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Salinidade, sodicidade e propriedades microbiológicas de Argissolo cultivado com erva-sal e irrigado com rejeito salino

Salinity, sodicity and microbiological properties of an Ultisol cultivated with saltbush and irrigated with saline effluents

Resumos

O objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito da irrigação com rejeito da dessalinização, oriundo de tanques de produção de tilápia-rosa, sobre as propriedades químicas e microbiológicas de solos cultivados com erva-sal (Atriplex nummularia Lindl.). Quatro áreas foram usadas, das quais duas foram irrigadas com rejeito salino e cultivadas, durante um e cinco anos, com erva-sal. As outras duas áreas foram conduzidas sem irrigação: uma cultivada com vegetação natural e outra com a halófita. Avaliaram-se os parâmetros relativos à salinidade e sodicidade do solo, e também as seguintes características: carbono da biomassa microbiana (Cmic); relação Cmic/carbono orgânico; atividade das enzimas fosfatase ácida, fosfatase alcalina, beta-glucosidase, protease, L-asparaginase, L-glutaminase. A adição de sais afetou as propriedades físicas e químicas dos solos irrigados com rejeito salino, com tendência à salinização e sodificação. A salinidade afetou as propriedades microbiológicas nos solos irrigados, mas o cultivo da halófita favoreceu a produção das enzimas estudadas. O cultivo da erva-sal em áreas que recebem rejeito salino pela irrigação melhora a qualidade biológica dos solos e sua fertilidade, mas não impede a salinização.

Atriplex nummularia; carbono da biomassa microbiana; enzima do solo; propriedade física; propriedade química


The objective of this work was to evaluate the effects of irrigation with saline effluents, from red tilapia production ponds, on chemical and microbiological properties of soils cultivated with saltbush (Atriplex nummularia Lindl). Four areas were used, from which two were irrigated with saline waste and cultivated with A. nummularia, during one and five years. The other two areas were not irrigated, and one was cultivated with natural vegetation and the other with the halophyte. The parameters related to soil salinity and sodicity were evaluated, as well as the following characteristics: microbial biomass carbon (Cmic); Cmic/organic carbon; the activity of acid and alcaline phosphatase enzymes, beta-glucosidase, protease, L-asparaginase and L-glutaminase. The addition of salts affected the physical and chemical properties of the soils irrigated with saline effluents, with a tendency to salinization and sodification. The salinity affected the microbiological properties of irrigated soil, but the cultivation with the halophyte improved the production of the studied enzymes. A. nummularia cultivation in areas that received saline effluents from irrigation improves soil fertility and microbiological properties, but does not prevent salinity.

Atriplex nummularia; carbon microbial biomass; soil enzymes; physical properties; chemical properties


SOLOS

Salinidade, sodicidade e propriedades microbiológicas de Argissolo cultivado com erva-sal e irrigado com rejeito salino

Salinity, sodicity and microbiological properties of an Ultisol cultivated with saltbush and irrigated with saline effluents

Célia Maria Maganhotto de Souza Silva; Rosana Faria Vieira; Pablo Roberto Oliveira

Embrapa Meio Ambiente, Caixa Postal 69, CEP 13820-000 Jaguariúna, SP. E-mail: celia@cnpma.embrapa.br, rosana@cnpma.embrapa.br, pabloliveira@yahoo.com.br

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito da irrigação com rejeito da dessalinização, oriundo de tanques de produção de tilápia-rosa, sobre as propriedades químicas e microbiológicas de solos cultivados com erva-sal (Atriplex nummularia Lindl.). Quatro áreas foram usadas, das quais duas foram irrigadas com rejeito salino e cultivadas, durante um e cinco anos, com erva-sal. As outras duas áreas foram conduzidas sem irrigação: uma cultivada com vegetação natural e outra com a halófita. Avaliaram-se os parâmetros relativos à salinidade e sodicidade do solo, e também as seguintes características: carbono da biomassa microbiana (Cmic); relação Cmic/carbono orgânico; atividade das enzimas fosfatase ácida, fosfatase alcalina, beta-glucosidase, protease, L-asparaginase, L-glutaminase. A adição de sais afetou as propriedades físicas e químicas dos solos irrigados com rejeito salino, com tendência à salinização e sodificação. A salinidade afetou as propriedades microbiológicas nos solos irrigados, mas o cultivo da halófita favoreceu a produção das enzimas estudadas. O cultivo da erva-sal em áreas que recebem rejeito salino pela irrigação melhora a qualidade biológica dos solos e sua fertilidade, mas não impede a salinização.

Termos para indexação:Atriplex nummularia, carbono da biomassa microbiana, enzima do solo, propriedade física, propriedade química.

ABSTRACT

The objective of this work was to evaluate the effects of irrigation with saline effluents, from red tilapia production ponds, on chemical and microbiological properties of soils cultivated with saltbush (Atriplex nummularia Lindl). Four areas were used, from which two were irrigated with saline waste and cultivated with A. nummularia, during one and five years. The other two areas were not irrigated, and one was cultivated with natural vegetation and the other with the halophyte. The parameters related to soil salinity and sodicity were evaluated, as well as the following characteristics: microbial biomass carbon (Cmic); Cmic/organic carbon; the activity of acid and alcaline phosphatase enzymes, beta-glucosidase, protease, L-asparaginase and L-glutaminase. The addition of salts affected the physical and chemical properties of the soils irrigated with saline effluents, with a tendency to salinization and sodification. The salinity affected the microbiological properties of irrigated soil, but the cultivation with the halophyte improved the production of the studied enzymes. A. nummularia cultivation in areas that received saline effluents from irrigation improves soil fertility and microbiological properties, but does not prevent salinity.

Index terms:Atriplex nummularia, carbon microbial biomass, soil enzymes, physical properties, chemical properties.

Introdução

Na zona rural do Semi-Árido do Nordeste brasileiro, é comum o aproveitamento de água salobra para o consumo humano após a dessalinização com equipamentos que retiram o excesso de sais da água e a divide em partes iguais de água potável e efluente altamente salino, com elevado potencial de contaminação ambiental (Soares et al., 2006). A destinação inadequada desse efluente trás sérios problemas ambientais.

O despejo indiscriminado desse efluente pode resultar em salinização do solo, como foi confirmado por Amorim et al. (1997), em Petrolina, PE. No Estado do Ceará, observou-se que 25% dos solos que receberam efluente salino apresentaram erosão e salinidade (Pessoa, 2000), o que demonstra a seriedade do problema.

A ampla utilização de dessalinizadores, como acontece na região do Semi-Árido do Nordeste, associada à falta de alternativas de manejo dos efluentes salinos, pode causar danos ambientais, principalmente pelo aumento da salinidade e sodicidade do solo e pela contaminação dos mananciais subterrâneos (Porto et al., 2001; Azevedo et al., 2005).

Entre as alternativas para o uso de efluentes salinos, está a cristalização seletiva de sais (Amorim et al., 2004), irrigação de mudas cítricas (Soares et al., 2005), cultivo de tilápia-rosa (Oreochrimis sp.) e camarão (Porto et al., 2001; Azevedo et al., 2005). Nos últimos casos, os animais reciclam parte do sal contido na água. Entretanto, como há necessidade de oxigenação constante, uma parcela da água do tanque deve ser substituída diariamente. Essa parcela de água proveniente dos tanques de criação de peixes e camarão (rejeito) pode ser utilizada para irrigar plantas, particularmente a halófita erva-sal (Atriplex nummularia Lindl.) utilizada como forragem e conhecida por sua alta tolerância a ambientes salinos (Porto et al., 2006). Além de tolerar a salinidade do solo, essa planta possui potencial para fitorremediar áreas salinizadas, uma vez que retira do solo grande quantidade de sal para uso em seu metabolismo. Ao se produzir 5 Mg de matéria seca de erva-sal, extrai-se 1.000 kg ha-1 de sal por ano do solo (Informações..., 2007). No entanto, segundo Porto et al. (2001), apesar dessa eficiência na retirada dos sais do solo, a remoção não é significativa quando comparada à quantidade de sais adicionada pela irrigação com água de alta salinidade. Com isso, o uso do rejeito dos tanques para irrigar a halófita pode resultar na salinização do solo, e acarretar efeitos adversos em suas propriedades químicas e físicas e em seus processos biológicos (Tejada & Gonzalez, 2005).

De acordo com Liang et al. (2005), a salinização vem aumentando em diversas áreas do mundo. Há grande número de informações disponíveis na literatura sobre os efeitos da salinidade nas propriedades físicas e químicas do solo (Sardinha et al., 2003), porém aspectos microbiológicos são raramente estudados (Yuan et al., 2007).

Pereira et al. (2004) investigaram a atividade microbiana, em solos cultivados com erva-sal e irrigados com rejeito salino, e concluíram que a presença da halófita influencia positivamente a atividade microbiana do solo. No entanto, esses autores sugerem a continuidade dos estudos, para melhor entendimento dos processos e confirmação das tendências observadas.

O objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito da irrigação com rejeito salino, oriundo de tanques de produção de tilápia-rosa, sobre as propriedades químicas e microbiológicas de um Argissolo cultivado com Atriplex nummularia Lindl.

Material e Métodos

O estudo foi conduzido no Campo Experimental da Caatinga, da Embrapa Semi-Árido, em Petrolina, PE. O solo é classificado como Argissolo Amarelo eutrófico abrúptico plíntico, com 10% de argila, 14% de silte e 76% de areia. Na área experimental, a precipitação pluvial média anual é de 400 a 600 mm, distribuídos, principalmente, no verão. A temperatura média do ar situa-se entre 28 e 35ºC. A evapotranspiração potencial média anual é de aproximadamente 2.680 mm. Durante o período da experimentação, a média pluviométrica no local foi de 395,2 mm, exceto em 2004, quando a precipitação foi muito acima da média (819,4 mm), e cerca 50% (431 mm) ocorreram no mês de janeiro.

Quatro áreas foram identificadas e amostradas: 1 - área sem irrigação, coberta com vegetação natural da caatinga; 2 - área sem irrigação, cultivada com erva-sal; 3 - área irrigada com rejeito salino e cultivada com erva-sal, durante um ano; 4 - área irrigada com rejeito salino e cultivada com erva-sal por cinco anos consecutivos. Nas duas últimas áreas, foram aplicados 300 L de rejeito salino por planta por semana, de uma só vez. Não houve adubação no cultivo da erva-sal.

O rejeito salino apresentou pH entre 6,7 e 8,1, com condutividade elétrica média de 9,32 dS m-1, quantidade média a alta de Na+ (49,88 mmolc L-1), Mg2+ (32,67 mmolc L-1) e Ca2+ (20,83 mmolc L-1) e moderado teor de K+ (0,94 mmolc L-1). O solo, inicialmente, apresentou os seguintes atributos químicos: pH 5,7; matéria orgânica, 5,9 g dm-3; P disponível (Mehlich 1), 6,33 mg dm-3; Na+, 0,21 mmolc L-1 ; Mg2+, 2,7 mmolc L-1; Ca2+, 2,8 mmolc L-1; e K+, 0,31 mmolc L-1.

De cada área, foram obtidas três amostras de solo, cada uma constituída por cinco subamostras obtidas aleatoriamente. Os solos foram coletados às profundidades 0-10 e 10-20 cm, sempre próximo às plantas, no caso dos cultivados com a halófita, em: abril/2005, final do período chuvoso; agosto/2005, estação seca; e março/2006, durante a estação chuvosa. Em laboratório, as amostras de solo foram peneiradas (malha<2 mm), acondicionadas em sacos de plástico e armazenadas a 4ºC até a realização das análises. O pH e a condutividade elétrica (CE) foram medidos em suspensão solo:água (1:2,5 m/v) com eletrodo de vidro. Os teores de carbono orgânico, nitrogênio e fósforo no solo foram determinados conforme as instruções descritas em Embrapa (1999). As análises de carbono, fósforo e nitrogênio foram realizadas apenas no início e no final do período experimental.

Para a avaliação do efeito da aplicação contínua do rejeito sobre a salinidade e sodicidade do solo, foram determinados, para os tratamentos com irrigação (áreas 3 e 4), as seguintes características: condutividade elétrica (CE), razão de adsorção de sódio (RAS), percentual de sódio trocável (PST) e porosidade. As amostras analisadas foram coletadas durante os períodos 2001/2006 (área 4) e 2005/2006 (área 3), em diferentes profundidades (0-30, 30-60, 60-90 cm). Para o cálculo de RAS e PST, foram determinadas a capacidade de troca catiônica (CTC) (Tucker, 1954), os teores de cálcio, magnésio, sódio e potássio (Embrapa, 1999), e as densidades global (DA) e de partículas do solo (DR) (Embrapa, 1997). As seguintes equações foram usadas, para a obtenção dos atributos acima citados: RAS = Na+/[(Ca2+ + Mg2+)/2]0,5; PST = 100(Na+/CTC); %Porosidade = 100[1- (DA/DR)]; em que Na+, Ca2+ e Mg2+ são os teores desses elementos no solo (cmolc kg-1).

O carbono da biomassa microbiana (Cmic) foi determinado pelo método de extração-fumigação, tendo-se considerado o fator de correção kc = 0,38 (Vance et al., 1987). Foram também quantificadas as atividades das enzimas envolvidas nos ciclos do carbono (C), nitrogênio (N) e fósforo (P), pelos métodos descritos por Alef et al. (1995), fosfatases ácida e alcalina e protease; por Alef & Nannipieri (1995a, 1995b), beta-glucosidase e protease; por Frankerberger & Tabatabai (1991), L-asparaginase; e por Frankerberger & Tabatabai (1995), L-glutaminase.

O delineamento estatístico foi o de blocos ao acaso, com três repetições. Os dados referentes aos parâmetros analisados foram submetidos à análise de variância, e as médias foram comparadas pelo teste DMS, a 5% de probabilidade; as análises de correlação foram realizadas entre as variáveis microbiológicas. Foi usado o teste de Duncan "Multiple Range" para os resultados que apresentaram interação significativa entre tratamento e tempo.

Resultados e Discussão

A condutividade elétrica, a RAS e a PST sofreram alterações em razão da irrigação com o rejeito salino, em todas as profundidades avaliadas (Tabela 1). De acordo com Richards (1954), uma das características de um solo salino é apresentar condutividade elétrica (CE) maior que 4 dS m-1, o que não ocorreu na área 3 (irrigação com o rejeito por um ano), mas foi observado em todas as profundidades avaliadas da área 4, o que torna evidente o efeito salinizador do efluente, pela aplicação contínua ao solo.

A RAS aumentou pela aplicação do rejeito, tanto no tratamento com um ano de irrigação como no com cinco anos de irrigação. Isso era esperado, principalmente pela RAS observada no rejeito, de 9,6 mmol L-1. Ayres & Westcot (1985) consideram que efluentes com RAS entre 6 e 12 mmol L-1 apresentam severa restrição de uso em irrigação de culturas.

Além da RAS, a PST consiste em outro atributo relacionado à sodicidade do solo, e valores acima de 15% já indicam sodificação (Richards, 1954), o que ocorreu praticamente em todas as profundidades nos dois tratamentos com irrigação.

Sabe-se que o aumento da concentração de sódio trocável no solo pode resultar na expansão e dispersão de argila (Oster & Shainberg, 1980), em razão da substituição de íons Ca2+ e Mg2+ por Na+, nos sítios de troca dos minerais, o que diminui a atração entre as partículas do solo (Richards, 1954). Assim, espera-se diminuição da porosidade do solo, o que, no entanto, não foi constatada (Tabela 1). Entretanto, é interessante lembrar que a dispersão de colóides é favorecida não só pela alta razão de adsorção de sódio, mas também pela baixa condutividade elétrica (Minhas & Charma, 1986). A alta condutividade elétrica significa maior teor de íons polivalentes no solo, o que pode resultar em menor deslocamento desses pelo sódio, no complexo de troca, o que provavelmente ocorreu no presente estudo.

A irrigação com rejeito salino alterou atributos da camada superficial e de camadas mais profundas do solo, uma vez que os aumentos de CE, RAS e PST foram constatados até 90 cm de profundidade (Tabela 1). Esses resultados eram esperados, uma vez que o uso de efluentes que apresentam altas concentrações de sais e sódio tende a provocar a salinização e sodificação do solo (Piotrowska et al., 2006; Hati et al., 2007). Não foram encontrados, na literatura nacional, muitos estudos sobre os efeitos da irrigação com rejeito salino nas propriedades do solo, mas pode-se destacar o trabalho de Pereira et al. (2004), em que foram avaliadas alterações - principalmente as microbianas - em solo plantado com erva-sal e irrigado com rejeito salino. Esses autores também constataram aumento na condutividade elétrica, pela aplicação de resíduo salino.

O conteúdo de sal no solo variou com o regime hidrológico. No período de chuvas, houve a lixiviação dos sais das camadas superficiais e a conseqüente acumulação nas camadas mais profundas. No entanto, o mecanismo de redistribuição de solutos não levou a modificações significativas nos valores da CE, entre os tratamentos, quando consideradas as diferentes camadas do solo (Tabela 1). Tedeschi & Dell'Aquila (2005) observaram que a acumulação dos sais, em camadas inferiores do solo, está relacionada à quantidade de NaCl aplicada com a irrigação.

O aumento da salinidade no solo afeta as plantas e a microbiota do solo (Sardinha et al., 2003; Wichern et al., 2006; Yuan, 2007). No presente trabalho, o Cmic variou significativamente com os tratamentos. Essa diferença esteve associada à época de coleta, em ambas as profundidades (Tabela 2). Na camada superficial (0-10 cm), os maiores valores de Cmic foram observados nas áreas 2 e 4, enquanto à profundidade de 10-20 cm, o maior valor desse parâmetro foi observado na área 2, em que se verificou aumento de aproximadamente 38%, em relação à média do tratamento 4. Embora os efeitos adversos da salinidade sobre o Cmic já tenham sido reportados na literatura (Mamilov et al., 2004; Rasul et al., 2006; Wichern et al., 2006), as variações observadas na CE, no presente estudo, parecem não ter sido suficientemente altas para causar um impacto negativo mais pronunciado no Cmic (r = 0,33, Tabela 3). Segundo Chang et al. (2007), o conteúdo de matéria orgânica pode amenizar os efeitos adversos dos sais solúveis. A vegetação constitui a principal fonte de resíduos da fração orgânica do solo (Liu et al., 2003), e os processos radiculares influenciam a composição química da rizosfera. A magnitude dessas alterações é determinada pela quantidade e tipo de C liberado pela raiz, bem como pelas características intrínsecas do solo. As raízes metabolicamente ativas secretam várias formas de compostos orgânicos. Entre 40 e 95% do carbono transferido para as raízes é perdido como rizodeposição no solo, o que constitui considerável fluxo de carbono, com influência na modulação da estrutura de comunidades microbianas presentes nesses habitat (Marriel et al., 2005). Portanto, a matéria orgânica e a biomassa microbiana dos solos podem ser alteradas com maior ou menor intensidade, dependendo do sistema de cultivo instalado. No presente estudo, o cultivo da erva-sal aumentou substancialmente o Cmic nas áreas 2 e 4, onde as plantas já se encontravam em pleno desenvolvimento (Tabela 2).

A razão Cmic/Corg foi maior na superfície do solo da área 4, seguida da área 2, enquanto que, a 10-20 cm de profundidade, não houve diferença significativa dessa relação entre as áreas 1, 2 e 4 (Tabela 2). Em média, as razões foram 53% maiores do que a observada na área 3. A baixa razão observada nessa área indica que houve menor disponibilidade de substrato no solo, provavelmente em razão do reduzido crescimento das plantas ou, ainda, pela menor eficiência de utilização de substrato pelos microrganismos (Yuan et al., 2007). A razão entre o Cmic e o teor de C no solo é uma estimativa indireta da qualidade da matéria orgânica. Quanto menor o valor desta relação, menor deve ser a qualidade da matéria orgânica (Wardle, 1992) e, conseqüentemente, menos eficiente será a biomassa microbiana na imobilização de C. A alta razão Cmic/Corg, observada nos tratamentos 2 e 4, parece ser um fenômeno transiente ao invés de absoluto e, possivelmente, deveu-se à alocação de fontes de C prontamente disponíveis, provenientes dos exsudados das plantas, ou pode ter sido conseqüência da adaptação dos microrganismos às condições de alta salinidade (Dilly, 2001; Casamayor et al., 2002).

Os teores de carbono orgânico total, nitrogênio total e fosfato disponível, analisados antes e depois das determinações enzimáticas, estão descritos na Tabela 4. Os teores de N e P foram sempre significativamente maiores na área 2, em ambas as profundidades, enquanto que o teor de C foi maior, nessa área, apenas na primeira coleta. Esses dados demonstram que a presença da erva-sal melhorou as propriedades químicas do solo e criou um ambiente favorável para a microbiota, o que está de acordo com o observado em seu Cmic.

Os resultados obtidos para as atividades das seis enzimas analisadas se encontram nas Figuras 1 e 2.



Observou-se que o solo cultivado com erva-sal, sem irrigação (tratamento 2), apresentou os valores mais altos para as atividades enzimáticas mensuradas, o que evidencia a presença, nessa área, de uma microbiota mais ativa. No entanto, o solo sem irrigação com vegetação natural (tratamento 1) apresentou valores e comportamento diferenciado em relação ao cultivado com erva-sal, e chegou a apresentar atividades similares às dos solos que receberam irrigação com rejeito salino, ou significativamente mais baixas, como no caso da fosfatase alcalina. A redução na atividade enzimática indica que a qualidade bioquímica desses solos foi negativamente afetada, provavelmente pelo decréscimo da síntese da enzima, associada à inibição do crescimento microbiano. Além disso, foi observado que, na área 2, com exceção da fosfatase ácida, as demais atividades aumentaram com a profundidade. De maneira geral, o cultivo de erva-sal favoreceu a produção das enzimas, resultados também observados com outras halófitas por Tejada et al. (2006). As diferentes atividades podem ser atribuídas às diferenças na rizodeposição e nos teores de Corg, P e N, que resultaram em maior diversidade da população microbiana. O alto valor das atividades enzimáticas demonstra a disponibilidade de quantidades elevadas de substâncias degradáveis. Os exsudados das raízes incluem enzimas e outras substâncias que podem aumentar a disponibilidade de nutrientes no solo (Lambers et al., 2002). Além disso, os exsudados também podem estimular o desenvolvimento de microrganismos na rizosfera (Dakora & Phillips, 2002).

A correlação significativa entre o Corg e as exoenzimas, com valores de r entre 0,95 e 0,44 (Tabela 3) demonstram que a matéria orgânica pode ter tido papel importante na proteção das enzimas do solo e sua manutenção em formas ativas (Deng & Tabatabai, 1997).

Conclusões

1. A irrigação com rejeito da dessalinização, previamente empregado na produção de tilápia, influencia a estrutura do solo, com tendência a torná-lo salino-sódico, mesmo quando cultivado com Atriplex nummularia.

2. A presença da Atriplex nummularia melhora a fertilidade do solo com reflexo nos teores de carbono, fósforo e nitrogênio.

3. As atividades enzimáticas, com exceção da beta-glucosidase, não são afetadas pela salinidade do solo.

4. O cultivo de Atriplex nummularia, em áreas que recebem rejeito salino pela irrigação, melhora a qualidade biológica do solo.

Recebido em 14 de maio de 2008 e aprovado em 30 de setembro de 2008

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Nov 2008
  • Data do Fascículo
    Out 2008

Histórico

  • Aceito
    30 Set 2008
  • Recebido
    14 Maio 2008
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