1). A micorrização, influenciada pela adição do filtrado, atuou de maneira diferenciada na absorção e translocação de Fe e de Mn pelas plantas.

Conclusões

1. A atenuação da toxidez de Mn em plantas micorrizadas é maior quando a comunidade microbiana nativa é restabelecida.

2. A atenuação da toxidez de Mn em plantas micorrizadas se dá principalmente pela diminuição dos teores de Mn nas raízes e na parte aérea das plantas.

3. O efeito da micorrização na disponibilidade de Fe e Mn no substrato é alterado de maneira inversa pelo restabelecimento da comunidade microbiana.

4. A diminuição da concentração de Mn na parte aérea das plantas micorrizadas está relacionada com a diminuição da sua disponibilidade no substrato, e a diminuição da concentração de Fe está relacionada com sua retenção nas raízes.

Agradecimentos

Aos técnicos Denise de L. Colombo Mescolotti e Luís F. Baldesin, do Laboratório de Microbiologia do Solo da Esalq, pelos auxílios prestados na instalação e execução do experimento.

Elke Jurandy Bran Nogueira Cardoso

E-mail: ejbncard@esalq.usp.br

Aceito para publicação em 15 de julho 2002.

Extraído da tese de doutorado apresentada pelo primeiro autor à Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), Piracicaba. Financiado pela Fapesp.

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  • Endereço para correspondência
    Marco Antonio Nogueira
    E-mail:
  • 1
    Aceito para publicação em 15 de julho 2002.
    Extraído da tese de doutorado apresentada pelo primeiro autor à Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), Piracicaba. Financiado pela Fapesp.
    2
    Esalq, Dep. de Solos e Nutrição de Plantas, Caixa Postal 9, CEP 13418900 Piracicaba, SP. Bolsista da Fapesp. E-mail:
    3
    Esalq, Dep. de Solos e Nutrição de Plantas. Bolsista do CNPq. E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Mar 2003
    • Data do Fascículo
      Nov 2002

    Histórico

    • Aceito
      15 Jul 2002
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