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Caracterização física, química e nutricional dos frutos da Aninga

Physical, chemical, and nutritional characterization of Aninga fruit

Resumos

Montrichardia linifera, conhecida popularmente como aninga, pertence à família Araceae e forma grandes populações às margens dos rios e igarapés da Amazônia, principalmente de águas brancas (barrentas). Seus frutos fazem parte da dieta alimentar de peixes, tartarugas e de grandes herbívoros, como peixe-boi e búfalo, havendo, portanto, a hipótese de seu aproveitamento na nutrição animal. Entretanto, apesar de sua vasta distribuição na paisagem amazônica, não existem dados na literatura sobre a composição nutricional desses frutos. Com os objetivos de avaliar o seu potencial nutricional e contribuir para o conhecimento dessa espécie, foi realizada, neste trabalho, a caracterização física, química e nutricional dos frutos. A infrutescência pesa em média 500 g, com um conjunto de aproximadamente 80 frutos. O seu valor nutritivo se resume, basicamente, ao seu valor energético (≅ 350 kcal), devido principalmente ao teor de carboidratos (≅ 80%), possuindo baixo valor proteico (< 0,5%). As concentrações de manganês (≅ 1.800 mg kg-1) foram consideradas tóxicas, extrapolando o limite máximo tolerável em nutrição de bubalinos (1.000 mg kg-1).

Amazônia; macrófita aquática; manganês; Montrichardia linifera; nutrição animal


Montrichardia linifera, commonly known as aninga, belongs to the family Araceae and forms large populations on the banks of rivers and streams of the Amazon, especially in white water (muddy). Its fruit are part of the diet of fish, turtles and large herbivores, such as manatees and buffalo, thus they can be used in animal nutrition. However, despite its wide distribution in the Amazon landscape, there are no published data on the nutritional composition of this fruit. To assess its nutritional potential and to contribute to the knowledge of this species, this work aimed to carry out its physical, chemical, and nutritional characterization. Infructescence on average weighs 500 g with a set of about 80 fruits. Its nutritional value consists basically in its energy value (≅ 350 kcal), due mainly to the carbohydrate content (≅ 80%), presenting low protein value (< 0.5%). Manganese concentrations (≅ 1.800 mg kg-1) were considered toxic, far exceeding the maximum tolerable in nutrition of buffaloes (1.000 mg kg-1).

Amazon; aquatic macrophyte; manganese; Montrichardia linifera; animal nutrition


ARTIGOS

Caracterização física, química e nutricional dos frutos da Aninga

Physical, chemical, and nutritional characterization of Aninga fruit

Amarante, C.B.I; Solano, F.A.R.II; Lins, A.L.F.A.III; Müller, A.H.IV; Müller, R.C.S.V

IPesquisadora, Dra., Coordenação de Ciências da Terra e Ecologia, Museu Paraense Emílio Goeldi CCTE/MPEG, Av. Perimetral, 1901, Terra Firme, 66077-830 Belém-PA, <cbamarante@museu-goeldi.br>

IIMestrando em Química, Faculdade de Química, Universidade Federal do Pará FQ/UFPA, Rua Augusto Corrêa 1, Guamá 66075-110, <flavioalipio@hotmail.com>

IIIPesquisadora, Dra., Coordenação de Botânica, CBO/MPEG, <lins@museu-goeldi.br>

IVProfessor, Dr., Coordenador de Pesquisa do Centro Universitário do Estado do Pará CESUPA, Av. Nazaré, 630, Nazaré, 66035-170 Belém-PA

VProfa., Dra., FQ/UFPA, <reginasarkis@hotmail.com>

RESUMO

Montrichardia linifera, conhecida popularmente como aninga, pertence à família Araceae e forma grandes populações às margens dos rios e igarapés da Amazônia, principalmente de águas brancas (barrentas). Seus frutos fazem parte da dieta alimentar de peixes, tartarugas e de grandes herbívoros, como peixe-boi e búfalo, havendo, portanto, a hipótese de seu aproveitamento na nutrição animal. Entretanto, apesar de sua vasta distribuição na paisagem amazônica, não existem dados na literatura sobre a composição nutricional desses frutos. Com os objetivos de avaliar o seu potencial nutricional e contribuir para o conhecimento dessa espécie, foi realizada, neste trabalho, a caracterização física, química e nutricional dos frutos. A infrutescência pesa em média 500 g, com um conjunto de aproximadamente 80 frutos. O seu valor nutritivo se resume, basicamente, ao seu valor energético (≅ 350 kcal), devido principalmente ao teor de carboidratos (≅ 80%), possuindo baixo valor proteico (< 0,5%). As concentrações de manganês (≅ 1.800 mg kg-1) foram consideradas tóxicas, extrapolando o limite máximo tolerável em nutrição de bubalinos (1.000 mg kg-1).

Palavras-chave: Amazônia, macrófita aquática, manganês, Montrichardia linifera, nutrição animal

ABSTRACT

Montrichardia linifera, commonly known as aninga, belongs to the family Araceae and forms large populations on the banks of rivers and streams of the Amazon, especially in white water (muddy). Its fruit are part of the diet of fish, turtles and large herbivores, such as manatees and buffalo, thus they can be used in animal nutrition. However, despite its wide distribution in the Amazon landscape, there are no published data on the nutritional composition of this fruit. To assess its nutritional potential and to contribute to the knowledge of this species, this work aimed to carry out its physical, chemical, and nutritional characterization. Infructescence on average weighs 500 g with a set of about 80 fruits. Its nutritional value consists basically in its energy value (≅ 350 kcal), due mainly to the carbohydrate content (≅ 80%), presenting low protein value (< 0.5%). Manganese concentrations (≅ 1.800 mg kg-1) were considered toxic, far exceeding the maximum tolerable in nutrition of buffaloes (1.000 mg kg-1).

Keyword: Amazon, aquatic macrophyte, manganese, Montrichardia linifera, animal nutrition

INTRODUÇÃO

Aninga, Montrichardia linifera, pertencente à família Araceae, distribui-se nas regiões tropicais, porém não há registro de ocorrência no Pantanal Brasileiro. É uma macrófita aquática anfíbia que se caracteriza por possuir grande amplitude ecológica, ou seja, pode ser encontrada de emergente a terrestre de solo saturado de água. Por ser uma espécie pioneira, apresenta considerável importância ecológica na formação das margens de rios e igarapés de águas brancas (barrentas), pois é a primeira vegetação na formação de ilhas aluviais, formando extensas populações clonais pela brotação de caules subterrâneos e submersos. Os tipos de solos e a competição com outras espécies na colonização das margens de rios e igarapés provocam variações fenotípicas, principalmente, de caules aéreos e folhas.

Esta espécie (Figura 1) é uma herbácea com 4-6 m de altura, limbo foliar de cerca de 45-66 cm de comprimento e 35-63 cm de largura (Macedo et al., 2005), com frequentes cristais de oxalato de cálcio (Lins, 1994; Lins & Oliveira 1994; Macedo et al., 2005). Sua inflorescência é uma espádice simples e vistosa de coloração branca amarelada, e sua infrutescência assemelha-se ao abacaxi (Figura 2).



Apesar de ser conhecida como venenosa (em humanos sua seiva causa queimaduras na pele e, em contato com os olhos, pode causar cegueira), é paradoxalmente utilizada na medicina tradicional principalmente por sua propriedade cicatrizante; compressas e emplastos são usados no tratamento de abscessos e tumores e no local da lesão provocada por ferrada de arraia (Amorozo & Gély, 1988). Dizse que os frutos são utilizados no preparo (junto com outros ingredientes) de um xarope para tratar a tosse e a tuberculose. Além disso, possui importância econômica no transporte de toras de madeira de lei, pois seus caules são usados como flutuadores na formação de jangadas e são transportados ao longo dos rios amazônicos (Lins & Oliveira, 1994).

Há também relatos de que seus frutos servem de alimento a peixes (pacu), répteis (tartarugas) e mamíferos (peixe-boi e búfalos), porém nada ainda se conhece sobre o valor nutritivo deles. Nesse sentido, devido à escassez de dados sobre essa espécie na literatura, os objetivos deste trabalho foram registrar algumas características físicas e avaliar a composição química e o potencial nutricional desses frutos, contribuindo assim para o conhecimento dessa espécie.

MATERIAL E MÉTODOS

Coleta e identificação do material botânico

As infrutescências maduras e inteiras de Montrichardia linifera foram coletadas no período chuvoso (abril/2008) e de estiagem (agosto/2008), entre 9 e 10h, durante a maré alta, em três pontos equidistantes ao longo de uma extensão de 60 m no igarapé Furo do Boto, no rio Maratauíra (01º42'05,62'' S; 48º52'53,06'' W), município de Abaetetuba, no Estado do Pará. As amostras foram acondicionadas em sacos plásticos e transportadas no mesmo dia para o laboratório.

O material coletado foi identificado, e um exemplar foi incorporado ao herbário "João Murça Pires" do Museu Paraense Emílio Goeldi (MG 189287). Referente a essa exsicata, também foi depositada na carpoteca "Paulo Cavalcante", deste museu, uma amostra da infrutescência, sob o número 2784.

Preparo das amostras

As amostras selecionadas foram lavadas com água corrente, em seguida com água deionizada, e deixadas secar ao ambiente. Posteriormente, as amostras foram separadas, sendo uma parte utilizada para a caracterização física e determinação dos teores de umidade e de cinzas. O restante das amostras foi seco em estufa a 40 ºC. Após a secagem as amostras foram pulverizadas, para posterior determinação de lipídios, proteínas, carboidratos, fibra bruta e minerais.

Caracterização física

Para as determinações das características físicas, separaram-se, aleatoriamente, 20 infrutescências, que foram avaliadas individualmente por meio do seu peso e dos diâmetros longitudinal (DL) e transversal (DT), sendo este último avaliado na parte mais larga do fruto. Os rendimentos em polpa, casca, sementes e talo interno foram obtidos pela relação percentual entre o peso da infrutescência inteira e o de suas respectivas estruturas.

Determinação da composição nutricional e mineral

A umidade foi determinada por meio do método gravimétrico por secagem em estufa (105 ºC), até obtenção de peso constante. O resíduo mineral fixo (cinzas) também foi determinado por gravimetria, mediante incineração da matéria orgânica em forno mufla a 550 ºC, utilizando-se as mesmas amostras secas provenientes do teste de umidade, até a obtenção de cinzas claras. Os lipídios foram determinados por extração em aparelho Soxhlet, utilizando-se éter de petróleo como solvente. A torta residual dessa extração foi reservada para análise de fibra bruta extraída por hidrólise ácida seguida por hidrólise básica. O teor de proteínas foi determinado pelo método do biureto. Em uma alíquota de 1 mL de solução da amostra foram adicionados 4 mL do reagente biureto e medida a absorbância a 540 nm em espectrofotômetro CECIL modelo CE 1010 (1000 series); os resultados foram comparados com a curva-padrão de Albumina Bovina, marca Sigma A2153, na faixa de 0 a 1 g L-1. A determinação do teor de carboidratos ocorreu por diferença (fração NIFEXT); na composição centesimal, a fração glicídica foi representada e calculada por (100 soma das demais frações da composição centesimal) ou (100 - %lipídios - %fração proteica - %fração fibra bruta - %cinzas) em base seca. As determinações dos teores de umidade, cinzas, lipídios, fibra bruta, proteínas e carboidratos foram realizadas em triplicata. O valor calórico foi determinado por cálculos já descritos por Furlan et al. (2007), multiplicando-se o teor lipídico por 9 e os teores de proteínas e de carboidratos por 4, sendo expresso em kcal.

Para determinação dos minerais, uma massa de aproximadamente 0,3 g de cada amostra pulverizada foi pesada e, em seguida, digerida com uma mistura de ácido nítrico 14 mol L-1 e peróxido de hidrogênio 30% (v/v) na proporção de 3:1, em um bloco digestor a 150 ºC (n = 3). Após a digestão, as amostras foram filtradas e transferidas para balões volumétricos de 50 mL, que a seguir foram aferidos até a marca com água deionizada. Para Ca e Mg, foi realizada uma nova diluição, em que uma alíquota de 0,05 mL da primeira diluição foi adicionada a 3 mL de solução 5.000 mg L-1 de lantânio e 4 mL de água deionizada. Os teores de Ca, Cu, Fe, Mn, Mg e Zn foram determinados nos digeridos por EAAC (espectrometria de absorção atômica de chama) (Varian SpectraAA 220, Mulgrave, Austrália). As condições instrumentais para a determinação de Ca, Cu, Fe, Mg, Mn e Zn por EAAC são apresentadas na Tabela 1.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização física da infrutescência de M. linifera

A importância da caracterização física preliminar das infrutescências da aninga se justifica pela falta de registro de dados na literatura, sendo descritos pela primeira vez neste trabalho e contribuindo, dessa forma, para o conhecimento dessa espécie. Os resultados estão apresentados na Tabela 2.

As infrutescências de M. linifera (Figura 3) apresentam casca rugosa de cor verde a verde-amarelada e, inteiros, não exalam nenhum aroma. A polpa caracteriza-se por apresentar coloração amarelo-pálida, exalando um aroma adstringente, persistente e desagradável ao olfato. Suas sementes (Figura 4) são envolvidas pela polpa e pesam em torno de 1,5 a 6,0 g cada uma; juntas, são responsáveis por praticamente a metade do peso da infrutescência. Quando a infrutescência está madura, a testa das sementes apresenta coloração marrom, que é o envoltório destas.



As infrutescências apresentaram peso variando de 365 a 993 g, com 52 a 142 frutos, respectivamente, além de uma estrutura interna, um eixo central que foi denominado de 'talo interno' (Figura 5), que variou de 14,85 a 83,06 g, respectivamente ao peso total da infrutescência. O 'talo interno' sai com facilidade da fruta madura e encontra-se conectado a um pedúnculo (cabo) que sustenta o fruto, onde também se observa a impossibilidade de se descascar a fruta madura inteira, visto que nesse estádio a polpa se desprende, junto com a casca, facilmente da fruta na forma de gomos (Figura 5).


Dessa forma, verificou-se que a fruta da aninga é na verdade uma 'infrutescência', ou seja, o termo é associado a conjuntos de frutos, em que cada fruto fica aderido ao outro, de forma que o conjunto se assemelhe a um grande fruto. Apesar da aparência externa coesa, essas infrutescências podem ser reconhecidas pela sua estrutura interna, apresentando um eixo central ao longo de todo o seu comprimento com os frutos (semelhantes a 'gomos') inseridos nele, como é o caso da fruta da aninga. Os verdadeiros frutos são os pequenos gomos encontrados nessas estruturas. A fruta da aninga pode ser morfologicamente comparada ao abacaxi (Ananas comosus) e à jaca (Artocarpus heterophyllus), que são exemplos de infrutescências conhecidas popularmente como frutas.

Composição nutricional e mineral

Os valores médios da composição centesimal da fruta da aninga (dados a 100% de matéria seca) com os respectivos desvios-padrão são apresentados na Tabela 3. A fruta apresentou alto teor de umidade (88,73% no período chuvoso e 87,05% no período de estiagem), enquadrando-se na classe dos frutos carnosos e suculentos, havendo pequena desidratação no período de estiagem. O elevado percentual de cinzas (resíduo mineral fixo) presente nos frutos no período chuvoso e de estiagem (7,72 e 11,92%, respectivamente) provavelmente está associado à interface química entre a planta e o ambiente circundante, considerando-se que se trata de uma planta aquática de área de várzea que sofre alagamentos diários e periódicos, favorecendo o acúmulo de sedimentos no solo. Os ambientes de várzea agem como purificadores de águas não tratadas, retendo grande quantidade de nutrientes e metais pesados, e funcionam como verdadeiros filtros naturais, isto é, atuando como um filtro biogeoquímico; logo, essas substâncias vão se acumulando no solo e, consequentemente, são absorvidas pela planta. Rubio et al. (2004) afirmam que as plantas aquáticas são sorventes naturais de substâncias químicas e que o seu uso no controle da poluição ambiental ainda é pouco explorado, já que elas têm grande capacidade de reter metais pesados, óleos e outros poluentes orgânicos.

Observou-se que no período de estiagem ocorreu aumento de 4,2% no teor de cinzas, pois nesse período a incidência da radiação solar favorece uma maior evaporação nos corpos d'água e, dessa forma, contribui para aumento da concentração desses minerais nos sedimentos. Além disso, na estiagem, a deposição dos sedimentos não sofre tanto a ação da lixiviação causada pela água das chuvas, favorecendo um maior tempo de permanência desses minerais no solo, o que pode explicar um maior teor de cinzas nesse período.

Os valores obtidos para o teor de lipídios, 0,88% (período chuvoso) e 2,40% (período de estiagem), foram superiores ao publicado por Portal et al. (2002); o resultado obtido no período chuvoso (0,88%) foi o que mais se aproximou do relatado por esses autores, que foi de 0,59%, cuja coleta também foi realizada em período chuvoso, condizente com este trabalho. Observou-se que houve influência da variação sazonal no teor de lipídios, causando aumento de aproximadamente três vezes no período de estiagem em comparação com o período chuvoso. O mesmo comportamento foi observado no teor de proteína, que teve seu valor dobrado no período de estiagem, passando de 0,24 para 0,48%. Elias et al. (2008) salientam que as frutas, por seu caráter biológico, apresentam inúmeras alterações na sua composição, que podem levar à modificação nos teores de nutrientes em função das características próprias de cada cultivar e das condições edafoclimáticas, entre outras. Estes mesmos autores, estudando a avaliação nutricional do caqui submetido à secagem, observaram significativo aumento nos teores de lipídios e proteínas da fruta desidratada em relação à fruta in natura consequência da desidratação, que leva a uma concentração desses componentes. Levando-se em consideração que o teor de água diminuiu na fruta da aninga no período de estiagem, provavelmente, as concentrações de lipídios e proteínas tiveram seus valores aumentados em consequência dessa desidratação natural provocada pela maior incidência da radiação solar nesse período.

Com os resultados obtidos neste trabalho, pode-se inferir que a fruta da aninga apresentou baixo valor proteico, que pouco contribui para o seu valor calórico. Este último é atribuído, quase na sua totalidade, ao seu teor de carboidratos (86,56% no período chuvoso e 80,72% no período de estiagem), semelhante ao abacaxi, que é uma fruta cujo valor nutritivo se resume, praticamente, ao seu valor energético, devido à sua composição de açúcares, com teor de proteína inferior a 0,5% (Matsuura & Rolim, 2002).

Em relação aos minerais (Tabela 4), observou-se que os teores de Ca e Mg, por serem macronutrientes, estão em quantidades significativamente maiores que as dos demais, que por sua vez são micronutrientes (também chamados de 'elementos traço'), com exceção do Mn, que apresentou quantidade bastante elevada para um elemento traço. Elevadas concentrações de Ca e Mg já eram esperadas, visto que o rio Maratauíra sofre a influência das marés oceânicas. Além disso, os íons Ca e Mg estão entre os seis mais abundantes presentes nas águas marinhas (Costa et al., 2008).

Observou-se também que o Ca apresentou concentração cerca de sete a oito vezes superior à de Mg nos dois períodos estudados, provavelmente devido ao fato de essa planta também apresentar cristais de oxalato de cálcio, os quais foram evidenciados por testes histoquímicos tanto na forma de drusas quanto na de ráfides, que estão presentes nas folhas (Macedo et al., 2005) e nas raízes (Lins, 1994). Esses resultados sugerem que cristais de oxalato de cálcio possivelmente ocorram também nos frutos, e é provável que contribuam para maior concentração de Ca em comparação com a de Mg. A presença de cristais de oxalato de cálcio é uma das características marcantes da família Araceae (Lins, 1994; Macedo et al., 2005; Ferreira et al., 2006), e alguns autores acreditam ser a causa da irritação provocada na pele por plantas dessa família. Outra hipótese também considerada como a causa da toxicidade dessas plantas é o fato de que são esses cristais, em ambas as formas (drusas e ráfides), que se associam a substâncias tóxicas (Ferreira et al., 2006).

Os elevados teores de manganês encontrados nos frutos podem ser justificados pelo fato de que o solo permanece muito tempo inundado, e, como a concentração desse metal na solução do solo aumenta após a submersão deste (Mattar et al., 2002) em decorrência do processo de redução, ocorrerá maior disponibilidade de manganês no solo (Iwata, 1975) e maior absorção pela planta (Abreu et al., 2006). Lima et al. (2006), estudando metais pesados nos sedimentos de fundo da plataforma continental do Amazonas, verificaram que o Mn é o elemento de maior percentual biodisponível (56,7%) para o ambiente, podendo ser assimilado ou não pela cadeia trófica. Dessa forma, os resultados obtidos neste trabalho permitem corroborar os desses autores, demonstrando que M. linifera absorve quantidade considerável desse metal e que, por sua vez, pode transferi-lo na cadeia alimentar, o que pode ser preocupante, visto que esse metal é neurotóxico em quantidades elevadas.

Segundo normas norte-americanas estabelecidas pelo National Research Council (NRC, 2007) e adotadas como referência no Brasil, o limite máximo tolerável de Mn para bovinos e bubalinos é de 1.000 mg kg-1; as frutas da aninga apresentaram concentração cerca de 18 vezes maior que esse limite nos dois períodos estudados (18.151,53 mg kg-1 no período chuvoso e 18.397,26 mg kg-1 no período de estiagem). Esse dado é um fator preocupante porque esses animais principalmente o búfalo, que vive nas áreas alagáveis podem estar bioacumulando quantidades tóxicas desse mineral ao se alimentarem dessa planta, afetando assim a saúde do rebanho; consequentemente, podem transferir quantidades consideráveis de Mn para a cadeia alimentar.

Sabe-se que o Mn é neurotóxico e que exposições prolongadas aos compostos de Mn de forma oral podem provocar efeitos adversos no sistema nervoso. Pesquisas nesse sentido são de extrema relevância para a saúde pública, pois os produtos originados desses animais, como carnes e produtos lácteos derivados (leites, manteigas, queijos, entre outros), consumidos por humanos podem conter elevados níveis desse metal. Nos humanos, o cérebro é um dos órgãos alvos da exposição prolongada a esse metal, podendo levar à deterioração da função neurológica.

Entre os outros micronutrientes, o Cu foi o que apresentou os teores mais baixos (5,31 e 4,64 mg kg-1 no período chuvoso e de estiagem, respectivamente), ficando portanto abaixo do valor mínimo requerido, segundo o NRC (10,00 mg kg-1). Apenas o nutriente Zn apresentou valores enquadrados na faixa entre a quantidade mínima requerida e a máxima tolerada pelos bovinos e bubalinos, segundo o NRC (Zn - 30,00 a 500,00 mg kg-1), que foi de 159,81 mg kg-1 no período chuvoso e 124,73 mg kg-1 no período de estiagem, ao passo que o Fe apresentou valores dentro da faixa (Fe - 50,00 a 1.000,00 mg kg-1) apenas no período de estiagem (67,77 mg kg-1), ficando abaixo desta no período chuvoso Fe - 35,85 mg kg-1).

Os resultados da influência da variação sazonal sobre a composição mineral dessa fruta estão representados na Figura 6; de modo geral, constata-se que a sazonalidade não influenciou significativamente os teores de Ca, Mg e Mn, que tiveram suas concentrações discretamente aumentadas no período de estiagem, ao contrário do Fe, que, nesse mesmo período, apresentou concentração aproximadamente duas vezes maior. Valores de concentração mais altos já eram esperados no período de estiagem, devido à maior intensidade da radiação solar, menor lixiviação causada pela água das chuvas e influência das marés oceânicas, que aumentam os valores desses nutrientes no solo e, consequentemente, a absorção pela planta, justificando esses resultados. Por outro lado, os teores de Cu e Zn tiveram discreta diminuição.


De maneira geral, observa-se que os minerais Fe, Cu e Zn estão em quantidades muito inferiores em comparação com as dos outros minerais estudados. De acordo com estudos anteriores, é provável que o elevado teor de Mn seja responsável pelas baixas concentrações desses minerais. A relação Mn/Fe nos tecidos de plantas tem interesse peculiar, tendo em vista que a toxidez do Mn está associada à deficiência de Fe (Lee, 1972). Ainda segundo o estudo de Veloso et al. (1995) sobre a influência do Mn na pimenteira-do-reino, foi observado que, quando se tem maior concentração de Mn na solução do solo, há maior absorção de manganês pelas plantas; as quantidades de Cu, Fe e Zn nas folhas diminuíram significativamente a partir da dose de 30 mg L1 de Mn na solução nutritiva. Dessa forma, esses autores sugerem que as quantidades de Cu, Fe e Zn, na parte aérea das plantas, foram afetadas pela presença de manganês na solução.

Em síntese, independentemente do período sazonal, o valor nutritivo dos frutos da aninga se resume, basicamente, ao seu valor energético, devido principalmente ao teor de carboidratos, possuindo baixo valor proteico. Além disso, M. linifera tem a capacidade de absorver grandes quantidades de minerais presentes no solo evidenciado pelo alto teor de cinzas, assim como pelos elevados níveis de Ca, Mg e Mn encontrados nos frutos.

AGRADECIMENTOS

À FAPESPA Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Pará, pela bolsa de doutorado concedida à primeira autora; esses resultados são uma parte da tese que foi desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Química da Universidade Federal do Pará UFPA. Ao Dr. Inocêncio de Sousa Gorayeb (Pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi) pela concessão da Foto A da Figura 2, de sua autoria.

LITERATURA CITADA

Recebido para publicação em 1.7.2010 e na forma revisada em 6.5.2011.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Out 2011
  • Data do Fascículo
    Jun 2011

Histórico

  • Revisado
    06 Maio 2011
  • Recebido
    01 Jul 2010
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