EDITORIAL
Epidemiologia do nascimento pré-termo: tendências atuais
Epidemiology of preterm birth: current trends
Heloisa BettiolI; Marco Antonio BarbieriII; Antônio Augusto Moura da SilvaIII
IProfessora-assistente do Departamento de Puericultura e Pediatria da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - USP - Ribeirão Preto (SP), Brasil
IIProfessor Titular do Departamento de Puericultura e Pediatria da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - USP - Ribeirão Preto (SP), Brasil
IIIProfessor-associado II do Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal do Maranhão - UFMA - São Luís (MA), Brasil
Correspondência Correspondência: Heloisa Bettiol Departamento de Puericultura e Pediatria da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto Avenida Bandeirantes, 3.900 CEP 14049-900 - Ribeirão Preto (SP), Brasil Fone: (16) 3602-3316 / Fax: (16) 3602-2700 E-mail: hbettiol@fmrp.usp.br
O nascimento pré-termo - antes da 37ª semana de gestação - é o problema perinatal atual mais importante, pois está associado à morbidade e mortalidade significativas no início da vida1. Sua prevalência é elevada e está aumentando em países desenvolvidos2 e em algumas cidades brasileiras3,4, nas quais também é o principal fator que favorece a mortalidade infantil, principalmente no período perinatal5. No Brasil, com as informações provenientes do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC), não é possível estimar-se sua prevalência devido à baixa confiabilidade dos dados referentes à idade gestacional6,7. Sendo assim, são necessários estudos populacionais para se avaliar a sua prevalência e evolução ao longo do tempo.
Epidemiologia
Nos Estados Unidos a prevalência de nascimentos pré-termo aumentou de 9,5%, em 1981, para 12,7%, em 20058, mantendo-se atualmente na faixa de 12 a 13%, enquanto na Europa estes valores variam entre 5 e 9%8. Uma recente revisão de estudos de base populacional no Brasil9 avaliou o aumento do nascimento pré-termo no país por meio de pesquisa nas bases de dados Medline e Lilacs, incluindo estudos publicados em periódicos, teses e dissertações, desde 1950. Foram encontrados 71 estudos, dos quais restaram 12 que cumpriam integralmente os critérios de inclusão. A taxa de nascimento pré-termo variou de 3,4 a 15% nas regiões Sul e Sudeste, entre 1978 e 2004. Na região Nordeste, estudos realizados entre 1984 e 1998 mostraram taxas de 3,8 a 10,2%, também com tendência de aumento. Não foram encontrados estudos das regiões Norte e Centro-Oeste. Os autores concluem que há uma clara evidência de aumento das taxas de nascimento pré-termo no país, a qual não é confirmada por dados do SINASC, que mostra taxas mais baixas do que nesses estudos.
Causas
O parto pré-temo pode ser espontâneo ou medicamente induzido. Dentre os espontâneos existem dois subtipos: precedido por trabalho de parto prematuro ou devido à ruptura prematura de membranas, independente de o parto ser vaginal ou cesariano; quando medicamente induzido, o parto ocorre por indicação materna ou fetal, podendo ser iniciado com medicamentos ou ser realizada cesariana sem trabalho de parto2. O aumento recente na intervenção médica contribuiu para o aumento na prevalência do nascimento pré-termo, sendo que uma parcela dos partos pré-termo medicamente induzidos parece ser incorretamente indicada, provocando prematuridade iatrogênica4. No Brasil observa-se uma verdadeira "epidemia" de cesárea, associada a índices extremamente elevados de nascimentos pré-termo3, alguns ocorrendo sem razão médica aparente10. É desconhecido, dentre os nascimentos pré-termo, o percentual daqueles com indicação médica correta ou os iatrogênicos. Também não se conhece o quanto do aumento da prematuridade pode ser atribuído à intervenção abusiva.
A etiologia do nascimento pré-termo não é bem conhecida. Muitos fatores de risco clássicos como infecções, partos múltiplos, hipertensão induzida pela gravidez, tabagismo materno e uso de drogas ilícitas na gravidez, trabalho extenuante, baixo índice de massa corpórea, ganho de peso insuficiente na gravidez, reprodução assistida, colo uterino curto, intervalo interpartal curto, baixa escolaridade, raça negra e história anterior de nascimento pré-termo11 têm sido responsabilizados por apenas um terço dos partos prematuros12.
Em uma revisão dos estudos do Brasil sobre a evolução do nascimento pré-termo no país, Silveira et al.9 encontraram entre os fatores de risco para nascimento pré-termo o baixo peso materno pré-gestacional, extremos de idade materna, história prévia de natimorto, tabagismo na gravidez, ganho de peso materno insuficiente, hipertensão arterial, sangramento vaginal, infecção do trato geniturinário e cinco ou menos consultas no pré-natal, distress materno, baixa escolaridade materna, mãe pertencer à força de trabalho e trabalhar em pé. O parto pré-termo também pode se associar à determinação incorreta da idade gestacional baseada em exames ultrassonográficos e a baixa qualidade da assistência pré-natal, falhando no controle de infecções que levam à ruptura prematura das membranas.
Um dos pontos nebulosos na epidemiologia do nascimento pré-termo é o fato de que algumas mulheres experimentam o estímulo infeccioso, mas este isoladamente não é capaz de ativar a cascata inflamatória e desencadear parto prematuro. É proposto que a cascata inflamatória só seria ativada em mulheres predispostas geneticamente13. Desse modo, indivíduos geneticamente predispostos a responder a infecções com uma intensa resposta inflamatória podem ter risco aumentado de ter um parto pré-termo. No entanto, ainda são escassos os trabalhos que investigam os aspectos genéticos envolvidos na epidemiologia do nascimento pré-termo. A suscetibilidade genética é importante para considerar se um indivíduo portador de uma determinada variação genética tem maior risco de ser afetado por um determinado evento.
Os marcadores de suscetibilidade podem ser incorporados em modelos epidemiológicos como modificadores efetivos de interações genético-ambientais em relação a indivíduos controles. Polimorfismos de genes únicos (SNPs) têm sido descritos para muitos genes de citocinas humanas, entre eles o gene da citocina TNF-α. Essa citocina, cuja produção é induzida por patógenos que se apresentam na sua superfície LPS (lipopolissacarídeo de parede bacteriana), induz à liberação de outras citocinas, as quais recrutam e ativam diferentes tipos de células efetoras no sítio da infecção para erradicação do patógeno e também promovem a apoptose das células-alvo14. Há evidências de associação entre a suscetibilidade genética em portadores de polimorfismo no gene TNF-α (alelo 2) e a presença de vaginose bacteriana sintomática, com maior risco de ocorrência de parto prematuro espontâneo15.
Outro fator pouco estudado em nosso meio e que nas últimas décadas tem sido sugerido como potente fator de risco para resultados adversos do nascimento é o estresse materno pré-natal. Wadhwa et al.16, avaliando a associação entre hormônios, fatores sociais e psicológicos, concluiu que os níveis do hormônio adrenocorticotrófico, da beta-endorfina e do cortisol no plasma sanguíneo estavam associados ao estado psicológico da mãe, cujas emoções fazem com que seu sistema nervoso autônomo libere certas substâncias químicas. Estas substâncias na corrente sanguínea alteram a composição do sangue materno e, ao transpor a barreira placentária, modificam a bioquímica do ambiente intrauterino e podem favorecer o parto pré-termo.
Ainda são escassos os trabalhos de pesquisadores brasileiros que avaliem as consequências da violência doméstica e familiar contra a mulher para a saúde materno-infantil, e menos ainda sobre sua relação com o nascimento pré-termo. O primeiro estudo multipaíses sobre saúde da mulher e violência doméstica constatou prevalência de 37% na zona rural de Pernambuco e 29% na cidade de São Paulo, de violência física e/ou sexual praticada pelo parceiro17. Alguns estudos não observaram associação significativa da violência doméstica na gestação com nascimento pré-termo. Por outro lado, a rede social de apoio das mulheres grávidas vem sendo destacada como um dos fatores responsáveis pela manutenção do equilíbrio e da dinâmica familiar. A precária rede de apoio social pode estar associada ao nascimento pré-termo, talvez pela ausência de ativação de mecanismos de resiliência ao estresse18.
Consequências
Embora as taxas de nascimento pré-termo estejam aumentando e sejam o principal contribuinte para a mortalidade perinatal e infantil em países desenvolvidos, a sobrevivência de pré-termos extremos tem aumentado. Revisões recentes da literatura1,11 apontam que o aumento da sobrevida se deve aos avanços tecnológicos e aos esforços colaborativos de obstetras e neonatologistas. Contudo, paralelamente à redução da mortalidade, surgem sequelas que incluem principalmente aquelas relacionadas às funções do cérebro e dos pulmões, como paralisia e broncodisplasia. As sequelas do neurodesenvolvimento incluem, ainda, retardo mental e prejuízos sensoriais, como os visuais e auditivos, e cerca de um quarto dos sobreviventes tem morbidade neurológica substancial. Mesmo as crianças pré-termo extremas com inteligência normal e sem paralisia cerebral podem apresentar dificuldades motoras grosseiras e finas1,11. Além disso, déficits cognitivos, dificuldades na progressão escolar, na aquisição de linguagem e em matemática são frequentes e com maior prevalência no grupo de pré-termos de menor peso de nascimento1,11. Outras sequelas incluem a readmissão hospitalar, a qual é frequente nas semanas seguintes à alta depois do nascimento, principalmente por problemas respiratórios, duas a três vezes mais comuns do que entre as crianças nascidas a termo. Embora a maioria dos pré-termo extremos recupere total ou parcialmente o crescimento no fim da infância e na adolescência e, atinjam altura final dentro da faixa normal, costumam ser mais baixos do que seus pares nascidos a termo. Todo esse comprometimento era grandes efeitos psicossociais e emocionais nas famílias e alto custo para a sociedade. A maioria dos estudos que avaliaram o crescimento e desenvolvimento de crianças nascidas pré-termo foi realizado em países desenvolvidos, sendo escassos os estudos realizados em países emergentes como o Brasil19.
Conclusões
Nenhuma intervenção atual tem produzido impacto apreciável sobre a redução do nascimento pré-termo20. O foco para prevenção e manejo do nascimento pré-termo deve estar em reduzir a morbidade e mortalidade a ele relacionadas, já que em algumas situações, como por exemplo, a pré-eclâmpsia, o parto pré-termo pode ser o resultado desejado11.
É importante identificar as causas do aumento do nascimento pré-termo para planejar ações de intervenção1,9. É necessário explorar novas hipóteses e mecanismos de causalidade neste meio, usando-se abordagem integrada, colaboração entre grupos de pesquisa e abordagens teórico-metodológicas menos fragmentadas. Ainda, é necessário buscar pelo melhor atendimento neonatal e pós-neonatal para essas crianças, prover suporte adequado para as famílias para ajudá-las a alcançar o melhor do potencial de seus filhos. Adicionalmente, o seguimento de longo prazo é fundamental para estabelecer se crianças pré-termo estão sob maior risco futuro de doenças crônicas não-transmissíveis relacionadas ao seu pequeno tamanho ao nascer e rápido catch-up subsequente1.
Recebido 25/1/10
Aceito com modificações 19/2/10
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Correspondência:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
15 Mar 2010 -
Data do Fascículo
Fev 2010