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A nidificação da avoante, Zenaida auriculata, no Nordeste do Brasil, relacionada com o substrato fornecido pela vegetação

A nidificação da avoante, Zenaida auriculata, no Nordeste do Brasil, relacionada com o substrato fornecido pela vegetação

Paulo de Tarso Zuquim Antas

Biólogo. Centro de Estudos de Migrações de Aves. C. P. 04-034. Brasília DF

A avoante, avoete, arribação, arribaça ou pomba-de-bando (Zenakia auriculata) distribui-se nas formações abertas da América do Sul cisandina desde a Colômbia, Venezuela, Trinidad-Tobago e Guianas até o centro-sul da Argentina. É extremamente comum na região central da Argentina (Murton et alii, 1974; obs.pess.), sendo inclusive considerada praga da agricultura de grãos, em especial sorgo granífero e soja (Murton et alii, op. cit,: Bucher & Orueta, 1977; Bucher, 1974). Sua abundância na região de Córdoba, centro da Argentina, é diretamente relacionada pelos autores com a introdução dos cultivos mencionados, na década de 1950.

Na região da caatinga brasileira, a avoante é novamente encontrada em grandes números, referindo-se a ela vários cronistas do século passado e início deste como um auxílio divino às populações humanas carentes, sempre nidificando no solo em colônias. Somente em meados desse século aparecem os primeiros relatos científicos sobre sua nidificação no solo de caatinga (Ihering, 1935). O primeiro autor a se preocupar mais profundamente com o assunto foi Álvaro Aguirre, produzindo vasta bibliografia sobre as colônias de reprodução e hábitos alimentares. Seu trabalho mais completo foi publicado em 1976, dissecando os conhecimentos existentes sobre a biologia, ecologia e utilização desse recurso natural renovável pelo nordestino (Aguirre, 1976).

Todos esses autores referem-se à população nordestina de Zenaida aureculata como a única a nidificar colonialmente no chão, considerada característica peculiar à subespécie da região (Z. a. noronha). Fora do Nordeste, há notas sobre ninhos isolados no solo no Estado de São Paulo (Aguirre, 1972)e em pequenas colônias no Equador (Marchant in Goodwin, 1970)

Desde 1979, o problema do abate ilegal de avoantes na região Nordeste vem preocupando de perto o Departamento de Parques Nacional do IBDF. A partir daquele ano tem início uma série de trabalhos de campo melhor compreensão do fenômeno e para a conservação desse recurso natural renovável, sobre-explorado e colocado em risco de extinção pela exploração irracional para comércio da carne de avoante salgada. A partir de 1982, o trabalho, que visa principalmente compreender, através de anilhamento, os movimentos da espécie na região conta com o apoio do CNPq.

O presente trabalho apresenta dados sobre ninhos de Z. auriculada na região Nordeste construídos em arbustos ou sobre o solo nos seguintes pombais:

a) Nascentes do Riacho Carrapateiras, município de Tauá, Ceará (5º33'S - 40º05'W). Local dominado por caatinga arbustiva densa (Rizzini, 1976), com dominância de favela (Cnidoscolus phyllacanthus). Visitado a 15 e 16 de maio de 1980, compunha-se o pombal de ninhos no chão em sua quase totalidade, apesar da ausência de qualquer proteção. No setor leste, dentro de um adensamento maior da vegetação, devido a uma pequena garganta de escoamento de água de chuva, foram encontrados três ninhos sobre os arbustos. Situavam-se a cerca de 30cm um do outro, construídos com uma grande massa de gravetos secos, 2 vezes maiores em volume que ninhos si e o modo de construção, pode-se assegurar que não eram ninhos de outra aves secundariamente utilizados por Zenaida. A eclosão já havia ocorrido e filhotes de avoantes com até 5 dias de vida foram observados.

b) Serra da Salamanca, município de Pio IX, Piauí (6º35'S - 40º45'W). Caatinga arbustiva com suculentas (Rizzini, op. cit.), com presença de facheiro (Cereus squamosus). Entre 13 e 15 d maio de 1982, inicio-se o anilhamento de filhotes no pombal. Havia um número importante de ninhos em arbustos, chegando em alguns locais até cerca de 40% do total. Os ninhos variavam em altura desde 0,20m até 1,20m. Todos eram construídos em plataformas, com gravetos, em nada diferindo dos demais columbídeos.

c) Rio Jaburu, município de Ubajara, Ceará (3º50'S - 41º00'W). Caatinga arbustiva densa (Rizzini, op. cit.) com predominância de Marmeleiro (Croton jacobinensis cf), além de outras euforbiáceas. Aqui a predominância era de ninhos no solo, mas em alguns pontos, ninhos em arbustos podiam ser encontrados. A forma de construção em plataforma e com gravetos era a mesma de Pio IX, ficando entre 0,20m e 0,80m de solo.

d) Icapuí, município de Aracati, Ceará (4º41'S - 37º23'W). Caatinga arbustiva densa (Rizzini, op. cit.) com elementos de restinga, sobressaindo-se o davi (Myrtaceae). A densidade de arbustos era muito maior nessa associação do que nos outros locais e a quase totalidade dos ninhos estava construída nos arbustos. Todos feitos de gravetos e em plataforma. Essas observações foram feitas paralelamente ao início do anilhamento de filhotes, entre 21 a 25 de maio de 1982, sendo essa atividade prejudicada pela vegetação e pela densidade de ninhos em arbustos muito cerrados; ninhos desde 0,50m até 3,00m de altura.

e) Pedro Avelino, município de mesmo nome, Rio Grande do Norte (5º30'S - 36º20'W). Caatinga arbustiva esparsa (Rizzini, op cit.) com nítida dominância de jurema-preta (Mimisa acustipula cf)e xique-xique (Cereus sp). O pombal foi visitado de 2 a 5 de junho de 1982, para preparativos de anilhamento. Foi o maior pombal de 1982, cobrindo uma área em torno de 1.00 ha. E, todas as áreas visitadas foram encontrados somente ninhos no chão, principalmente dentro de concentrações de xique-xique. Os ovos eram postos sobre o solo, com alguns gravetos em volta, delineando o ninho.

f) Senador Pompeu, município de mesmo nome, Ceará (5º35'S - 39º22'W). Caatinga arbustiva esparsa (Rizzini, op. cit.) com ocorrência de jurema-preta (Mimosa acustipula cf) e cultivo de algidão (Gossypium sp) em grande área do pombal. Todos os ninhos construídos sobre o solo, com uma porcentagem importante no meio de gramíneas, quase a descoberto. Local visitado de 11 a 15 de agosto de 1982 para início de anilhamento de filhotes.

Conforme os dados acima, dentro de uma mesma estação reprodutora (1982), foram abservados ninhos em arbustos desde a quase totalidade do pombal (Icapuí) até a sua total ausência (Pedro Avelino e Senador Pompeu), acompanhado nitidamente a veriação da estrutura da vegetação, que vai desde a caatinga mais densa, com elementos de restinga (Icapuí) até o extremo da caatinga arbustiva esparsa, derrubada para plantio (Senador Pompeu).

No Nordeste do Brasil, o período de chuvas da região semi-árida inicia-se em dezembro e termina em junho/julho. Entretanto, dentro desse período, não há uma sazonalidade de precipitações, variando estas de ano para ano, tanto meses de corrências quanto na quantidade.

A alimentação da avoante baseia-se, principalmente, em Euforbiáceas, em especial Croton jacobinensis (Aquirre, 1976). Esta espécie é bastante comum no Nordeste, ocorendo inclusive como vegetação pioneira de formações secundárias (Braga, 1976). Para o brotamento de gemas, floração e frutiferação torna-se necessário que haja uma precipitação mínima, de valor ainda desconhecido e que, devido à inconstância das chuvas, impresíveis no tempo e no espaço, tornam o encontro desses locais com abundância de sementes o fator limitante para Z. auriculata.

Frente a essa imprevisibilidade de recusros, Zenaida auriculata responde adaptativamente deslocando-se pela região a grandes distâncias, conforme dados de recuperação de anilhas ocorridos em 1980, 1981 e 1982, destacando-se o encontro de duas aves anilhadas no Nordeste do Ceará na região de Juazeiro, Bahia, a uma distância aproximada de 700 Km em linha reta. Até o momento, todas as recuperações ocorreram dentro dos domínios da caatinga (dados não publicados).

Através desses deslocamento pela região, a avoante pode localizar os bolsões de chuva onde a precipitação foi suficiente para a frutificação de sementes em quantidades necessária para reproduzir-se. Todavia, nem sempre o essa fonte de recursos localizada situa-se em um tipo de vegetação fechada o sificiente para que ninhos em arbustos sejam construídos, ocorrendo em maior proporção casos em que a postura é feita no chão pela falta de substrato. O solo às vezes é protegido por vegetação densa (Bromeliáceas, cactáceas ou outras), dificultando a ação de predadores que não o homem, embora ninhos fossem construídos dentro de gramíneas (Senador Pompeu), aonde a proteção é mínima.

A reprodução colonial de Ectopistes migratorius, espécie norte americana extinta no começo desse século devido à sobre-exploração pelo homem, foi interpretada como uma estratégia de reprodução que, paradoxalmente, fornecia grande massa de presas aos predadores da região, possibilitando um maior número de filhotes criados com sucesso em cada colônia, por superar a capacidade predatória dos inimigos naturais, com exceção do homem (Goodwin, op. cit.), capaz este de conservar essa oferta excessiva para posterior utilização. Z. auriculata usa a mesma estratégia para preteger-se dos predadores ao nidificar em colônia, e o faz em arbustos ou no solo, dependendo da estrutura da caatinga para fornecer substratos para nihos altos ou não.

Torna-se necessário, portanto, rever-se o status subespecífico de Z. a. noronha, e sua diferenciação morfológica para Z. a. chrysauchenia, que na Argentina nidifica colonialmente em arbustos (ob. pess.), uma vez que no Nordeste a nidificação colonial no chão é, acima de tudo, resposta a condições locais de estrutura da caatinga e não característica etológica peculiar a uma população de Z. auriculata.

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal - IBDF pelo apoio para a realização deste trabalho e a sua apresentação no X Congresso Brasileiro de Zoologia. Agradeço também ao Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico pelo apoio fornecido no período de março de 1982 a março de 1983.

REFERÊNCIAS

Aguirre, A., 1972. Nidificação da Zenaida auriculata (des Murs). Brasil Florestal 3 (6):14 - 18.

Aguirre, A., 1976. Distribuição, costumes e extermíneo da "avoante" do Nordeste, Zenaida auriculata noronha Chubb. Academia Brasileira de Ciências, Rio de Janeiro.

Braga, R., 1976. Plantas do Nordeste, especialmente do Ceará. Escola Superiores de Mossoró ed., Rio Grande do Norte.

Bucher, E., 1974. Bases Ecológicas para ei Control de Ia aloma Torcaza. Centro de Zoologia Aplicada, Córdoba, Argentina.

Bucher, E. & A. Oreuta, 1971. Ecologia de la eproducción de la paloma Zenaida auriculata. II. época de cria, Suceso e productividad en las colinias de nidificacion de Cóedoba. Ecosur 4 (8):157 - 185.

Goodwin, D., 1970. Pigeons and doves of the World. Cornell University Press, London.

Ihering, R., 1935. La paloma Zenaida auriculata en el Nordeste del Brasil. El Hornero 6(1):37 - 47.

Murton, R.K., E.H. Bucher, M. Nores, E. Gómez & J. Reartes, 1974. The ecology of the eared dove (Zenaida auriculata) in Argentina. Condor 76 (1):80 - 88.

Rizzini, C.T., 1976. Tratado de Fitogeografia do Brasil. Editora da Universidade de São Paulo. 2 vols.

  • Aguirre, A., 1972. Nidificação da Zenaida auriculata (des Murs). Brasil Florestal 3 (6):14 - 18.
  • Aguirre, A., 1976. Distribuição, costumes e extermíneo da "avoante" do Nordeste, Zenaida auriculata noronha Chubb. Academia Brasileira de Ciências, Rio de Janeiro.
  • Braga, R., 1976. Plantas do Nordeste, especialmente do Ceará. Escola Superiores de Mossoró ed., Rio Grande do Norte.
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  • Rizzini, C.T., 1976. Tratado de Fitogeografia do Brasil. Editora da Universidade de São Paulo. 2 vols.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Ago 2009
  • Data do Fascículo
    1986
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