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Os efeitos dos parcelamentos sobre a arrecadação tributária

Resumos

Este artigo avaliou qual o impacto que os parcelamentos concedidos tiveram sobre o comportamento do contribuinte e da arrecadação. Verificou-se que o hiato tributário estimado sem concessão de parcelamentos é de cerca de 30%, mas que aumenta em até quatro pontos percentuais diante da oferta de programas de refinanciamento de dívidas tributárias, como no caso do REFIS. Os efeitos sobre a espontaneidade são sempre negativos, e perduram por longo tempo, enquanto os contribuintes nutrirem expectativas sobre novos parcelamentos futuros. No lado das receitas, as simulações sugerem que a arrecadação na presença do parcelamento tributário é sempre inferior àquela que seria obtida se não houvesse parcelamento durante toda a etapa de concessão. Os ganhos de arrecadação posteriores, quando as parcelas são pagas, dependem da inadimplência e da expectativa de novos parcelamentos pelos contribuintes. Conclui-se que o mecanismo de parcelamentos tributários é inadequado como forma de aumentar as receitas e prover os incentivos corretos aos contribuintes.

parcelamento tributário; espontaneidade; arrecadação


This paper evaluated the impact that opportunity to taxpayer to parcel its tax debts has on its behavior and on tax collection. It was found that the estimated tax gap without this tax benefit is about 30%, but increases by up to four percentage points with the presence of the refinancing programs, as in the case of REFIS. The effects on spontaneity are always negative and last for a long time while taxpayers nurture expectations about future tax installment. On the revenue side, the simulations suggest that the collection in the presence of the installment tax is always less than that which would be obtained if there were no installment throughout the concession phase. Later revenue gains, when the parcels are paid, depend on the default and the taxpayer´s expectation of new installment. We conclude that the mechanism of tax installment is inappropriate as a way to increase revenues and provide the right incentives to taxpayers.

tax installment; spontaneity; tax revenues


Os efeitos dos parcelamentos sobre a arrecadação tributária Agradecimento ao CNPq pelo apoio a esta pesquisa.

Nelson Leitão Paes

Pesquisador CNPq- Programa de Pós-Graduação em Economia (PIMES/UFPE), Endereço: Av. Prof. Morais do Rego, s/n - Cid. Universitária - Recife - PE - Brasil, CEP: 50670-901 - E-mail: nlpaes@gmail.com

RESUMO

Este artigo avaliou qual o impacto que os parcelamentos concedidos tiveram sobre o comportamento do contribuinte e da arrecadação. Verificou-se que o hiato tributário estimado sem concessão de parcelamentos é de cerca de 30%, mas que aumenta em até quatro pontos percentuais diante da oferta de programas de refinanciamento de dívidas tributárias, como no caso do REFIS. Os efeitos sobre a espontaneidade são sempre negativos, e perduram por longo tempo, enquanto os contribuintes nutrirem expectativas sobre novos parcelamentos futuros. No lado das receitas, as simulações sugerem que a arrecadação na presença do parcelamento tributário é sempre inferior àquela que seria obtida se não houvesse parcelamento durante toda a etapa de concessão. Os ganhos de arrecadação posteriores, quando as parcelas são pagas, dependem da inadimplência e da expectativa de novos parcelamentos pelos contribuintes. Conclui-se que o mecanismo de parcelamentos tributários é inadequado como forma de aumentar as receitas e prover os incentivos corretos aos contribuintes.

Palavras-Chave: parcelamento tributário, espontaneidade, arrecadação

ABSTRACT

This paper evaluated the impact that opportunity to taxpayer to parcel its tax debts has on its behavior and on tax collection. It was found that the estimated tax gap without this tax benefit is about 30%, but increases by up to four percentage points with the presence of the refinancing programs, as in the case of REFIS. The effects on spontaneity are always negative and last for a long time while taxpayers nurture expectations about future tax installment. On the revenue side, the simulations suggest that the collection in the presence of the installment tax is always less than that which would be obtained if there were no installment throughout the concession phase. Later revenue gains, when the parcels are paid, depend on the default and the taxpayer´s expectation of new installment. We conclude that the mechanism of tax installment is inappropriate as a way to increase revenues and provide the right incentives to taxpayers.

Keywords: tax installment, spontaneity, tax revenues

1. Introdução

A partir da virada do século governos e contribuintes encontraram o que parecia ser a solução de grandes dificuldades na área tributária. Os parcelamentos especiais representavam para os governos a oportunidade de aumentar suas receitas e diminuir o imenso estoque de dívidas tributárias acumulado na carteira da Administração Tributária, mas com pouca perspectiva de recebimento num prazo razoável. Do outro lado, encontraram firmas atoladas em dívidas tributárias com intermináveis discussões jurídicas e administrativas.

Havia, portanto, um espaço que possibilitaria mitigar problemas que afetavam governos e contribuintes. Assim, os parcelamentos foram ofertados em condições bastante favoráveis aos devedores, com parcelas a perder de vista, descontos e juros muitas vezes bem abaixo dos praticados pelo mercado. Governos receberiam uma parte do estoque da dívida de maneira consensual e firmas resolveriam seus passivos tributários, o que lhes permitiria tocar seus negócios de posse, por exemplo, de uma Certidão Negativa de Débito.

Assim, na primeira década deste século, foram oferecidos nada menos do que quatro parcelamentos especiais federais, rigorosamente a cada três anos. Primeiro o REFIS em 2000, depois o PAES em 2003, em seguida o PAEX em 2006, e finalmente o REFIS-CRISE em 2009. A concessão de parcelamentos não se restringiu apenas a esfera federal, tendo sido também prática adotada por governos estaduais e municipais. Este trabalho se restringirá, porém, a análise dos parcelamentos federais.

Porém, tais programas têm efeitos muito além de um mero acerto de contas entre governo e empresas. Intuitivamente, é de se supor um enfraquecimento na boa cultura tributária de apurar e pagar espontaneamente e no prazo estabelecido os tributos devidos. Ora, se ao deixar de pagar seus tributos o contribuinte pode ser premiado com um parcelamento futuro, que com suas benesses represente um valor presente menor do que aquele correspondente ao recolhimento espontâneo, é possível que ele não cumpra com sua obrigação corrente.

Este artigo objetiva avaliar qual o impacto que todos esses parcelamentos federais concedidos em intervalo de tempo tão pequeno tiveram sobre o comportamento do contribuinte e da arrecadação. Para tanto, foi construído um modelo econômico de equilíbrio parcial, conjugado com uma série de hipóteses a respeito do comportamento dos contribuintes e da Administração Tributária. Supôs-se que logo após a oferta de um parcelamento, os contribuintes ficam na expectativa de novos parcelamentos futuros, e que esta memória só se dissipa após alguns anos.

Os resultados confirmam a intuição. A aplicação da metodologia sugere que a concessão de parcelamentos reduz a propensão do contribuinte em pagar impostos de maneira significativa. O hiato tributário1 1 O hiato ou “gap” tributário é a diferença entre a arrecadação prevista em legislação, a arrecadação potencial legal, e a que efetivamente ingressa nos cofres públicos. estimado sem concessão de parcelamentos é de cerca de 30%, mas este aumenta em até quatro pontos percentuais diante da oferta de programas de refinanciamento de dívidas tributárias, como no caso do REFIS. Somente após longo tempo é que a propensão a pagar tributos espontaneamente retorna ao seu valor natural.

No lado das receitas, as simulações sugerem que a arrecadação na presença do parcelamento tributário é sempre inferior àquela que seria obtida se não houvesse parcelamento durante toda a etapa de concessão entre 2000 e 2009. Os ganhos de arrecadação em momento posterior, quando as parcelas são pagas, dependem da inadimplência dos contribuintes. Se, como retrata Morais et al. (2011), 90% do estoque dos parcelamentos não é pago, não haverá ganho de arrecadação, apenas prejuízo com perda de recursos e enfraquecimento da cidadania fiscal.

O trabalho, ainda, analisou a possibilidade de um novo parcelamento em 2012, com resultados similares – redução da espontaneidade e efeitos negativos na arrecadação.

Além desta introdução, a seção 2 apresenta os quatro parcelamentos tributários especiais que foram concedidos e são o objeto de estudo deste trabalho. A seção 3 faz uma breve revisão da literatura, com ênfase sobre trabalhos voltados para o Brasil nas áreas de informalidade, evasão fiscal e parcelamento tributário. A seção 4 apresenta o modelo econômico e a seção 5 traz a calibragem. A seção 6 discute os principais resultados e a seção 7 apresenta os comentários finais.

2. Os Parcelamentos Tributários Especiais

No Brasil, desde o ano 2000, foram quatro os programas de parcelamentos especiais. Em todos os casos parece haver uma junção do interesse do governo e das empresas na oferta de parcelamentos. Os governos acreditam que tem um ganho de arrecadação com o recebimento de parte das dívidas. Já as empresas percebem no parcelamento uma boa oportunidade de reduzir o seu passivo tributário a um custo mais baixo e buscam influenciar o legislativo e o executivo de forma que as condições ofertadas lhe sejam mais favoráveis.

Por conta deste encontro de interesses, foram concedidos parcelamentos em 2000, 2003, 2006 e 2009. Alguns deles com condições muito benéficas para o devedor e outros nem tanto. O primeiro a ser ofertado foi instituído pela Lei n. 9.964 de abril de 2000 e foi chamado de REFIS – Programa de Recuperação Fiscal, no qual os contribuintes pessoa jurídica poderiam parcelar suas dívidas tributárias e previdenciárias vencidas até fevereiro de 2000. Logo em seguida, a Lei n. 10.684 de 2003 criou o PAES – Parcelamento Especial – cujo objetivo era oferecer novamente condições especiais de parcelamento para empresas com débitos tributários e previdenciários vencidos até agosto de 2003.

Em 2006, a Medida Provisória n. 303 criou o PAEX – Parcelamento Extraordinário. Mais uma vez estavam abrangidos débitos previdenciários e tributários vencidos até fevereiro de 2003. Finalmente, a Lei n. 11.941 de 2009, instituiu o popularmente conhecido REFIS-CRISE, uma vez que tal programa foi criado no bojo das repercussões econômicas da grave crise econômica iniciada em 2008. Mais uma vez os contribuintes poderiam desistir dos parcelamentos anteriores e aderir a este novo programa.

Todos estes parcelamentos apresentam um comportamento em comum. No momento em que são instituídos, há uma adesão em massa dos contribuintes, mas com o passar do tempo muitos deles são excluídos, seja por inadimplência ou por quitação da dívida ou ainda por adesão a um novo parcelamento. Com isso, logo após o terceiro ano a quantidade de contribuintes que permanecem nos programas cai substancialmente.

A tabela abaixo mostra a evolução do número de optantes dos parcelamentos mais antigos já concedidos.

Observe que há uma queda acentuada de inscritos entre o momento da concessão do parcelamento e cinco anos após. Tanto no REFIS quanto no PAES, o total de optantes recuou quase 80% no período.

Morais et al. (2011) fazem uma análise do motivo que levaram os contribuintes a sair dos parcelamentos. Segundo os autores, e com dados de 2011 no REFIS, 85% do total de opções foram encerradas por rescisão; no PAES este percentual cai para 62% e no PAEX é de 53%. Ainda que boa parte dos encerramentos se deva a inadimplência, os autores mostram que uma parte desse grupo apenas trocou de parcelamentos. Do REFIS para o PAES migraram mais de 45.000 contribuintes, enquanto do PAES para o PAEX quase 60.000 inscritos, e de todos os anteriores para o REFIS-CRISE foram mais de 70.000. Segundo eles, somente 6% dos optantes pelo REFIS aproveitaram a oportunidade para liquidar o passivo fiscal. No PAES este percentual subiu para 30%, e no PAEX chegou a 40%. Para os autores, as condições ofertadas e os sucessivos parcelamentos reduzem substancialmente a possibilidade de sucesso na cobrança administrativa da RFB.

3. Revisão de Literatura

A literatura econômica sobre a relação entre parcelamentos tributários e a evasão fiscal apenas se iniciou muito recentemente. Parcelamentos tributários há muito são discutidos na esfera jurídica e aparecem frequentemente nos temas das revistas especializadas na área. Porém, no estudo da economia, é um assunto que somente agora começa a despertar o interesse dos pesquisadores.

Morais et al. (2011) mostram a ineficiência arrecadatória dos parcelamentos tributários, nos quais segundo os autores nada menos do que 90% do estoque parcelado não foi pago. Também apresentam relação fortemente negativa entre a oferta de parcelamentos tributários especiais como o REFIS, PAES, PAEX e REFIS-CRISE e a cobrança administrativa de débitos tributários pela RFB, levando a baixos índices de recuperação de crédito tributário no país.

Cavalcante (2010) explora a influência dos parcelamentos tributários especiais sobre a arrecadação da União. Usando dados de 2005 a 2010, concluiu que há uma relação negativa entre arrecadação tributária federal convencional e aquela obtida pelos parcelamentos especiais. Também verificou que a arrecadação oriunda dos parcelamentos se relaciona com a atividade econômica do país medida pela produção industrial, e que é muito pequena para afetar a arrecadação convencional. Por fim, o autor sugere a completa ineficiência do uso dos parcelamentos tributários na recuperação de créditos do governo federal.

Paes (2012) desenvolve um modelo teórico para analisar o comportamento do contribuinte diante do parcelamento tributário. Verifica que a expectativa de parcelamento tributário futuro já afeta a propensão a pagar tributos do contribuinte no presente. Assim, a oferta de parcelamentos aumenta a evasão fiscal, que atinge proporções acima de 30%, em concordância com as estimativas da literatura sobre a evasão fiscal no Brasil. O trabalho também detalha como o desenho do parcelamento tributário impacta a espontaneidade no recolhimento dos tributos. Número de parcelas elevadas e correção das parcelas por taxas de juros subsidiadas são os instrumentos que trazem maiores aumentos da evasão.

A literatura sobre parcelamentos tributários é, portanto, unânime no sentido de que não se trata de medida adequada do ponto de vista da política tributária, seja pelo seu impacto negativo sobre o cumprimento espontâneo da obrigação tributária, seja pela ineficiência e pouco resultado que traz sobre a arrecadação.

Este artigo contribui para a literatura que trata dos parcelamentos ao modificar o modelo de Paes (2012) e averiguar o impacto do parcelamento não apenas sobre o contribuinte, mas também sobre a arrecadação. O modelo aqui proposto será dinâmico e permitirá a análise do comportamento da arrecadação no tempo, uma vez que se conjectura que um dos motivos da concessão dos parcelamentos tributários especiais é o aumento da arrecadação no curto prazo, com efeitos positivos também no médio prazo por conta do pagamento das parcelas. Por outro lado, há um efeito negativo na espontaneidade, o que pode reduzir a arrecadação convencional. O modelo aqui adotado permitirá a análise destas duas forças antagônicas com as respectivas consequências para a arrecadação.

4. Metodologia

A metodologia proposta corresponde a um modelo modificado do originalmente desenvolvido por Paes (2012). Assim, considere que a firma ao maximizar seus lucros levará em conta a possibilidade de abertura futura de um programa de parcelamento do governo e a possibilidade de autuação com as penalidades previstas na lei. Por hipótese, As firmas são idênticas e resolvem o mesmo problema de maximização de lucros. Uma importante hipótese do modelo é que todos os parcelamentos serão integralmente pagos, ou seja, não há inadimplência. Os valores parcelados serão sempre pagos.

Diferentemente do artigo de Paes (2012), supõe-se que a firma irá inicialmente decidir se participará ou não do parcelamento. Como critério de escolha, admite-se que a firma irá participar do parcelamento se, e somente se, o valor presente da dívida tributária parcelada foi inferior ao valor devido da obrigação tributária que não foi pago no momento t.

Onde α é a fração do imposto devido, , que será pago pela firma no instante t. Como usualmente definido, yt é o produto e rt é a taxa de mercado de retorno do capital. O lado esquerdo da desigualdade representa o valor parcelado – composto pela soma da multa de mora, juros de mora acumulados e o valor do principal, onde MM é a multa de mora pelo atraso no pagamento, M é o desconto concedido no valor da multa de mora em razão da opção pelo parcelamento, r corresponde ao mesmo tipo de desconto, só que aplicado à taxa de juros acumulada sobre o valor que deixou de ser pago.

O segundo termo representa em valor presente a fração da dívida original, calculada no primeiro termo, que será realmente paga, onde N é o número de parcelas máximas admitidas no parcelamento e é a taxa de juros do parcelamento fixada pelo governo, que pode ser mais baixa que a taxa de mercado. Ainda, D é o período decadencial, a partir do qual as dívidas tributárias não podem ser mais lançadas pela administração tributária, de forma que o primeiro termo em colchetes representa a transformação para valor presente. Já o termo do lado direito da desigualdade corresponde ao valor corrente da obrigação tributária que não foi paga – multa, juros e o valor do principal.

Após considerar a sua expectativa de participar ou não do parcelamento, a firma irá maximizar os lucros. Caso decida não participar do parcelamento, o problema da firma consiste em encontrar α que maximize a Equação (2) abaixo:

Onde é o salário, são as horas trabalhadas e é o estoque de capital. A última parcela de (2) trata do lançamento tributário, que só pode ocorrer ao final do período decadencial. A função representa a probabilidade de que o contribuinte seja auditado pelas autoridades fazendárias e é o percentual da multa aplicada em caso de lançamento. Observe que a taxa de juros no lançamento é a de mercado.

A função p(α) depende apenas do percentual da obrigação tributária que deixou de ser paga pelo contribuinte. Quanto maior a fração do imposto pago, maior α, e menor a probabilidade de auditoria.

Assim, supõe-se que a função p(α) é uma função contínua e decrescente monotonicamente com α. A solução de primeira ordem de (2) é dada por:

Uma segunda possibilidade ocorre caso a expectativa da firma seja de participar do parcelamento futuro. Nesta situação, ela irá determinar α que maximize a Equação (4) abaixo:

Os termos da Equação (4) já foram vistos nas duas equações anteriores, com exceção de , que representa a expectativa da firma de que ocorrerá algum programa de refinanciamento das dívidas no instante (t+j). Portanto, a firma, ao escolher o quanto pagar de tributos de forma a maximizar o lucro no instante t, considera a possibilidade de um eventual parcelamento futuro e também de um lançamento tributário. Note que, durante o período decadencial, a firma inicialmente espera pelo parcelamento, para, em seguida, caso este não tenha sido aberto, ficar exposta a possibilidade do lançamento tributário, com as penalidades e agravamentos definidos em lei e representados pela constante . Observe que a firma só poderá ser autuada se não houver efetuado o parcelamento durante o período decadencial.

A condição de primeira ordem, após alguma manipulação algébrica, nos fornece:

Para prosseguir na análise, é necessário que se faça algumas hipóteses sobre p(α).

Tais hipóteses estão relacionadas ao comportamento da administração tributária e foram retiradas de Paes (2012). Admite-se que esta separe os contribuintes em três faixas:

Aqueles que cumprem integralmente, ou quase, com as suas obrigações tributárias apresentam um α elevado. Para este grupo, a probabilidade de serem auditados é muito baixa. Admite-se que a administração tributária não faz ou faz pequena diferença entre os contribuintes que adotam um αmais alto. Isto quer dizer que a probabilidade de ser auditado é quase a mesma, próxima de zero, seja α igual a 92% ou 96%;

(i) Aqueles que pagam um percentual intermediário das suas dívidas tributárias, ou seja, existe uma ampla faixa de valores de α para o qual a administração tributária adota a regra de que a probabilidade de auditoria cresce de maneira quase constante com a diminuição do cumprimento da obrigação tributária;

(ii) Aqueles que não pagam ou pagam muito pouco, com α muito baixo. Neste grupo está o foco da administração tributária que concentrará seus esforços de auditoria. Novamente, não há muita diferença entre os contribuintes se eles pagam 1% ou 5% da sua obrigação.

(iii) Uma das funções de densidade de probabilidade que satisfaz as hipóteses propostas é a do tipo logística. Assim, admite-se então a seguinte forma funcional para a função probabilidade de auditoria:

Onde é o valor médio de α . É possível traçar um gráfico explicitando o comportamento da probabilidade de auditoria em função do comportamento do contribuinte na escolha de quanto irá pagar de tributos.

5. Calibragem

São vários os parâmetros do modelo que precisam ser calibrados. Iniciando-se pela taxa de juros, a SELIC foi considerada como taxa de mercado, e a TJLP como a taxa subsidiada com os dados no período de 2000 a 2011, ambas descontadas pelo IPCA.

Para o período a partir de 2012, adotou-se a mesma taxa de 2011. Além das taxas de juros, será preciso incluir a carga tributária brasileira no período.

Assim como no caso das taxas de juros, presumiu-se que a arrecadação a partir de 2012 será a mesma de 2011. Em seguida, apresentam-se os parâmetros calculados para a concessão de parcelamentos, cuja fonte dos dados é a própria legislação que os concede.

Em relação à probabilidade de concessão do parcelamento percebida pelos contribuintes, é importante lembrar que até o ano 2000, os governos não recorriam com frequência a esta medida como forma de aumentar receitas. Porém, tal padrão se modificou na última década com a oferta de parcelamentos ocorrendo rigorosamente a cada três anos.

No desenho da probabilidade de parcelamentos, supõe-se que dada a regularidade das concessões, esta aumentou a partir de 2000. Admite-se, por hipótese, que a firma estabelece inicialmente em 0% a probabilidade de concessão de um parcelamento. Esta possibilidade aumenta ou diminui conforme o histórico recente de parcelamentos. Supõe-se que a probabilidade de parcelamento aumente com o tempo e atinja um máximo de cinco anos após a concessão do último parcelamento, reduzindo-se após o sexto ano até voltar ao valor inicial de 0% no final do nono ano. Esta configuração visa a modelar o comportamento do contribuinte que espera que haja concessão de parcelamentos nos primeiros anos, mas que com o passar do tempo percebe que ele não irá ocorrer. Admite-se, portanto, que a função probabilidade obedece a seguinte regra:

1. A probabilidade percebida pelo contribuinte não aumenta se o parcelamento for concedido no ano anterior;

2. A probabilidade de parcelamento aumenta 2,5% ao ano a partir do segundo ano até atingir um máximo de 10% no quinto ano;

3. A partir do sexto ano a probabilidade percebida pelo contribuinte diminui 2,5% ao ano até que volte a ser de 0% no nono ano.

Considerando que houve parcelamento em 2000, 2003, 2006 e 2009, a tabela a seguir apresenta para cada ano, a expectativa da firma de que ocorrerá algum programa de refinanciamento das dívidas nos cinco anos seguintes, quando se esgota o prazo decadencial no Brasil (D=5).

Por esta especificação, a memória do parcelamento concedido em 2009 só irá desaparecer das expectativas dos contribuintes em 2018. Já um eventual parcelamento concedido em 2012 permanecerá tendo efeitos até 2021.

Em relação à forma da função de probabilidade de auditoria, fez-se somente a hipótese de que quando α=0,8 temos que p(α). Aplicando esta hipótese na forma funcional da Equação (6) temos então que δ=7,3251.

6. Resultados

Os resultados apresentam o comportamento da propensão a pagar tributos do contribuinte, α, e da arrecadação no período de 2000 a 2029. Serão apresentadas duas situações envolvendo a existência ou não de um parcelamento em 2012. A primeira parte da análise supõe que tal parcelamento não irá ocorrer, enquanto que a segunda parte admite que ele seja concedido. Na parte final desta seção, comparam-se as duas simulações efetuadas.

Para a análise do comportamento de α foram utilizadas as Equações (3) e (5), de acordo com o critério de seleção (1). No cálculo da arrecadação no tempo t, consideraram-se os valores pagos espontaneamente pelo contribuinte, α.t.y , bem como os valores parcelados e os valores lançados de ofício, que podem ser obtidos a partir das Equações (2) ou (4) conforme o caso e especificados abaixo:

Os valores parcelados correspondem a soma das parcelas de cada um dos parcelamentos já concedidos e com parcelas a pagar. No caso do REFIS, como o parcelamento foi concedido em até 60 anos, as parcelas vão de 2001 a 2060, enquanto no PAES o período se inicia em 2004, indo até 2018, no PAEX, de 2007 a 2017 e no REFIS-CRISE, de 2010 a 2024. O valor de cada parcela é calculado usando os dados da Equação (4):

Sobre o valor da parcela de cada parcelamento calculada acima, aplicam-se o reajuste de acordo com os juros estabelecidos na legislação e apresentados na Tabela 3 a cada período.

6.1 Sem Parcelamento em 2012

Esta será a simulação base para a nossa análise. Admite-se, portanto, que os únicos parcelamentos existentes são aqueles que já foram concedidos e estão explicitados na Tabela 3.

Foram utilizados dois cenários para efeito de comparação. No primeiro, chamado de cenário de referência, não há nenhum parcelamento nesta economia, e se aplicam os resultados da Equação (3). Esta situação mostra qual seria o comportamento do contribuinte e a arrecadação que seria obtida se não houvesse sido concedido qualquer parcelamento de dívidas tributárias. No segundo cenário, os parcelamentos foram concedidos e o comportamento do contribuinte e da arrecadação foram obtidos de acordo com a Equação (5).

Iniciando pelo comportamento do contribuinte em relação ao pagamento de tributos, o gráfico a seguir apresenta como o parâmetro α variou no tempo, entre 2000 e 2029, em cada um dos dois cenários: a curva qualificada como “sem parcelamento” foi simulada pela Equação (3) e a curva “com parcelamento” pela Equação (5).

O gráfico nos mostra que a concessão de parcelamentos reduz a propensão do contribuinte em pagar impostos. Conforme já sugerido por Paes (2012), as condições ofertadas pela Administração Tributária terão papel decisivo na redução da disposição de pagar tributos espontaneamente. A taxa de juros de correção dos valores parcelados e o número de parcelas são, segundo aquele autor, os instrumentos que mais afetam o comportamento do contribuinte. De fato, os primeiros parcelamentos, especialmente o REFIS oferecido com um grande número de parcelas e correção das dívidas pela TJLP, acarretaram a maior queda da espontaneidade.

Um segundo resultado interessante é que o montante da queda da propensão a pagar tributos é significativo. No caso do REFIS, a queda estimada foi de cerca de quatro pontos percentuais, valor que vai diminuindo no tempo, uma vez que os parcelamentos seguintes não são concedidos em condições tão favoráveis, seja pela redução do número de parcelas (PAES e PAEX), seja pelo emprego da taxa SELIC na correção das dívidas. Observa-se também, que dadas as hipóteses do modelo, a espontaneidade no pagamento de tributos só retoma ao valor de referência em 2018, quando os contribuintes já não mais terão expectativas de novos parcelamentos.

O surto de concessão de parcelamentos ocorrido na primeira década do século XXI terá suas consequências perdurando até o final da década seguinte.

Já em relação aos níveis do hiato tributário, o patamar encontrado oscila em torno de 30%. É um número próximo ao que a literatura sobre informalidade no Brasil4 4 As estimativas sobre informalidade no Brasil são variadas. Por exemplo, Carneiro (1997) estima em cerca de 30%, enquanto o Banco Mundial (2004) calcula em 39,8% e Schneider (2006) em 42,3%. vem apresentando, assim como as escassas estimativas de hiato tributário5 5 Também de acordo com estimativas da literatura brasileira, como em Paes (2011). na literatura nacional.

Por fim, um último resultado importante sugere que a decisão de pagar tributos pelo contribuinte é influenciada pela taxa de juros na economia e que quanto mais baixa a expectativa da taxa de juros, maior a espontaneidade no recolhimento dos tributos. Esta conclusão aparece graficamente, pois o valor do parâmetro aumenta na segunda metade do gráfico atingindo um patamar superior ao do ponto inicial. Isto ocorre por conta da redução da taxa de desconto futuro causado pela redução esperada na taxa de juros tanto na Equação (3) quanto na Equação (5). A diminuição da taxa de desconto aumenta o valor presente das autuações, que corresponde à segunda parte da Equação (2) e a terceira parte da Equação (4), elevando os custos que a firma teria de suportar em caso de lançamento tributário. Assim, o aumento de custos com a probabilidade de autuação futura faz com que a firma aumente o cumprimento espontâneo da obrigação tributária presente.

O próximo gráfico mostra o comportamento da arrecadação tributária no tempo. No cálculo da arrecadação foram considerados na curva “sem parcelamentos” os valores da arrecadação espontânea pelo contribuinte, α.t.y, e os valores lançados de ofício conforme Equação (7). Já a curva “com parcelamentos” inclui os valores de ofício da Equação (8) e também o valor da parcela de cada um dos quatro parcelamentos concedidos no Brasil especificado pela Equação (9). O valor das parcelas só é adicionado à arrecadação no ano seguinte a concessão do parcelamento e seu efeito continua durante o tempo máximo de concessão estabelecido pela Tabela 3. Considerou-se que a curva “arrecadação com parcelamentos” reflete a carga tributária brasileira apurada pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) no período entre 2000 e 2009.

Já a “arrecadação sem parcelamentos” reflete a arrecadação que teria ocorrido se não houvesse qualquer parcelamento tributário e equivale a partir de 2011 a previsão da carga tributária.

Observe que de acordo com o modelo apresentado e as hipóteses admitidas, a arrecadação na presença do parcelamento tributário é sempre inferior àquela que seria obtida se não houvesse parcelamento durante toda a etapa de concessão dos quatro parcelamentos entre 2000 e 2009. Já o período seguinte, de 2010 a 2023, depois que os parcelamentos foram concedidos, retrata o momento em que os parcelamentos são pagos, e é quando a arrecadação que inclui os parcelamentos tributários é superior àquela sem parcelamentos por conta dos recolhimentos das parcelas dos quatro parcelamentos efetuados pelos contribuintes. Numa terceira etapa, quando a maioria dos parcelamentos já foi paga, restando apenas as parcelas do REFIS, e quando não há mais expectativas de novos parcelamentos, ocorre a convergência entre a “arrecadação com parcelamento” com a “arrecadação sem parcelamento”, embora a primeira permaneça um pouco acima da segunda por conta do REFIS.

As perdas de arrecadação na primeira parte da curva são bastante substanciais, sendo superiores a 1% do PIB em vários anos. Este é um resultado direto do enfraquecimento da espontaneidade visto no comportamento de α, que apresenta graves repercussões nas receitas públicas. O gráfico deixa claro que os parcelamentos tributários têm custos, que podem ser altos, mas que são difíceis de perceber, pois exigem a realização de um exercício contrafactual como o realizado aqui.

Uma qualificação importante diz respeito à segunda parte da curva de arrecadação, na qual o pagamento das parcelas torna a curva da “arrecadação com parcelamentos” superior a “arrecadação sem parcelamentos”. O motivo é o recolhimento das parcelas oriundas dos parcelamentos efetuados na primeira parte, além do enfraquecimento das expectativas de parcelamento dos contribuintes que vão se dissipando com o passar do tempo e pela falta de concessão de novos programas.

Admitiu-se, neste modelo, que todo o valor parcelado será pago sem qualquer inadimplência dos contribuintes. Porém, na prática não é o que ocorre. Tipicamente os parcelamentos têm grande sucesso do primeiro até o terceiro ano, arrecadando quantias significativas, mas apresentando quedas substanciais a partir do quarto ano. A tabela a seguir mostra a arrecadação dos parcelamentos concedidos pelo governo federal

Note que os valores pagos caem substancialmente. No caso do REFIS o valor pago em 2010, dez anos após a concessão do parcelamento, corresponde a apenas 1/3 do valor do primeiro ano. As quedas acentuadas também se verificam nos demais parcelamentos. É claro que a queda na arrecadação no tempo não reflete apenas a inadimplência, mas também a quitação do débito, seja de maneira antecipada, seja porque o número de parcelas contratadas foi inferior ao máximo possível naquele parcelamento.

Portanto, é preciso ter em mente que os resultados do segundo período do gráfico anterior, que engloba entre 2010 e 2023, representam na verdade um limite superior para os ganhos advindos das parcelas. Neste período, a “arrecadação sem parcelamentos” é sempre superior a “arrecadação com parcelamentos”, mas na prática a diferença pode ser bem menor e mesmo negativa, dependendo principalmente da inadimplência dos contribuintes em relação ao pagamento das parcelas. Como ressalta Morais et al. (2011) quase 90% do estoque da dívida parcelada não é de fato paga.

6.2 Com Parcelamento em 2012

A segunda simulação considera a existência de um parcelamento em 2012 como forma de amenizar os efeitos da crise e gerar receitas de curto prazo. Novamente, serão analisados dois cenários-base. O primeiro de referência, supondo que não houve qualquer parcelamento, e o segundo, mais realista, no qual foram concedidos cinco parcelamentos. Além dos quatro constantes da Tabela 4, será incluído um parcelamento de 2012 com as seguintes condições: (i) desconto na multa de 50%; (ii) não haverá desconto dos juros; (iii) número de parcelas igual a 180, equivalente a 15 anos; (iv)a taxa de correção do saldo do parcelamento é dada pela TJLP. A escolha destas condições para o novo parcelamento decorre do fato de que estes foram os valores de parâmetros mais comuns adotados nos parcelamentos anteriores.

As equações a serem utilizadas nas simulações continuam sendo a (3) para o cenário de referência, sem parcelamentos, e a (5) para o cenário mais realista, com parcelamentos. O gráfico a seguir apresenta o comportamento do indicador que mede a propensão a pagar tributos espontaneamente do contribuinte, considerando agora o parcelamento em 2012.

Percebe-se que a inclusão do parcelamento em 2012 afetou o comportamento da curva “com parcelamento”, reduzindo fortemente logo após a concessão do parcelamento. Assim como ocorreu nas concessões anteriores, a disposição para pagar tributos espontaneamente do contribuinte foi reduzida. O retorno à normalidade, quando a espontaneidade retoma o seu patamar “sem parcelamento”, só ocorre em 2021. Um novo parcelamento representa, portanto, um incremento no hiato tributário que só será solucionado segundo as hipóteses do modelo, ao final de 2021.

O próximo gráfico ilustra o comportamento da arrecadação quando se inclui um novo parcelamento em 2012.

A análise do comportamento da arrecadação pode ser novamente realizada usando a ótica das três etapas da simulação. A primeira etapa, que inclui o período de concessão de parcelamentos que agora chega até 2012, mostra que a “arrecadação com parcelamento” é bem menor do que a “arrecadação sem parcelamento” nos períodos iniciais. Porém, com o início do pagamento das parcelas dos primeiros parcelamentos, a distância entre as duas curvas se encurta fortemente, e a partir de 2010, com o reforço das parcelas dos quatro parcelamentos já concedidos, a “arrecadação com parcelamento” se torna superior a da “arrecadação sem parcelamento”. A concessão do parcelamento de 2012 diminui um pouco a vantagem do “sem parcelamento” por conta do enfraquecimento da arrecadação espontânea decorrente da oferta de um novo programa.

Na segunda parte da curva da arrecadação, entre 2013 e 2025, o comportamento da “arrecadação com parcelamento” passa a ser influenciado por duas forças em direções opostas. De um lado há o efeito positivo do pagamento das parcelas dos cinco parcelamentos concedidos e do outro, como houve um parcelamento em 2012, há uma redução do pagamento espontâneo de tributos pelo aumento da percepção do contribuinte de que novos parcelamentos serão ofertados. Num primeiro momento, a soma das parcelas é maior do que a redução da espontaneidade, mas a partir de 2017 cessam o pagamento das parcelas do PAES e em 2018 das parcelas do PAEX. Neste período, a “arrecadação com parcelamento” se reduz, uma vez que o segundo efeito passa a dominar, e o aspecto negativo da redução da espontaneidade, faz com que a curva de arrecadação caia abaixo da curva de “arrecadação sem parcelamentos”. Porém, logo em seguida as hipóteses do modelo fazem com que a memória dos últimos parcelamentos deixe de existir, e a partir de então não há mais o efeito negativo sobre a espontaneidade. O primeiro efeito do pagamento das parcelas volta a predominar, e a “arrecadação com parcelamento” volta a ser maior do que a “arrecadação sem parcelamento”.

Na última etapa, a partir de 2027, não haverá mais parcelas a serem pagas, com exceção das do REFIS, e a espontaneidade já não é mais afetada pela memória dos parcelamentos anteriores, de forma que a arrecadação nos dois cenários irá convergir.

Permanece válida, porém, a mesma observação do final da seção 5.1. Os valores das parcelas pagas representam um limite superior ao valor da “arrecadação com parcelamentos”, tendo em vista que o modelo não considera a inadimplência.

6.3 Comparações dos Resultados entre as Simulações com e sem Parcelamento em 2012

É interessante comparar as duas simulações anteriores para propiciar maior clareza do impacto de um eventual parcelamento tributário em 2012. É uma análise importante na condução da política tributária, e permite um olhar aproximado das consequências de tal medida sobre o recolhimento espontâneo de tributos dos contribuintes e sobre a arrecadação de impostos.

As comparações que serão efetuadas aqui juntam os cenários “com parcelamento” das simulações anteriores em um mesmo gráfico, o que ajuda a melhor compreender as diferenças entre as curvas. A curva chamada de “Sem Parcelamento em 2012” corresponde à primeira simulação e engloba os quatro parcelamentos que já foram concedidos desde o ano 2000. A curva chamada “Com Parcelamento em 2012” refere-se aos resultados da segunda simulação, e inclui, além dos quatro parcelamentos que já foram ofertados, um quinto parcelamento, cujas condições foram detalhadas na seção 5.2.

O primeiro gráfico mostra o comportamento da propensão a pagar tributos espontaneamente do contribuinte nos cenários “com parcelamento em 2012” e “sem parcelamento em 2012”.

Observa-se que o efeito da concessão do parcelamento em 2012 restringe-se ao período entre 2012 e 2021. É que, por hipótese, a concessão de um parcelamento afeta a disposição do contribuinte em recolher espontaneamente os tributos devidos, e este efeito dura o equivalente a nove anos de acordo com a Tabela 5.

Assim, a espontaneidade do contribuinte é afetada de forma negativa com o anúncio do parcelamento em 2012, e seus efeitos adversos perduram até o fim de 2021. Nota-se uma queda rápida e acentuada em de quase dois pontos percentuais que lentamente é revertida de volta ao valor de referência.

A queda da espontaneidade tem efeito direto sobre a arrecadação, o que pode ser visto no próximo gráfico:

A arrecadação é afetada pela concessão do parcelamento em 2012. Num primeiro momento, a arrecadação aumenta em relação à situação em que não há este parcelamento. Porém, este ganho de receitas é apenas provisório, uma vez que logo a partir de 2014 a redução da espontaneidade no recolhimento dos tributos ultrapassa os ganhos decorrentes do pagamento das parcelas deste último parcelamento. Porém, quando a espontaneidade volta ao valor de referência, a “Arrecadação Com Parcelamento em 2012” torna-se novamente maior do que a “Arrecadação Sem Parcelamento em 2012”, em razão dos recolhimentos das parcelas que perdura até 2027.

Aplica-se aqui também a necessária qualificação com relação aos parcelamentos relatada no final da seção 6.1 e na Tabela 6. Os valores arrecadados pelas parcelas representam neste trabalho um limite superior, tendo em vista que uma das hipóteses do modelo é que todos os parcelamentos serão integralmente pagos. Porém, na prática, questões envolvendo principalmente a inadimplência levam o valor das receitas tributárias decorrentes dos pagamentos das parcelas a serem menores, aproximando a curva “Arrecadação Com Parcelamento em 2012” da curva “Arrecadação Sem Parcelamento em 2012” no gráfico anterior.

Quanto à sensibilidade dos resultados, é preciso ressaltar o impacto de duas variáveis importantes. A primeira delas é se a especificação da taxa de juros de mercado afeta os resultados. Com uma taxa de juros de mercado mais baixa do que os 4,5% a.a. a partir de 2012, os resultados são impactados no sentido de se diminuir o valor da arrecadação com parcelamentos e de se aumentar a propensão a pagar tributos do contribuinte, α. O aumento da propensão a pagar decorre da diminuição dos ganhos com o parcelamento, uma vez que ocorre redução do diferencial entre os juros de mercado e os juros subsidiados dos parcelamentos. Já a curva de arrecadação com parcelamentos se desloca muito discretamente para baixo, resultado da mudança de α e do menor custo das parcelas do REFIS-Crise, único parcelamento com correção pela Selic.

As mudanças sobre as expectativas dos agentes também têm impacto direto nos resultados. Verifica-se que quanto menor a memória dos agentes, ou seja, menores as expectativas de parcelamento, a propensão a pagar tributos α se aproxima do seu valor sem parcelamentos. O mesmo ocorre com a arrecadação. Porém, quanto maior a expectativa de parcelamentos, menor tende a ser a propensão a pagar tributos, que se afasta ainda mais do α sem parcelamentos. A arrecadação sem parcelamentos diminui nos primeiros períodos, pela redução do α, e aumenta nos períodos subsequentes pelo maior volume de parcelamentos, mas com impacto líquido negativo em valor presente. Por fim, os efeitos dos parcelamentos sobre a propensão a pagar tributos e sobre a arrecadação tendem a ser maiores ou menores quanto mais tempo de memória dos parcelamentos têm os contribuintes.

7. Conclusão

Este artigo se propôs a estudar os efeitos desta sucessão de parcelamentos na propensão dos contribuintes em recolher espontaneamente seus tributos e sobre a arrecadação. Para tanto, foi construído um modelo econômico de equilíbrio parcial, conjugado com uma série de hipóteses a respeito do comportamento dos contribuintes e da Administração Tributária.

Os resultados mostram que a concessão de parcelamentos reduz a propensão de o contribuinte em pagar impostos de maneira significativa. O hiato tributário estimado sem concessão de parcelamentos é de cerca de 30%, mas que aumenta em até quatro pontos percentuais diante da oferta de programas de refinanciamento de dívidas tributárias, como no caso do REFIS. Somente em 2018 é que a espontaneidade no pagamento de tributos retorna ao padrão normal, quando os contribuintes já não mais terão expectativas de novos parcelamentos.

A inclusão de um novo parcelamento em 2012 afetou a espontaneidade, reduzindo a disposição para pagar tributos do contribuinte. O retorno à normalidade, só ocorre em 2021. Um novo parcelamento representa, portanto, um incremento no hiato tributário cujos efeitos só se dissiparão nove anos depois.

No lado das receitas, as simulações sugerem que a arrecadação na presença do parcelamento tributário é sempre inferior àquela que seria obtida se não houvesse parcelamento durante toda a etapa de concessão entre 2000 e 2009. As perdas de arrecadação são bastante substanciais, sendo superiores a 1% do PIB em vários anos. Já o período seguinte, de 2010 a 2023, retrata o momento em que os parcelamentos são pagos, e é quando a arrecadação que inclui os parcelamentos tributários é superior àquela sem parcelamentos por conta dos recolhimentos das parcelas. Há, porém, que se considerar que este resultado representa na verdade um limite superior para os ganhos advindos das parcelas, tendo em vista que o modelo supõe que não há inadimplência no seu pagamento. Numa terceira etapa, quando a maioria dos parcelamentos já foi paga e não há mais expectativas de novos parcelamentos, não há mais qualquer efeito dos parcelamentos na arrecadação.

A oferta de um novo parcelamento em 2012 afeta as receitas. Num primeiro momento, a arrecadação aumenta em relação à situação em que não há este parcelamento, mas o ganho é provisório, já que logo a redução da espontaneidade faz com que a curva de arrecadação caia abaixo daquela sem parcelamento em 2012.

Conclui-se que o mecanismo de parcelamentos tributários é inadequado como forma de aumentar as receitas e prover os incentivos corretos aos contribuintes. Muito mais desejável é que a Administração Tributária brasileira concentre seus esforços na modernização e melhoria dos seus sistemas de cobrança administrativos e judiciais. Este parece ser o caminho para oferecer aos contribuintes os incentivos adequados, de forma que aqueles que não cumprem espontaneamente com suas obrigações sejam estimulados a passar a cumprir, e não o contrário, que infelizmente tem sido a regra dos últimos parcelamentos.

Recebido em 03 de dezembro de 2012.

Aceito em 29 de novembro de 2013.

  • BANCO MUNDIAL. Doing Business 2004: Understanding regulation Washington, USA, 2004.
  • CARNEIRO, F. G. The
  • CAVALCANTE,
  • MORAIS,
  • PAES,
  • PAES,
  • SCHNEIDER, F.
  • Agradecimento ao CNPq pelo apoio a esta pesquisa.
  • 1
    O hiato ou “gap” tributário é a diferença entre a arrecadação prevista em legislação, a arrecadação potencial legal, e a que efetivamente ingressa nos cofres públicos.
  • 2
    Considerou-se 720 parcelas, maior prazo encontrado neste parcelamento.
  • 3
    Lei 11.941/2009.
  • 4
    As estimativas sobre informalidade no Brasil são variadas. Por exemplo, Carneiro (1997) estima em cerca de 30%, enquanto o Banco Mundial (2004) calcula em 39,8% e Schneider (2006) em 42,3%.
  • 5
    Também de acordo com estimativas da literatura brasileira, como em Paes (2011).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Jul 2014
    • Data do Fascículo
      Jun 2014

    Histórico

    • Recebido
      03 Dez 2012
    • Aceito
      29 Nov 2013
    Departamento de Economia; Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP) Av. Prof. Luciano Gualberto, 908 - FEA 01 - Cid. Universitária, CEP: 05508-010 - São Paulo/SP - Brasil, Tel.: (55 11) 3091-5803/5947 - São Paulo - SP - Brazil
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