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Reações orgânicas em meio aquoso

Organic reactions in aqueous media

Resumo

The use of water as solvent in organic reactions has been uncommon for several reasons, among them the low solubility of the reactants, the incompatibility of the intermediates with water, and the competition between the desired reaction and hydrolysis. Breslow in 1980, demonstrated that the hydrophobic effect accelerates Diels-Alder reactions and gives a high endo/exo selectivity. Since then, many other reactions were studied in this medium, and below we show the principal results. Besides the academic interest, human and economic aspects are included in this study. Water as a solvent minimizes environmental impact, costs and increases operational safety.

water; organic reactions; hydrophobic effect


water; organic reactions; hydrophobic effect

Revisão

REAÇÕES ORGÂNICAS EM MEIO AQUOSO

Flavia Martins da Silva e Joel Jones Jr*

Departamento de Química Orgânica, Instituto de Química, Universidade Federal do Rio de Janeiro, CP 68545, 21945-970 Rio de Janeiro - RJ

*e-mail: jjones@ufrj.br

Recebido em 21/7/00; aceito em 13/12/00

ORGANIC REACTIONS IN AQUEOUS MEDIA. The use of water as solvent in organic reactions has been uncommon for several reasons, among them the low solubility of the reactants, the incompatibility of the intermediates with water, and the competition between the desired reaction and hydrolysis. Breslow in 1980, demonstrated that the hydrophobic effect accelerates Diels-Alder reactions and gives a high endo/exo selectivity. Since then, many other reactions were studied in this medium, and below we show the principal results. Besides the academic interest, human and economic aspects are included in this study. Water as a solvent minimizes environmental impact, costs and increases operational safety.

Keywords: water; organic reactions; hydrophobic effect.

INTRODUÇÃO

A utilização de água como solvente costumava ser descartada dos estudos de reações orgânicas por diversas razões, entre elas, a insolubilidade dos reagentes, a incompatibilidade dos intermediários com a água e a competição das reações desejadas com processos de hidrólise dos reagentes1,2. No entanto, um dos principais problemas na indústria química está relacionado com a utilização de solventes orgânicos em seus processos. Sua manufatura, transporte, estoque, manuseio e descarte são aspectos que demandam muito cuidado e dinheiro. Por estes motivos, a substituição de solventes orgânicos como meio reacional por água é de grande interesse no que diz respeito a síntese orgânica, visto que minimiza o impacto ambiental, além de ter mais baixo custo e apresentar menor periculosidade operacional.

Em adição aos aspectos econômicos e humanos, a água apresenta muitas propriedades físico-químicas que podem ser úteis nas reações, como a alta polaridade, à capacidade de solvatar íons, formar ligações hidrogênio, ser um líquido estruturado, e agregar moléculas apolares dissolvidas (efeito hidrofóbico)1,3,4,5.

ESTRUTURA DA ÁGUA

Um solvente não pode ser considerado apenas por suas características contínuas macroscópicas, ou seja, constantes físicas como densidade, constante dielétrica, índice de refração, entre outras, mas também devem ser levadas em consideração características descontínuas, que consistem nas interações entre moléculas de solventes. De acordo com a extensão destas interações, os líquidos podem ser divididos em dois grupos: não-estruturados e estruturados ou regulares. No primeiro, as moléculas permanecem juntas por forças fracas não-direcionais de van der Waals. No segundo grupo, onde a água se encaixa, as moléculas permanecem unidas por forças fortes e direcionais, como as ligações hidrogênio. Nos líquidos estruturados, as moléculas não preenchem todo o espaço de forma eficaz, e como conseqüência sua estrutura possui cavidades1,3.

A estrutura da água e sua importância ainda são objeto de muitos trabalhos na literatura. De forma geral, a água líquida é representada tanto por regiões ligadas de maneira ordenada, quanto por regiões ligadas de forma aleatória por ligações hidrogênio. Esta estrutura pode ainda, ser entremeada por moléculas de água livre, cavidades e vacâncias3.

Em um segundo estágio, a água líquida é representada por um equilíbrio entre água estruturada e não-estruturada. Este equilíbrio, por sua vez, pode ser afetado por temperatura, pressão e aditivos. À temperatura e pressão normal, as moléculas de água em um líquido puro tem em média 4,4 vizinhos como constatado por difração de nêutrons1.

REATIVIDADE DE COMPOSTOS APOLARES EM ÁGUA

Efeitos de solventes na velocidade de uma reação podem ser entendidos em termos da teoria do estado de transição. Um aumento da constante de velocidade devido a um fator entálpico pode resultar de um aumento de entalpia do estado inicial, ou de um decréscimo de entalpia do estado de transição. De acordo com esta teoria, solventes podem modificar a energia de ativação pela diferente solvatação de reagentes e estado de transição1,3.

Dessa forma, as conhecidas reações de solvólise SN1 são aceleradas em solventes mais polares, como a água, devido as fortes interações entre o solvente e o estado de transição que leva a formação íon carbênio1,3. Por outro lado, devido às interações hidrofóbicas, temos que ter em mente que o fator entrópico também tem papel especial.

Rideout e Breslow, em 1980, foram os primeiros a apontarem a importância deste efeito em reações orgânicas. Seu trabalho mostrou que reações do tipo Diels-Alder são muito aceleradas em água, embora pouco sensíveis à polaridade do meio4. Uma explicação para essa aceleração seria o efeito hidrofóbico que é a tendência de espécies apolares a se agregarem em água com reconstituição da estrutura original da água3. Entretanto, só esta associação não seria suficiente para explicar o aumento da constante de velocidade. Supõe-se que isto se deva à alta energia de coesão da água, cujas moléculas ligam-se mais eficientemente a elas mesmas do que a superfície hidrocarbônica e este efeito tende a diminuir a superfície de contato entre moléculas hidrofóbicas e a água. Este processo é facilitado pelo decréscimo do volume dos reagentes ao longo da coordenada de reação, e pode ser aumentado para reações com volume de ativação negativo. Tal hipótese é chamada de "interação hidrofóbica forçada"1. Como conseqüência, entre dois produtos possíveis em uma reação, aquele que passar por um estado de transição mais compacto, deverá ser o principal quando utilizarmos a água como solvente1.

REAÇÕES EM ÁGUA

A partir de 1980, quando Rideout e Breslow4 publicaram o primeiro artigo evidenciando a importância e as vantagens de reações orgânicas promovidas em água, muitas outras reações foram estudadas nesse meio6,7,8, como: hetero Diels-Alder, ciclo-adições dipolares, rearranjos de Claisen, adições nucleofílicas (aldolização, adição tipo Michael, etc), reações do tipo Barbier, reações catalisadas por complexos de metais de transição, oxidações, reduções, clivagens autocatalíticas e estudos nos estados sub- e superaquecido.

Reações Tipo Diels-Alder

A reação tipo Diels-Alder foi a primeira estudada que demonstrou claramente um aumento de velocidade, devido aos fatores entrópicos, ao se utilizar água como solvente. O trabalho desenvolvido por Breslow descrevia o estudo cinético da ciclo-adição de ciclo-pentadieno com metilvinilcetona (Esquema 1), e mostrava que esta reação era 700 vezes mais rápida em água do que em isooctano. O efeito hidrofóbico atuante nesta reação é suportado pelo aumento de velocidade com a adição de sais como cloreto de lítio, que diminuem ainda mais a solubilidade de moléculas orgânicas em água ("salting-out"), além do decréscimo de velocidade da reação quando se usam sais como cloreto de guanidínio, que promovem um "salting-in"4,5.

Este processo mostra ainda uma alta seletividade para os produtos endo em relação aos demais solventes orgânicos4,5 e a reação pode, inclusive, ser feita em suspensão, que esta seletividade não é muito afetada10. Este resultado ilustra bem a teoria da "interação hidrofóbica forçada"1, visto que o produto endo é formado a partir do estado de transição mais empacotado.

Ahamd-Zadeh estabelece que a alta polaridade não é responsável nem pelo aumento de velocidade, nem pelo aumento de seletividade, já que solventes ainda mais polares não causam o mesmo efeito (Esquema 2)9, reforçando a idéia da compressão no estado de transição. Foi constatado ainda que ácidos de Lewis, como nitrato de cobre, também podem ser usados para catalisar o processo11, exibindo a mesma endo seletividade.

Existem ainda, exemplos de reações intramoleculares em meio aquoso, como a mostrada no Esquema 3, levando a uma mistura diastereoisomérica dos produtos de ciclo-adição12-14.

Adições Assimétricas

Alguns exemplos de ciclo-adições assimétricas são relatados na literatura15,16. Podemos citar o uso de 4-hidróxi-2-ciclo-pentenona e seus derivados como equivalentes sintéticos quirais para ciclo-pentadienonas. É formada uma mistura diastereoisomérica dos produtos endo com seletividade anti, que quando tratados com base, levam a uma mistura de enantiômeros em uma razão proporcional à obtida na ciclização para a formação dos diastereoisômeros anti/sin15 (Esquema 4).

A indução assimétrica também pode ser feita com dienos acíclicos assimétricos. A reação da metacroleína com um dieno carboxilado quiral leva aos produtos (1) e (2) em uma razão de 5/1 (Esquema 5)16.

Reações Hetero Diels-Alder

Larsen e Grieco foram os primeiros a estudar reações hetero Diels-Alder em meio aquoso17. Eles descreveram a reação de ciclo-adição de sais de imínio, gerados in situ nas condições de Mannich, com diversos dienos (Esquema 6)17.

Também demonstram o potencial para indução assimétrica deste tipo de reação em água utilizando cloreto de (-)-a-metil-benzamina17.

Uma extensão interessante desta metodologia foi usada por Waldman utilizando os hidrocloretos de ésteres de (R) e (S)-amino-ácidos como indutores quirais em processos de aza Diels-Alder. A utilização do auxiliar (S) resulta seletivamente em uma configuração (1R,4S) do produto bicíclico, enquanto que o éster do (R)-amino-ácido produz uma estereoquímica (1S,4R) para os carbonos cabeça de ponte (Esquema 7)18,19.

Lubineau, Augé e Lubin20 estudaram processos de oxo-Diels-Alder reagindo, simplesmente, solução aquosa comercial de ácido glioxálico com ciclo-pentadieno para produzir a-hidróxi-g-lactonas (Esquema 8).

Adições 1,3-Dipolar

Ciclizações 1,3-dipolares de óxidos de nitrila com dipolarófilos podem ser realizadas em sistema aquosos bifásicos. O óxido de nitrila é normalmente gerado in situ pela oxidação de oximas. Esta metodologia, quando aplicada ao limoneno, é regio- e quimioespecífica na ligação dupla 8,9, produzindo isoxazolinas diastereoisoméricas (Esquema 9)21.

Estudos sobre os efeitos de solventes neste tipo de reação, mostraram novamente uma aceleração em meio aquoso que parece ser induzida pelo efeito hidrofóbico (Esquema 10)22,23.

Uma aplicação importante de ciclizações 1,3-dipolar em água, está na síntese da (+)-biotina e seus derivados benzilados a partir de uma azida (Esquema 11). Neste caso é necessário utilizar água no estado superaquecido, área de estudo que tem atraído muita atenção24.

Rearranjo de Claisen

Rearranjos sigmatrópicos do tipo Claisen também, têm suas constantes de velocidades aumentadas em água. Devido ao seu volume de ativação negativo, é esperado que o efeito hidrofóbico possa ser um dos responsáveis por este fato1.

O rearranjo de clorismato para prefenato em água pura é 100 vezes mais rápido do que em metanol (Esquema 12)25.

Um alilviniléter contendo um grupo carboxilato na forma de sal sofre um rearranjo [3,3]-sigmatrópico em água para produzir um aldeído (Esquema 13). A reação é 23 vezes mais rápida em água que em metanol26.

Tentativas de realizar a síntese de compostos do tipo fenestreno com junção trans entre os anéis adjacentes não obtiveram sucesso27. Entretanto, no Esquema 14 é mostrado um típico Rearranjo de Claisen só que em solução aquosa de metanol (3:1) onde a junção de anel trans é obtida em 48% de rendimento28.

O grupo de Lubineau tem estudado extensivamente a utilização de açúcares como indutores de quiralidade em reações em meio aquoso. Entre estes trabalhos, pode-se citar a utilização de glucose em rearranjos de Claisen que levam a um moderado excesso diastereoisomérico. No entanto, os diastereoisômeros cristalinos podem ser separados facilmente. (Esquema 15)29.

Reações Tipo Barbier-Grignard

Na reação do tipo Barbier-Grignard, um composto organometálico age como nucleófilo adicionando a uma carbonila. A geração do organometálico pode ser feita in situ, como foi feito por Barbier, ou pode ser feita em uma etapa antes da adição do composto carbonilado, como feito por Grignard. O maior requisito, nestes casos, é a ausência completa de umidade e hidrogênios ácidos na molécula, visto que estes intermediários organometálicos são bases e podem abstrair estes prótons30.

Em 1983, Nokami e colaboradores observaram uma aceleração da reação de alilação de benzaldeído com dibrometo de dialil-estanho pela adição de água à mistura reacional. Este fato os inspirou a estudar este tipo de reação em meio aquoso. As melhores condições reacionais observadas utilizam um meio heterogêneo, cujo solvente trata-se de um mistura de éter e solução aquosa ácida. Além de ácido, outros aditivos que podem ser utilizados na alilação de cetonas ou aldeídos menos reativos são alumínio, estanho, zinco e índio metálico30.

Uma extensão importante desta metodologia, está nas reações intramoleculares de cetonas que possuem em sua estrutura um haleto alílico (Esquema 16)30.

Alilação de açúcares pode ser feita em água / etanol sem necessidade de proteger as hidroxilas. A reação ocorre com utilização de ultra-som e observa-se uma diastereosseletividade treo (Esquema 17)31.

Pétrier e Luche32 observaram que o uso de Zn em água saturada com cloreto de amônio aumenta a eficiência dos resultados, podendo a reação ser promovida na ausência de ultra-som (Esquema 18).

Em 1991, Li e Chan reportaram o uso de índio para mediar reações do tipo Barbier-Grinard em meio aquoso33. Neste caso, a reação ocorre com bons rendimentos sem necessidade de condições ácidas, aquecimento ou ultra-som. Um bom exemplo é a alquilação de metil-cetonas contendo grupos sensíveis como acetais (Esquema 19).

Mais recentemente foi demonstrado que alilações de compostos carbonílicos contendo grupos cetais, podem ser feitas utilizando tetraalil-estanhos como reagentes (Esquema 20)34.

O uso de magnésio para reação do tipo Barbier em meio aquoso foi reportado por Li e Zhang em 199835. Em alguns casos observou-se a formação do produto de acoplamento pinacol e de álcool benzílico (Esquema 21).

Um outro aspecto interessante da reação de Barbier está sendo bastante estudado por Paquette e envolve a diastereosseletividade destas reações de alilação36,37. Um bom exemplo é a reação de 3-bromo-2-butenoato de metila com aldeídos contendo anéis piridínicos ou grupos carboxilados que leva a diferentes diastereosseletividades (Esquema 22)37.

Um exemplo interessante do uso de um meio aquoso para reações orgânicas foi demonstrado por Yang e Chan38. Eles desenvolveram uma metodologia "one pot" para a síntese de estruturas tricíclicas através da adição de um organoíndio, seguida de ciclização do tipo Diels-Alder (Esquema 23).

Condensação Aldólica e Reações do Tipo Reformatsky

As condensações de compostos carbonilados são muito importantes em síntese orgânica para formação de uma nova ligação carbono-carbono. Em sua versão mais simples, esta é realizada a partir dos substratos carbonilados sobre catálise básica ou ácida. No entanto, estes processos podem levar aos produtos de desidratação ou à polímeros. Além disto, produtos de condensação cruzada só podem ser obtidos com bons rendimentos se vierem da reação de um composto carbonilado não enolizável, por exemplo benzaldeído e derivados, com um outro menos reativo à reações de adição, para que funcionem bem como enolatos39.

Uma modificação útil desta metodologia para obtenção de produtos de condensação cruzada envolve a reação de um sililenoléter com um composto carbonilado (Reação de Mukaiyama) na presença de um ácido de Lewis40. Recentemente, esta reação tem sido feita, com sucesso, em meio aquoso sob condições neutras, na presença de um ácido de Lewis (Esquema 24)40-42.

Em 1999, Kobayashi43, mostrou o uso complexos quirais como catalisadores para induzir alguma quiralidade no produto de condensação (Esquema 25).

Reações do tipo Reformastsky podem ser realizadas em água ou água / THF44-47, sendo útil na preparação de a-metileno-g-butirolactonas (Esquema 26).

Derivados de benzaldeído quando condensados com acetona produzem, mesmo em meio básico, a cetona a,b-insaturada48. Entretanto, na presença de zinco com amino-ésteres ou amino-álcoois como catalisadores, além de um bom controle do pH do meio reacional, a desidratação do produto de condensação aldólica pode ser evitada48 (Esquema 27). Por outro lado, Fringuelli e colaboradores reportaram a condensação de ciclo-hexanona com benzaldeído em solução de NaOH (0,25M) na presença de um surfactante (cloreto de cetil-trimetilamônio)49. Este último procedimento levou a 90% da hidróxi-cetona49.

Um fato muito interessante que demostra a grande complexidade das reações em fase aquosa é a condensação aldólica intramolecular do ceto-aldeído (4) que mostra uma alta diastereosseletividade anti quando catalisada por hidróxido de sódio e sin por ácido acético. Entretanto, quando foi utilizado HCl a diastereosseletividade pode variar com a quantidade do ácido50 (Esquema 28).

Uma outra variação de condensação em água encontrada na literatura é a reação nitro-aldol catalisada por base na presença de um agente de transferência de fase (Esquema 29)51.

Reação Tipo Michael

A reação de adição de Michael é muito aplicada em síntese orgânica, e tem importância relevante quando se trata de formação de uma nova ligação carbono-carbono ou na formação de compostos polifuncionais52.

Encontram-se alguns exemplares de reações de Michael em meio aquoso. Keller e Feringa estudaram a adição 1,4 de vários ceto-ésteres a aldeídos e cetonas a,b-insaturadas53 e de a-nitro-ésteres à metilvinilcetona54 (Esquema 30). A reação ocorre em meio aquoso, catalisada por ácidos de Lewis tolerantes a água como triflato de itérbio.

Nitro-alcanos fazem o mesmo tipo de reação em meio aquoso, catalisada por hidróxido de sódio na presença de um agente de transferência de fase55. Lubineaou e Augé56 publicaram o primeiro exemplo de adição de Michael de nitro-alcanos em água sem necessidade de catalisador. No entanto, este método parece ser efetivo apenas para eletrófilos muito reativos como metilvinilcetona (Esquema 31)

Em 1999, Jones e colaboradores demonstraram que a adição de nitro-alcanos, tióis e compostos dicarbonilados à 2-ciclo-hexenona podia ser realizada em água, em presença de base, sem necessidade de agentes de transferência de fase. No entanto, o pH do meio reacional é um parâmetro extremamente importante na otimização da metodologia. Além disto, o pH ótimo (aquele que leva a melhores rendimentos) depende do nucleófilo usado (Tabela 1)57.

Um outro estudo interessante demonstra que a reação de adição de tiofenol a nitro-olefinas em meio aquoso leva aos b-nitro-sulfetos correspondentes em rendimentos que variam de 58-95% (Esquema 32)58. Para o caso da nitro-olefina cíclica 1-nitro-ciclo-hexeno, o único produto observado foi o cis-1-nitro-2-(feniltio)-ciclo-hexano em 70% de rendimento.

É interessante apontar a síntese da tricetona (6), sem catálise básica, a partir da adição conjugada de 2-metil-1,3-ciclo-pentanona à metilvinilcetona (Esquema 33)59-61. O composto obtido pode ser empregado na síntese de anéis fundidos.

Não só carbânions foram usados como nucleófilos em adições 1,4 em meio aquoso, mas também fosfinas62,63 e piridinas64. Lampert e colaboradores estudaram a reação do tipo Michael de fosfinas solúveis em água a alquenos e alquinos ativados62,63. A reação se mostrou muito útil para obtenção de compostos deuterados em posições específicas quando realizada em água deuterada (Esquema 34).

Luche et al demonstraram que haletos de alquilas reagem com aldeídos e cetonas a,b-insaturados, levando aos produtos de adição quando na presença de zinco - cobre em água ou solventes duplos (Esquema 35)65-67.

Blanchard et al68 aproveitaram esta metodologia para adicionar unidades de carboidratos e derivados de amino-ácidos a várias olefinas ativadas. Eles observaram também que o uso de ultra-som pode ser substituído por uma agitação vigorosa (Esquema 36).

Uma reação relacionada com a adição de Michael, conhecida como reação de Baylis-Hillman, também foi estudada em meio aquoso mostrando uma aceleração. A reação de benzaldeído com acrilonitrila catalisada por DABCO leva de 7 a 8h em água, 34h em metanol, 48h em N-metil-acetamida, e 3 a 5 dias em THF ou tolueno.Um aumento ainda maior da constante de velocidade da reação é observado com a adição de iodeto de sódio ou lítio ao meio aquoso, o que sugere que o efeito hidrofóbico esteja envolvido69 (Esquema 37).

Oxidações e Reduções

Muitas oxidações clássicas são feitas em meio aquoso, usando como reagentes oxidantes permanganato de potássio, periodato de sódio, hipoclorito de sódio ou cálcio1. Este solvente é bastante conveniente devido à solubilidade destes oxidantes. No entanto, há casos onde o uso de água como solvente tem especial efeito comparado a solventes orgânicos.

Epoxidações de alquenos por perácidos podem ser realizadas prontamente em solventes não polares como diclorometano. Argumenta-se que solventes capazes de formar ligações hidrogênio podem retardar a reação, interferindo com a ligação hidrogênio intramolecular dos perácidos. Porém, foi observado que a reação de alquenos simples com ácido m-cloro-perbenzóico (AMCPB) em solução aquosa de bicarbonato (pH 8,3) é rápida à temperatura ambiente70.

Uma extensão interessante desta metodologia envolve a epoxidação de álcoois poliolefínicos por perácidos. Estas reações não costumam apresentar quimiosseletividade em meio orgânico. No entanto, pode-se observar uma quimiosseletivamente da epoxidação por ácido monoperftálico (AMPF) em água, quando o pH do meio é controlado (Esquema 38)71.

Oxidações de Baeyer-Villiger de pinanonas, que são pouco reativas ou levam com dificuldade às lactonas esperadas em solventes orgânicos, têm sido efetuadas em meio aquoso (Esquema 39)72.

A oxidação de compostos carbonílicos a-substituídos com grupos eletroatratores pode ser realizada em solução de hipoclorito de sódio aquoso sem necessidade de um co-solvente, sendo que a utilização de ultra-som pode acelerar a reação73 (Esquema 40).

Água também tem sido usada como solvente em reduções de compostos orgânicos. Em muitos casos, observa-se uma grande diferença de comportamento em reações promovidas neste solvente quando comparada a solventes orgânicos. Como exemplo, temos a redução do ácido 3,8-nonadienóico por hidrogênio catalisada por um complexo de ródio. Essa reação mostra grande dependência do solvente no que diz respeito à quimiosseletividade (Esquema 41)74.

Um aspecto interessante neste caso é a utilização de ligantes quirais solúveis em água. Por exemplo, uma imina proquiral pode ser hidrogenada utilizando-se catalisadores quirais de ródio levando ao produto em excessos enantioméricos acima de 96% (Esquema 42)75,76.

Reações em Água Superaquecida

Reações em água superaquecida são encontradas na literatura8,24,77,78, como a síntese de 3-metil-2-ciclo-penteno-1-ona em 65% de rendimento8, partindo de 2,5-dimetil-pirrol em água superaquecida (250oC) por 5 dias (Esquema 43).

Recentemente, An J. e colaboradores77 estudaram diversas reações em água superaquecida utilizando um reator de microondas pressurizado (RMP) ou uma autoclave (AC) de aquecimento convencional (Esquema 44).

O 2,4,6-trimetil-benzoato de metila pode ser hidrolisado ou descarboxilado em água superaquecida, dependendo do meio reacional78 (Esquema 45).

Compostos muito estáveis sofrem hidrólise em meio aquoso à altas temperaturas sem necessidade de catalisadores. Estas reações podem ser muito úteis no que diz respeito aos aspectos ambientais. Polietilenotereftalato, nylon 6 e 66, poliuretanos, policarbonatos e outras fibras sintéticas podem ser hidrolisadas em meio aquoso neutro à 200-300oC aos seus monômeros (Esquema 46)8.

Outras Reações

As reações apresentadas anteriormente são bem representativas para demonstrar o potencial do uso de água como solvente em síntese orgânica. No entanto, neste ítem, são apresentadas algumas outras reações que vêm sendo estudadas em meio aquoso, demonstrando que a diversidade de reações capazes de serem promovidas neste solvente vem aumentando.

Um exemplo interessante é o acoplamento pinacol, que pode ser feito em água na presença de alumínio ou magnésio. Uma vantagem é a baixa ou nenhuma formação do produto de redução da carbonila (Esquema 47)79, 80.

Compostos b-amino-carbonilados podem ser preparados em meio aquoso através da reação do tipo Mannich. A reação é eficientemente catalisada por ácido dodecilbenzenossulfônico (Esquema 48)81.

A hidroformilação já foi implementada em escala industrial. A reação de propeno com monóxido de carbono para produzir butiraldeído pode ser feita em meio aquoso heterogêneo, onde o catalisador de ródio está dissolvido na água. O processo pertence a Ruhrchemie/Rhône-Poulenc (Esquema 49)82.

CONCLUSÕES

O crescente número de artigos descrevendo as características e utilização da água como solvente nos leva à conclusão que esta pequena molécula ainda não revelou todas as suas propriedades fascinantes. Por outro lado, já foram demonstradas inúmeras possibilidades de avanço em várias áreas da química orgânica, onde diversos tipos de reação comportam-se de maneira diferente quando em solução aquosa, podendo ter rendimentos e velocidades de reação maiores, ou seletividades maiores ou inversas. Até o momento, os efeitos de polaridade, hidrofóbicos e formação de micelas são utilizados para explicar tais comportamentos diferentes.

Os aspectos econômicos e ambientais da utilização de água como solvente sugerem maiores esforços nessa área de pesquisa, onde temos a água como meio reacional barato e de baixos impacto ambiental e toxidez.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Nov 2001
  • Data do Fascículo
    Out 2001

Histórico

  • Recebido
    21 Jul 2000
  • Aceito
    13 Dez 2000
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