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O tratamento da insuficiência istmocervical com protrusão de membranas

Management of cervical incompetence with prolapsed membranes

Resumos

Nas gestantes com insuficiência istmocervical (IIC) nas quais já houve cervicodilatação e prolabamento das membranas existe dificuldade técnica para realizar-se a circlagem para conseguir o prolongamento da gravidez até que haja maturidade fetal suficiente para garantir a sobrevida do concepto. Descrevemos um caso de IIC com prolabamento de membranas na 21ª semana, em que se realizou a diminuição da pressão intra-uterina por amniocentese com drenagem de líquido amniótico até a reintrodução das membranas para o interior da cavidade uterina, o que permitiu a tração dos lábios do colo e a realização da circlagem com menor trauma mecânico. Esta medida proporcionou a evolução da gravidez por 12 semanas e a sobrevida do concepto.

Insuficiência istmocervical; Circlagem de urgência; Amniocentese


In pregnant women with cervical incompetence in whom there is also dilatation of the cervix and prolapsed membranes there are technical difficulties in performing cerclage in order to prolongate pregnancy until sufficient fetal maturity assures survival of the newborn. We describe a case of cervical incompetence with prolapsed membranes at 21 weeks of gestation, in which we caused the decrease of intrauterine pressure with drainage of amniotic fluid by amniocentesis, until reintroduction of membranes into the uterine cavity was possible. This procedure allowed traction of cervical lips and cerclage with less mechanical trauma, warranting the evolution of pregnancy for 12 weeks and fetal survival

Cervical incompetence; Emergency cerclage; Amniocentesis


Relato de Caso

O Tratamento da Insuficiência Istmocervical com Protrusão de Membranas

Management of Cervical Incompetence with Prolapsed Membranes

Rosiane Mattar, Elisabeth D'Elia Matheus, Eliane T. R. Mendes, Tadeu Stefano, Sérgio Kobayashi, Renato M. Santana, Luiz Camano

RESUMO

Nas gestantes com insuficiência istmocervical (IIC) nas quais já houve cervicodilatação e prolabamento das membranas existe dificuldade técnica para realizar-se a circlagem para conseguir o prolongamento da gravidez até que haja maturidade fetal suficiente para garantir a sobrevida do concepto. Descrevemos um caso de IIC com prolabamento de membranas na 21ª semana, em que se realizou a diminuição da pressão intra-uterina por amniocentese com drenagem de líquido amniótico até a reintrodução das membranas para o interior da cavidade uterina, o que permitiu a tração dos lábios do colo e a realização da circlagem com menor trauma mecânico. Esta medida proporcionou a evolução da gravidez por 12 semanas e a sobrevida do concepto.

PALAVRAS-CHAVE: Insuficiência istmocervical. Circlagem de urgência. Amniocentese.

Introdução

A insuficiência istmocervical (IIC) é patologia em que há deficiência funcional do esfíncter uterino, impossibilitando-o de manter-se convenientemente fechado até o final da gravidez, determinando perdas gestacionais recorrentes na forma de abortos tardios ou partos prematuros. Pode ser de origem congênita, eventualmente estando associada a outras malformações uterinas como útero bicorno ou septado, ou ainda ser determinada por trauma de natureza ginecológica ou obstétrica, principalmente a dilatação forçada do colo para a realização de abortamentos.

Nas pacientes portadoras de IIC, o aumento da pressão intra-uterina ocasionado pelo desenvolvimento da gravidez pressiona a região do esfíncter defeituoso, promovendo cervico-dilatação precoce e, por meio dela, a protrusão das membranas, sem sintomas específicos que possam ser percebidos pela gestante. O diagnóstico fica dependente da oportunidade ao acaso da realização do exame especular, toque ou ultra-som.

Quando já se tem o diagnóstico pré-gestacional de IIC, o tratamento de eleição é a realização da circlagem (sutura em bolsa) durante a gravidez e antes que a patologia ocasione modificações cervicais como encurtamento e dilatação, condições que determinam dificuldades técnicas à cirurgia e pior prognóstico6,9. Entretanto, algumas vezes, o diagnóstico de IIC só é estabelecido quando já existe cervicodilatação e protrusão das membranas, dificultando as medidas terapêuticas.

O relato deste caso visa mostrar um novo procedimento em caso de insuficiência istmocervical com prolabamento de membranas para a cavidade vaginal, mediante amniocentese com retirada de líquido amniótico.

Relato de Caso

Paciente de 17 anos, primigesta, veio ao pré-natal com 21 semanas e sem queixas. Ao exame especular foi observado prolabamento das membranas até o terço superior da vagina e ao toque apurou-se colo curto e dilatado para 3 cm.

Ao US foi confirmada idade gestacional, a normalidade morfológica do concepto, a dilatação do canal cervical e a presença de membranas e líquido amniótico na vagina com a imagem de dilatação "em dedo de luva" ou "bico de mamadeira" (Figura 1).


Após a raquianestesia e posição de Trendelenburg acentuado, percebeu-se que não ocorreu a redução das membranas. Para evitar o trauma mecânico sobre as membranas, optou-se pela técnica de diminuição da pressão intra-uterina.

Sob visão ultra-sonográfica, realizou-se punção por via abdominal com retirada de 80 ml. de líquido amniótico.

Com a diminuição da pressão dentro da cavidade uterina produzida pela diminuição do volume de líquido amniótico e posição de Trendelenburg houve redução das membranas para o interior da cavidade uterina (Figura 2), o que permitiu o pinçamento e tração dos lábios do colo uterino e a realização da circlagem.


A circlagem foi realizada segundo a técnica de McDonald7: sutura em bolsa, transmucosa a 1 cm do orifício externo com fio de Supralene-2, com a oclusão do canal cervical, o que permitiu proteção às membranas (Figura 3).


Ao receber alta hospitalar, após 5 dias de observação, a paciente foi orientada a permanecer em repouso e sem uso de antibióticos e uterolíticos.

A gravidez evoluiu até 32 3/7 semanas, quando a paciente retornou ao Serviço em trabalho de parto. Retirado o fio de circlagem, observou-se dilatação cervical de 5 cm. A rotura das membranas foi espontânea neste momento com trabalho de parto de evolução rápida e parto normal com recém-nascido pesando 2.015 g, AIG (peso adequado à idade gestacional), Apgar 9/9 e que recebeu alta em boas condições.

Discussão

O tratamento da IIC preconizado pela maioria dos autores é a circlagem por via vaginal. Ela deve ser realizada preferencialmente ao redor da 14ª semana da gravidez, ocasião em que ainda não aconteceram modificações cervicais e já se ultrapassou o período em que ocorrem os abortos precoces, de outras causas4,5,9. Se a paciente já chega ao Serviço com dilatação do colo uterino, havendo condições, deve-se realizar a circlagem de emergência, procedimento que garante melhor prognóstico1,2.

Entretanto, freqüentemente o prolabamento das membranas dificulta ou impossibilita a realização da circlagem, determinando risco elevado de rotura das membranas pelo manuseio traumático das mesmas ou pela possibilidade de sofrerem perfuração na passagem do ponto, além de mecanicamente impedirem a passagem da sutura em bolsa, uma vez, que ao ocuparem toda a vagina, escondem as bordas do colo uterino.

Foram descritas várias manobras para a reintrodução das membranas ao interior da cavidade uterina: utilização de chumaço de gaze embebido em soro fisiológico para empurrar as membranas, uso de sonda com balão que ao ser inflado exerceria pressão sobre as membranas, etc., medidas estas em alguns casos de extrema valia para o prosseguimento da gestação. Esse manuseio, entretanto, por si só pode determinar agravo às membranas, que são estruturas frágeis, aumentando o risco de rotura e interrupção da gravidez.

Em 1992, Evans et al.3 relataram um caso de IIC com a cérvix totalmente dilatada em que foi realizada a amniocentese intra-operatória para descompressão do saco amniótico e o uso de indometacina como uterolítico, com o que conseguiram prolongar a gestação por 12 dias. Em 1994, Ochi et al.8 sugeriram a amniocentese e a superdistensão da bexiga como procedimento a ser realizado em casos de membranas prolabadas, para possibilitar a circlagem de emergência, com bons resultados na sobrevida dos conceptos.

Em nossa paciente a retirada de líquido amniótico na 21ª semana foi o procedimento necessário e suficiente para garantir a redução das membranas prolabadas, permitindo a realização da circlagem. Não determinou complicações, possibilitando a evolução da gravidez e a sobrevida do concepto.

Julgamos que a amniocentese com drenagem de líquido amniótico pode ser procedimento auxiliar nos difíceis casos de IIC com protrusão de membranas, permitindo a realização da circlagem sem traumas mecânicos de contacto às membranas prolabadas.

SUMMARY

In pregnant women with cervical incompetence in whom there is also dilatation of the cervix and prolapsed membranes there are technical difficulties in performing cerclage in order to prolongate pregnancy until sufficient fetal maturity assures survival of the newborn. We describe a case of cervical incompetence with prolapsed membranes at 21 weeks of gestation, in which we caused the decrease of intrauterine pressure with drainage of amniotic fluid by amniocentesis, until reintroduction of membranes into the uterine cavity was possible. This procedure allowed traction of cervical lips and cerclage with less mechanical trauma, warranting the evolution of pregnancy for 12 weeks and fetal survival.

KEY WORDS: Cervical incompetence. Emergency cerclage. Amniocentesis.

Disciplina de Obstetrícia

Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP/EPM

Correspondência: Rosiane Mattar

R. Desembargador do Vale, 81 - apto 21 - B Perdizes

05010-040 - São Paulo - SP

Fax: 2798628

e-mail: rosiane.toco@epm.br

  • 1. Aarts JM, Brons JT, Bruinse HW. Emergency cerclage: a review. Obstet Gynecol Surv 1995; 50: 459-69.
  • 2. Barau G, Boitouzet V, Bulwa S, Engelmann P. Cerclage tardif. J Gynecol Obstet Biol Reprod 1990; 19: 337-41.
  • 3. Evans DJ, Kofinas AD, King K. Intraoperative amniocentesis and indomethacin treatment in the management of an immature pregnancy with completely dilated cervix. Obstet Gynecol 1992; 79: 881-2.
  • 4. Harger JH. Comparison of success and morbidity in cervical cerclage procedures. Obstet Gynecol 1980; 56: 543-8.
  • 5. Mattar R. Contribuição ao estudo da Insuficiencia Istmocervical e seu tratamento pela circlagem, segundo técnica proposta por McDonald. (Mestrado). São Paulo: Escola Paulista de Medicina; 1986.
  • 6. Mattar R, Amed AM, Camano L. Considerações sobre a insuficiência istmocervical. Femina 1986; 14: 24-6.
  • 7. McDonald IA. Suture of the cervix for inevitable miscarriage. J Obstet Gynaecol Br Emp 1957; 64: 346-50.
  • 8. Ochi M, Ishikawa K, Itoh H, Miwa S, Fujimara Y, Kimura T, et al. Agressive management of prolapsed fetal membranes earlier than 2 weeks' gestation by emergent McDonald cerclage combined with amniocentesis and bladder overfilling. Nippon Sanka Fuj Gak Zas 1994; 46: 301-7.
  • 9. Pontes MD. Circlagem do colo uterino: comparação dos resultados maternos, fetais e perinatais consoante as condições do colo e a época da gestação. (Doutorado). São Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo; 1990.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Mar 2007
  • Data do Fascículo
    Abr 1999
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