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PROTOCOLOS PARA DIAGNÓSTICO E MANEJO DA HIPERTENSÃO INTRA-ABDOMINAL EM CENTROS DE TRATAMENTO INTENSIVO

RESUMO

Objetivo:

A hipertensão intra-abdominal (HIA) é uma condição mórbida comum em pacientes críticos. A síndrome compartimental abdominal (SCA) é condição grave de tratamento cirúrgico que ocorre como evolução da HIA não diagnosticada e não tratada. O objetivo deste trabalho é disseminar evidências e propor protocolos de rastreio e condutas em casos de HIA e SCA para centros de terapia intensiva (CTI)

Métodos:

Foram realizadas buscas sobre o tema nas principais bases de dados e utilizadas as evidências e protocolos recomendadas pela World Society of the Abdominal Compartment Syndrome.

Resultados:

Apresentamos protocolos sobre investigação, aferição, manejo e controle da HIA, adequadas à realidade brasileira.

Conclusão:

Neste trabalho, apresentamos em detalhes os principais fatos e evidências sobre o manejo em casos de suspeita de HIA e como aferir a pressão intra-abdominal (PIA), de forma simples e reproduzível para qualquer CTI do nosso país.

Palavras chave:
Hipertensão Intra-Abdominal; Fasciotomia; Protocolo de Ensaio Clínico; Unidades de Terapia Intensiva.

ABSTRACT

Objectives:

Intra-abdominal hypertension (IAH) is a common morbid condition in critically ill patients. Abdominal compartment syndrome (ACS) is a severe condition that requires surgical treatment, and it is an evolution of undiagnosed and untreated IAH. This study aims to highlight the importance of clinical evidence, and proposes screening as well as medical protocols for IAH and ACS, in intensive care units.

Methods:

Database searches were performed and the recommended World Society of the Abdominal Compartment Syndrome standards and protocols were used.

Results:

Protocols for IAH and ACS investigation, measurements, management and control, tailored for the Brazilian ICU reality, were indicated.

Conclusion:

We extensively detailed IAH medical evidence, using the most up-to-date literature about IAH care and how to measure intra-abdominal pressure (IAP), which can be easily reproduced in any intensive care unit.

HEADINGS:
Intra-Abdominal Hypertension; Fasciotomy; Clinical Trial Protocol; Intensive Care Units

INTRODUÇÃO

A síndrome compartimental abdominal (SCA) é uma condição mórbida que afeta pacientes críticos. Sua etiologia é variada e complexa, e encontra na hipertensão intra-abdominal (HIA) a razão fisiopatológica crucial que explica as disfunções orgânicas presentes nos pacientes acometidos11 Balogh ZJ, Leppäniemi A. The neglected (abdominal) compartment: what is new at the beginning of the 21st century? World J Surg. 2009;33(6):1109.. Sua definição consiste na elevação da pressão abdominal acima de 20 milímetros de mercúrio (mmHg), associada a nova disfunção orgânica.

Apesar de elevada letalidade demonstrada por diversos trabalhos científicos de impacto, esta entidade clinica é pouco valorizada entre os profissionais que deveriam trata-la, demonstrado por estudos qualitativos de análise do discurso com profissionais médicos em grandes hospitais22 Zhang HY, Liu D, Tang H, Sun SJ, Ai SM, Yang WQ, et al. Prevalence and diagnosis rate of intra-abdominal hypertension in critically ill adult patients: a single-center cross-sectional study. Chin J Traumatol. 2015;18(6):352-6.,33 Strang SG, Van Lieshout EM, Verhoeven RA, Van Waes OJ, Verhofstad MH; IAH-ACS Study Group. Recognition and management of intra-abdominal hypertension and abdominal compartment syndrome; a survey among Dutch surgeons. Eur J Trauma Emerg Surg. 2017;43(1):85-98..

Síndrome compartimental abdominal, apesar de ser conhecida pela classe médica, é negligenciada ou, no mínimo, pouco valorizada. Grandes estudos transversais em Centro de Terapia Intensiva (CTI) gerais mostram prevalência da hipertensão abdominal em unidades fechadas na ordem de 50% dos pacientes internados22 Zhang HY, Liu D, Tang H, Sun SJ, Ai SM, Yang WQ, et al. Prevalence and diagnosis rate of intra-abdominal hypertension in critically ill adult patients: a single-center cross-sectional study. Chin J Traumatol. 2015;18(6):352-6.,44 Zhang HY, Liu D, Tang H, Sun SJ, Ai SM, Yang WQ, et al. Study of intra-abdominal hypertension prevalence and awareness level among experienced ICU medical staff. Mil Med Res. 2016;3(1):27.,55 Kuteesa J, Kituuka O, Namuguzi D, Ndikuno C, Kirunda S, Mukunya D, et al. Intra-abdominal hypertension; prevalence, incidence and outcomes in a low resource setting; a prospective observational study. World J Emerg Surg. 2015;10:57.. Além disso, os pacientes com maior risco de desenvolver a síndrome compartimental são justamente aqueles com maior dificuldade diagnóstica. O exame físico tem a acurácia de apenas 50% para apontar um paciente com elevação da pressão do compartimento abdominal66 Muturi A, Ndaguatha P, Ojuka D, Kibet A. Prevalence and predictors of intra-abdominal hypertension and compartment syndrome in surgical patients in critical care units at Kenyatta National Hospital. BMC Emerg Med. 2017;17(1):10..

As últimas evidências disponíveis mostram que pressão abdominal elevada e possível SCA estão associadas à níveis elevados de morbimortalidade, e a única forma segura de preveni-la é com a mensuração da pressão intra-abdominal e instalação de protocolos de tratamento da HIA e da SCA55 Kuteesa J, Kituuka O, Namuguzi D, Ndikuno C, Kirunda S, Mukunya D, et al. Intra-abdominal hypertension; prevalence, incidence and outcomes in a low resource setting; a prospective observational study. World J Emerg Surg. 2015;10:57..

METODOLOGIA

O presente trabalho realiza breve revisão do assunto e propõe protocolos de triagem, diagnóstico e manejo da HIA e da SCA adequados à realidade brasileira.

Foi realizada uma busca no banco de dados Pubmed e Google Scholar dos termos "Intra-abdominal hypertension", "Open abdomen" e "Abdominal compartment syndrome". Os artigos foram selecionados de acordo com sua relevância e número de citações, priorizando os artigos referendados pela WSACS (World Society of the Abdominal Compartimental Syndrome), sociedade composta pelos maiores especialistas do mundo desta síndrome. Fundamentado nos consensos mais atuais desta sociedade, foram propostos protocolos práticos para diagnóstico e manejo da SCA adequados a realidade das unidades intensivas de nosso país.

RESULTADOS

A síndrome compartimental abdominal (SCA) é definida como o aumento da pressão dentro do abdômen, ocasionado à disfunção ou falência de algum órgão77 Murphy PB, Parry NG, Sela N, Leslie K, Vogt K, Ball I. Intra-abdominal hypertension is more common than previously thought: a prospective study in a mixed medical-surgical ICU. Crit Care Med. 2018;46(6):958-64..

Em pacientes críticos, a pressão normalmente situa-se na faixa entre 5-7 mmHg. Elevações acima de 12 mmHg já são considerados como hipertensão intra-abdominal (HIA), sendo ela classificada da seguinte forma (Tabela 1):

Tabela 1
Classificação da hipertensão intra-abdominal.

A SCA é definida quando ocorre elevação pressórica na cavidade acima de 20 mmHg associada a nova disfunção orgânica. Por exemplo, o paciente não possuía insuficiência renal, e após a elevação da pressão desenvolve oligúria e piora das escórias nitrogenadas; ou desenvolve isquemia intestinal, com piora de parâmetros gasométricos e exteriorização de sangramento digestivo ou mesmo insuficiência hepática com alteração das enzimas hepáticas e discrasia88 Kirkpatrick AW, Roberts DJ, De Waele J, Jaeschke R, Malbrain ML, De Keulenaer B, Duchesne J, Bjorck M, Leppaniemi A, Ejike JC, Sugrue M, Cheatham M, Ivatury R, Ball CG, Reintam Blaser A, Regli A, Balogh ZJ, D'Amours S, Debergh D, Kaplan M, Kimball E, Olvera C; Pediatric Guidelines Sub-Committee for the World Society of the Abdominal Compartment Syndrome. Intra-abdominal hypertension and the abdominal compartment syndrome: updated consensus definitions and clinical practice guidelines from the World Society of the Abdominal Compartment Syndrome. Intensive Care Med. 2013;39(7):1190-206..

Fica claro, portanto, o papel central da aferição da pressão intra-abdominal em pacientes críticos, bem como a vigilância cuidadosa e proatividade na prevenção do desenvolvimento da SCA em pacientes diagnosticados com HIA.

QUANDO AFERIR A PRESSÃO INTRA-ABDOMINAL?

No último consenso da WSACS em 2013, foi recomendado mensurar a pressão intra-abdominal em todo paciente crítico ou com injúria aguda grave que têm critérios de risco para desenvolver a SCA, bem como adotar protocolos institucionais para mensurar a PIA88 Kirkpatrick AW, Roberts DJ, De Waele J, Jaeschke R, Malbrain ML, De Keulenaer B, Duchesne J, Bjorck M, Leppaniemi A, Ejike JC, Sugrue M, Cheatham M, Ivatury R, Ball CG, Reintam Blaser A, Regli A, Balogh ZJ, D'Amours S, Debergh D, Kaplan M, Kimball E, Olvera C; Pediatric Guidelines Sub-Committee for the World Society of the Abdominal Compartment Syndrome. Intra-abdominal hypertension and the abdominal compartment syndrome: updated consensus definitions and clinical practice guidelines from the World Society of the Abdominal Compartment Syndrome. Intensive Care Med. 2013;39(7):1190-206..

RECOMENDAÇÕES DO PROTOCOLO DE MENSURAÇÃO DE PRESSÃO INTRA-ABDOMINAL

Como os critérios de risco para desenvolver SCA são extensos, perpassando desde grandes cirurgias, sepse e politrauma, propomos a mensuração da PIA no momento da admissão na unidade intensiva e 6 horas após, para todo paciente que ingressa ao CTI (Figura 1). As duas medidas são realizadas para observar se existe alguma tendência na elevação da pressão abdominal. Caso seja identificado valor elevado, o paciente deverá receber a monitorização contínua da pressão abdominal1212 Horoz OO, Yildizdas D, Sari Y, Unal I, Ekinci F, Petmezci E. The relationship of abdominal perfusion pressure with mortality in critically ill pediatric patients. J Pediatr Surg. 2019;54(9):1731-5.,1313 Jaipuria J, Bhandari V, Chawla AS, Singh M. Intra-abdominal pressure: time ripe to revise management guidelines of acute pancreatitis? World J Gastrointest Pathophysiol. 2016;7(1):186-98..

Figura 1
Fluxograma para vigilância da hipertensão intra-abdominal. Enviado por: bruno souza caldas

AFERINDO A PRESSÃO INTRA-ABDOMINAL

Diversos métodos foram criados para aferir a PIA da forma mais precisa possível. Medidas intermitentes diretas, através de punções realizadas durante a diálise ou laparoscopia; e indiretas, através de cateteres inseridos pela bexiga, estomago, útero, ou reto e medidas contínuas através de cateteres posicionados na bexiga, no estômago ou peritoneal são os métodos mais utilizados99 Malbrain ML. Different techniques to measure intra-abdominal pressure (IAP): time for a critical re-appraisal. Intensive Care Med. 2004;30(3):357-71..

Devido ao baixo custo, facilidade de manipulação e efetividade, o método via bexiga urinária foi adotado como o padrão pelo consenso da WSACS de 20061010 Malbrain ML, Cheatham ML, Kirkpatrick A, Sugrue M, Parr M, De Waele J, et al. Results from the International Conference of Experts on Intra-abdominal Hypertension and Abdominal Compartment Syndrome. I. Definitions. Intensive Care Med. 2006;32(11):1722-32., reiterado em 2013.

A seguir será descrito o método de medida intermitente, utilizando a sonda vesical de 2 vias. O material necessário consiste em sonda vesical duas vias; sistema de coletor de urina fechado com portal lateral para coleta da urina na conexão; 20 ml de soro fisiológico; seringa de 20 ml; equipo de soro comum; agulha 40x12 (rosa) e régua de aferição de punção venosa central (PVC).

Posicione o paciente em posição supina à zero grau. Após a introdução da sonda vesical sob técnica asséptica, certifique-se que a bexiga foi totalmente esvaziada, clampleie o coletor imediatamente após a conexão com a sonda vesical.Puncione a saída lateral com a agulha (figura 2), injete 20 ml de soro fisiológico e espere entre 30 segundos a 1 minuto para equalizar o fluido no sistema fechado. Conecte a agulha ao equipo de soro, que servirá de coluna de água. Verifique a ausências de contrações abdominais, e inicie a sua medida ao término da expiração.

Figura 2
Inserção da sonda vesical 2 vias e sistema coletor estéril utilizado com punção no portal de coleta. Enviado por: bruno souza caldas

Posicione o suporte de soro ao lado do paciente com uma régua de PVC, com o zero marcado no nível da linha axilar médica do paciente. É possível usar uma régua de madeira com nível para certificar que o zero marcado na régua de PVC coincide com a linha axilar média. Quando a coluna de agua se estabilizar, marque o ponto na régua de PVC, utilizando como referência o seu zero. A medida saíra em cmH20 e será necessário converte-la para mmHg. A conversão será feita multiplicando o resultado obtido por 0,74 ou dividir por 1,361111 Oliveira MAB, Alves FT, Silva MVP, Croti UA, Godoy MF, Braile DM. Conceitos de física básica que todo cirurgião cardiovascular deve saber: parte I - mecânica dos fluídos. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2010;25(1):1-10..

O método descrito pode ser usado em todas as unidades intensivas do país devido à simplicidade e o baixo custo, podendo servir de screening para decidir qual paciente deve receber monitorização contínua da PIA.

Devido a necessidade da perfuração do portal de coleta e da manipulação instilando soro para dentro da bexiga (parte fundamental da aferição), cada vez que ele é repetido é necessário a troca do sistema coletor, tornando o método pouco prático para monitorização por longos períodos.

O ideal para monitorização contínua do paciente é a passagem da sonda vesical 3 vias, sendo que uma das vias será usada exclusivamente para aferição da PIA, que pode ser conectada a sensores para monitoramento da pressão arterial média (PAM), ou mesmo monitoramento direto da PIA, disponíveis no mercado brasileiro.

REDUZINDO O RISCO DA SÌNDROME COMPARTIMENTAL ABDOMINAL

Uma vez identificada a elevação da pressão na cavidade abdominal são recomendadas medidas clínicas que impeçam a instalação da síndrome compartimental abdominal. A seguir listamos a principais medidas a serem empregadas.

Corrigir o balanço hídrico positivo

  • Um cuidado especial com pacientes críticos, ao realizar a ressuscitação volêmica nas fases de choque, é ter a preocupação de compensar o excesso de líquidos que foram utilizados (o uso de diuréticos também pode ser considerado);

  • O uso de coloides e de fluidos hipertônicos deve ser considerado;

  • Considerar a hemodiálise e a ultrafiltração com o propósito de manejar o excesso de líquidos.

Melhorar a complacência abdominal

  • Otimizar a sedação e a analgesia;

  • Considerar bloqueio neuromuscular;

  • Evitar elevação da cabeceira acima de 30 graus

  • Otimizar a ventilação mecânica, considerar recrutamento alveolar.

Estratégias na ventilação mecânica para manejar melhor a hipertensão abdominal

  • Usar a pressão de platô transmural de via aérea (Pplato transmural = Pplato - 0,5xPIA);

  • Considerar uso de índices pré-carga;

  • Se for utilizado pressão de oclusão de artéria pulmonar ou pressão venosa central, considerar o uso da pressão transmural (PAOPtm=PAOP-0,5xPIA, PVCtm=PVC-0,5xPIA).

Pacientes que estão com excesso de fluídos abdominais, considerar:

  • Paracentese de alívio;

  • Drenagem percutânea por radiologia intervencionista

Pacientes que estão com distensão de vísceras ocas, considerar:

  • Passagem de sonda nasogástrica em sifonagem;

  • Descompressão retal;

  • Uso de agentes pró-cinéticos e medicamentos para acelerar esvaziamento gástrico;

  • Em último caso interromper a dieta enteral.

Os protocolos sugeridos neste artigo foram fundamentados no ultimo consenso da WSACS de 2013, e são instalados assim que seja identificada a elevação na pressão abdominal acima de 12, hipertensão grau I (Figura 3). Algumas medidas são gerais e recomendáveis em todos os pacientes com elevação da pressão abdominal88 Kirkpatrick AW, Roberts DJ, De Waele J, Jaeschke R, Malbrain ML, De Keulenaer B, Duchesne J, Bjorck M, Leppaniemi A, Ejike JC, Sugrue M, Cheatham M, Ivatury R, Ball CG, Reintam Blaser A, Regli A, Balogh ZJ, D'Amours S, Debergh D, Kaplan M, Kimball E, Olvera C; Pediatric Guidelines Sub-Committee for the World Society of the Abdominal Compartment Syndrome. Intra-abdominal hypertension and the abdominal compartment syndrome: updated consensus definitions and clinical practice guidelines from the World Society of the Abdominal Compartment Syndrome. Intensive Care Med. 2013;39(7):1190-206..

Figura 3
Protocolo para manejo da HIA e SCA Enviado por: bruno souza caldas

ABORDAGEM CIRÚRGICA NA SCA

Algumas considerações devem ser feitas ao se pensar na abordagem cirúrgica da síndrome compartimental abdominal; a primeira é defini-la como primária ou secundária33 Strang SG, Van Lieshout EM, Verhoeven RA, Van Waes OJ, Verhofstad MH; IAH-ACS Study Group. Recognition and management of intra-abdominal hypertension and abdominal compartment syndrome; a survey among Dutch surgeons. Eur J Trauma Emerg Surg. 2017;43(1):85-98..

SCA PRIMÁRIA

Neste caso, a etiologia da SCA repousa na própria cavidade abdomino-pélvica, frequentemente sendo necessária intervenção específica em órgão alvo. A título de ilustração podemos citar as seguintes complicações: obstrução intestinal, um abcesso intracavitário associado à doença supurativa de apêndice e evacuação de hematoma com hemostasia da cavidade. A equipe de cirurgia deverá realizar cirurgia abdominal para correção do dano. O abdômen deverá ser prioritariamente fechado, com o cuidado ao término da cirurgia, antes de conduzir o paciente ao CTI, checar se houve redução eficaz da PIA; caso negativo, o abdômen deverá ser mantido aberto com curativo apropriado.

Vale ressaltar que casos pontuais podem ser resolvidos com drenagem percutânea por radiologia intervencionista, devendo ser lembrada a possibilidade em caso de coleções líquidas abdominais visualizadas por tomografia computadorizada.

TERAPIA COM PRESSÃO NEGATIVA

O curativo à vácuo é uma excelente estratégia para sanear um abdômen que precise permanecer aberto, seja pelo grau de contaminação (o que alguns casos requerem diversas lavagens), seja pela impossibilidade de fechamento primário pelo grau de distensão de alças ou seja pela necessidade da descompressão abdominal1414 Dambrauskas Z, Parseliunas A, Maleckas A, Gulbinas A, Barauskas G, Pundzius J. Interventional and surgical management of abdominal compartment syndrome in severe acute pancreatitis. Medicina (Kaunas). 2010;46(4):249-55.. O curativo a vácuo mantem a cavidade estéril por ser um sistema fechado e aspirativo, além de prevenir a lateralização excessiva da aponeurose (o que acontece toda vez que se mantem um abdômen aberto). O fechamento da cavidade frequentemente é realizado com técnicas de relaxamento de componentes e com uso de telas. O uso de telas deve ser tardio no fechamento da parede, a fim de evitar contaminação da prótese.

SCA SECUNDÁRIA

Neste caso, não existe patologia abdominal que necessite de correção cirúrgica específica, porém a pressão abdominal elevada associada à disfunção orgânica exige a descompressão cirúrgica imediata. Podemos citar como exemplo casos de pancreatite aguda grave, grandes queimados ou pacientes politransfundidos após hemorragias vultuosas. Neste contexto, devem ser consideradas técnicas menos invasivas para evitar que o abdômen fique completamente aberto; o que elevaria o risco de fístulas enteroatmosféricas, contaminação da cavidade abdominal, bem como o prolongamento do tempo de internação.

FASCIOTOMIA ANTERIOR DE RETO ABDOMINAL

Esta é uma técnica minimamente invasiva que pode ser realizada por via convencional ou laparoscópica, podendo ser efetiva na redução da pressão abdominal.

Realiza-se uma Incisão transversa de 2-2,5 cm em região subcostal bilateral e 30 cm abaixo de margem costal bilateral com criação de túnel subcutâneo com fasciotomia do folheto anterior do reto abdominal. Esta técnica pode gerar um afastamento de 8 a 10 cm de bordas fasciais, com efetiva redução da pressão do compartimento e reduções na ordem de 10 mmHg na pressão abdominal1414 Dambrauskas Z, Parseliunas A, Maleckas A, Gulbinas A, Barauskas G, Pundzius J. Interventional and surgical management of abdominal compartment syndrome in severe acute pancreatitis. Medicina (Kaunas). 2010;46(4):249-55..

A crítica a técnica é a provável hérnia de parede ventral que o paciente irá desenvolver, porém em um contexto de risco iminente de vida, a possível hérnia incisional se torna um problema menor a ser enfrentado.

CONCLUSÃO

O manejo da hipertensão abdominal pode evitar o desenvolvimento da síndrome compartimental abdominal e a instalação de protocolos em unidades intensivas é fundamental para melhora de índices de morbimortalidade. O cirurgião geral precisa estar afeito a esse tema e conhecer as opções técnicas disponíveis a fim de não se omitir por desconhecimento de tratar a síndrome compartimental abdominal, bem como evitar as morbidades associadas a um abdômen aberto.

  • Fonte de financiamento: Não

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    9 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Fev 2020

Histórico

  • Recebido
    14 Nov 2019
  • Aceito
    27 Dez 2019
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