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Ressonância magnética do fígado com contraste hepato-específico: experiência clínica inicial no Brasil

Resumos

Os autores relatam a experiência clínica inicial em um serviço privado no Brasil do uso do ácido gadoxético como meio de contraste hepato-específico em exames de ressonância magnética (RM). Esta substância, recentemente liberada para uso comercial no país, pode ser especificamente captada pelos hepatócitos, atingindo um pico de concentração em cerca de 10-20 minutos após a administração endovenosa. Dentre as principais indicações para seu uso em exames de RM, figuram: diagnóstico de carcinoma hepatocelular, detecção e planejamento terapêutico de metástases hepáticas, e a diferenciação entre hiperplasia nodular focal e adenoma hepatocelular.

Imagem por ressonância magnética; Gadolínio; Meios de contraste; Carcinoma hepatocelular; Fígado


The authors report the initial clinical experience of gadoxetic acid as a liver-specific magnetic resonance (MR) imaging contrast mediumin a private clinic in Brasil. This substance, which was recently approved for clinical use in the country, shows specific uptake by the hepatocytes, reaching a concentration peak around 10-20 minutes post-injection. Among the main indications for the use of this contrast medium in MR examinations are: diagnosis of hepatocellular carcinoma, detection and treatment planning of liver metastases, and the differentiation between focal nodular hyperplasia and hepatocellular adenoma.

Magnetic resonance imaging; Gadolinium; Contrast media; Carninoma, hepatocellular; Liver


NOTA PRÉVIA

Ressonância magnética do fígado com contraste hepato-específico: experiência clínica inicial no Brasil

Leonardo Kayat BittencourtI, II; Daniel HausmannIII; Emerson Leandro GasparettoI, II; Romeu Côrtes DominguesI

IClínica CDPI - DASA - Rio de Janeiro, Brasil

IIDepartamento de Radiologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, Brasil

IIIInstitute of Clinical Radiology and Nuclear Medicine, Medical Faculty Mannheim, Heidelberg University, Mannheim, Germany

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Leonardo Kayat Bittencourt E-mail: lkayat@gmail.com

RESUMO

Os autores relatam a experiência clínica inicial em um serviço privado no Brasil do uso do ácido gadoxético como meio de contraste hepato-específico em exames de ressonância magnética (RM). Esta substância, recentemente liberada para uso comercial no país, pode ser especificamente captada pelos hepatócitos, atingindo um pico de concentração em cerca de 10-20 minutos após a administração endovenosa. Dentre as principais indicações para seu uso em exames de RM, figuram: diagnóstico de carcinoma hepatocelular, detecção e planejamento terapêutico de metástases hepáticas, e a diferenciação entre hiperplasia nodular focal e adenoma hepatocelular.

Descritores: Imagem por ressonância magnética. Gadolínio. Meios de contraste. Carcinoma hepatocelular. Fígado.

INTRODUÇÃO

A ressonância magnética (RM) destaca-se como o método de imagem não invasivo de maior acurácia, tanto na detecção, como na caracterização de lesões focais hepáticas em pacientes cirróticos e não cirróticos. Isto se deve, em parte, ao melhor contraste de partes moles intrínseco a esta modalidade, a novas tecnologias, como as imagens pesadas em difusão e, sobretudo, ao estudo dinâmico do fígado após a administração de meios de contraste baseados em gadolínio1.

No contexto de RM do fígado, os meios de contraste podem ser categorizados em não específicos ou hepato-específicos2. Os meios não específicos compõem a maioria dos contrastes rotineiramente utilizados em RM, e se distribuem aos espaços extracelulares intra e extravascular, independente do tecido de interesse. Seu padrão de impregnação obedece à distribuição dos vasos e capilares sanguíneos, e é sujeito ao conhecimento das condições de injeção (volume, concentração, velocidade de injeção) e de hemodinâmica do paciente para a adequada interpretação dos achados. No fígado, já se encontra absolutamente estabelecida a aquisição dinâmica das imagens após a administração de contrastes não específicos à base de gadolínio, nas fases arterial, venosa (ou portal) e tardia (ou equilíbrio). Assim, por exemplo, o padrão de impregnação típico do carcinoma hepatocelular (CHC) seria o de realce precoce e irregular "em mosaico" na fase arterial, com lavagem (washout) subsequente nas fases venosa e tardia, podendo também haver formação de pseudocápsula.

Já os meios de contraste hepato-específicos são aqueles captados especificamente por células hepáticas, sejam elas os hepatócitos ou células de Kupffer. Os meios de contraste hepatócito-específicos são compostos à base de gadolínio com propriedades lipossolúveis, enquanto os específicos para células de Kupffer são geralmente substâncias baseadas em ferro superparamagnético. O ácido gadoxético é o primeiro meio de contraste hepato-específico recentemente aprovado para uso clínico no Brasil.

O presente artigo teve o objetivo de relatar os primeiros exames com esta substância em ambiente privado no Brasil, e orientar quanto às principais aplicações e indicações clínicas.

MECANISMO DE AÇÃO E ASPECTOS TÉCNICOS

O ácido gadoxético é um meio de contraste baseado em gadolínio, que possui excreção estimada em 50% por via renal e 50% por via biliar em pacientes hígidos3. Consequentemente, uma única injeção em bolus do ácido gadoxético permite a realização de estudos dinâmicos trifásicos rotineiros do fígado em uma primeira etapa, seguidos da avaliação hepatobiliar após um intervalo de cerca de 10-20 minutos. Outro meio de contraste de característica semelhante, o gadobenato de dimeglumina também possibilita esta mesma abordagem, porém ainda não se encontra aprovado para uso no Brasil, e possui apenas 4% de excreção biliar3, o que demanda um intervalo de espera maior para esta fase.

Devido a suas características lipossolúveis, o ácido gadoxético entra nos hepatócitos através dos transportadores de membrana celular do tipo OATP1B1 e OATP1B3, e sai através da proteína canalicular ATP-dependente relacionada à resistência multidrogas (MRP2)4. Há também as proteínas MRP3 e MRP4, que permitem o fluxo do meio de contraste de volta aos sinusoides hepáticos. O conhecimento destas propriedades bioquímicas tem gerado diversos estudos baseados em genética e expressão de proteínas, permitindo um melhor entendimento do comportamento in vivo deste meio de contraste frente às diferentes lesões hepáticas.

O exame de RM deve ser solicitado como "ressonância magnética do fígado com contraste hepato-específico" ou "hepatobiliar", para diferenciar dos estudos de RM de abdome superior de rotina. Este exame dura cerca de 25-30 minutos, e inclui as séries rotineiras pré-contraste, o estudo dinâmico após a injeção de ácido gadoxético, e a fase hepatobiliar, sendo todos estes avaliados em conjunto. Não é tecnicamente admissível a realização do exame em aparelhos de RM de campo aberto, de baixo campo (<1,5T), ou tampouco em aparelhos incapazes de adquirir imagens tridimensionais de alta resolução ponderadas em T1 com supressão de gordura.

O ácido gadoxético tem demonstrado perfil de tolerabilidade razoável, não tendo sido relatado nenhum caso de fibrose sistêmica nefrogênica relacionada ao seu uso5. No entanto, da mesma forma que nos demais contraste baseados em gadolínio, recomenda-se evitar a utilização em pacientes com clearance de creatinina inferior a 30 mL/min. Além disso, é descrito que a fase hepatobiliar pode não trazer informações relevantes em pacientes com níveis de bilirrubinas totais superiores a 2-3mg/dL.

Por que usar meios de contraste hepato-específicos em RM?

Uma vez que o ácido gadoxético pode ser especificamente captado pelos hepatócitos e excretado na bile, este contraste é um marcador de tecido hepático normofuncionante. Assim, de maneira algo simplificada, onde não houver captação de ácido gadoxético na fase hepatobiliar, significa também que não há hepatócitos viáveis (por exemplo, CHC indiferenciado, metástases, hemangioma), ou não há canalículos biliares (por exemplo, adenoma hepatocelular). De maneira análoga, lesões que captem o ácido gadoxético na fase hepatobiliar serão aquelas onde persiste algum grau de arquitetura normal de parênquima hepatobiliar (por exemplo, hiperplasia nodular focal, nódulos regenerativos/displásicos, pseudolesões).

Do ponto de vista clínico, as três indicações clínicas mais comuns para exames com este tipo de contraste são: diagnóstico e estadiamento de CHC em pacientes cirróticos; diagnóstico e planejamento cirúrgico de metástases hepáticas; e diferenciação entre hiperplasia nodular focal (HNF) e adenoma.

EXPERIÊNCIA CLÍNICA E EXEMPLOS PRÁTICOS

Temos executado exames de RM com ácido gadoxético desde outubro de 2012, constituindo a primeira compra do produto registrada no Brasil. Desde então, foram realizados 15 exames, com os seguintes diagnósticos: HNF (n=3), CHC (n=4), metástases hepáticas (n=4), adenoma hepatocelular (n=1), adenomatose hepática (n=1), colangiocarcinoma (n=1) e alterações perfusionais transitórias (n=1).

De acordo com nossas observações, a fase hepatobiliar possibilitada pelo ácido gadoxético trouxe vantagens diagnósticas, na medida em que acrescentou confiabilidade objetiva na diferenciação entre adenoma hepatocelular e HNF (Figura 1). Conforme observado na figura, ambas as lesões em questão são hipervasculares na fase arterial do estudo dinâmico, e tornam-se isointensas ao fígado nas fases subsequentes. Quando não há cicatriz clássica na hiperplasia nodular focal, a diferenciação entre as duas entidades torna-se difícil. Com o uso de ácido gadoxético, a hiperplasia nodular focal apresenta realce igual ou maior do que o do parênquima hepático na fase hepatobiliar, enquanto o adenoma hepatocelular não capta o contraste significativamente, ou exibe apenas halo captante periférico5.


Na avaliação de metástases hepáticas (Figura 2), o dado mais interessante é a capacidade de se detectar mais lesões à fase hepatobiliar4, e com dimensões tão pequenas quanto 0,2cm, sobretudo quando se empregam imagens tridimensionais de alta resolução em aparelhos de gerações mais recentes. Em um dos casos avaliados, o paciente se apresentou com exame de rotina prévio sugerindo possibilidade cirúrgica, e a RM com contraste hepato-específico identificou outras três lesões adicionais, que modificaram o plano terapêutico.


No contexto do paciente cirrótico, o ácido gadoxético consegue diferenciar com boa acurácia nódulos displásicos de nódulos de CHC moderadamente ou pouco diferenciados3. Estes, por não contarem mais com hepatócitos típicos e arquitetura hepatobiliar viável, não apresentam realce demonstrável pelo ácido gadoxético à fase hepatobiliar (Figura 3). Entretanto, é sabido que nódulos de CHC bem diferenciado podem manter certo grau de realce na fase hepatobiliar.


CONCLUSÃO

Os meios de contraste hepatobiliar acrescentam uma nova perspectiva no manejo de lesões focais hepáticas, havendo também diversos estudos sobre a avaliação de hepatopatias difusas. No nosso meio, apenas o ácido gadoxético se encontra disponível comercialmente por enquanto, e tem se demonstrado uma valiosa adição na solução de questões diagnósticas pontuais destas lesões.

Recebido em 15/01/2013

Aceito para publicação em 01/03/2013

Conflito de interesse: nenhum

Fonte de financiamento: nenhuma

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  • 2. Seale MK, Catalano OA, Saini S, Hahn PF, Sahani DV. Hepatobiliary-specific MR contrast agents: role in imaging the liver and biliary tree. Radiographics. 2009;29(6):1725-48.
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  • Endereço para correspondência:
    Leonardo Kayat Bittencourt
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      15 Jan 2013
    • Aceito
      01 Mar 2013
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