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Carcinoma de células renais com metástase cutânea: relato de caso

Resumos

O adenocarcinoma do rim, ou hipernefroma, é a terceira neoplasia mais comum do trato geniturinário, sendo o de células claras o tipo principal, representando 60% dos casos, com pico de incidência entre 50 e 70 anos. A presença de metástase ao diagnóstico acomete em torno de 30% dos pacientes, tendo como principais sítios pulmões, ossos, pele, fígado e cérebro. Relatamos o caso de um paciente portador de carcinoma de células renais com metástase ao diagnóstico que, apesar de inserido na faixa etária predominante, tipo histológico mais frequente e quadro clínico característico, apresentava metástase a distância em local pouco observado na prática clínica. O paciente evoluiu para o óbito sem tempo hábil para o tratamento.

carcinoma renal; metástase cutânea


Renal cell carcinoma or hypernephroma is the third most common neoplasia of the genitourinary tract. Its most common type, representing 60% of the cases, is the clear cell carcinoma, with an incidence peak between 50 and 70 years. Metastases are present at the time of diagnosis in approximately 30% of the patients, the major sites being lungs, bones, skin, liver, and brain. We report the case of a male patient with renal cell carcinoma, whose age, clinical findings, and tumor histological type matched with the most common ones for that pathology. Nevertheless, he already had distant metastasis in an uncommon site at the time of diagnosis. The patient died without undergoing specific treatment for renal cell carcinoma.

renal carcinoma; cutaneos metastasis


RELATO DE CASO

Carcinoma de células renais com metástase cutânea: relato de caso

Thaís Alves de Paula; Polyana Souto Lopes da Silva; Luiz Gustavo Sueth Berriel

Clínica Médica - Hospital Ipiranga, São Paulo, SP, Brasil

Correspondência para Correspondência para: Thaís Alves de Paula Rua Ouvidor Peleja, 98, ap. 131 Vila Mariana São Paulo, SP, Brasil CEP: 04128-000 E-mail: tatyalp@gmail.com

RESUMO

O adenocarcinoma do rim, ou hipernefroma, é a terceira neoplasia mais comum do trato geniturinário, sendo o de células claras o tipo principal, representando 60% dos casos, com pico de incidência entre 50 e 70 anos. A presença de metástase ao diagnóstico acomete em torno de 30% dos pacientes, tendo como principais sítios pulmões, ossos, pele, fígado e cérebro. Relatamos o caso de um paciente portador de carcinoma de células renais com metástase ao diagnóstico que, apesar de inserido na faixa etária predominante, tipo histológico mais frequente e quadro clínico característico, apresentava metástase a distância em local pouco observado na prática clínica. O paciente evoluiu para o óbito sem tempo hábil para o tratamento.

Palavras-chave: carcinoma renal, metástase cutânea.

INTRODUÇÃO

O câncer do rim, conhecido também como adenocarcinoma renal, carcinoma de células renais ou hipernefroma, é responsável por cerca de 2% dos cânceres em adultos e afeta uma vez e meia mais homens que mulheres.4,5,9,10 O carcinoma de células claras renais é o tipo mais frequente.9 Tratase da terceira neoplasia mais comum do trato geniturinário, seguindo os tumores de próstata e bexiga. Ao diagnóstico, um terço dos pacientes apresenta metástases a distância. Os locais mais comuns são pulmões (50%), ossos (33%), pele (11%), fígado (8%) e cérebro (3%).4,6,7 Relatamos o caso de um paciente portador de carcinoma de células renais que, apesar de inserido na faixa etária predominante, tipo histológico mais frequente e quadro clínico característico, apresentava metástase a distância em local pouco observado na prática clínica.

CASO CLÍNICO

B.L.R., 61 anos, sexo masculino, metalúrgico aposentado, residente em São Paulo, portador de diabetes mellitus e de insuficiência cardíaca congestiva, foi admitido no pronto-socorro do Hospital Ipiranga com queixa de dor no flanco direito. A dor havia iniciado há cerca de cinco meses e estava associada à perda de peso (10 kg) e ao surgimento de tumorações em couro cabeludo, dorso e face. No exame, observou-se a presença de vários nódulos de tamanhos diversificados, coloração purpúrica e consistência fibroelástica nas regiões citadas. No início dos sintomas, o paciente procurou atendimento médico, sendo realizada ultrassonografia de abdome, rins e vias urinárias, que mostrou nódulo no rim direito. A seguir, uma tomografia computadorizada de abdome e pelve foi realizada, evidenciando um processo expansivo no rim direito, de contornos irregulares, com calcificação no interior, medindo 6,0 x 4,0 x 5,0 cm, com importante realce à injeção do contraste. Além disso, observou-se a presença de nódulo pleural em base do pulmão esquerdo e de nódulo retroperitoneal adjacente.

O paciente foi encaminhado à equipe de urologia do Hospital Ipiranga, com programação de nefrectomia total à direita, e internado eletivamente para a cirurgia, a qual foi suspensa em virtude de quadro de fibrilação atrial que causou descompensação da insuficiência cardíaca. Realizou-se, então, exérese de nódulo em couro cabeludo, que foi encaminhado ao estudo anatomopatológico. O resultado da biópsia mostrou histologia compatível com metástase de carcinoma de células claras.

Após dois meses, o paciente procurou novamente o hospital com queixas de dispneia intensa, inapetência e edema de membros inferiores (MMII). A radiografia de tórax apresentava volumoso derrame pleural à direita e múltiplos nódulos pulmonares. B.L.R. foi internado para compensação do quadro, sendo realizada toracocentese diagnóstica com biópsia pleural. O líquido apresentava aspecto hemorrágico, mas foi caracterizado como transudato. A biópsia pleural mostrou apenas padrão inflamatório. Apesar de todas as medidas, o paciente evoluiu com insuficiência respiratória aguda e óbito, sem tempo hábil para tratamento específico do carcinoma renal.

DISCUSSÃO

O carcinoma de células renais tem pico de incidência entre 50 e 70 anos, com idade média em torno de 66 anos e predomínio no sexo masculino (2:1). Sua incidência é em torno de dois a dez casos/100.000 habitantes/ano e cresceu consideravelmente nos últimos 25-30 anos, em parte pelo aumento do diagnóstico por métodos de imagem. Tem como principais etiologias tabaco, doença cística, esclerose tuberosa e Síndrome de von Hippel-Lindau. O principal tipo de carcinoma renal é o de células claras, representando 60% dos casos. O quadro clínico inicial é composto de hematúria (60%), dor lombar (40%) e massa em flanco palpável (30%-40%). Além disso, podem ocorrer febre, perda de peso, anemia, varicocele e síndromes paraneoplásicas (5%), caracterizadas por eritrocitose, hipercalcemia, disfunção hepática e amiloidose.7,9,10 A tríade clássica, composta de massa abdominal, hematúria e dor, está presente em apenas 10% dos casos e normalmente em estágios mais avançados, com prognóstico reservado.4,7,9,10 O diagnóstico é feito por meio de exames de imagem, como a ultrassonografia e a tomografia computadorizada de abdome, apresentando sensibilidade diagnóstica de 79% e 94%, respectivamente, além de radiografia de tórax, análise e citologia urinárias. A ressonância nuclear magnética está indicada se há suspeita de envolvimento ou invasão por trombo da veia cava. Os sítios mais comuns de metástases são pulmões (50%) e ossos (33%), seguidos dos linfonodos regionais, pele (11%), fígado (8%), suprarrenal e cérebro(3%).4,6,7

Dos casos de metástase cutânea de carcinoma renal descritos na literatura, a região mais acometida foi o couro cabeludo, seguida pela região abdominal.1 O couro cabeludo é sede frequente de metástase cutânea de tumores primários distantes. Com certa frequência, é a principal ou única sede de metástases provenientes de vários órgãos, como reto, mama, pulmão, útero, próstata, testículo, bexiga e rim. No homem, ocorre mais frequentemente com sítio primário no pulmão e no rim, como no caso clínico relatado; na mulher, na mama. A explicação para esse fato talvez esteja na afirmação de Krumerman e Garret,2 de que tumores altamente angioinvasivos, como cânceres pulmonar e renal, tendem a determinar metástases ilimitadas, precoces e com padrão de localização totalmente imprevisível, em geral distante do tumor primário. A aparência clínica mais frequente de metástases cutâneas são massas nodulares intra ou subcutâneas, redondas ou ovais, de consistência firme ou elástica, de coloração bastante variável, podendo apresentar desde uma cor da pele normal, vermelho azulada ou purpúrica, semelhante à encontrada no paciente do caso relatado, até o castanho enegrecido.

Quanto à histopatologia do câncer renal de células claras, as células tumorais são de aspecto poliédrico, com citoplasma amplo, núcleo atípico e nucléolo evidente. Já na lesão dérmica metastática, o tumor nodular é recoberto por epiderme atrófica, com células tumorais de aparência vacuolizada, citoplasma claro, com discreto infiltrado inflamatório linfocitário, formação capilar abundante e algumas áreas ricas em trabéculas. A delimitação entre a lesão e a derme normal se faz por pequena invaginação da epiderme.8

Alguns antígenos proteicos são achados para a imuno-histoquímica, como o antígeno epitelial de membrana (EMA), a vimentina, a queratina e o antígeno carcinoembrionário (CEA). Os resultados com vimentina, EMA e queratina positivos seriam indicadores de alta probabilidade de carcinoma renal.8

Os diagnósticos diferenciais da lesão renal são: angiomiolipoma, carcinoma de células transicionais da pelve renal, tumor adrenal, abscesso renal. Quanto à lesão de pele, os diagnósticos diferenciais são: carcinoma sebáceo, tumor de glândulas sudoríparas e melanoma.10

Quando não existem metástases, a remoção cirúrgica do rim afetado e dos linfonodos provê uma boa probabilidade de cura. Quando o tumor já invadiu a veia renal ou a veia cava, mas não produziu metástases para regiões distantes, a cirurgia ainda pode indicar uma chance de cura. Contudo, o câncer renal apresenta uma tendência a disseminar-se precocemente, especialmente para os pulmões. Quando o câncer renal já produziu metástases, seu prognóstico é ruim, pois ele não pode ser curado pela radioterapia, pelas drogas antineoplásicas tradicionais (quimioterapia) ou por hormônios.4,8 Esse foi o caso do paciente relatado, que evoluiu para o óbito sem tempo hábil para tratamento específico do tumor renal.

Data de submissão: 25/05/2009

Data de aprovação: 20/10/2009

Declaramos a inexistência de conflitos de interesse.

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  • Correspondência para:

    Thaís Alves de Paula
    Rua Ouvidor Peleja, 98, ap. 131 Vila Mariana
    São Paulo, SP, Brasil CEP: 04128-000
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Jul 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Recebido
      25 Maio 2009
    • Aceito
      20 Out 2009
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