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Perfil dos Egressos da Residência Médica em Cirurgia Geral de uma Universidade do Interior Paulista

Profile of Graduates of the Medical Residency in General Surgery of a University in São Paulo

RESUMO

O estudo teve como objetivo geral caracterizar o perfil de egressos do Programa de Residência Médica em Cirurgia Geral da Universidade de Ribeirão Preto (SP).

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo, transversal e de abordagem quantitativa. Participaram da pesquisa 26 egressos desse programa, do período de 2005 a 2014. A coleta dos dados foi realizada de março a agosto de 2015 por meio de dois instrumentos autoaplicáveis. O primeiro deles era composto por dois blocos: identificação (sexo, idade, estado civil, naturalidade, endereço, local e ano de graduação em Medicina) e situação profissional (áreas de atuação, ensino, pesquisa e/ou assistência, número e tipo de empregos e remuneração. O segundo instrumento foi elaborado com afirmações sobre o programa de residência médica relacionadas às dimensões humanas, técnicas e profissionais do treinamento em Cirurgia Geral. Os dados foram analisados por meio de estatística descritiva.

RESULTADOS

De modo geral, os egressos ficaram satisfeitos com o treinamento em Cirurgia Geral oferecido pela instituição. A maioria dos egressos foi do sexo masculino, solteira e de nacionalidade brasileira. A totalidade dos participantes concluiu a residência médica em Cirurgia Geral em dois anos e atuava na área cirúrgica. Alguns deles também exerciam outra atividade médica, além da cirúrgica. Mais de 80% dos egressos cursaram ou estavam cursando outra residência médica em especialidade cirúrgica, principalmente, no Estado de São Paulo. A renda mensal média da maioria dos egressos derivada do trabalho médico situou-se na faixa de 10 a 20 salários mínimos nacionais, enquanto a resultante exclusivamente da atividade como cirurgião se apresentava na faixa de até dez salários mínimos nacionais. A análise das dimensões humanas revelou que a maioria dos egressos ficou satisfeita com o programa. Em relação às dimensões técnicas, observou-se que metade dos participantes ficou satisfeita com a programação teórica e 76,9% com o volume cirúrgico. Quando perguntados acerca das dimensões profissionais, 24 (92,4%) discordaram de que o treinamento em Cirurgia Geral é muito longo e relataram a preocupação de que a especialidade se torne obsoleta.

CONCLUSÃO

Os resultados apresentam subsídios importantes para discussões na própria instituição e em outras instituições de ensino que oferecem residência médica em Cirurgia Geral. Ressalta-se, inclusive, o momento de reflexão pelo qual passa o País, onde a formação e a especialização médicas se encontram no centro dos debates dos ministérios da Educação e da Saúde e das instituições de ensino, os quais precisam ser ampliados para toda a sociedade. Assim, torna-se imperiosa a avaliação dos programas de residência, a fim de implementar medidas de aperfeiçoamento e de correção de rumos.

–Internato e Residência; –Educação Médica; –Cirurgia Geral; –Recursos Humanos em Saúde

ABSTRACT

The study aimed to characterize the profile of graduates of the Medical Residency Program in General Surgery of the University of Ribeirão Preto (SP).

METHOD

This a descriptive, transversal, quantitative approach. Twenty-six graduates of the Medical Residency Program in General Surgery of the University of Ribeirão Preto, from the years 2005 to 2014, participated in the survey. Data were collected from March to August 2015, using two self-reporting questionnaires. The first was divided into two sections: identification, and employment status (areas of practice, number and type of jobs, and salary). The second questionnaire contained statements about the residency program, related to human, technical and professional dimensions of the training in general surgery.

RESULTS

Overall, the graduates were satisfied with the training in general surgery offered by the institution. Most of the graduates were male, single, and Brazilian. All of the participants had completed the residency in general surgery in two years, and had worked in the area of surgery. Some of them had also exercised another activity in the medical field, besides surgery. Over 80% of the graduates had studied or attended a surgical subspecialty, mainly in the state of São Paulo. The average monthly income of most of the graduates, derived from medical work, was between ten and twenty national minimum wages, while income derived exclusively from activity as a surgeon was up to up to ten minimum salaries. The analysis of the human dimensions revealed that the majority of the graduates were satisfied with the program. Regarding the technical dimension, it was observed that half of the participants were satisfied with the theoretical program, while 76.9% were satisfied with the amount of surgical practice they had been given. Concerning the professional dimension, 24 (92.4%) disagreed that the training in general surgery was too long, and reported a concern that the specialty had become obsolete.

CONCLUSION

The results provide important support for discussion within the Institution itself, and in other educational institutions that offer medical residencies in General Surgery. It is also worth noting that the country is currently going through a time of reflection, in which medical training and specialization are at the heart of the debates of the Ministries of Education and Health, and teaching institutions, and these debates should be expanded to the society. Thus, it is imperative to evaluate residency programs so that improvement and correction measures can be considered and implemented.

–Internship and Residency; –Medical Education; –General Surgery; –Human Resources in Health

INTRODUÇÃO

A Cirurgia Geral é uma das mais antigas especialidades médicas. A formação do cirurgião geral deve habilitá-lo à execução de procedimentos cirúrgicos elementares entre todas as especialidades, e sua atuação tem que ser considerada com base na disponibilidade de recursos, aptidões vocacionais e necessidades da população11. Colégio Brasileiro De Cirurgiões. Boletim Informativo do Colégio Brasileiro de Cirurgiões 1974; 68..

É certo que o desenvolvimento da formação médica na área cirúrgica vem se modificando. Nota-se que, além da necessidade de atualização quanto à evolução do conhecimento médico, o cirurgião geral contemporâneo precisa ser treinado para o desenvolvimento de habilidades clínicas, humanísticas, de comunicação e interpessoais associadas às habilidades técnicas22. Soares JC, Gomes CA, Soares FPTP. O ensino da cirurgia: a necessidade de uma visão humanística. RevColBras Cir. 2010;37(3):240-4.,33. Jesus LE. Treinar cirurgiões: hoje como sempre? Rev Col Bras Cir. 2009;36(6):529-32.,44. Dedy NJ, Bonrath EM, Zevin B, Grantcharov TP. Teaching nontechnical skills in surgical residency: A systematic review of current approaches and outcomes. Surgery. 2013;154(5):1000-8..

A formação de médicos cirurgiões por meio da residência médica (RM), no formato de ensino de pós-graduação lato sensu, é considerada pelo Ministério da Educação (MEC) o “padrão ouro” da formação médica especializada. Logo, a RM tem papel essencial na gênese desse especialista, e advém dessa constatação a necessidade de sua estruturação segundo os padrões de qualidade aceitos nacional e internacionalmente.

Na atualidade, percebe-se uma diminuição da procura pela especialidade de Cirurgia Geral, no País e no mundo55. Jesus LE. Ensinar cirurgia: como e para quem? RevColBras Cir. 2008;35(2):136-40..

No Brasil, desde 2010, há uma iniciativa dos ministérios da Saúde e da Educação em fomentar a busca pela formação especializada, pois houve aumento de quase 50% do número de bolsas para a RM, justificado pela necessidade de formação de médicos especialistas em áreas de maior carência para o atendimento à população, no Sistema Único de Saúde (SUS)66. Petta HL. Formação de médicos especialistas no SUS: descrição e análise da implementação do programa nacional de apoio à formação de médicos especialistas em áreas estratégicas (Pró-Residência). RevBrasEduc Med. 2013;37(1):72-9.,77. Toffoli SFL, Ferreira Filho OF, Andrade DF. Proposta de seleção unificada aos Programas de Residência Médica. RevAssMed Bras. 2013;59(6):583-8..

No entanto, há que se avaliar as condições essenciais para que a formação médica esteja alicerçada nos pilares do desenvolvimento de competências, habilidades e atitudes que possam garantir a sua qualidade33. Jesus LE. Treinar cirurgiões: hoje como sempre? Rev Col Bras Cir. 2009;36(6):529-32.,44. Dedy NJ, Bonrath EM, Zevin B, Grantcharov TP. Teaching nontechnical skills in surgical residency: A systematic review of current approaches and outcomes. Surgery. 2013;154(5):1000-8.. Desta forma, a avaliação de um programa de residência médica é uma ação essencial para o alcance dessa almejada qualidade, pois possibilita conhecer suas potencialidades e fragilidades, com vistas ao seu aperfeiçoamento.

Assim, os objetivos deste estudo foram caracterizar o perfil de egressos do Programa de Residência Médica em Cirurgia Geral (PRMCG) de uma instituição privada de ensino superior do interior paulista, considerando a situação profissional, bem como as dimensões humanas, técnicas e profissionais da formação em Cirurgia Geral.

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo, transversal e de abordagem quantitativa. O estudo foi realizado em uma instituição de ensino superior (IES) privada do interior paulista. O Programa de Residência Médica em Cirurgia Geral (PRMCG) dessa instituição foi criado em 2004, credenciado pelo MEC e pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), funcionando de modo integrado ao curso de Medicina. O programa teve início em 2005 com o preenchimento das três vagas ofertadas. Com dez anos de existência, no momento do estudo, o propósito principal do programa era formar médicos cirurgiões capacitados do ponto de vista técnico e ético para o atendimento das necessidades de saúde da população.

O PRMCG desenvolvia-se em duas unidades hospitalares conveniadas à rede pública do município88. Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP. Edital do processo seletivo para residência médica da Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP 2015. [Acesso em 25-10-15]. Disponível em: http://www.unaerp.br/index.php/documentos/1403-edital-rm-2015-09-especialidades/file.
http://www.unaerp.br/index.php/documento...
. Uma delas caracterizava-se como referência terciária regional para internações de urgência/emergência e eletivas e para atendimentos ambulatoriais secundários99. Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Informática do SUS (DATASUS) Informações de Saúde. [Acesso em 10-05-14]. Disponível em: http://cnes.datasus.gov.br/Exibe_Ficha_Estabelecimento.asp?VCo_Unidade=3543402080400.
http://cnes.datasus.gov.br/Exibe_Ficha_E...
. A maior parte da carga horária de treinamento dos médicos residentes acontecia no hospital terciário, por meio de rotações nas especialidades cirúrgicas. No outro hospital, próprio da universidade, caracterizado como referência secundária para a rede SUS no tocante às internações eletivas, o médico residente realizava atendimento ambulatorial de Cirurgia Geral e pequenas cirurgias. A programação teórica estava em consonância com as recomendações da CNRM e do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, com módulos temáticos desenvolvidos por meio de reuniões científicas semanais. O PRMCG contava com a infraestrutura acadêmico-pedagógica da universidade incluindo a biblioteca e acesso à internet e aos laboratórios.

A população do estudo constituiu-se de egressos do PRMCG da IES, totalizando 27 participantes. O critério de inclusão foi ter concluído os dois anos do programa no período de 2005 a 2014. Apesar de várias tentativas, não houve resposta de um dos egressos, o que impossibilitou a análise dos dados de todos os egressos do período selecionado, culminando na amostra de 26 profissionais. Inicialmente, foi realizada uma busca para identificar e localizar os egressos na Secretaria da Pós-Graduação da IES, e posteriormente foram feitos contatos por meio de telefone, e-mail e redes sociais para explicar os objetivos da pesquisa e convidar para a participação. Para aqueles que aceitaram participar, foram enviados, por meio da ferramenta Google Docs, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e os instrumentos de pesquisa, com a delimitação de um mês para devolução dos documentos.

Os dados foram coletados de março a agosto de 2015, por meio de dois instrumentos autoaplicáveis. O primeiro, semiestruturado e adaptado de Rodrigues1010. Rodrigues ET. Egressos do programa de residência em medicina de família e comunidade do estado de São Paulo, 2000 a 2009. Ribeirão Preto-SP; 2012. Mestrado [Dissertação] – Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo., foi dividido em dois blocos: identificação e atuação profissional. O segundo, utilizado por Herbella et al.1111. Herbella, FAM, Fuziy RA, Takassi GF, Dubecz A, Del Grande JC. Avaliação do treinamento e expectativas profissionais em residentes de cirurgia. RevColBras Cir. 2011;38(4):280-4., estava relacionado às dimensões humanas, técnicas e profissionais do treinamento em Cirurgia Geral. Foi elaborado um banco de dados eletrônico com dupla alimentação no Microsoft Excel (versão 2010), e os dados foram analisados por meio de estatística descritiva (média – x, mediana – md e desvio padrão – s). O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unaerp sob o Parecer nº 927.941/2014.

RESULTADOS

Dos 26 participantes, a maioria era do sexo masculino 23 (88%) com média de idade de 31,7 anos (md: 32,5; s: 3,2).Todos eram brasileiros, e 23 (88,4%) fizeram a graduação na IES onde se realizou o estudo. Em relação ao estado civil,13 (50%) eram solteiros, 12 (46%) estavam casados e 1 (3,8%) divorciado. A média de tempo decorrido entre a conclusão do curso médico e o início da RM em Cirurgia Geral foi de 8,2 meses (md: 6 e s: 9).

Todos os participantes concluíram o PRMCG em dois anos e atuavam na área cirúrgica. Simultaneamente, alguns atuavam em outras áreas, como Medicina Legal, Clínica Médica, Regulação Médica, Urgências e Emergências. Entre as especialidades cirúrgicas, a plástica (23%) e a vascular (15,3%) foram as áreas de atuação mais frequentes (Gráfico 1).

Ainda, dos 26 egressos, 21 (80,7%) cursaram outra RM, realizada, em 85,7% dos casos, no Estado de São Paulo; 1 (4,8%) em Goiás; e 2 (9,5%) no Distrito Federal. Em média, esses 21 egressos levaram um ano e cinco meses para ingressar em outra RM.

Entre os participantes, 12 (46,2%) relataram atuar em consultório na própria cidade em que residiam, em média 10,1 horas por semana (md: 9 e s: 6); 19 (73%) egressos responderam que trabalhavam em hospital privado, em média 17,10 horas por semana (md: 13,5 e s: 17,95), e 19 (73%) referiram trabalhar em serviço público de saúde, em média 26,4 horas semanais (md: 16 e s: 28,45).

A atuação em urgência e emergência foi referida por 20 (77%) egressos, em média por 18 horas semanais (md: 12 e s: 18), sendo que apenas 1 afirmou trabalhar na área da gestão em saúde por 5 horas semanais.

Quanto ao vínculo empregatício 17 (65,4%) afirmaram ser autônomos; 3 (11,6%) servidores públicos; 2 (7,7%) celetistas; e 1 (3,8%) cooperado; 2 (7,7%) participantes relataram ter três vínculos (autônomo, servidor público e cooperado) e 1 (3,8%) indicou dois vínculos (servidor público e autônomo), além de 2 participantes terem mencionado fazer trabalhos voluntários como médicos.

Em relação à renda mensal média (baseada no salário mínimo nacional vigente no momento da coleta de dados, em 2015, no valor de R$ 788,00) percebida pelos egressos pela atuação na Medicina, observou-se que a maioria (11 – 42,3%) recebia valores na faixa de 10 a 20 salários mínimos; 4 (15,4%) relataram perceber até 10 salários mínimos; 3 (11,5%) de 20 a 30 salários mínimos; 4 (15,4%) de 30 a 40 salários mínimos; e 4 (15,4%) acima de 40 salários mínimos.

As atividades tanto como médico quanto na área de Cirurgia Geral foram mais rentáveis para os egressos que se formaram há mais tempo. Entretanto, a renda mensal aproximada dos participantes derivada do trabalho como cirurgião geral teve seu maior percentual registrado (61,6%) na faixa de até 10 salários mínimos. Os egressos com menos de três anos de conclusão da residência médica apresentaram renda exclusiva do trabalho como cirurgião geral somente na faixa de até dez salários mínimos. Contudo, entre os egressos com mais de três anos houve registro de recebimento nas demais faixas salariais.

Quanto à satisfação com o exercício da Cirurgia Geral, 34,5% afirmaram estar muito satisfeitos, metade dos respondentes (50%) estava satisfeita, 7,7% pouco satisfeita e 7,7% insatisfeita. Constatou-se ainda que a maioria dos egressos (14 – 53,8%) que tinha até seis anos de atuação como cirurgião geral referiu estar satisfeita ou muito satisfeita com a sua atuação nesse campo da Medicina. Por sua vez, a insatisfação (7,7%) ou pouca satisfação (7,7%) com o exercício da Cirurgia Geral apareceram entre os egressos com atuação de seis a nove anos na área.

A Tabela 1 apresenta as respostas dos participantes acerca de dimensões humanas, técnicas e profissionais relacionadas ao PRMCG.

A análise das dimensões humanas revelou que a maioria dos egressos (92,4%) ficou satisfeita com o PRMCG e 22 (84,7%) concordaram em que suas opiniões foram respeitadas durante a RM. Entre os participantes, 23 (85%) afirmaram que gostavam de ir para o trabalho da residência, que o relacionamento entre os colegas era bom, e 24 (92,3%) disseram que estavam adaptados às atividades do programa (Tabela 1).

As horas de trabalho dedicadas ao programa e o estresse delas decorrente foram identificados como causadores de problemas familiares por 10 (38,5%) dos participantes. A possibilidade de abandono do programa foi considerada por 9 (34,6%) egressos. A maioria dos participantes (25 – 96,2%) discordou da assertiva que relacionou a qualificação do cirurgião ao abandono da sensibilidade, e todos relataram gosto pelo ato cirúrgico (Tabela 1).

Em relação às dimensões técnicas do PRMCG, observou-se que 13 (50%) participantes ficaram satisfeitos com a sua programação teórica, enquanto 20 (76,9%) pontuaram como satisfatório o seu volume cirúrgico. Cabe notar que 9 (34,6%) permaneceram indiferentes em relação à programação teórica.

A concordância sobre a existência de uma pessoa no programa disponível para conversar sobre problemas da residência foi registrada por 18 (69,2%) dos participantes, enquanto 6 (23,1%) discordaram desta afirmação; 24 (92,3%) e 25 (96,2%) participantes concordaram em que podiam recorrer aos preceptores se tivessem algum problema na residência ou no atendimento dos pacientes, respectivamente. A maioria dos egressos (88,5%) discordou da afirmação acerca de insegurança em solicitar o auxílio dos preceptores para realizar um procedimento.

Entre os entrevistados, 22 (84,6%) aquiesceram em que suas habilidades cirúrgicas eram apropriadas ao nível de treinamento em que se encontravam e em que o volume de cirurgia ajudou no desenvolvimento dessas habilidades. A preocupação em não estar apto a realizar os procedimentos cirúrgicos sozinho foi apontada por 15 (55,7%) participantes e negada por 10 (38,5%). Segundo a amostra, 18 (69,2%) concordaram com a suficiência em relação ao número de preceptores, enquanto 3 (11,6%) discordaram desta afirmação e 5 (19,3%) não se manifestaram.

Quando perguntados acerca das dimensões profissionais, 24 (92,4%) discordaram de que o treinamento em Cirurgia Geral é muito longo e de que tinham a preocupação de que a especialidade se tornasse obsoleta. Para 16 (61,5%) egressos, atualmente, os cirurgiões não são bem remunerados, e para 15 (57,7%) o cirurgião moderno precisa de uma especialização para ter sucesso na profissão (Tabela 1).

A maioria dos participantes, 24 (92,3%) discordou da afirmação de que o custo do treinamento em Cirurgia Geral não valeu a pena, e 19 (73%) consideraram importante ter um seguro profissional. Em relação aos fatores que os levaram a escolher a Cirurgia Geral, 7 (26,9%) afirmaram que foi a possibilidade de ganho financeiro, 14 (53,8%) discordaram desta afirmação e 5 (19,3%) não se manifestaram.

DISCUSSÃO

Um estudo sobre a Demografia Médica no Brasil apontou um total de 399.692 médicos, com uma razão de 1,95 médico por mil habitantes, sendo a maioria homens (57,5%)1212. Scheffer MC.Demografia médica no Brasil 2015. São Paulo: Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP; Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo; 2015.. Em relação às especialidades médicas, o estudo observou que 59% (228.862) dos médicos tinham título de especialista e que seis especialidades médicas comportavam 49% do total de especialistas (Clínica Médica, Pediatria, Cirurgia Geral, Ginecologia e Obstetrícia, Anestesiologia e Cardiologia). Entre as especialidades médicas, a Cirurgia Geral possuía 29.200 profissionais, correspondendo a 8,8% do total de especialistas do País1212. Scheffer MC.Demografia médica no Brasil 2015. São Paulo: Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP; Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo; 2015..

Nesta pesquisa, a maioria dos egressos (88%) era do sexo masculino, dado que corrobora os resultados de outros autores sobre a influência do gênero masculino na opção pela especialidade de Cirurgia1313. Corsi PR et al. Fatores que influenciam o aluno na escolha da especialidade médica. RevBrasEduc Med. 2014;38(2):213-20.. Apesar da feminização da carreira médica, no País, as especialidades cirúrgicas ainda são mais procuradas pelos homens1212. Scheffer MC.Demografia médica no Brasil 2015. São Paulo: Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP; Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo; 2015.,1414. Scheffer MC, Cassenote AJF. A feminização da medicina no Brasil. RevBioét. 2013;21(2):268-77.. Esse fato também é observado em outros países, como a Inglaterra, sendo a qualidade de vida um fator determinante para as mulheres não optarem pela Cirurgia Geral55. Jesus LE. Ensinar cirurgia: como e para quem? RevColBras Cir. 2008;35(2):136-40.. Mendes1515. Mendes ASTM. Os estudantes de medicina: expectativas na escolha da especialidade. Lisboa; 2010. Mestrado [Dissertação] – ISCTE-IUL. ratifica essa constatação, apontando, ao mesmo tempo, que o interesse das mulheres pela área cirúrgica durante a graduação não se diferencia do interesse dos homens. No entanto, posteriormente, a não opção pelas especialidades cirúrgicas, em geral, decorre de uma tentativa de conciliar a vida profissional com a pessoal. No Brasil, as mulheres são minoria em todas as especialidades cirúrgicas, alcançando os homens um percentual superior a 90% na urologia, ortopedia e traumatologia, cirurgia torácica, neurocirurgia, cirurgia do aparelho digestivo e cirurgia cardiovascular. Na Cirurgia Geral, o percentual de mulheres atinge 18,4%1313. Corsi PR et al. Fatores que influenciam o aluno na escolha da especialidade médica. RevBrasEduc Med. 2014;38(2):213-20..

A idade média dos participantes (31,7; ± 3,2) revelou que o programa foi procurado por adultos jovens e, em sua maioria (88,4%), egressos do curso médico da própria universidade, com ingresso no programa em menos de um ano após a conclusão do curso. Uma pesquisa1212. Scheffer MC.Demografia médica no Brasil 2015. São Paulo: Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP; Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo; 2015. realizada no País apontou que as especialidades de Medicina de Família e Comunidade (41,4 anos; ± 9,4), Clínica Médica (41,9 anos; ± 11,9) e Cirurgia Geral (43,3 anos; ± 12,2) comportam os médicos mais jovens, enquanto a média geral de idade dos médicos é de 45,7 anos (± 15). É interessante notar a procura dos jovens médicos por essas especialidades consideradas básicas e não tão rentáveis.

Todos os participantes relataram atuar na área cirúrgica, tanto na Cirurgia Geral como em outras especialidades cirúrgicas. Esse fato pode ser um indicador de que a opção dos participantes pela área cirúrgica tenha sido acertada. Estudos revelam dificuldade significativa dos estudantes de Medicina na escolha da especialidade, tanto no contexto nacional como no internacional, em virtude de várias condições, como estilo de vida, influência de professores, recompensa financeira, reconhecimento social e características pessoais1313. Corsi PR et al. Fatores que influenciam o aluno na escolha da especialidade médica. RevBrasEduc Med. 2014;38(2):213-20.. Entretanto, parece que a opção pela cirurgia é mais estável do que por outras áreas, mesmo quando realizada no início do curso médico1515. Mendes ASTM. Os estudantes de medicina: expectativas na escolha da especialidade. Lisboa; 2010. Mestrado [Dissertação] – ISCTE-IUL.. Ainda, De Sousa et al.1616. De Sousa IQ, Caldas CAM. Especialidade Médica: Escolhas e Influências. RevBrasEduc Med. 2014;38(1):79-86. (p. 80) citam como motivos influenciadores na escolha da especialidade a “representação do prestígio e do poder da Medicina, aliada ao mercado de trabalho, que apresenta dificuldade, porém nunca desemprego – que têm a capacidade de colocar a profissão como um símbolo de ascensão social”.

Entre os participantes, 30,7% atuavam como cirurgião geral concomitantemente a outra área de atuação médica. Nenhum egresso relatou atuação exclusiva na área de Cirurgia Geral. O fato de 80% dos participantes realizarem outra residência médica, em especialidades cirúrgicas, pode ser indicativo das características do exercício da Cirurgia Geral nos dias atuais55. Jesus LE. Ensinar cirurgia: como e para quem? RevColBras Cir. 2008;35(2):136-40.. A cirurgia plástica e a vascular foram as especialidades cirúrgicas em que mais atuavam os egressos, o que pode ter relação com aspectos da qualidade de vida e da remuneração financeira dessas áreas1313. Corsi PR et al. Fatores que influenciam o aluno na escolha da especialidade médica. RevBrasEduc Med. 2014;38(2):213-20..

O Estado de São Paulo absorveu 85,7% dos egressos no desenvolvimento de outra especialidade, o que pode ser explicado pela existência de grande oferta de cursos de especialização no Estado1717. Chaves HL, Borges LB, Guimarães DC, Cavalcanti LPG. Vagas para residência médica no Brasil. RevBrasEduc Med. 2013;37(4):557-65..

Atuavam em consultório particular 46,2% dos egressos, em média, por 10,1 horas semanais (md: 6). Esse achado pode estar relacionado ao fato de que 42,8% dos que buscaram outra especialidade médica ainda não a tinham concluído e podiam não estar atuando em consultórios privados. Por sua vez, a atuação em hospital privado foi relatada por 73% dos participantes (md: 13,5), indicando que o tempo semanal dedicado a essa atividade não foi expressivo na população estudada. Apenas sete egressos (26,9%) não trabalhavam no setor público, valor semelhante ao encontrado em outros estudos1212. Scheffer MC.Demografia médica no Brasil 2015. São Paulo: Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP; Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo; 2015..

A atuação no setor de urgência e emergência por 77% dos participantes ratifica essa área como um campo de trabalho de especialidades cirúrgicas, principalmente para cirurgiões em início de carreira. De outro modo, a atuação na área de gestão de serviços de saúde parece não ser atrativa para o cirurgião, pois somente um participante do estudo relatou ter esta atividade, com pequena carga horária semanal.

Em relação ao vínculo empregatício, notou-se maior atuação dos egressos como autônomos exclusivamente (65%); a presença de vínculos simultâneos foi citada por 15,4% dos participantes, dados corroborados por outros estudos que indicam a simultaneidade de empregos da categoria médica1212. Scheffer MC.Demografia médica no Brasil 2015. São Paulo: Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP; Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo; 2015..

A renda mensal média derivada do trabalho médico percebida pela maioria dos egressos (42,3%) encontrou-se na faixa de 10 a 20 salários mínimos nacionais; apenas 15,4% dos participantes percebiam a soma de até dez salários mínimos nacionais, e o mesmo percentual atingiu acima de 40 salários mínimos nacionais. Esses dados se aproximaram da média salarial mensal dos médicos no âmbito nacional em 20151414. Scheffer MC, Cassenote AJF. A feminização da medicina no Brasil. RevBioét. 2013;21(2):268-77..

A renda mensal média dos participantes derivada exclusivamente do trabalho como cirurgião foi de até dez salários mínimos nacionais para a maioria (61,6%) dos participantes. Entretanto, 11,5% relataram receber de 30 a 40 salários mínimos nacionais, ao passo que o mesmo percentual de participantes afirmou receber acima de 40 salários mínimos, ambos atuando exclusivamente como cirurgiões. Tais achados apontaram que a maioria dos egressos complementava sua renda com outras atividades médicas além das cirúrgicas. Essas constatações podem ser relacionadas ao fato de a maioria dos egressos (80%) estar cursando outras especialidades cirúrgicas e ainda não ter se firmado no mercado de trabalho como médico cirurgião. Jesus55. Jesus LE. Ensinar cirurgia: como e para quem? RevColBras Cir. 2008;35(2):136-40., ao comentar aspectos do processo de trabalho dos cirurgiões gerais brasileiros, assinalou que 73% possuíam, no mínimo, três empregos, uma renda mensal aproximada de 1.300 dólares americanos (valor distante da média nacional de 280.000 dólares americanos percebida pelos cirurgiões americanos), 50% realizavam plantão médico e 38% tinham acima de 40 anos.

A intensa procura por outras especialidades cirúrgicas tem relação com as respostas de metade dos egressos, que associaram o sucesso do cirurgião moderno com maior especialização. Esse é um fenômeno crescente no País e no mundo e se relaciona com as opções dos médicos recém-formados, que estão considerando primariamente na escolha da especialidade aspectos da qualidade de vida e de remuneração55. Jesus LE. Ensinar cirurgia: como e para quem? RevColBras Cir. 2008;35(2):136-40.,1818. Santos EG. Superespecialização na cirurgia geral: problema ou solução?.RevColBras Cir. 2011 Dec;38(6):444-6..

Percebe-se, contudo, uma contradição nas respostas, pois, embora a valorização da ultraespecialização tenha sido pontuada pela metade dos egressos, a maioria (77%) não acredita na obsolescência da Cirurgia Geral.

O retorno financeiro parece estar presente no momento da opção pela carreira cirúrgica, tendo em vista um estudo que registrou elevada preocupação financeira entre os médicos residentes de Cirurgia Geral1919. Velho MTAC, Haeffner LB, Santos FG, Silva LC, Weinmann ARM. Residência médica em hospital universitário: a visão dos residentes. RevBrasEducMed2012; 36(3):351-67.. Em contraponto, ao analisarmos as respostas referentes à dimensão profissional, em torno de 50% dos egressos afirmaram que a possibilidade de ganho financeiro não influenciou sua opção pela Cirurgia Geral, sendo que 61,5% deles reconheceram que a cirurgia não tem, na atualidade, o mesmo retorno financeiro como outrora.

Os participantes, em sua maioria, concordaram em que a contratação de um seguro profissional era importante, achado semelhante ao de outro estudo, que destacou também a pequena discussão dessa temática no Brasil1919. Velho MTAC, Haeffner LB, Santos FG, Silva LC, Weinmann ARM. Residência médica em hospital universitário: a visão dos residentes. RevBrasEducMed2012; 36(3):351-67.. A satisfação geral com o programa, incluindo a satisfação pelo trabalho na residência e o relacionamento com os colegas, foi alta (90%), confirmando achados de outras pesquisas2020. West CP, Shanafelt TD, Kolars JC. Quality of Life, Burnout, Educational Debt and Medical Knowledge Among Internal Medicine Residents.JAMA 2011 Sept;306(9):952-60.. O gosto pelo ato cirúrgico foi registrado por todos os respondentes.

Os egressos (84,7%) consideraram que suas opiniões eram ouvidas no ambiente de trabalho, e esse percentual difere daquele encontrado em estudo semelhante1919. Velho MTAC, Haeffner LB, Santos FG, Silva LC, Weinmann ARM. Residência médica em hospital universitário: a visão dos residentes. RevBrasEducMed2012; 36(3):351-67., onde 48% dos residentes relataram que suas opiniões não eram valoradas para a mesma situação. Por sua vez, quase 35% dos respondentes já tinham pensado em abandonar a RM, percentual superior ao de outros estudos1919. Velho MTAC, Haeffner LB, Santos FG, Silva LC, Weinmann ARM. Residência médica em hospital universitário: a visão dos residentes. RevBrasEducMed2012; 36(3):351-67.. Podem ter associação com esse pensamento as questões relacionadas ao estresse físico e psicológico decorrentes das características do treinamento em cirurgia, pois 38,5% dos entrevistados referiram que a dedicação de muitas horas ao trabalho e o estresse foram causadores de conflitos familiares.

O estresse profissional tem sido investigado por vários autores nacionais e internacionais, com a citação de ocorrência significativa de burnout entre os médicos residentes, especificamente na área cirúrgica, tendo questões ambientais – longos plantões, despreparo das equipes, presença constante do risco e da pressão das urgências/emergências, vivência do sofrimento e da morte – e pessoais como fatores causais55. Jesus LE. Ensinar cirurgia: como e para quem? RevColBras Cir. 2008;35(2):136-40.,2020. West CP, Shanafelt TD, Kolars JC. Quality of Life, Burnout, Educational Debt and Medical Knowledge Among Internal Medicine Residents.JAMA 2011 Sept;306(9):952-60.,2121. Asaiag PE, Perotta B, Martins MA, Tempski P. Avaliação da qualidade de vida, sonolência diurna e Burnout em médicos residentes. RevBrasEduc med. 2010;34(3):422-9.,2222. Silveira LMC, Afonso DH. Relação preceptor residente: aspectos pedagógicos. Revista HUP, 2012;11(Suppl. 1):97-101.. Uma iniciativa com potencial para auxiliar nessa condição é a criação de Núcleos de Apoio aos médicos residentes, principalmente para dar suporte à saúde mental e à qualidade de vida, realidade ainda não presente regularmente em todos os programas de RM do País2323. Botti SHO, Rego S. Preceptor, supervisor, tutor e mentor: quais são seus papéis?RevBrasEduc Med. 2008 Sept;32(3):363-73.,2424. Comissão Nacional de Residência Médica. Consulta dos dados por programas por instituição. [Acesso em: 25-06-14]. Disponível em: http://mecsrv04.mec.gov.br/sesu/SIST_CNRM/APPS/cons_res_int.asp.
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A programação teórica do programa foi considerada satisfatória por 50% dos egressos. Chama a atenção o fato de 35,6% dos participantes se mostrarem indiferentes à análise desse importante componente do programa. O conteúdo programático e as atividades científicas são pontos críticos dos programas de residência médica da área cirúrgica e não cirúrgica1919. Velho MTAC, Haeffner LB, Santos FG, Silva LC, Weinmann ARM. Residência médica em hospital universitário: a visão dos residentes. RevBrasEducMed2012; 36(3):351-67.,2020. West CP, Shanafelt TD, Kolars JC. Quality of Life, Burnout, Educational Debt and Medical Knowledge Among Internal Medicine Residents.JAMA 2011 Sept;306(9):952-60.. Muito embora a área cirúrgica tenha seu principal foco em procedimentos, a dedicação às atividades teóricas e de produção de conhecimentos deve ser incrementada nos programas. A fundamentação teórica no campo da cirurgia é essencial para a qualificação das práticas e atualização acerca das novas técnicas e abordagens cirúrgicas. O fato de aproximadamente um terço dos participantes do estudo ter se mostrado indiferente a essa questão evidencia a necessidade de uma reflexão sobre essa ação no programa.

O exercício da preceptoria é um dos pilares da RM e deve ser contemplada sob a ótica pedagógica, técnica e relacional2525. Associação Brasileira de Educação Médica – ABEM. O preceptor por ele mesmo. Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Educação Médica; 2013.. As respostas assinalaram, de modo geral, uma boa relação entre os preceptores e os egressos durante o desenvolvimento da RM, condição relevante na formação dos futuros profissionais2525. Associação Brasileira de Educação Médica – ABEM. O preceptor por ele mesmo. Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Educação Médica; 2013.,2626. Viana AM et al. Como promover o reconhecimento da função de preceptor da residência médica? Como promover uma boa formação para os nossos residentes? Estratégias de Enfrentamento. Sínteses dos Grupos Aprendendo a Ensinar e Mosaico. Cadernos ABEM. 2013;9:24-30..

Destaca-se a complexa relação dos preceptores com os médicos residentes. Outras características da preceptoria, além da competência clínica, dizem respeito às relações pessoais no ambiente de ensino-aprendizagem e ao exercício profissional ético, pois os preceptores se tornam, muitas vezes, referências de conduta para os médicos residentes2525. Associação Brasileira de Educação Médica – ABEM. O preceptor por ele mesmo. Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Educação Médica; 2013.,2626. Viana AM et al. Como promover o reconhecimento da função de preceptor da residência médica? Como promover uma boa formação para os nossos residentes? Estratégias de Enfrentamento. Sínteses dos Grupos Aprendendo a Ensinar e Mosaico. Cadernos ABEM. 2013;9:24-30..

Em relação ao número de preceptores do programa, 69,2% dos entrevistados afirmaram ser suficiente, considerando que o PRMCG atendia às recomendações da CNRM nesse quesito. Devido à magnitude da temática, a Associação Brasileira de Educação Médica produziu, em 2013, um caderno2525. Associação Brasileira de Educação Médica – ABEM. O preceptor por ele mesmo. Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Educação Médica; 2013. especial sobre preceptoria e a necessidade de seu real reconhecimento no processo de formação de novos médicos especialistas.

Viana et al.2626. Viana AM et al. Como promover o reconhecimento da função de preceptor da residência médica? Como promover uma boa formação para os nossos residentes? Estratégias de Enfrentamento. Sínteses dos Grupos Aprendendo a Ensinar e Mosaico. Cadernos ABEM. 2013;9:24-30. ratificam a importância do preceptor em relação à qualificação das ações na RM e, por conseguinte, a oferta de maior segurança aos pacientes que se encontram sob os cuidados dos médicos residentes. No entanto, torna-se evidente a necessidade de capacitação dos preceptores para que possam desenvolver suas atribuições em consonância com os objetivos e as metas de cada programa, bem como com as demandas pedagógicas peculiares do processo de ensino-aprendizagem de adultos2727. Goldwasser RS, Neto GPB. Avaliação da preceptoria na residência médica em cirurgia geral, no centro cirúrgico, comparação entre um hospital universitário e um hospital não universitário. RevColBrasCir 2012;39(6):547-52.,2828. Skare TL. Metodologia do ensino na preceptoria da residência médica. Rev Med Res 2012;4(2):116-20.. Da mesma forma, Bentes et al.2929. Bentes A et al. Preceptor de Residência Médica: funções, competências e desafios. A contribuição de quem valoriza porque perceber a importância: nós mesmos! Cadernos da ABEM. 2013;9:40-5. confirmam a necessidade de investimentos no preceptor uma vez que a falta de motivação, a desvalorização e a pequena capacitação são problemas frequentes encontrados na preceptoria da RM.

Na análise das dimensões técnicas, a maioria dos participantes (84,6%) considerou que o programa possibilitou o desenvolvimento de habilidade cirúrgica pertinente ao seu estágio de formação e que o volume cirúrgico da residência contribuiu satisfatoriamente para esse alcance. Nessa perspectiva, Santos e Salles3030. Santos EG, Salles GFCM. Construção e validação de um instrumento de avaliação de habilidades técnicas para programas de residência em cirurgia geral. Rev Col Bras Cir. 2015 Dec;42(6):407-12. propuseram um instrumento de análise do desempenho prático do residente, o qual pode aprofundar a avaliação das dimensões técnicas.

O desenvolvimento de competências e habilidades mínimas para a boa prática médica é uma inquietação que permeia o cotidiano de coordenadores, preceptores e médicos residentes. A proposta da pirâmide de Miller3131. Miller GE. The assessment of clinical skills/ competence/performance. Acad Med. 1990;65(Suppl 9):S63–S67. pode ser aplicada no projeto avaliativo dos programas de RM, permitindo um escalonamento para a aquisição de competências e habilidades pelos médicos residentes. Ademais, a avaliação da formação médica, tanto na graduação como na pós-graduação, deve abarcar aspectos da responsabilidade e dos valores que caracterizam a essência da profissão3232. Rego S. O profissionalismo e a formação médica. RevBrasEduc Med. 2012;36(4):445-6.. Essa dimensão de análise se relaciona ao pensar, sentir e agir do médico residente, vislumbrando a excelência profissional exigida para o exercício da medicina, com ênfase na garantia dos interesses dos pacientes e de sua autonomia e na defesa da justiça social3232. Rego S. O profissionalismo e a formação médica. RevBrasEduc Med. 2012;36(4):445-6.. Sabidamente, o processo avaliativo é complexo, multidimensional, devendo ser participativo e oferecer feedback aos médicos residentes e preceptores.

Para 92,4% dos egressos, o treinamento em Cirurgia Geral com duração de dois anos não é longo, e seu custo se torna compensador. A CNRM estabeleceu a duração de dois anos para a especialidade de Cirurgia Geral e, posteriormente, indicou um ano de aprofundamento nas áreas de atuação de videolaparoscopia e trauma3333. Resolução CNRM Nº 02 /2006, de 17 de maio de 2006. Dispõe sobre requisitos mínimos dos Programas de Residência Médica e dá outras providências. 2006.

O programa de Cirurgia Geral tem uma intensa programação determinada pela CNRM, que compreende atividades de centro cirúrgico (25%), em unidades de internação (25%), em serviços de urgência/emergência (15%), atividades ambulatoriais (15%), atividades teóricas (10%) e os 10% restantes destinados a atividades consideradas relevantes pela coordenação. Nessa programação devem ser definidas metas de cirurgias e de auxílio cirúrgico diferentes para os residentes do primeiro e segundo ano, que também são diferenciadas pelo porte cirúrgico3333. Resolução CNRM Nº 02 /2006, de 17 de maio de 2006. Dispõe sobre requisitos mínimos dos Programas de Residência Médica e dá outras providências. 2006. Considerando essa abrangência e complexidade, alguns autores apontam que dois anos são insuficientes para a formação integral do cirurgião, para habilitá-lo a assumir sozinho a responsabilidade por serviços de Cirurgia Geral3434. Santos EG. Residência médica em cirurgia geral no Brasil – muito distante da realidade profissional. RevColBras Cir. 2009;36(3):271-6.,3535. Ferreira EAB, Rasslan S. Surgical education in Brazil. World J Surg. 2010;34(5):880-3.. Um programa de maior extensão possibilitaria um treinamento básico na especialidade (com duração de dois anos) e mais dois anos para aprofundamento em atividades eletivas, de urgência/emergência, trauma e cuidados intensivos, tornando o cirurgião geral competente para atender de maneira efetiva os agravos mais comuns que afetam a comunidade3535. Ferreira EAB, Rasslan S. Surgical education in Brazil. World J Surg. 2010;34(5):880-3.. Tal afirmação corrobora os relatos de 38,5% participantes ao referirem preocupação quanto ao seu preparo para realizar os procedimentos cirúrgicos antes do término do treinamento.

Segundo essa lógica, o MEC propôs o desenvolvimento de um programa avançado em Cirurgia Geral (com quatro anos de duração) na tentativa de suprir as lacunas de formação e aprofundar os conhecimentos e as habilidades cirúrgicas. Contudo, tal ação não obteve a audiência imaginada, pois poucas instituições foram credenciadas para a sua oferta3535. Ferreira EAB, Rasslan S. Surgical education in Brazil. World J Surg. 2010;34(5):880-3.. Assinale-se que, nos Estados Unidos e em alguns países da Europa, o tempo de treinamento em Cirurgia Geral é maior, em torno de cinco anos. Outro fator que justifica a necessidade de maior tempo para a formação do cirurgião geral é a incorporação de novas tecnologias na área, tais como a videocirurgia e a robótica, que demandam treinamento maior para a aquisição de novas habilidades procedimentais3535. Ferreira EAB, Rasslan S. Surgical education in Brazil. World J Surg. 2010;34(5):880-3..

Atualmente, essa questão torna-se ainda mais delicada, pois se encontra em discussão no Brasil a implantação da lei que instituiu o Programa Mais Médicos (Lei 12.781/2013) e definiu que o acesso à Cirurgia Geral deve ser realizado após um ano de residência médica em Medicina de Família Geral e Comunitária3636. Brasil. Lei nº 12.871 de 22 de outubro de 2013. Institui o Programa Mais Médicos, altera as Leis no 8.745 de 9 de dezembro de 1993, e no 6.932, de 7 de julho de 1981, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2013; 23 out.. Diante dessas propostas de mudanças na RM, são prematuras as afirmações sobre seus impactos na especialização médica, especificamente na Cirurgia Geral, porque existem muitas dúvidas a esclarecer pelos órgãos governamentais.

CONCLUSÃO

Os egressos do PRMCG da IES pesquisada eram, em sua maioria, do sexo masculino, adultos jovens, atuavam na Cirurgia Geral e/ou em outras especialidades cirúrgicas, em serviços de urgência/emergência, com vínculo público e rendimento financeiro decorrente de atividade médica geral e como cirurgião geral.

De modo geral, os egressos ficaram satisfeitos com o treinamento oferecido pela instituição no que tange às dimensões humanas, técnicas e profissionais. Assinala-se a existência de evidências científicas acerca da melhora do desempenho, da satisfação com o trabalho e da diminuição do esgotamento emocional dos residentes quando os programas investem no desenvolvimento e avaliação de competências humanas e técnicas. Logo, os PRMCG devem considerar estes domínios de competência em seus projetos pedagógicos.

Além disso, acredita-se que a percepção dos participantes, graças a um distanciamento do cenário, pode ser derivada de uma reflexão profissional mais ponderada acerca do programa e de suas fragilidades e/ou potencialidades.

Como uma limitação do estudo aponta-se a sua amostra, restrita a um programa de Cirurgia Geral, o que impossibilita generalizar seus resultados.

Os resultados obtidos oferecem subsídios importantes para discussões na própria IES e em outras instituições de ensino que oferecem RM em Cirurgia Geral. Ressalta-se, inclusive, o momento de reflexão pelo qual passa o País, onde a formação e a especialização médicas se encontram no centro dos debates dos ministérios da Educação e da Saúde e das IES, os quais precisam ser ampliados para toda a sociedade. Assim, torna-se imperiosa a avaliação dos programas de residência a fim de implementar medidas de aperfeiçoamento e de correção de rumos. Da mesma forma, tem-se a convicção de que o estabelecimento de práticas avaliativas nos programas de residência médica, em especial as que valorizam a voz dos médicos residentes, seja uma ação imprescindível para alcançar a qualidade na formação desses profissionais.

GRÁFICO 1
Distribuição das especialidades médicas de atuação dos egressos do PRMCG-Unaerp, 2005 a 2014, Ribeirão Preto (SP), 2015

TABELA 1
Distribuição das respostas dos egressos sobre as dimensões humanas, técnicas e profissionais relacionadas ao PRMCG-Unaerp, Ribeirão Preto (SP), 2015

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    9 Maio 2018
  • Aceito
    29 Maio 2018
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