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Gravidez na adolescência: Dimensões do problema

Adolescent Pregnancy: dimensions of the problem

Resumos

Uma intrincada rede de fatores confere à gravidez na adolescência um grau elevado de risco para a mãe e para a criança, especialmente as de classes populares. As conseqüências perversas de uma gravidez na adolescência se fazem sentir tanto na morbidade/mortalidade de mãe e bebê quanto nos impactos econômico, educacional-escolar e social. Agir educacionalmente é um forma de enfrentar esse problema. No entanto, acões educacionais que enfatizam a abordagem apenas biológica do planejamento familiar não tem sido eficazes se considerarmos as estatísticas referentes à saúde reprodutiva das adolescentes. Para que a educação possa efetivamente contribuir para a redução desse tipo de gravidez, todas dimensões devem ser consideradas, com especial destaque para a dimensão sociocultural na qual encontramos fortes determinantes da gravidez indesejada. Abordar educacionalmente essa dimensão significa abrir espaço dentro e fora das escolas para o debate sobre a identidade feminina num processo que abranja a totalidade do ser humano.

Gravidez; adolescência; educação sexual; DST/Aids; saúde da mulher


An intricate net of factors assigns adolescent pregnancy a very high degree of risk for both mother and child, mainly for those from lower income classes. Serious consequences of premature pregnancy are felt in morbidity/mortality rates among mothers and babies as much as in the economic, educational and social outcomes. Educational action is one manner of facing the problem. Nonetheless, educational actions which emphasize solely the biological approach to family planning have proved uneffective as we consider statistics relative to the reproductive health of girls. In order to have education bringing about effective contribution to the decrease of this particular type of pregnancy, all dimensons of the problem need to be taken into consideration, in special the social-cultural dimension, which establishes the determinants of undesired pregnancies. To approach this latter dimension mainly, from an educational perspective means to open room, inside and outside schools, for the debate about women's identity within a process that encompasses their thoroughness as human beings.


Gravidez na adolescência: Dimensões do problema

Maria Waldenez de Oliveira* * Professora doutora adjunta e integrante do grupo de pesquisa Práticas Sociais e Processos Educativos do Departamento de Metodologia de Ensino, Universidade Federal de São Carlos. Professora doutora adjunta e integrante do grupo de pesquisa Práticas Sociais e Processos Educativos do Departamento de Metodologia de Ensino, Universidade Federal de São Carlos.

RESUMO: Uma intrincada rede de fatores confere à gravidez na adolescência um grau elevado de risco para a mãe e para a criança, especialmente as de classes populares. As conseqüências perversas de uma gravidez na adolescência se fazem sentir tanto na morbidade/mortalidade de mãe e bebê quanto nos impactos econômico, educacional-escolar e social. Agir educacionalmente é um forma de enfrentar esse problema. No entanto, acões educacionais que enfatizam a abordagem apenas biológica do planejamento familiar não tem sido eficazes se considerarmos as estatísticas referentes à saúde reprodutiva das adolescentes. Para que a educação possa efetivamente contribuir para a redução desse tipo de gravidez, todas dimensões devem ser consideradas, com especial destaque para a dimensão sociocultural na qual encontramos fortes determinantes da gravidez indesejada. Abordar educacionalmente essa dimensão significa abrir espaço dentro e fora das escolas para o debate sobre a identidade feminina num processo que abranja a totalidade do ser humano.

Palavras-chaves: Gravidez, adolescência, educação sexual, DST/Aids, saúde da mulher

A gravidez na adolescência vem se configurando como um problema cada vez mais grave no país com conseqüências em várias esferas de suas vidas, em especial das mulheres, das classes populares. Abordaremos algumas dimensões desse fenômeno no sentido de analisar a construção da identidade feminina e as relações entre essa identidade e a prevenção da gravidez na adolescência. Ao final, levantaremos alguns pontos para reflexão sobre que educação sexual seria necessária diante das dimensões da problemática da gravidez na adolescência.

A dimensão numérica

Segundo o Censo do IBGE de 1991, a população de 10 a 19 anos corresponde a 21,84% do total da população brasileira, o que eqüivale a 32.064.631, sendo 50,04% do sexo masculino e 49,96% do sexo feminino (Brasil 1996).

Ao considerarmos a dimensão quantitativa da gravidez na adolescência, deparamos com um aumento no índice dessa gravidez no Brasil. Essa realidade pode ser constatada no quadro a seguir:


QUADRO 1 - Total de partos no SUS x % de partos de adolescentes de 1993 a 1995

Fonte: Brasil s/d, p. 5.

Nota-se que, de 1993 a 1995, os partos de adolescentes aumentaram, percentualmente, diferentemente das demais idades. Não estão incluídos nesses dados os partos feitos em casa e em clínicas particulares e os abortos provocados ou espontâneos. A população nessa faixa etária não chegou a crescer 0,5% no mesmo período (Folha de S. Paulo 1996c).

Além da problemática intrínseca à gravidez na adolescência, o aumento do número de casos desse tipo de gravidez mostra que mesmo as campanhas para prevenção de Aids não têm conseguido atingir os jovens, pois se estes se prevenissem da doença usando camisinha, os números de gravidez na adolescência tenderiam a diminuir. Estatísticas brasileiras relacionadas à Aids confirmam essa hipótese.

Diante do diagnóstico de gravidez, a adolescente dispõe de poucas opções. Uma delas é o aborto. Na rede pública de São Paulo, temos o seguinte quadro de internações por aborto induzido:


QUADRO 2 - Internações por aborto induzido x idade na cidade de São Paulo em 1994

Fonte: Folha de S. Paulo 1997, p. 8.

Nota-se que, em São Paulo, 17,3% das internações por abortos induzidos foram de adolescentes. Estimativa para o Brasil realizada pelo Ministério da Saúde aponta que, a cada 100 abortos, 25 são de adolescentes, atendendo, a rede pública de saúde, por ano, a 130 mil abortos de adolescentes, provocados ou espontâneos (Sempreviva Organização Feminista - SOF 1997).

Em relação à mortalidade materna no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde ainda sujeitos a correção, 1.654 casos de mortes maternas foram notificados em 1994 (em média, 4,6 por dia). Estima-se que 10% desses casos estejam ligados ao aborto (Folha de S. Paulo 1997). Uma enquete realizada pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher sobre mortes de adolescentes em 1989 aponta um aumento na mortalidade causada pelo aborto, chegando a 20% do total de mortes de adolescentes em 1989 em relação a 8% em 1980 (Unicef 1996). Dados do Ministério da Saúde apontam que, das 1.643 mortes maternas reportadas em 1993, 242 (14,8%) se referiam a mães de 10 a 19 anos, sendo que 85 (35,12%) dessas últimas foram provocadas por distúrbios hipertensivos da gravidez. Quanto mais jovem, maior o risco de morte. Em 1990, o risco de morte de meninas de 10 a 14 anos foi cinco vezes maior do que o de meninas de 15 a 19 anos. O risco das meninas de 15 a 19 anos foi duas vezes maior do que o das adultas (SOF 1997). O maior risco se deve, em parte, às condições ou desenvolvimento físico.

Meninas que prosseguem a gravidez podem ter complicações, desde aborto espontâneo até outras decorrentes do próprio estado gravídico, do parto e/ou puerpério. Essas complicações estão entre as cinco principais causas de morte de adolescentes no Brasil (SOF 1997). A esterilização entre adolescentes, em sua maioria causada por complicações de gravidez na adolescências, chegou a 0,4% entre mulheres de 15 a 19 anos. (Folha de S. Paulo 1996b). Analisemos, a seguir, com mais detalhes esses e outros aspectos biológicos do problema.

A dimensão biológica

Centrando-se no aspecto biológico, de acordo com a Organização Pan-americana de Saúde (OPS 1992), filhos de mães adolescentes têm maior probabilidade de apresentar baixo peso ao nascer, e, conseqüentemente, maior probabilidade de morte, do que os filhos de mães com 20 anos ou mais. A taxa de prematuridade também é mais alta nesse grupo, aumentando o risco de mortalidade perinatal (Beretta 1995). Em São Paulo, de cada mil bebês de mães adolescentes, 70 morrem antes de completar um mês (SOF 1997). Esses riscos se devem, em grande parte, aos fatores biológicos, tais como imaturidade fisiológica e desenvolvimento incompleto da ossatura da pelve feminina e do útero (Beretta 1995; SOF 1997).

Algumas complicações, mesmo não sendo específicas da gravidez precoce, são agravadas nesse tipo de gravidez. Examinando alguns trabalhos na área, podemos identificar pelo menos seis complicações para a saúde da adolescente e do bebê (Beretta 1995; Brasil 1993; OMS 1994; SOF 1997). Uma delas, decorrente da imaturidade anátomo-fisiológica, é o baixo peso ao nascer e a prematuridade do bebê. A segunda é a toxemia gravídica, que aparece nos últimos três meses de gestação e principalmente na primeira gravidez das jovens podendo ocorrer desde pré-eclâmpsia, eclâmpsia, convulsão até coma e alto risco de morte da mãe e do bebê. Uma terceira complicação pode ocorrer no momento do parto, o qual pode ser prematuro, demorado, com necessidade de cesária e com risco de ruptura do colo do útero. A quarta complicação são as infecções urogenitais especialmente decorrentes de parto feito em más condições. Risco de anemia seria a quinta complicação, já que naturalmente a adolescente, em fase de crescimento, necessita de boa alimentação. Na gravidez, essa necessidade se intensifica e o seu não-atendimento pode ocasionar anemia, prematuridade no parto e baixo peso do bebê. Finalmente, a gravidez pode ocasionar retardo do desenvolvimento uterino.

Essa intricada rede de causalidades que configura a gravidez precoce como situação de risco à saúde (e à vida) da mãe e do bebê poderia ser menos impactante se as adolescentes procurassem os serviços de saúde para um adequado acompanhamento pré-natal e do parto/puerpério. No entanto, somente após o segundo ou terceiro mês de atraso da menstruação, a adolescente percebe ou reconhece que está gravida (SOF 1997). Posterga a procura pelo serviço de saúde até, pelo menos, o momento em que não possa esconder mais seu estado chegando, em alguns casos, a procurar o Serviço somente por ocasião do nascimento do seu filho. Esse acompanhamento poderia auxiliar o enfrentamento por parte da mãe de um outro fator de risco - para ela e o bebê - igualmente ou mais importante que o biológico: o risco socioeconômico. Acrescente-se que a decisão por procurar o serviço de saúde pode acrescenta outras características ao problema pois, "a consulta inicial gera grandes expectativas para a adolescente grávida, que vem carregada de dúvidas, culpas, vergonhas, temores em relação à sua capacidade reprodutiva e desconfiada de como será atendida pelo profissional" (Brasil 1993, p. 13).

A dimensão econômica e educacional-escolar

O impacto adverso da gravidez precoce emerge de forma mais clara quando se examina a relação entre educação, pobreza e maternidade precoce. Henriques, Silva, Singh e Wulf (1989) apresentam alguns dados na direção do exame dessa relação. Adolescentes cuja renda familiar se classifica entre as mais pobres (¼ de salário mínimo) quase não têm nenhuma chance de completar o 2o grau após o nascimento de um filho. Vinte e quatro por cento dessas adolescentes tiveram de cinco a oito anos de escolaridade, mas somente 2% prosseguiram sua educação após o nascimento do filho. Entre as que tiveram um filho antes dos 20 anos, apenas 23% haviam estudado além da 8ª série, enquanto as que não deram à luz, 44% estudaram além da 8ª série.

Já durante a gravidez, as adolescentes abandonam escola e emprego. Quando muito estudam ou trabalham até o sétimo mês de gravidez (SOF 1997). Constrangimento e pressões de diretores, professores, colegas e pais de colegas estão entre os fatores que determinam a saída da escola antes do nascimento do filho. Alguns pais contribuem decisivamente para esse abandono ao preferirem esconder a situação "vexatória" da gravidez de sua filha.

Após o nascimento, o abandono da escola é a saída que se impõe às mães jovens, sejam as que necessitam pagar com o seu trabalho doméstico a família que a abriga e ao seu filho, sejam as que necessitam ganhar o sustento para ambos. Neste último caso, diante das dificuldades em encontrar vaga em uma creche gratuita próxima ou sequer em qualquer creche gratuita, a adolescente busca o apoio da sua família para a guarda do bebê durante sua jornada de trabalho, o que torna ainda mais frágil sua já complicada relação com o filho. O apoio da família, em especial nos estratos de baixa renda, significa uma diluição, ou atenuação, da legitimidade da autoridade da mãe adolescente sobre o filho/filha (na classe média, a interferência da família é vivida como crise e questionada pela adolescente) (Desser 1993). Quando não conseguem esse apoio familiar, não raro destinam parte de seus parcos vencimentos a outra mulher que cuidará de seu filho durante essa jornada. No fim do dia, ir à escola diante desse contexto torna-se uma tarefa impossível de ser cumprida. Jovens oriundas de famílias com maior poder econômico e que aceitam a gravidez podem vislumbrar a possibilidade de completar seus estudos e retomar seu projeto de vida.

A não-continuidade dos estudos significará menor qualificação, portanto, menos chances de competir num mercado cada vez mais exigente e com menos ofertas, além da submissão ao trabalho informal e mal remunerado. Levantamento realizado em 1990 por Bruschini (1996), sobre trabalho feminino na década de 1980, mostra que 48,5% das trabalhadoras brasileiras contribuíam para a Previdência Social. As restantes podiam ser encontradas em atividades de baixa remuneração, sem proteção da legislação trabalhista ou previdenciária, realizadas muitas vezes no próprio domicílio ou na rua e em jornadas parciais de trabalho. Mesmo no setor formal, quanto maior o rendimento, menor a participação das mulheres. Por exemplo, na faixa de rendimento até ½ salário mínimo havia, no mercado de trabalho, 4,5% de homens e 11,6 % de mulheres. Na faixa de 2 a 5 salários mínimos, 28,4% e 22,0%, respectivamente. E na de mais de 20 salários mínimos, 4,1% e 1,6%.

A situação torna-se ainda mais perversa ao examinarmos o padrão de fertilidade. Os dados apontam que é provável que ele seja estabelecido na adolescência, pois mulheres que começam a ter filhos mais cedo, geralmente, têm mais filhos. Levantamento Mundial de Fertilidade realizado no final da década de 1980 encontrou que, em 27 dos 29 países abrangidos, mulheres que se casavam com 22 anos ou mais tinham em média 0,5 filho a menos do que mulheres que se casavam aos 18 ou 19 anos (OMS 1994). Para quatro entre dez mães adolescentes, o segundo filho virá antes de o primeiro fazer três anos (SOF 1997). Estabelece-se o moto-contínuo e as jovens, especialmente as pobres, não conseguem rompê-lo acentuando sua condição de dependente e subordinada.

Um outra faceta da relação entre escolaridade e gravidez na adolescência é a que aponta significativas influências do nível de escolaridade na ocorrência desse tipo de gravidez. Henriques e colaboradores (1989) apresentam evidências de que a menor escolaridade é uma característica geral das adolescentes que tiveram filho, independentemente de seu nível de renda ou sua residência (áreas urbanas ou rurais). Fertilidade, em geral, apresenta uma relação inversa com nível educacional das mulheres: mulheres sem educação formal têm, em média, o dobro do número de filhos do que aquelas com sete ou mais anos de escolaridade (OMS 1994). Boletim da SOF (1997) aponta que entre as meninas que ficam mais de cinco anos na escola, 5 em cada 100 engravidam antes de fazer 19 anos. Entre as meninas sem instrução, a proporção sobe para 17 em cada 100. Para as autoras, esses dados podem significar que a escola está ensinando algo sobre corpo, sexualidade e relações afetivas. Uma outra hipótese é que o fato de continuar os estudos aumente a auto-estima e proporcione à adolescente projetos de vida profissional mais amplos que o de ser apenas esposa e mãe.

A dimensão da relação com o parceiro

Algumas famílias aceitam e acolhem a adolescente grávida sem fazer pressão para que ocorra o casamento. Outras, nem tanto. Unir-se ao pai da criança não raro significa submeter-se à sua família. A adolescente paga um preço por "ter sua dignidade recuperada", mesmo que apenas parte dessa, através dessa união. Sua família (e, muitas vezes, a própria adolescente) vê o arranjo matrimonial com alívio e gratidão e a família do pai aceita o "muito obrigado", o que deixa implícito o débito, colocando-se em posição privilegiada de impor suas condições perpetuando-se a situação de inferioridade a que a jovem se vê exposta. Inicialmente, especialmente para a adolescente que não percebia a gravidez como um empecilho aos seus projetos acalenta as mesmas expectativas que tinha antes da experiência de mãe. Aos poucos, no entanto, vai notando a piora das condições de existência. Desser (1993) encontrou, entre mães adolescentes de estratos operários que passaram ou não a morar com o parceiro, um descompasso entre a avaliação daquelas que estão nos primeiros seis meses de sua maternidade e a avaliação daquelas que já ultrapassaram o primeiro ano. Assim, o tempo se encarrega de dissipar a ilusão de que a vida matrimonial lhe traria a tão sonhada independência mostrando que o mundo opressivo em que vivia apenas mudou de endereço.

Ao assumirem a paternidade, muitos rapazes deixam o estudo para trabalhar. Em casa, a adolescente cuida dos afazeres domésticos. Ambos visualizam claramente que seus projetos de vida estão desfeitos. Essa nova situação traz reflexos na relação com o bebê, pois adolescentes que têm essa visão podem revelar problemas no desempenho afetivo da maternidade e da paternidade (Desser 1993). A frustração decorrente dessa visão, a imaturidade para organizar a vida em família, as dificuldades financeiras, entre outros, tornam essa união pouco duradoura. Porém, a mais significativa dentre as causas da instabilidade da união é justamente aquela que a motivou: a pretensa autonomia econômica e emocional em relação à família de origem (Desser 1993). Ainda poderíamos acrescentar outros ingredientes explosivos nessa relação:

O desencanto com o projeto acalentado durante a gravidez, de uma maternidade/paternidade igualitária, a descoberta de precisar da ajuda da própria mãe no cuidado com a criança - ajuda que fora desqualificada no projeto original de maternidade/paternidade -, as alterações da vida sexual, gerando acusações bilaterais de "falta de interesse" são vividas como críticas que introduzem a separação como possibilidade concreta entre casais com, em média, 10 meses de vida conjugal (Desser 1993, p. 132).

Finda a união, à adolescente caberá carregar o filho e os estigmas de mulher separada e mãe solteira.

A dimensão da vida sexual X anticoncepção

Primeiramente, alguns dados estatísticos sobre a vida sexual dos adolescentes. Em relação à vida sexual ativa, dados de Henriques e colaboradores (1989) apontam que, até 16 anos, um pouco mais de 13% das mulheres brasileiras já tiveram relação sexual. Aos 17, essa porcentagem se eleva para 29% na área rural e 21% na área urbana. Em pesquisa realizada em São Paulo, em 1996, com 2.340 jovens entre 12 e 24 anos, obteve-se a porcentagem de 30,2% que tiveram sua primeira relação sexual entre 13 e 15 anos. Esses mesmos adolescentes responderam, nessa pesquisa, que a idade ideal para a perda da virgindade é entre 16 e 18 anos (Folha de S. Paulo, 1996a). Apesar de os adolescentes pesquisados terem algum conhecimento sobre o uso dos métodos anticoncepcionais (86,7% sabiam para que servem os métodos), 70,1% não usaram nenhum método na primeira relação. Sessenta por cento deles nunca usavam camisinha e apenas 11% afirmaram tê-la usado na última relação. Em pesquisa realizada em São Carlos entre adolescentes grávidas ou puérperas, encontrou-se que 67,8% delas tiveram sua primeira relação sexual antes dos 16 anos (Beretta, 1995).

Pesquisas sobre conhecimento dos métodos entre os brasileiros adolescentes, cujos resultados são descritos em Henriques e colaboradores (1989), apontam que esse conhecimento aumenta com a idade e o nível de escolaridade, e que este é diferenciado entre adolescentes residentes em áreas urbanas e rurais, com exceção da pílula e da esterilização feminina. A escolaridade também parece aumentar a probabilidade de uso do método, uma vez que quanto maior a primeira, maior o uso. Dados de pesquisa nacional sobre métodos de planejamento familiar realizada em 1986 apontam que, entre adolescentes com três ou menos anos de estudo, 37% praticavam anticoncepção, 44% não usavam métodos e 19% estavam grávidas (Henriques e colaboradores 1989). Em contraposição, entre mulheres com sete ou mais anos de escolaridade, 57% praticavam anticoncepção e 23% não o faziam. No entanto, a porcentagem das que estavam grávidas é similar: 21%. Das mulheres que usavam métodos, 84% usavam pílula, 5%, coito interrompido, 4%, preservativos, 1 a 2 %, tabelinha e 1 a 2 %, injetáveis ou DIU. Dois por cento se submetiam a esterilização para fins anticoncepcionais. Beretta (1995), estudando 90 adolescentes gestantes ou puérperas de baixa renda, em São Carlos, encontrou que 91,1% conheciam a pílula. Das mulheres que a usavam, a maioria o fazia de modo incorreto.

Alguns fatores podem ser analisados como possíveis causas do quadro descrito sobre o uso de anticoncepcionais. Desser (1993) aponta pelo menos dois: o não-sancionamento do exercício da sexualidade e a utilização da virgindade como método contraceptivo associando-os ao não-uso ou ao uso ineficaz da contracepção, seja na adolescente ainda virgem, seja depois de iniciada a atividade sexual. Há um esforço, no discurso da educação sexual, em prevenir a ocorrência de gravidez pelo cerceamento da atividade sexual da adolescente. Segundo a autora, para a adolescente, "o uso de contracepção desmoralizaria sua vida sexual, mesmo depois do desvirginamento, uma vez que implicaria consciência, premeditação, antes que cessão e sedução" (p. 60). As adolescentes entrevistadas por Desser atribuem a responsabilidade do intercurso ao "amor", visto como fator de desracionalização, ou ao amor-concessão (1993).

Para compreender melhor a influência de aspectos culturais na anticoncepção, ou seja, na prevenção da gravidez na adolescência, como o que acabamos de mencionar, torna-se útil examinarmos mais detalhadamente a dimensão cultural do problema, perpassando pela história da construção da identidade feminina na vida da mulher.

A dimensão sociocultural

A construção da identidade feminina

Há um certo consenso de que a adolescência é um período de transição combinando menor responsabilidade (diante do trabalho, da família etc.) com maior liberdade e certos direitos. No entanto, em nossa sociedade, essa transição não se apresenta igualmente nos homens e nas mulheres, por exemplo, no que tange à experimentação e ao erro: "coisas da idade" para o homem, enquanto para a mulher condiciona-se e se treina sua "aptidão" ao papel que deve assumir na sociedade (mãe e esposa). Ou então, enquanto para o homem a prática sexual é até incentivada, das mulheres espera-se um comportamento que associa a sedução ao platonismo. Entre as classes sociais, essa fase de transição também se dá de forma diferenciada. Desser (1993) afirma que permeiam pela adolescência feminina das classes média e alta certos direitos femininos que já estão relativamente assegurados pelas mudanças de certos valores e comportamentos nessa classe.

Na construção de sua identidade, a mulher se percebe em um caminho que transcende o biológico, pois social, mesmo que o "social" insista em denominá-lo "biológico". Goellner e outras autoras (1995) relatam uma pesquisa feita por Ceres Victora que, estudando a representação de mulheres sobre essa "linearidade" de suas vidas, encontrou as fases que se seguem. A chegada da menarca (cercada de medos e desconhecimento) conclui a primeira fase, a de "menina", em que esta se encontra em constante participação do cotidiano doméstico. Na segunda fase, de "mocinha", a mulher é preparada para a vida adulta participando mais constantemente dos afazeres domésticos incluído o cuidado com os irmãos mais novos. Adolescentes entrevistadas por Desser (1993), com freqüência, relatam o interesse e a curiosidade sexual e romântica como tendo se instalado pontualmente a partir da menarca, percebendo o erotismo não como um processo, mas como súbito. Torna-se "mulher" (terceira fase) mediante a primeira relação sexual. Com a gravidez, está completo seu caminho. Assim, o status social mais elevado - mãe e mulher - só é possível com a entrada do homem em sua vida. Ao biologizar (ou medicalizar) a sexualidade feminina, a maternidade torna-se a plena realização do "ser mulher", o que imprime a esse fato um caráter "natural". E, assim, medicalizam-se também as angústias, os sofrimentos e os desejos como manifestações de "desordem orgânica", e não social. Definidas como esposas e mães, as mulheres tornam-se, seres para os outros e não com os outros.

Essa percepção de linearidade biológica traz conseqüências também a longo prazo à medida que os filhos crescem e saem de casa. Nessa fase, quando a mulher está em torno dos 40 anos, é acometida da "síndrome do ninho vazio" e o homem entra na "idade do lobo". Daí já se pode deduzir o que ocorre com a sexualidade de cada um. Para a mulher, o sexo acabou. Os filhos não precisam mais dela, não pode mais engravidar, a menstruação parou, "a religião lhe diz: missão cumprida...abolida sua sexualidade (que só tem sentido pela procriação) e aponta-lhe o dedo em riste invocando a moral e as célebres culpas ancestrais" (Silva 1995, p. 117).

Desde a gestação, os pais imprimem seus valores sociais à educação da futura filha. As cores do quarto, os brinquedos, o vestuário etc. Romero (1995) apresenta pesquisa que revela que, já nos primeiros dias de vida, durante a amamentação, há distinção no tratamento entre os sexos e conseqüentes sanções e gratificações. Aos poucos, a criança aprenderá o valor simbólico de ter nascido mulher. "O ser humano aprende porque há quem o ensine, e esse ensino não é assexuado" (Romero 1995, p. 238). A identificação com a mãe logo aparece nas brincadeiras. Ao brincar, a criança não apenas conhece-se a si própria, mas também aprende as normas sociais de comportamento, os hábitos determinados pela cultura; o jogo e a brincadeira são meios para construção da sua identidade cultural (Chateau 1987; Lima 1991). Nessa construção, valores e expectativas dos pais determinam quais atitudes são adequadas ou não para a menina. Resumidamente, essas expectativas são de que "os homens sejam fortes, independentes, agressivos, competitivos e dominantes. Para as mulheres, a expectativa é de que sejam mais dependentes, sensíveis, afetuosas e que suprimam impulsos agressivos e sexuais" (Romero 1995, p. 243). A orientação sexual em casa muitas vezes resume-se a avisos ("eu estou te avisando..."). Adolescentes pesquisadas por Desser (1993) relatam ter recebido prescrições sexuais detalhadas, que giram em torno da ameaça de gravidez, ao mesmo tempo em que a informante relatava não ter sido orientada. As prescrições familiares encontradas pela autora variavam desde coercitivas, percebidas como "repressão", a persuasivas, percebidas como "orientação", "educação, "informação". Nos estratos médios e pobres aparecem freqüentemente os dois tipos de prescrição, no entanto, algumas adolescentes as percebem como repressão e outras como educação. Já na classe média-alta predomina o segundo tipo de prescrição.

Ao ingressar na escola, estereótipo e expectativas (ou profecias auto-realizáveis) permeiam a relação professor(a)-aluna, confirmando ou reforçando aqueles advindos de casa. O grupo de iguais também exerce o efeito reforçador segundo suas expectativas de modelo masculino ou feminino. O processo de construção de identidade é iniciado na família, porém, a sociedade encarrega-se da sua manutenção.

A Igreja, historicamente, tem papel fundamental nessa manutenção. Com a pregação da virgindade, da fidelidade, da castidade, da virtude e da submissão, normaliza os corpos femininos dentro de um ideal de pureza física e mental. A monogamia garante a manutenção da família (base de sustentação da Igreja), monogamia esta mais acentuada para a mulher, já que é ela que dá a luz aos "filhos legítimos". Importante mantenedora e difusora da moral e da fé de sua Igreja no seio familiar, a mulher aprende com ela os mecanismos de resistência à exploração e ao sofrimento.

O papel da mídia e da literatura infantil não pode ser esquecido. Na literatura, a mulher é representada dedicando-se a atividades domésticas ou a profissões de pouco status social com comportamentos estereotipados dentro do modelo feminino aqui já abordado. Já na mídia, o corpo da mulher vende, pois não se consome o objeto, mas, a partir do corpo feminino, o que dele evoca. Ao vincular o corpo feminino ao produto a ser vendido, passa-se a imagem e a mensagem de que a própria mulher é uma mercadoria a ser consumida. Mas não qualquer mulher. Vende-se o mito da beleza, "um modelo erótico-estético que age por exclusão - o que não se amolda a ele está fora do jogo" (Silva 1995). Bruhns (1995) analisa que, em nossa sociedade, parece haver uma polaridade entre dois tipos de beleza, ou de paradigmas de mulher (aos quais está associado o padrão de beleza): a modesta/recatada/pura e a imodesta/provocante/sensual. Quando associada ao puro, a beleza parece refletir a pureza da alma.

Quais as implicações de controle social tão rigoroso sobre os papéis masculino/feminino na gravidez na adolescência?

A identidade feminina e a prevenção de gravidez na adolescência

Neste ponto, poderemos retomar a questão da anticoncepção, agora dentro de um contexto mais amplo, cultural, para tentar entender por que a jovem, mesmo tendo algum conhecimento de métodos anticoncepcionais, deles não se utiliza. Vemos justamente nesses aspectos culturais o cerne dessa questão.

O uso inadequado dos métodos anticoncepcionais e/ou de métodos pouco eficazes e a falta de informação sobre anticoncepção constituem algumas das causas da ocorrência da gravidez na adolescência. Vivendo uma vida sexual não autorizada, as dificuldades em se obter informação cercam a adolescente, dificuldades estas que vão desde quais seriam os meios para evitar a gravidez até como conseguir acesso a eles. Há também o medo de a família descobrir o uso do método e a vergonha de se submeter ao exame ginecológico. Outras causas poderiam ser elencadas. Como já descrito anteriormente, a própria necessidade moral da não-premeditação da relação sexual inviabilizaria uma análise pela adolescente sobre qual método utilizar. A visão romântica de que o sexo acontece sem esperar acalenta a idéia de que seria falta de romantismo mostrar desejo de fazer sexo por prazer. Essa visão também acomoda alguns conflitos em caso de gravidez: a garota se sente menos culpada e os pais aceitam melhor a idéia de que ela caiu em tentação.

Falta informação também sobre seu próprio ciclo reprodutivo, o que, somado aos resquícios do pensamento mágico infantil, leva a adolescente a concluir pela pouca (ou nenhuma) possibilidade de engravidar. Esse pensamento é uma das causas da demora da decisão sobre a continuidade ou não da gravidez. Enquanto o tempo vai passando o aborto vai se tornando inviável e a prevenção de problemas obstétricos, que podem ocorrer nesse tipo de gravidez, mais difícil. É como se a adolescente tivesse a certeza de que "se pensasse bem forte a gravidez iria embora". O receio, muitas vezes fundamentado, da reação dos pais e o não-atendimento de suas necessidades específicas pelo Serviço de Saúde, decorrentes das grandes mudanças biológicas, psicológicas e sociais pelas quais está passando, seriam outros motivos que levariam a adolescente a "esconder" o maior tempo possível sua gravidez. Além dessa contribuição, o serviço de saúde também tem sua parcela de responsabilidade na ocorrência desse tipo de gravidez, na medida em que raramente promove ações educativas de prevenção e orientação voltadas para o público adolescente.

A falta de informação agrava-se nas adolescentes em condições socioeconômicas mais baixas, somando-se ao fato de que, para muitas dessas mulheres com poucas opções de vida, a chegada de um filho é considerada "natural". Uma das entrevistadas de Desser afirmou que a vida dela não havia mudado muito já que antes do seu filho, ela já cuidava do irmão mais novo (1993).

A mídia reforça, em vários aspectos, o pensamento mágico ainda presente na adolescente, ao mostrar casos de gravidez na adolescência que são resolvidos de forma quase "mágica" como quedas de escadas etc., além de raramente mostrar as conseqüências de ter um filho nessa fase da vida. Outro aspecto da contribuição da mídia é o grande reforço que dá aos papéis de esposa-mãe da mulher e a glorificação de algumas mulheres que optaram pela gravidez como Madona, Claudia Raia, Demi Moore etc. A adolescente em busca de modelo tem na tela da TV a oportunidade de encontrá-lo.

Ainda sobre o "pensamento mágico", este não é privilégio de quem está transitando da infância para a vida adulta. Os pais também o apresentam ao se convencerem de que "com minha filha isso não vai acontecer". Daí pode decorrer a ausência de informações sobre prevenção de gravidez, por parte dos pais. O contexto familiar pode influenciar na ocorrência da gravidez também de outras formas. A ausência de laços afetivos fortes na família e da atenção aos seus peculiares problemas e o sentimento de abandono podem levar a jovem a apoiar-se apenas no namorado. Com receio do abandono também por parte deste, caso não lhe dê a tão requisitada "prova de amor", a adolescente, já carente de afetividade, vai aceitando o curso que o namoro vai tomando sem aperceber-se dos riscos físicos e emocionais. Além disso, pode ver, na gravidez, a solução para agredir os pais punindo-os pela falta de afeto.

Além da ameaça de abandono, o relacionamento com o namorado cerca-se de outras características bastante favoráveis à ocorrência da gravidez. A principal delas é a dos papéis masculinos e femininos já abordados anteriormente. Já que do homem espera-se muito sexo e da mulher nenhum, pouco se faz para prepará-la para a vida sexual. Ou mesmo não cabe prepará-la para o uso de anticoncepcionais já que isso significaria poder sobre sua própria vida, um poder que cabe ao homem. A este cabe decidir quando e como vai ser a relação e se haverá providências para evitar a gravidez. Permeia o relacionamento uma dupla moral, em que do homem espera-se a insistência e a chantagem, e da mulher, a responsabilidade de "se defender". Ao finalmente "ceder" ao sexo, a mulher entra numa armadilha, pois acabou de passar a fronteira para o lado das que fazem sexo. Para essas mulheres a sociedade preconiza um futuro em que sexo é incompatível com casamento, portanto, ao deixar de ser a menina com a qual o rapaz irá se casar, não é necessário que ele tome cuidado. Esta máxima vale tanto para esta garota específica como para todas as outras desse lado da fronteira. Apesar de, nas classes médias e altas urbanas, as concepções que cercam a virgindade, como honra e honestidade, estarem se alterando rapidamente entre as mulheres, criam-se outros elementos para normalizar a não-virgindade. Um deles é a transposição da inocência da mulher virgem para a não-virgem; a pureza feminina traduz-se numa vivência honesta e discreta da sexualidade (Desser 1993). Ao considerar a perda da virgindade como um acontecimento normal nos dias de hoje, e não como uma conquista da mulher contra a dupla moral, a necessidade dessa transposição torna-se vital. Algumas das mulheres não-virgens encontram na paixão masculina o motivo para o homem conformar-se com a ausência do hímen da mulher amada. No outro lado, das que ainda valorizam a presença do hímen, há casos extremos como o relatado por Desser (1993) em que, mesmo no nono mês de gravidez, já na maternidade, a adolescente solicita, desesperada, o parto cesáreo. Motivo: "pelo amor de Deus, eu sou virgem, eu não posso ter um filho desse jeito porque eu sou virgem... Chama a doutora pra me fazer uma operação" (p. 71). A autora analisa que, para essa adolescente, "a preservação do hímen transforma-se na vara de condão que lhe permite compatibilizar, por algum tempo, o exercício transgressor da sexualidade, tornado concreto na gravidez, e os códigos valorizados por ela" (p. 71).

O modelo de sexualidade que gira em torno do casal de namorados centraliza-se na penetração (SOF 1997). Outras expressões de sensualidade e erotismo ou são deixadas de lado ou são utilizadas como preparação para a penetração. A pressão cultural para a ocorrência da penetração acaba atrapalhando a descoberta de outros caminhos e apressando esse tipo de relação rodeando o início da vida sexual das mulheres com medos e conflitos. Sentindo-se fraca para dizer e manter um não, sente-se fraca também para decidir com firmeza pela anticoncepção numa relação que não consegue aceitar totalmente.

A vida sexual ocasional é outro motivo da ocorrência da gravidez na adolescência. A ocasionalidade dificulta o planejamento a longo prazo do uso de um método eficaz, como por exemplo, a pílula. A adolescente questiona o porquê de usá-la se não está com um parceiro fixo, esquecendo-se dos fatores acima mencionados, em especial a não-premeditação da relação. Mesmo quando numa vida sexual ativa, há, no mínimo, vergonha em pedir ao parceiro que use camisinha. A paixão pelo namorado transforma-o em alguém que a protegerá dos perigos da gravidez e de doenças sexualmente transmissíveis. Em geral mais velho, há também uma confiança de que seja mais experiente e, portanto, mais "prevenido". Dados obtidos em postos de saúde de São Carlos confirmam esse fato, pelo menos nessa cidade. O quadro a seguir apresenta a idade da mãe e do pai na ocasião da matrícula do filho no posto, de um total de 962 crianças matriculadas, menores de dois meses, em 1995. Para o quadro foi feito um recorte na faixa etária de 10 a 29 anos.


QUADRO 3 - Idade do pai e da mãe na ocasião da matrícula do filho até dois meses nos postos de saúde de São Carlos em 1995.

Fonte: Nipe 1997.

A maior incidência de mães é entre 20 e 24 anos, e de pais, entre 25 e 29. Percebe-se também que não há nenhum pai entre 10 e 14 anos. Ter filho(s) na adolescência mostra-se como um fenômeno majoritariamente "feminino" no sentido de que a incidência de paternidade durante a adolescência é muito menor que a maternidade (24,9% de mulheres para 6,1% de homens). Os dados acima não sofrem a distorção da paternidade não assumida, pois 95,6% das crianças tinham pai e mãe legítimos.

Na educação formal, há pouco se debate sobre a necessidade da inclusão da educação sexual no currículo. No entanto, mesmo que se incluísse no currículo de 1º grau tal educação, ainda teríamos um contingente de mulheres que a ela não teria acesso. Segundo dados do Unicef (1996), no Brasil, 87% das mulheres se matriculam nas escolas primárias, mas, desse número, apenas 30% completam oito anos de escolaridade. Duas causas principais dessa evasão são as altas taxas de repetência e a deficiente qualidade da educação. No estado de São Paulo, em 1994, 10,6% das mulheres não tinham qualquer instrução formal e 46,8% tinham o 1º grau incompleto, o que totaliza 57,3% sem um nível formal de escolaridade (Seade 1997). São essas mulheres (sem qualquer escolaridade) que chefiarão 72,3% das famílias com chefia feminina, possivelmente transformando-se na quase exclusiva fonte de informação para suas filhas. Nesse contexto, de baixa escolaridade das mulheres, faz-se necessário pensar tanto qual educação sexual é necessária como onde e quem a realizará.

A educação sexual necessária

Bernardi (1985) alerta para a direção que algumas propostas de educação sexual têm seguido assentadas numa estratégia pedagógica de "socialização para a apatia, exercitada seja na família, seja na escola, seja nos programas políticos, seja na sociedade em geral. Vivemos numa cultura `sexofóbica' e repressiva" (p. 9). Para o autor, essa operação, à qual tem sido dado o nome de "educação sexual", nada tem a ver com educação, pois não aceita a eventualidade de mudanças, já que parte do princípio de que as regras codificadas de nossa sociedade estão bem como estão e que devemos nos adaptar a elas. Continua o autor: "Quem se afasta dessa linha de conservadorismo e de imobilismo está destinado à desaprovação, à censura, à condenação. A educação entendida como dirigida à livre evolução da personalidade e à uma procura crítica dos comportamentos éticos, é considerada suspeita, perniciosa, socialmente daninha e anticultural" (p. 15).

Goldberg (1984) apresenta um caminho para a educação sexual neste país que é pela transformação dos padrões de relacionamento sexual. Para a autora, essa educação somente contribuirá para essa transformação se, em primeiro lugar, for uma prática de autonomia entendida como desenvolvimento de atitudes e valores próprios e da consciência de que cada um pode e deve fazer escolhas pessoais e responder por elas. Em segundo lugar, a autora aponta o processo de cooperação e conflito que essa educação deve propiciar, em vez de ser um exercício de individualismo e cordialidade. E, em terceiro lugar, propiciar a crítica do presente no sentido de produção de alternativas concretas, ou seja, de ação sobre a realidade. Além desses aspectos, a autora destaca o caráter permanente do processo educativo. Assim, o momento da educação sexual formal deve ser um momento de instrumentalização para a vida sexual e não apenas discorrer sobre itens de comportamentos preventivos.

Considerando-se esses aspectos, ou pressupostos, para uma educação sexual eficaz no quadro problemático já descrito neste artigo, fica a questão: quem deverá realizá-la? Considerando-se a baixa taxa de escolaridade das mulheres no país, e enquanto esse fenômeno não for alterado, a escola não parece ser o espaço que deva ser privilegiado, em especial se tal privilégio for em detrimento de outros espaços a ela alternativos. Esses espaços podem ser encontrados na própria comunidade "de risco", ou seja, onde se encontrem as mulheres adolescentes de nível socioeconômico e escolaridade baixos. Essas mulheres podem, elas próprias, constituir o "espaço educacional" alternativo.

Uma das formas mais efetivas de assegurar a participação da comunidade é o emprego de promotores ou agentes comunitários, oriundos da própria população-alvo, treinados para um objetivo específico e que atuem em benefício dessa comunidade em particular. A participação desses promotores é definida pela OPS como um processo que gera um sentido de responsabilidade pelo próprio bem-estar das pessoas da comunidade, além da capacidade de atuar de forma consciente e construtiva em diversos programas, visando resolver problemas bem definidos. Uma forma de garantir a continuidade e a autonomia de um programa de saúde consiste em fazer com que a população local participe de atividades de capacitação, que visem formar promotores de saúde que possam manter e, inclusive, melhorar as atividades do programa (Magnuz 1986). A literatura aponta grandes possibilidades dos programas preventivos realizados por agentes comunitários (Montrone 1997; Poster e Zimmer 1995; Riedmiller 1995; Rodriguez, McFarlane e Fehir 1994; Souza e Lima 1988). Mulheres adolescentes de uma determinada comunidade podem se tornar promotoras de saúde em programas educativos voltados à modificação do quadro problemático da gravidez na adolescência nessa comunidade.

Os postos de saúde também podem contribuir com ações educativas voltadas a adolescentes de ambos os sexos e adolescentes grávidas. Estas últimas representam entre 23% e 30% do total de gestantes atendidas pelos serviços de saúde (Brasil s/d). Seria necessário, entre outras providências, estabelecer dias e/ou horários específicos; manter agenda aberta, sem necessidade de marcar consulta; treinar e organizar o pessoal de tal modo que haja um atendimento adequado à especificidade da gravidez na adolescência e todo o tempo necessário a esse atendimentos (Brasil s/d). Grande parte das ações preconizadas pelo Ministério de Saúde para o atendimento da adolescente grávida refere-se a processos educativos, como treinamento dos profissionais, esclarecimentos à família, fornecimento de informações sobre planejamento familiar, esclarecimentos sobre gravidez, parto, cuidados com o bebê e amamentação, entre outros, e à formação de uma "equipe multiprofissional, com disponibilidade, flexibilidade e sensibilidade para atender às necessidades dos adolescentes" (Brasil s/d, p. 13).

Na escola, trazer a "fala sobre o corpo" para o discurso oficial não a deixando circunscrita apenas nos espaços de pátios, rua, televisão, discoteca etc. Antes, ou talvez, acima de tudo, admitir a existência do corpo do(a) educador(a), portanto de sua sexualidade, de sua identidade sexual, de sua história, de seus valores, de seus estereótipos. Rosemberg (1995), examinando pesquisas brasileiras sobre a educação e o corpo, concluiu que, além de negado e fragmentado, o corpo, nessas pesquisas, é prerrogativa do(a) estudante. "Se a pesquisa se interessa pelo(a) professor(a) é para saber qual sua opinião ou conhecimento sobre educação sexual, por exemplo. Se investiga (esporadicamente) a sexualidade ou a saúde em contexto escolar, o foco é o(a) aluno(a)" (p. 272). Como espaço para produção do saber, e, portanto, da razão, da racionalidade comportada pela nossa cultura, a escola reluta em abrir esse espaço para também abordar questões que fogem dessa razão e, portanto, escancaram aspectos culturais do problema, como dupla moral, estereótipos e outros já abordados. Negar essas abordagens é contribuir para a manutenção do status quo.

A educação, seja em que espaço for e que forma tomar, não pode nem deve restringir-se apenas a esta ou àquela parcela da população. Todos envolvidos na problemática da gravidez na adolescência devem também ser envolvidos na sua solução. Solução esta que se tornará uma possibilidade concreta se partir da busca da dignidade - "móvel principal da estruturação da identidade" (Silva 1995, p. 120) - e propiciar uma tomada de consciência de si mesmo como ser humano digno e merecedor de prazer e felicidade. E aí, não nos referimos apenas à mulher, mas a um processo que abranja "a totalidade do ser humano e, com ela, o homem, parceiro e cúmplice, gerando uma relação de igualdade, que é o compromisso ético mais desejado da relação a dois" (Silva 1995, p. 122). A luta contra uma sociedade de marginais - entre eles, a mulher - não é uma luta apenas das ou para as mulheres. "Uma sociedade estruturada na base da divisão entre classes sociais e entre sexos será sempre uma sociedade injusta, porque está assentada na desigualdade de direitos, entre classe dominante e classe subalterna, entre sexo masculino e sexo feminino" (Romero 1995, p. 266). Uma agenda que combina justiça social e justiça de gênero é uma agenda para o ser humano, uma agenda, pois, da dignidade do "ser" humano. Necessário se faz dar-lhe materialidade institucional e substância cultural: um projeto de transformação a longo prazo.

Adolescent Pregnancy: dimensions of the problem

ABSTRACT: An intricate net of factors assigns adolescent pregnancy a very high degree of risk for both mother and child, mainly for those from lower income classes. Serious consequences of premature pregnancy are felt in morbidity/mortality rates among mothers and babies as much as in the economic, educational and social outcomes. Educational action is one manner of facing the problem. Nonetheless, educational actions which emphasize solely the biological approach to family planning have proved uneffective as we consider statistics relative to the reproductive health of girls. In order to have education bringing about effective contribution to the decrease of this particular type of pregnancy, all dimensons of the problem need to be taken into consideration, in special the social-cultural dimension, which establishes the determinants of undesired pregnancies. To approach this latter dimension mainly, from an educational perspective means to open room, inside and outside schools, for the debate about women's identity within a process that encompasses their thoroughness as human beings.

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Colaborou no levantamento estatístico sobre gravidez precoce e no levantamento bibliográfico sobre agentes comunitários a professora doutora Aida Victoria Garcia Montrone.

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  • * Professora doutora adjunta e integrante do grupo de pesquisa Práticas Sociais e Processos Educativos do Departamento de Metodologia de Ensino, Universidade Federal de São Carlos.
    Professora doutora adjunta e integrante do grupo de pesquisa Práticas Sociais e Processos Educativos do Departamento de Metodologia de Ensino, Universidade Federal de São Carlos.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Abr 1999
    • Data do Fascículo
      Jul 1998
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