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Do jornalismo ao livro: itinerários da historiografia da música popular no Brasil (anos 1960/70)

From Journalism to Books: Itineraries of a Historiography of Popular Music in Brazil (The 1960s and 70s)

Resumo

Nas décadas de 1960-70, um grupo de jornalistas e críticos da música popular deu início a um interessante processo de transição dos relatos e escritos na imprensa para a elaboração de livros. Em algum momento, eles sentiram a necessidade de ultrapassar a prosa dispersa das crônicas e memórias e se preocuparam em deixar um registro escrito mais sólido de suas experiências em torno da música popular. Essas obras carregavam um claro sentido historiográfico, uma vez que procuravam tanto dar perenidade às memórias dispersas como buscar um sentido e interpretação dessas tradições na cultura nacional. Ainda relativamente desclassificada nos conteúdos nacionais mais amplos, a forma em livro certamente outorgaria autoridade intelectual à música popular que gradativamente se tornava objeto de estudo. Esse itinerário do jornalismo ao livro se acelerou e se tornou inclusive política pública. Essa transição foi determinante para a construção de uma historiografia sustentada em torno da música popular e, sobretudo, para dar os parâmetros daquilo que deveria ser a História da música popular urbana no Brasil.

Palavras-chave:
Historiografia; Livros; Música popular

Abstract

In 1960s and 1970s, a group of journalists, collectors and critics of popular music from Rio de Janeiro began an interesting and intricate transition from the reports and writings in the press to the preparation of books. This group, at some point, felt the need to overcome the dispersed and fragmented prose of chronicles and memoirs, and wished to leave a less ephemeral and more solid written record of their experiences around popular music. This set of works conveyed a clear historiographical purpose, since it both aimed at giving continuity to the dispersed memoirs of a flourishing Carioca popular culture and seeking a meaning for and an interpretation of these musical traditions in the national culture. Still relatively unclassified and marginal in the wider national content, but gradually becoming an object of study and knowledge, popular music would certainly be granted intellectual authority by the book form. This itinerary from journalism to books accelerated, consolidated and finally became public policy. This transition was decisive for the construction of a sustained historiography around popular music and above all for providing the parameters of what the History of popular urban music in Brazil should be.

Keywords:
Historiography; Books; Popular MusiC

Do jornalismo ao livro.

Próximo de completar 80 anos, o crítico e historiador da música popular José Ramos Tinhorão (1928) concedeu precioso depoimento contando seu rico percurso de vida profissional, que a partir dos anos 1960 criou forte vínculo entre o jornalismo e a música, marcando definitivamente tanto sua trajetória como a crítica da música. A certa altura ele fez afirmação ao mesmo tempo reveladora e sintética das mudanças em curso na crônica da música popular que ocorriam em meados daquele século. Ele disse de maneira decidida que “eu sou o homem que foi do jornal ao livro” (LORENZOTTI, 2010LORENZOTTI, E. Tinhorão. O legendário. São Paulo: Imprensa Oficial, 2010. , p.115). Provavelmente Tinhorão seja mesmo um dos pesquisadores mais bem-sucedidos neste itinerário de transformação intelectual que ele sumariou com exatidão. Mas é preciso expandir os ouvidos para além do seu registro biográfico para atingir uma dimensão mais amplificada das práticas intelectuais de um grupo específico de cronistas da imprensa carioca e também alcançar análise mais cuidadosa da dinâmica cultural do período, já que logo elas se tornariam determinantes para a compreensão da sociedade brasileira por meio da música e que se mantêm vivas no imaginário nacional. Na realidade um pouco antes de Tinhorão dar início à sua rica produção, uma geração anterior de jornalistas como ele já operava essa transição da crônica na imprensa para a elaboração de livros que de algum modo ele procura encarnar exclusivamente. Além disso, esse conjunto de obras carregava um claro sentido historiográfico, produto talvez inicialmente da preocupação geracional em dar perenidade às memórias dispersas de uma cultura musical popular em consolidação. Bem provavelmente para o livro se transportava o justo desejo de captar a formação desta cultura e sua dinâmica no tempo, para compreender seus sentidos sociais mais gerais e aqueles entranhados na vida cotidiana. Ainda desclassificada e marginal nos conteúdos mais amplos da cultura nacional, a forma em livro certamente outorgaria também autoridade intelectual à música popular que gradativamente se tornava objeto de estudo e conhecimento. E talvez não se deva descartar também nestes novos contextos a percepção do “livro como símbolo de vaidade” (ASSMAN, 2011ASSMAN, Aleida. Espaços da recordação. Formas e transformações da memória cultural, Campinas, Ed. Unicamp, 2011., p. 204). Seja como for, certamente esse deslocamento gradativo em direção ao livro implicou mudanças nas práticas culturais de um grupo de cronistas, ultrapassando seus limites habituais e seguindo na direção de padrões intelectuais mais formais do ponto de vista das convenções de escrita e circuitos de difusão e circulação (SIRINELLI, 2003SIRINELLI, Jean-François. Os intelectuais. In: RÈMOND, R. (org). Por uma nova história política. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003.). Tudo indica que essa transição foi determinante para dar início à construção de uma historiografia sustentada em torno da música popular e, sobretudo, para dar os parâmetros do que deveria ser mesmo “a História” da música popular urbana no Brasil.

Nesse intricado percurso de construção de um discurso histórico organizado em torno de um objeto novo, vários elementos se apresentaram, tornando impossível determinar a prevalência ou centralidade de apenas um deles, como o livro. No entanto, a partir de certo momento na década de 1960 ele passou a ter papel central, sobrepondo-se de alguma maneira. Foi um longo caminho iniciado no começo do século XX que ganhou inúmeras variantes no tempo. Neste processo, o período entre os anos 1930-60 se sobreleva sem dúvida, não apenas em razão da extraordinária história da sua cultura musical, como também por aquilo que se falou, preservou e se escreveu sobre ela. À medida que essas histórias foram ocupando mais e mais espaço e importância nos diversos domínios da cultura do país, acompanhou-lhe uma incrível fartura de comentários, registros e análises. A maior parte, inicialmente escritos para a imprensa, formou um excepcional acervo fragmentado e disperso que certamente ainda deve exigir dos historiadores, cientistas sociais e musicólogos trabalho extraordinário e meticuloso. De modo geral, eram textos redigidos no calor da hora e a partir de um ponto de vista muito pessoal e biográfico, principalmente porque o emissor muitas vezes participara direta ou indiretamente dos eventos e processos narrados. Além disso, é preciso considerar também a simbiose que se estabelecia entre o jornalista cronista e suas fontes, cuja proximidade e simpatias não raras vezes tendiam a estabelecer o sentimento de pertencimento a um mesmo grupo (DARTON, 1995DARTON, Robert. O beijo de Lamourette. Midia, cultura e revolução. São Paulo: Cia. das Letras , 1995., p.82-83). Essa nascente crítica musical profissional surgiu conectando relatos da vida pessoal, crônica do cotidiano artístico, juízos de valores categóricos com características fortemente prescritivas e educativas de uma certa escuta. O jornalismo escrito e a radiofonia foram os lugares culturais centrais para a explosão e difusão dessas práticas e discursos. Associada intimamente a essas tradições memorialística e cronista, alguns destes agentes trataram também de formar suas coleções pessoais, como forma de preservar suas próprias vidas e a cultura em que estavam entranhados, formulando uma espécie de “montagem autobiográfica”. De algum modo, seguiam naquela direção de que “nós documentamos a nós mesmos e convidamos os outros a serem testemunhas de nossas atividades” (COX, 2017COX, Richard J. Arquivos pessoais: um novo campo profissional. Leituras, reflexões e reconsiderações. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2017., p. 14). Algumas dessas coleções se tornaram depois verdadeiros acervos funcionais, muitas vezes com caráter quase público (COX, 2017COX, Richard J. Arquivos pessoais: um novo campo profissional. Leituras, reflexões e reconsiderações. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2017., p. 21; CAMARGO, 2009CAMARGO, Ana Maria de Almeida. Arquivos pessoais são arquivos. Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, v. 45, n. 2, p. 26-39, 2009.) como foram os casos conhecidos dos arquivos de Almirante (1908-1980) e Lúcio Rangel (1914-1979). Todos esses círculos foram cruciais para o aparecimento e sobrevivência material e intelectual dos sujeitos que começavam a construir e conduzir com muitas dificuldades as bases materiais e as escritas em torno da música popular urbana.

Ocorre que esses atores em algum momento sentiram a necessidade de ultrapassar a prosa dispersa e fragmentada características destes meios e dos acervos pessoais, e se preocuparam em deixar um registro escrito menos efêmero e mais sólido de suas experiências em torno da música. Como já salientado, bem provavelmente a urgência inicial era perpetuar as lembranças dispersas da memória e a instantaneidade da crônica jornalística e, porque não, da própria vida vivida que desvanecia. A aspiração consequente foi aproximar-se do livro, poderoso registro material e simbólico milenar de perpetuação da memória. Durante os anos 1930 houve uma primeira pequena e frágil onda de publicações, exatamente mais na forma de registro memorialístico ou comentários escritos no entusiasmo dos debates na imprensa e de certas circunstâncias internas do mundo artístico (MORAES, 2007MORAES, José Geraldo Vinci de. História e historiadores da música popular no Brasil. Latin American Music Review, v. 28, p. 1-63, 2007.). A partir dos anos 1960, o trajeto em direção ao livro se tornou muito evidente e permanente, associando às premências memorialísticas de antes a forte aspiração de estabelecer e consolidar uma história mais linear e organizada de uma dada cultura popular. Talvez estivesse a caminho uma espécie de transição de uma de “memória comunicativa”, ainda vinculada às experiências vividas, para a “cultural”, mais estável e transcendente das situações pessoais e que poderia ser transferida de uma geração para outra de maneira sólida (ASSMAN, 2016ASSMAN, Jan. Memória comunicativa e memória cultural. História Oral, v. 19, n. 1, p. 115-127, 2016.). O livro tornou-se o meio material e simbólico para organizar toda essa vida e seus registros dispersos, a partir de uma percepção eminentemente historiográfica. O tom geral que percorreu e movimentou as obras publicadas no período foi o da necessidade de finalmente inscrever as memórias em uma história escrita da música popular. Logo, aquela dinâmica do jornalismo em direção ao livro que José Ramos Tinhorão apresentou com certo orgulho gabola como um registro eminentemente biográfico, foi muito palpável e determinante para a geração de jornalistas anterior a ele.

Reunida em conjunto a quantidade de livros publicados entre os anos 1960- 70, se percebe uma ativa movimentação editorial de um grupo de jornalistas cariocas ou que viviam no Rio de Janeiro. Em 1962RANGEL, Lúcio. Sambistas e chorões: aspectos e figuras da música popular brasileira. São Paulo: Editora Paulo de Azevedo; Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1962., por exemplo, o jornalista Lúcio Rangel compilou alguns de seus artigos e deu origem a obra Sambistas e chorões, que rapidamente tornou- se uma referência. Logo no ano seguinte, o conhecido radialista Almirante, já afastado das atividades radiofônicas por doença, deu forma em livro ao seu incrível programa radiofônico No tempo de Noel Rosa,ALMIRANTE, - (Henrique Foreis Domingues). No tempo de Noel Rosa. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora, 1963. fazendo dele também sucesso editorial. Ary Vasconcelos (1926-2003) publicou Panorama da música brasileira em 1964VASCONCELOS, Ary. Panorama da música popular brasileira, vols. I e II. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1964., obra de consulta obrigatória à época. No ano subsequente Jota Efegê (1902-1987) editou Ameno Resedá. O rancho que foi escola,EFÊGE, Jota. Ameno Resedá. O rancho que foi escola. Rio de Janeiro: Letras e Artes, 1965. uma obra singela que associava a memória da velha guarda dos ranchos, com a história da música popular. E Edigar de Alencar (1908-1993) apresentou duas obras importantes nesta época: O carnaval carioca através da música, 1965ALENCAR, Edigar de. O carnaval carioca através da música. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1965. e Nosso Sinhô do samba em 1968. As casas editoriais envolvidas nas publicações foram variadas, algumas menos conhecidas como Letras e Artes, mas também grandes e tradicionais livrarias e editoras sediadas no Rio de Janeiro como Freitas Bastos, Civilização Brasileira e Francisco Alves. Embora ainda marginal do ponto de vista editorial, é provável que o crescente apelo comercial do assunto levou essas grandes editoras a se interessarem pela publicação dos livros, em uma época de superação da crise da indústria editorial brasileira da década anterior (HALLEWELL, 1985HALLEWELL, Laurence. O livro Brasil. São Paulo: T. A. Queiroz/Edusp, 1985.). Mas não se deve descartar que a circulação e relação dos autores pelo mundo da escrita jornalística pode ter facilitado a conquista de simpatias também nas casas editoriais.

Alguns eventos conexos um pouco anteriores podem ainda ser adicionados a esse quadro editorial, como a publicação em 1958 de História do carnaval cariocaMORAES, Eneida de. História do carnaval carioca. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira. 1958. da jornalista Eneida de Moraes (1904-1971). A trajetória de Eneida precisa ainda ser melhor investigada (Santos, 2009SANTOS, Eunice Ferreira dos. Eneida: memória e militância política. Belém: Gepem, 2009.). Nascida em Belém do Pará em 1904, ela chegou ao Rio de Janeiro em 1930, iniciando ativa militância no PCB e suas atividades no jornalismo. Nos anos 1950-60, escrevia crônicas da vida carioca na grande imprensa para sobreviver, criando muita proximidade com os jornalistas estudiosos da música popular. No livro, influenciado vagamente por um marxismo difuso, ela procurou estabelecer uma genealogia para o carnaval e suas relações com a sociedade ressaltando principalmente os aspectos populares. Curiosamente, a obra acabou se tornando referência para os estudiosos do tema, mas é necessário ainda desvendar melhor o enigma deste livro e as razões deste êxito circunstancial, assim como entender os motivos e formas de sua aproximação com o grupo de estudiosos da música popular (CARNEVALI, 2018CARNEVALI, Flávia Guia. Entre a memória e a história: a escrita e historiografia da música popular brasileira. Tese (Doutorado em História). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2018.). O fato de publicá-la na editora Civilização Brasileira é mais fácil de explicar: a relação da empresa e seu proprietário Ênio Silveira com os setores da esquerda, principalmente o PCB, partido em que Eneida militava, além do que a editora se envolveu ativamente no debate cultural nacional da época, sendo a Revista Civilização Brasileira expressão mais conhecida desta discussão nos anos 1960.

No ano seguinte, o diplomata e musicólogo carioca Vasco Mariz (1921-2017) publicou A canção brasileira: erudita, folclórica e popularMARIZ, Vasco. A canção brasileira: erudita, folclórica e popular. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1959.. Na realidade, tratava-se de uma edição ampliada da obra A canção brasileira (1948), em que incluiu uma segunda parte sobre a canção popular. A ideia surgiu após seu contato com o cantor e radialista Sílvio Salema, mas principalmente das relações com Almirante e seu acervo. Em um de seus retornos profissionais ao Brasil, em 1954, Mariz conheceu Almirante e passou a frequentar seu arquivo. Foi para ele “uma verdadeira revelação o mundo da canção popular visto de dentro” (MARIZ, 1985MARIZ, Vasco. A canção brasileira (popular e erudita). 5a. ed. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira/INL, 1985., p. 11), a tal ponto que o diplomata resolveu incluir uma seção dedicada a ela na segunda edição de 1959. O livro original era formado por um conjunto de notas biográficas de músicos eruditos nacionais, mesma estratégia adotada na segunda edição para os músicos populares. Sua avaliação sobre a situação dos estudos em torno do tema era que “o setor popular da música brasileira tem sido lamentavelmente desprezado pelos nossos musicólogos” e seu objetivo era justamente “preencher esta lacuna ou, mais modestamente, sistematizar o estudo dessa matéria fascinante” (Mariz, 1959MARIZ, Vasco. A canção brasileira: erudita, folclórica e popular. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1959.). Ainda na década de 1950, Jaci Pacheco (1910-1989), primo de Noel Rosa, publicou duas obras de caráter biográfico sobre o parente famoso que durante curto período tiveram relevância, mas com o tempo perderam influência: Noel Rosa e sua época (1955) e O cantor da Vila (1958). Outro parente a apresentar aspectos biográficos foi a atriz Gilda Abreu, esposa de Vicente Celestino, que escreveu As canções na vida de Vicente CelestinoABREU, Gilda. As canções na vida de Vicente Celestino. São Paulo: Editora Cupolo, 1956. (1958).1 1 Relançada como Abreu, Gilda, 2003. Outras obras foram publicadas neste período sem o mesmo impacto e que contribuíram apenas marginalmente para adensar a discussão sobre o tema.2 2 A maioria delas de caráter biográfico, como por exemplo, SCHILIRO; CRUZ, 1950; MENEZES, 1953; JÚNIOR, 1956; SIQUEIRA, 1967; CARDOSO, 1965.

Em sentido inverso, seguramente vale a menção às primeiras obras de José Ramos Tinhorão, publicadas na segunda metade da década de 1960: Música popular um tema em debate (1966TINHORÃO, J. R. Música popular. Um tema em debate. Rio de Janeiro: JCM, 1966) e O samba agora vai: a farsa da música popular brasileira no exterior (1969TINHORÃO, - O samba agora vai. A farsa da música popular no exterior. Rio de Janeiro: JCM Editores, 1969.). Embora ainda dispersos como produto de artigos escritos na imprensa, esses livros já apresentavam os traços que se tornariam centrais em sua obra: ampliação do universo temático em torno da música popular, intensa pesquisa documental associada a uma “abordagem sociológica” fundada no “exame dialético da realidade econômica, social e cultural” (TINHORÃO, 1966TINHORÃO, J. R. Música popular. Um tema em debate. Rio de Janeiro: JCM, 1966, p. 11-12), tudo isso, claro, recheado de muita polêmica. Talvez seja prudente considerar essas suas primeiras obras como mais um elemento da inflexão na produção historiográfica geral em curso. Para a produção dele e também na sua trajetória, convergiam elementos presentes na primeira geração de críticos e historiadores da música popular, como o colecionismo, o discurso de autoridade e autenticidade, o nacionalismo e o testemunho ocular. Contudo, com o tempo, o jornalista realizou uma autêntica virada nos estudos da música popular, que fizeram dele dono de vasta e variada obra com características históricas, deixando no passado o tom memorialístico e biográfico. Essa produção sólida já completou 50 anos de pesquisa e publicação permanentes, convertendo-se numa das maiores referências historiográficas neste território. Por essas razões, sua obra merece estudos cuidadosos e específicos ao mesmo tempo que escapam do recorte analítico e temporal utilizado neste artigo.3 3 Alguns balanços já foram realizados, como Lorenzotti, 2010 e Victor, 21/09/2014. Com relação a trabalhos acadêmicos, independente de qualidade individual de cada um deles, ver: BAIA, 2015; LEAL, 2015; SENA, 2014; BARBOSA JÚNIOR, 2011; LAMARÃO, 2008.

Apesar da evidente movimentação editorial, o tom geral dos comentários sobre a quantidade e a qualidade de obras e autores ainda era de lamentação. As queixas variavam entre o fato da produção e reflexões em torno da música popular não corresponderem à sua riqueza e variedade, mas sobretudo em razão do tema sofrer ainda forte preconceito. Em 1970, o jornalista Ilmar Carvalho, membro do Conselho de Música Popular do MIS-RJ, mencionava exatamente essas questões. Ele disse que naquela época ainda era “pouca, muito pouca a literatura existente sobre música popular. De um lado, pode-se alinhar o preconceito contra o gênero, que assim provoca o desinteresse do editor”. Mas identificava uma transição em curso: “Hoje isso está mudando (...). Mas essa mudança se reflete em termos de noticiário e não de estudo, de interpretação ou de pesquisa. São muito poucos ou raros os que se dispõem a fazer uma coisa mais séria com relação a um assunto tão sério como o da música popular” (CARVALHO, 1970, p. 4CARVALHO, Ilmar. MPB. Correio da manhã, Anexo, 26/06/1970 p. 4.).4 4 Vale mencionar que ainda na década de 1980 pesquisadores da universidade ainda reclamavam da mesma situação, indicando a persistência da questão. Ver artigos de TATIT, 1989/1990 e MEDINA, 1989/ 1990. O autor dá sequência ao artigo citando quem seriam os autores com essas características de pesquisador sério e atuante: exatamente Ary Vasconcelos, Eneida, Jota Efegê, Edigar de Alencar e Lúcio Rangel, que aparecem lembrados ao lado de intelectuais reconhecidos como Mário de Andrade, Edison Carneiro, Mozart de Araújo, Augusto de Campos, Renato de Almeida e Câmara Cascudo.

Para vencer esses obstáculos, na década de 1970 ocorreu uma nova onda editorial, desta vez menos dispersa já que conduzida pela Funarte, órgão criado pelo MEC em 1975. Entre as inúmeras atividades relacionadas à música popular, a Funarte formulou uma importante política editorial para a área. Como uma primeira ação editorial, foi lançada a coleção MPB Reedições, com o objetivo de reimprimir obras esgotadas há tempos. A instituição organizou uma equipe de trabalho específica para esse projeto, coordenada por Ary Vasconcelos. O jornalista foi responsável pela apresentação de toda a coleção e logo no primeiro número explicitou seu propósito geral que era preservar “documento raro e precioso” e que por isso “optamos pela edição fac-similada” (VASCONCELOS, 1978, s/p). De acordo com essas orientações foram reeditados, no ano de 1978, os fac-símiles das quatro obras pioneiras da década de 1930, pela seguinte ordem: volume 1, O choroPINTO, Alexandre Gonçalves (Animal). O choro, reminiscências dos chorões antigos. Rio de Janeiro: Typografia Glória, 1936. (edição fac-similar. MPB Reedições. Rio de Janeiro: Funarte , 1978., Alexandre G. Pinto (Animal); volume 2, Na roda do sambaGUIMARÃES, Francisco (Vagalume). Na roda do samba. MPB Reedições. 2a.ed. Rio de Janeiro: Funarte 1978., Francisco Guimarães (Vagalume); volume 3, Chiquinha Gonzaga, Mariza Lira; e o quarto volume, Samba, de Orestes Barbosa. Neste novo panorama, essas obras ganharam outros significados. Elas passaram a representar uma espécie de regresso da memória simbolizado no nome da coleção - Reedições -, como também na edição fac-similar que sugeria exatamente a pretensão de reeditar o passado como algo precioso e uma espécie de janela aberta para o tempo pretérito. Como desdobramento imediato, elas passaram à condição de “fonte primária” para acessar esse passado distante, ainda obscuro nos anos 1970. Esquecidas por muito tempo, a partir destas novas circunstâncias elas adquiriram outro sentido, convertendo-se em “obras clássicas”, discutidas e referenciadas até hoje. A coleção teve vida breve e publicou apenas mais um 5º volume em 1981ALENCAR, Edigar de Nosso Sinhô do Samba. 2a. ed. Rio de Janeiro: Funarte/MinC, 1981., Nosso Sinhô do samba, de Edigar de Alencar. As razões internas da Fundação para suspender a série ainda precisam ser melhor esclarecidas, mas pode-se presumir que não haveria mais obras neste estilo e com qualidade a serem reeditadas. O fato de reimprimir um livro relativamente recente de Edigar de Alencar, originalmente de 1968, revela exatamente essa rarefação. A preocupação da Fundação com o mundo editorial se desdobrou em outros projetos, como o de monografias Lúcio Rangel, que será tratado logo à frente com mais cuidado em razão de sua dimensão material e porque já integrava uma política mais ampla de valorização e apoio à música popular.

Livros em rede e o novo regime historiográfico

É muito interessante como esse grupo de autores, embora distantes dos ambientes institucionais e meios intelectuais formais, começou a produzir um interessante circuito interno em torno de suas obras, constituindo uma espécie de “microclima” muito específico (SIRINELLI, 2003SIRINELLI, Jean-François. Os intelectuais. In: RÈMOND, R. (org). Por uma nova história política. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003., p. 252). Este conjunto editorial gerou uma autêntica rede de práticas e textos (CHARTIER, 1989CHARTIER, Roger. Le monde comme représentation. Annales. Economies, sociétés, civilisations, 44ᵉ année, n. 6, 1989., p. 1512-1513) formada por trocas de apresentações, prefácios, introduções e citação bibliográfica, criando assim uma relação direta e diálogo permanente entre as obras e colegas por afinidades. Bem provavelmente a pequena quantidade de interessados e estudiosos no tema e a raridade de livros sobre o assunto foram condicionantes importantes para a aproximação e simpatias mútuas. Além disso, esse conjunto composto por um número restrito de críticos, colecionadores e estudiosos circulava pelos mesmos meios de comunicação e ambientes boêmios cariocas, facilitando a formação de simpatias - ou antipatias invencíveis - e relações de proximidade (CASTRO; HANSEN, 2016CASTRO, A. C. e HANSEN, P. S. Intelectuais, mediação cultural e projetos políticos: uma introdução para a delimitação do objeto de estudo, In Intelectuais mediadores. Práticas culturais e ação política, RJ, Civilização Brasileira, 2016.)

É possível identificar e eleger para efeito de análise pelo menos três elementos centrais para compreender a formação desta rede contraditoriamente espontânea e ao mesmo tempo induzida: as citações costumeiras das obras dos colegas ao longo dos textos ou na bibliografia; as colaborações na forma de ajuda documental, participação nos projetos editoriais; e, finalmente, as apresentações na forma de prefácios, introduções e orelhas. Ao tomar como referência a relação entre esses elementos, é dado passo importante para desvendar a trama construída. É possível sugerir que, embora mais tênue e delicada, a primeira delas foi desenvolvida muito informalmente por aquelas obras da década de 1930 reeditadas nos anos 1970. Animal, por exemplo, em seu livro fez verbete elogioso sobre Vagalume e agradeceu sua ajuda particular e a contribuição geral dada à música popular. Vagalume lembra e cita Orestes Barbosa logo nos agradecimentos. Orestes é o mais econômico em sua obra e cita apenas Almirante ainda na condição de cantor. Quem fechou o circuito entre esses livros bem posteriormente, dando-lhes sentido coletivo e geracional, foi Ary Vasconcelos que, já na Funarte, fez apresentação das obras, incluindo ainda a de Marisa Lira. Deste grupo mais antigo, Jota Efegê é o mais ativo na lembrança e citação dos colegas. Fez resenha elogiosa em jornal em 1933 a respeito do livro de Vagalume e nas suas crônicas lembra e relembra histórias de quase todos eles. Bem mais tarde, na bibliografia do Maxixe, a dança excomungada (1973 GOMES, João Ferreira (Jota Efegê). Maxixe, a dança excomungada. Rio de Janeiro: Conquista, 1974.), ele citou as obras de Edigar Alencar, Ary Vasconcelos e Mariza Lira. A presença desta estudiosa na rede é ambígua: ela pouco cita seus colegas, mas é citada por quase todos eles. Isso se explica certamente pelo fato dela ter escrito suas duas principais obras no final na década de 1930 e por sua condição de folclorista e pesquisadora reconhecida que concede certa autoridade à citação.

A rede se revela mais densa e articulada com os livros editados na segunda onda editorial da década de 1960. As exceções são Almirante e Lúcio Rangel, cujos livros são mais expressão de seus trabalhos jornalísticos e nos meios de comunicação, e pouco citam seus colegas. Contudo, o radialista é de longe o mais citado e lembrado por todos os autores, em razão de seu passado como cantor da “época de ouro” e de seu trabalho nas emissoras de rádio, condições que convergiram para a publicação do livro sobre Noel Rosa. E, claro, é lembrado também pela função que teve seu incrível arquivo para a pesquisa de todos eles (Lima, 2014). Já Lúcio foi aquele quem costurou pela primeira vez a relação entre os autores na Revista da Música Popular (MORAES, 2018MORAES, José Geraldo Vinci de. Lúcio Rangel comendo “ovos quentes com Noel Rosa”: a invenção de uma historiografia da música popular. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 38, n. 77, 2018.). Exceto Vagalume, todos tiveram algum contato direito ou indireto com a revista: as obras de Orestes e Animal foram citadas ou trechos foram publicados em suas páginas; Marisa manteve coluna ativa em quase todos os números; Efegê foi colaborador atuante; Almirante, eventual, e Edigar, publicou um raro artigo; nela, Ary foi quem entrou em polêmica com Lúcio por querelas discográficas. Em Sambistas e chorões, são lembrados e citados Almirante, Marisa, Jota e Vagalume.

A Figura 1 mostra de modo eloquente a instauração desta cadeia oculta e informal, que colaborou para intensificar a operação historiográfica (CERTEAU, 1982CERTEAU, Michel. A operação historiográfica. In A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária,1982.) em curso e a consolidação de uma narrativa organizada sobre certo passado musical.

Figura 1:
Rede de citações - Livros

Os cruzamentos destacam que Edigar de Alencar e Ary Vasconcelos são os que mais citam os colegas, certamente porque são os mais jovens. Mas essa não é seguramente a questão central. O que importa é que o tipo de citação já alcançava outro sentido, assinalando uma mudança no antigo regime historiográfico da música popular. Diferentemente de Efegê, por exemplo, que cita em profusão os colegas como lembranças, Edigar e Ary utilizam as obras como fonte ou referência. A insistência destes dois autores em deixar claras suas citações e informações é muito evidente. A bibliografia em suas obras sempre é indicada de maneira clara e referenciada, como um valor de consulta e autoridade. O caso de Ary chega ao extremo, pois aponta bibliografia e fontes para as centenas de verbetes escritos em Panorama, gerando repetições e até mesmo certa fadiga de leitura. Limitada na narrativa e rica em informações, a obra tinha mais caráter de consulta. A situação de Edigar é exemplar também porque ele é quem utiliza pela primeira vez notas de rodapé na biografia sobre Sinhô. Ary, nas obras escritas a partir dos anos 1970, também tratou de empregá-las de modo recorrente. A ocorrência não é trivial e não serve apenas para revelar algum grau de intelectualismo de seus autores. Ela deve ser encarada como indício da transformação essencial que “separa a modernidade histórica da tradição” (GRAFTON, 1998GRAFTON, Anthony. As origens trágicas da erudição. Pequeno tratado sobre a nota de rodapé. Campinas: Ed. Papirus, 1998., p. 31), apontando para mais um estágio das mudanças em curso na direção de um discurso mais historiográfico. Neste processo, em tese, o historiador que cita os documentos em nota indica o caminho trilhado por seu texto e apresenta a prova de sua afirmação e narração. Desse modo, o texto vai se desdobrando em várias direções, aprofundando a rede de contatos e relações (CERTEAU, 1982CERTEAU, Michel. A operação historiográfica. In A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária,1982., p. 99-106). Assim, ele não necessitaria mais das antigas autoridades externas superiores, seja a intelectual ou da memória, e mesmo do testemunho ocular (DULONG, 2000DULONG, Renaud. Le témoignage historique: document ou monument ? Hypothèses, n .3, p. 115-119, 2000.; HARTOG, 2011HARTOG, François, Evidência da história. O que os historiadores veem. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2011.), pois a legitimidade se daria pela evidência documental. Neste novo horizonte a bibliografia de autoridade, a memória e o testemunho deveriam se tornar eles também documentos e mencionados em nota. Os livros de Edigar de Alencar e Ary Vasconcelos revelam sensíveis mudanças de postura nas práticas historiadoras e seguem no sentido, ainda que vacilante, da construção de uma narrativa historiográfica que foi tomando lugar daquela essencialmente memorialística.

Nesta intricada cadeia de colaborações mútuas se destacavam também as apresentações, introduções e preâmbulos. Esses textos introdutórios continham características muito próprias: encerravam uma espécie de imperativo implícito de se argumentar a favor do tema, além de destacar a importância da obra apresentada e, claro, louvar seus autores. Em contexto ainda de debilidades teóricas e documentais, a exposição das fragilidades era evidente e, por isso, era necessária uma “retaguarda em uma série de paratextos como prefácios, justificativas, dedicatórias e epístolas” (ASSMAN, p. 217). Na verdade, essa prática não era nenhuma novidade, uma vez que usual em textos de apresentação desde sempre. Gérard Genette em conhecido e minucioso estudo sobre o assunto apontou a função dos prefácios e a variedade de formas que eles assumiram no tempo, mas sempre mantendo como eixo central e funcional exatamente a valorização do texto e do autor (GENETTE, 2009GENETTE, G. Paratextos editoriais. Cotia: Ateliê Editorial, 2009., p. 175-257). O historiador francês François Hartog comenta que, entre os historiadores da Antiguidade, o prefácio era um lugar no qual se apresentavam “os verdadeiros discursos do método (...) e o lugar onde se acertam as contas” (HARTOG, 2001HARTOG, François (org). A história. De Homero a Santo Agostinho. Belo Horizonte: Editora da UFMG , 2001., p. 10-11) e onde se argumentava sobretudo a favor do assunto e de sua importância. Além disso, havia lá a motivação “criadora” e “fundadora” de uma narrativa historiográfica. Pode-se dizer que essas mesmas condições se apresentavam nos textos deste grupo de estudiosos da música popular. Neste conjunto específico reverberava a necessidade de destacar a relevância temática e os processos de trabalho, já que, como sublinhado logo anteriormente, tratava-se ainda de um universo pouco reconhecido que procurava criar legitimidade ao objeto de estudo. Além disso, seus autores destacavam o pioneirismo do grupo, uma vez que eram os “primeiros” a pesquisar e escrever sobre o assunto. Como foi esse conjunto de críticos e cronistas musicais que trouxe o objeto para o centro do debate, esta condição reforçava ainda mais a (auto) percepção de grupo pioneiro. Embora valorizassem a relevância, o pioneirismo e o ineditismo, havia ainda muita insegurança em torno dos caminhos percorridos e sobre aqueles que deveriam ser trilhados. Por isso, muitas vezes as introduções empregavam certo tom de prudência. Apontavam, por exemplo, que o material apresentado não estava completamente encerrado ou então que seria melhor utilizado por pesquisadores no futuro. Deste modo posicionavam os livros como uma espécie de “documentário” ou primeira incursão documentada sobre o tema. Para reforçar a credibilidade, algumas obras também eram apresentadas por intelectuais padrão e reconhecidos como musicólogos, folcloristas ou professores, prática usual no antigo regime historiográfico para sancionar e dar autoridade às afirmações, interpretações e informações (GRAFTON, 1998GRAFTON, Anthony. As origens trágicas da erudição. Pequeno tratado sobre a nota de rodapé. Campinas: Ed. Papirus, 1998., p. 39).

Deste modo, foi se estabelecendo uma espécie de história cruzada do ponto de vista prático e intelectual que começou a erguer de maneira sincrônica o objeto, suas problemáticas e reflexões específicas, que eram transferidas no tempo e nas relações entrecruzadas de autores e livros (WERNER; ZIMMERMANN, 2003WERNER, Michael ; ZIMMERMANN Bénédicte. Penser l'histoire croisée : entre empirie et réflexivité. Annales. Histoire, Sciences Sociales, 58e année, p. 7, 2003). O ponto de intersecção a partir deste momento passou a ser a preocupação em construir um discurso de sentido e mais consistente do ponto de vista historiográfico. Isso significava dar densidade e clareza a uma história com conteúdo real e verdadeiro.

À captura da História

Nesses prólogos, tanto os autores como os apresentadores reforçavam a pretensão de escrever uma “história verdadeira”, o que significava dizer, fundada em documentação e não mais apenas na memória, sempre mais maleável, abstrusa e carregada de opacidades. Por esta razão, segundo esses autores, aqueles que escreveram livros nas décadas de 1930/40, baseados exclusivamente nas experiências e lembranças, não teriam informado corretamente as coisas do passado gerando muita confusão e problemas. Assim, as obras que apareceram da década de 1960 em diante anunciavam nas introduções que pretendiam reparar as falhas e ambicionavam consertar os erros e omissões. Elas começaram então a modelar as balizas factuais e as relações causais ainda, de acordo com eles, repletas de lacunas e imprecisões. E para superar estes obstáculos, a alternativa era aumentar as bases documentais e seu uso recorrente, produzindo aquele “feitiço das fontes”, já exigindo a citação como prova de verdade na forma de nota, como já sublinhado.

O passo subsequente foi estabelecer marcos e colocá-los em alguma linearidade cronológica para ordená-los e dar-lhes sentido (CHARTIER, 1989CHARTIER, Roger. Le monde comme représentation. Annales. Economies, sociétés, civilisations, 44ᵉ année, n. 6, 1989.). Inicialmente esses marcadores aparecem sustentados nas biografias dos artistas e sua existência biológica; alguns autores, como por exemplo Almirante e Edigar de Alencar, usam até mesmo a publicação da certidão de nascimento com aquele objetivo de apresentar a prova absoluta para desfazer as dúvidas. Outra prática clássica que se destacava era a demarcação da data relevante (que poderia ser o lançamento de um disco) ou dos eventos marcantes (como a composição ou o sucesso de uma canção, o estabelecimento de uma parceria, um espetáculo extraordinário). Por detrás desses marcos estava sempre o objetivo de vencer as confusões e imprecisões da memória. À medida em que o regime historiográfico se transformava, necessariamente apareciam tentativas de periodização um pouco mais elaboradas, nas quais esses marcadores ganhavam outro sentido e vida, como naquela certa “linha evolutiva” musical interna que acabaria se consolidando como eixo explicativo da música popular praticada no Brasil. De acordo com ela, a formação da música popular brasileira teria a seguinte dinâmica temporal: o Lundu, a Modinha, o Choro, o Maxixe e o Samba, gênero que, na sua vertente carioca, se consubstanciaria como elemento síntese e representativo de nossa identidade nacional. No debate da época, a inclusão ou exclusão da Bossa Nova nesta linearidade gerou muita polêmica.5 5 O debate quente sobre a “linha evolutiva” surgiu em meados dos anos 1960 nas páginas da Revista Civilização Brasileira e tomaram parte dele diversos intelectuais e artistas. Ver Revista Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, nº 3, jul. 1965; nº 5/6, mar. 1966; nº 7, mai. 1966. Associada a esta percepção fundada nos gêneros, estava presente também a noção de tempo fundada na ideia de origem e evolução que se corporificou num arranjo temporal baseado no encadeamento “fundadores”, “época de ouro” e a o período da “MPB” (incluída ai a Bossa Nova).6 6 É possível pensar também na divisão tripartite origem-apogeu-decadência apresentada por alguns críticos e jornalistas quando encaravam o desenrolar dos anos 1950 quando a Bossa Nova estava sendo formulada e o conceito de MPB inexistia. Neste encadeamento, os anos 1950 aparecem como uma espécie de “idade das trevas” da música popular que teria interrompido o fluxo linear evolutivo, retomado logo em seguida com o alvorecer dos anos 1960. Uma outra tentativa de periodização, foi a aproximação da dinâmica temporal interna da música popular ao tempo da política institucional, como fez Ary Vasconcelos, mas com influência muito residual (VASCONCELOS, 1977VASCONCELOS, Ary Panorama da música brasileira na Belle Époque. Rio de Janeiro: Livraria Sant’Anna, 1977.; 1985VASCONCELOS, Ary A nova música da República Velha. Rio de Janeiro: s/ed., 1985).

Ao assumirem cada vez mais o papel de historiadores, restava ainda resolver a questão da linguagem que deveria associar o estilo originário da crônica e do jornalismo com o “científico”. Isso apontava para a dura tarefa de aproximar os limites de uma escrita fácil e prazerosa com a da austeridade e aspereza da “verdade científica”. Estava em jogo a problemática central e aparentemente insolúvel da narrativa histórica àquela época de combinar prazer e informação, beleza e verdade (GAY, 1990GAY, Peter. O estilo na história. São Paulo: Cia das Letras, 1990, p. 19-22., p. 19-22). De alguma maneira, esse dilema fazia reaparecer de forma recalcada a questão entre o fútil e o útil na cultura popular7 7 A questão aparece pela primeira vez de modo claro com Machado de Assis ao analisar as mudanças na imprensa e cultura brasileira no final do século XIX. Ver mais em MORAES, 2019, capítulo 2. e das mediações culturais uma vez que explicitava os antagonismos entre universos totalmente distintos e distantes naquele momento (VOVELLE, 1987VOVELLE, Michel, Ideologias e mentalidades. São Paulo: Brasiliense, 1987.; CHARLE, 1992CHARLE Christophe. Le temps des hommes doublés. In: Revue d’histoire moderne et contemporaine. v. 39, n. 1, 1992.; CASTRO; HANSEN, 2016CASTRO, A. C. e HANSEN, P. S. Intelectuais, mediação cultural e projetos políticos: uma introdução para a delimitação do objeto de estudo, In Intelectuais mediadores. Práticas culturais e ação política, RJ, Civilização Brasileira, 2016.). Tinhorão acabou revelando, com a costumeira clareza ácida, essas tensões entre os tipos de linguagem e seus domínios correspondentes ao dizer que o jornalismo lhe deu um sistema de trabalho e um tipo de escrita que “não tem aquele ranço de linguagem acadêmica” (LORENZOTTI, 2010LORENZOTTI, E. Tinhorão. O legendário. São Paulo: Imprensa Oficial, 2010. , p. 117). Ao reunir todos estes elementos, tudo indica que estava se constituindo um conjunto de práticas, autores e obras que, apesar de suas particularidades, tinha relativa homogeneidade, formado por “citações corretas, bibliografia, (...) um método (...) e todos os livros que obedecem uma mesma visão” (LORENZOTTI, 2010LORENZOTTI, E. Tinhorão. O legendário. São Paulo: Imprensa Oficial, 2010. , p. 118), criando assim um estilo narrativo específico que seria decisivo para a consolidação de uma historiografia da música popular.

Desse modo, o canteiro de obras da música popular caminhou rapidamente a partir dos anos 1960/70, estabelecendo uma série de fundamentos que legitimavam e davam sentido a uma narrativa de aspectos da cultura musical no Brasil. Os livros sobre o tema começaram a se preocupar, a partir de então, com essa série de elementos dispersos presentes tanto na prática e no discurso jornalístico como no histórico que, reunidos em conjunto, apontavam para uma produção historiográfica específica e sustentada. Ao mesmo tempo, ao assumirem cada vez mais o papel de “historiadores” e organizadores de uma narrativa, eles próprios concorriam pela consagração e legitimidade daquilo que realizavam neste território. Colocava-se, portanto, em “funcionamento uma espécie de cadeia informal de historiadores que tem seguramente função de credenciamento” (HARTOG, 2001HARTOG, François (org). A história. De Homero a Santo Agostinho. Belo Horizonte: Editora da UFMG , 2001., p. 12), aparentemente superando a memória e os testemunhos de vida.

A Funarte e novo circuito livros

Todo esse conjunto formado por experiências de vida, autores, livros, práticas, objetos de crítica, interpretações e linguagem cunhou um caminho que amadureceu institucionalmente em meados década de 1970, com o aparecimento da Funarte, fundação vinculada ao Ministério da Educação e Cultura (MEC). Nela começou a ser formulado um novo circuito de livros sobre música popular fomentado e apoiado pelo Estado que apostava na produção de novas pesquisas e surgimento de novos autores. Na realidade essa nova política editorial começou a ser gestada involuntariamente em 1977 a partir de uma simples e fortuita experiência do concurso de monografias pensado na esteira do sucesso do Projeto Pixinguinha¸ voltado exclusivamente à difusão de espetáculos musicais. Foi nesse cenário de acasos que surgiu o projeto Lúcio Rangel. No entanto, paradoxalmente, ele só pode ser compreendido na sua real extensão se colocado em perspectiva junto com ações independentes e coetâneas já em curso há algum tempo: o aparecimento de órgãos do Estado destinados a implementação de políticas públicas culturais e o astucioso processo de captura desses espaços realizado pelos estudiosos e críticos da música popular. Então, talvez seja prudente fazer uma pequena variação para recompor rapidamente essa dinâmica e em seguida retomar ao tom central da discussão em torno do circuito editorial.

A música popular e o poder

A dinâmica institucional relacionada aos órgãos de Estado com preocupações evidentes com a música popular urbana, começou a se materializar com a criação do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro em 1965 (MIS-RJ) e da Fundação Nacional das Artes (Funarte) em 1975. Os dez anos que separam a criação do MIS e da Funarte estabelecem algumas diferenças de ordem mais geral e também mais propriamente relativas à operação historiográfica em curso. A criação do MIS-RJ em 1965 responde de algum modo às problemáticas relacionadas as circunstâncias políticas gerais que antecedem o Golpe de 1964, embora os aspectos da política regional fluminense sejam bem mais elucidativos. Neste horizonte, a perda da condição de capital federal da cidade do Rio de Janeiro para Brasília (1960), a criação do estado da Guanabara (1960) e, finalmente, a eleição e o mandado de Carlos Lacerda (1960-65) foram elementos centrais. Os combates para manter o Rio de Janeiro como núcleo político e centro cultural do país ajudam a explicar a criação artificial do estado da Guanabara (1960-1975) e a exigência do desenvolvimento de uma política ao mesmo tempo regional e modernizadora. A campanha “O Rio será sempre o Rio” sintetizou esses anseios e políticas públicas. A construção de um inusitado e moderno Museu da Imagem e do Som na cidade do Rio de Janeiro, por governador atuante e com pretensões políticas presidenciais, combinava todas essas necessidades. O interesse do político em um museu com essas características foi promessa de campanha eleitoral e a preocupação em viabilizá-lo surgiu desde o início de sua gestão. Mas não se deve esquecer também as antigas relações de Lacerda com os críticos literários e da música, como Lúcio Rangel, desde a época da Revista Acadêmica nos anos 1930/40 (MORAES, 2018MORAES, José Geraldo Vinci de. Lúcio Rangel comendo “ovos quentes com Noel Rosa”: a invenção de uma historiografia da música popular. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 38, n. 77, 2018.). O que importa perceber é que, embora a instituição tivesse origens políticas e projetos culturais bem mais amplos, a impressão imediata criada à época e que permaneceu no tempo foi a de que ele era um museu destinado à música popular. De acordo com Maurício Quadrios, seu primeiro coordenador, rapidamente o “MIS perdeu as suas características ecléticas para se transformar no museu da MPB” (MESQUITA, 2009MESQUITA, Claúdia. Um museu para a Guanabara. Carlos Lacerda e a criação do Museu da Imagem e do Som (1960-65). Rio de Janeiro: Editora Folga Seca/Faperj, 2009., p. 113-114), principalmente pela forte marca da presença do arquivo de Almirante e logo depois pela aquisição da imensa discoteca de Lúcio Rangel. A repercussão dada pelo governo e veiculada na imprensa sobre a aquisição dos acervos e seus antigos proprietários foram muito grandes, colaborando para criar esse imaginário e traçar os destinos do museu. Ao se tornar núcleo público das antigas coleções particulares, o MIS-RJ deu passo imenso no sentido da institucionalização material da memória da música popular urbana e também para a entronização dos dois jornalistas colecionadores. Outra ação importante de impacto foi a série Depoimentos para a posteridade, que tinha o objetivo bastante amplo de captar e gravar a memória de figuras variadas. A série foi bem-sucedida no tempo, colhendo centenas de depoimentos e registrando a memória de músicos, políticos, intelectuais, atores e artistas. Ocorre que novamente a memória da música popular se destacou desde o início e tornou-se o centro das atividades da série. A repercussão dos depoimentos de João da Baiana, Pixinguinha e Donga, por exemplo, foi muito marcante.8 8 A transcrição destes três depoimentos tornou-se posteriormente livro amplamente utilizado e citado pela historiografia: FERNANDES, Antônio Barroso (org.). As vozes desassombradas do Museu: Pixinguinha, Donga e João da Baiana. Rio de Janeiro: MIS/Secretaria de Educação e Cultura, 1970. Esse imenso acervo sonoro, oral, iconográfico e escrito transformaram na prática o MIS-RJ no primeiro lugar institucional dirigido claramente à música popular urbana, para onde começaram a se dirigir devotadamente centenas e centenas de pesquisadores. Essa base documental deu suporte para milhares de pesquisas que certamente serviram para legitimá-lo e, sobretudo, consagrar uma percepção histórica muito própria da cultura musical, dando-lhe definitivamente caráter nacional. A memória do cotidiano carioca e de sua filha dileta, a música popular, tinham agora uma “casa onde morar e para olhar” (MESQUITA, 2009MESQUITA, Claúdia. Um museu para a Guanabara. Carlos Lacerda e a criação do Museu da Imagem e do Som (1960-65). Rio de Janeiro: Editora Folga Seca/Faperj, 2009., p. 151).

Para orientar as políticas do museu foram criados em 1966 vários conselhos (ALBIN, 2000ALBIN, Ricardo Cravo. Museu da Imagem e do Som. Rastros da memória. Rio de Janeiro: Sextante Artes, 2000., p. 42) e entre eles, por sugestão de Ary Vasconcelos, o Conselho de Música Popular,9 9 I Reunião do Conselho de Música Popular. Ata, 06/04/1966. Acervo MIS-RJ único a alcançar influência e destaque. Composto por 40 membros de origens diferentes, mas que tinham como interesse comum a “boa” música popular e nacional. Mesmo constituído por folcloristas, artistas, produtores e musicólogos, a esmagadora maioria do conselho era composta de jornalistas. As reuniões serviam para debater suas posições políticas e convicções culturais, produzindo discussões acaloradas. Mas o que interessa destacar é a participação direta no conselho exatamente de Almirante, Lúcio Rangel, Marisa Lira, Jota Efegê, Ary Vasconcelos e Edigar de Alencar. Vale também lembrar que Eneida foi secretária-geral do comitê e Vasco Mariz membro atuante. Desse modo, além das redes pessoais e da intelectual criada por meio dos livros, aquele grupo de autores começou a formar também uma rede institucional, tendo o MIS-RJ como primeiro núcleo. Seguramente as redes de influência se cruzavam e reforçando-se mutuamente (WERNER; ZIMMERMANN, 2003WERNER, Michael ; ZIMMERMANN Bénédicte. Penser l'histoire croisée : entre empirie et réflexivité. Annales. Histoire, Sciences Sociales, 58e année, p. 7, 2003). Os livros e pesquisas, por exemplo, certamente serviram de referência e deram autoridade ao convite para compor o conselho. Ao mesmo tempo, participar dele significava fortalecer de alguma maneira suas obras antigas e criava a possibilidade de escrever outras, além de conceder notabilidade aos seus membros. Sérgio Porto chegou a afirmar, naquela maneira irreverente de seu personagem Stanislaw Ponte Preta, que se sentia “muito orgulhoso do título. Sou um conselheiro superior e isso é bacaninha” (PONTE PRETA, 1966PONTE PRETA, Stanislaw. Conselho Superior. Última hora, 08/02/1966.). Além disso, a participação reforçava os laços pessoais ou, contraditoriamente, podia triturá-los. Os conflitos e desavenças pessoais não foram nada incomuns no MIS-RJ, e se entranharam na sua história.10 10 Esse tipo de desavença permaneceu por muito tempo. No 3º Encontro da Associação dos Pesquisadores de Música Popular, ocorrido em 1982, por exemplo, houve um conflito público. Ricardo Cravo Albin criticou em uma mesa a situação do MIS, sendo rebatido imediatamente pela então diretora, Mara Caballero. Aracy Cortes encerrou com irreverência uma reunião de muita seriedade. Jornal do Brasil, Caderno B, 22/04/1982, p. 8. E serviram para potencializar as penosas tensões políticas do início da década de 1970, multiplicando as dificuldades cotidianas do museu. Neste ambiente nocivo, o conselho foi acusado de “infiltração comunista” e finalmente fechado em 1972 por seu novo diretor.

O redirecionamento circunstancial do museu e a perda de espaço político- cultural, implicou uma espécie de vazio cultural reforçado evidentemente pela censura e repressão. Mas a partir de 1974, como se sabe, teve início a relativa distensão do regime militar e as atenções se voltaram para o MEC por várias razões. Nesta época, houve esforço muito grande neste ministério em desenvolver políticas de incentivo cultural por meio do Programa de Ação Cultural (PAC-1973) e, sobretudo, depois do Plano Nacional de Cultura (PNC-1975) que redundaram, durante a gestão de Ney Braga, na institucionalização de diversos órgãos de cultura a partir de um órgão central do ministério já existente desde 1972, o Departamento de Assuntos Culturais (DAC) (MICELI, 1984MICELI, Sérgio (org.). Estado e cultura no Brasil. São Paulo: Difel, 1984., p. 53-83). A orientação política geral seguia os ditames do governo: discurso ao mesmo tempo modernizador, nacionalista e integracionista. Nestas novas circunstâncias é que ocorreu a criação da Funarte em 1975, com funcionamento efetivo a partir de março de 1976. Com funções bastante abrangentes que alcançavam todas as áreas culturais, foram criados ou transferidos diversos institutos de artes seguindo a lógica da classificação por áreas: artes plásticas (INAP), folclore (INF), teatro (INACEN) e música (INM). Com esta estrutura, a Funarte ocupou espaço cultural a partir de duas frentes bastante claras: uma interna, que diagnosticava os problemas a serem alcançados pela instituição; e a externa, que recebia as demandas da sociedade para apoiá-las ou não (BOTELHO, 2001BOTELHO, Isaura. Romance de formação. Funarte e política cultural (1976-1990). Rio de Janeiro: Ed. Casa de Rui Barbosa/MinC, 2001.).

Curiosamente a Fundação obteve desde o início uma autonomia rara para aquele momento. Os poucos estudos sobre a instituição e seu papel indicam que ela parece ter sido produto da mistura de vários fatores como as concessões feitas pelo ministério, as conquistas do corpo burocrático novo e jovem e ações da comunidade artística. As análises do apoio político mais amplo que sustentaram essas ações são contraditórias e precisam ainda ser melhor sondadas e analisadas. Elas oscilam entre o reconhecimento da atuação imperativa do governo militar em favor de uma política cultural nacionalista, até a presença de certo ranço populista de aproximação ao povo, sendo então a música popular uma chave importante de acesso. Há também quem argumente que o MEC desenvolvia uma política calculada de distensão e reconciliação com artistas e intelectuais, reeditando de certo modo as políticas de Capanema nos anos 1930-40 (STROUD, 2008STROUD, S. The defence of tradition in brazilian popular music. Aldershot: Ashgate Publishing, 2008.). Essas análises, muito preocupadas com a centralidade e repressão do poder militar ou políticas de cooptação, raramente consideraram aquele tradicional descontrole e certo desconhecimento do alto escalão político-burocrático da máquina administrativa que geravam distorções, duplicidade de órgãos e de políticas e também alguma autonomia relativa. Essas circunstâncias geralmente permitiam aos agentes intermediários envolvidos, construir algum distanciamento do poder central e certa independência, sobretudo no tratamento de temas sem importância capital para as políticas governamentais, como era ainda o caso da música popular. Neste ambiente de certa frouxidão, as simpatias e relações pessoais ganhavam relevo e muitas vezes predominavam. Esse ethos emotivo constitutivo de nossas práticas sociais e que rebate no Estado não pode ser desconsiderado, pois ele está entranhado no modo de ser da burocracia do Estado e nas suas práticas cotidianas (HOLANDA, 1975HOLANDA, Sérgio B. Raízes do Brasil. 8a. ed. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 1975.). Talvez a combinação desigual de todos estes elementos no tempo possa oferecer um quadro mais interessante e rico para sua compreensão, ao invés de aceitar os automatismos interpretativos costumeiros.

Nesta história ainda um tanto nebulosa e de múltiplos condicionantes o que importa identificar especialmente é a formação do Instituto Nacional de Música que redundou na criação da Diretoria de Música, com uma posterior divisão exclusiva destinada à música popular. São conflitantes os depoimentos e diagnósticos de criação do Instituto de Música, assim como um tanto opacas a forma de constituição da Divisão de Música Popular na Funarte. Sem dúvida o INM foi produto de ação centralizada do MEC, já que apareceu desde o início no decreto de criação da estrutura da Funarte. Mas também foi fruto da pressão e disputas internas relacionadas ao mundo da música erudita que, desde o início daquela década, reclamava por um “sistema” ou um “serviço” nacional de música que se responsabilizasse em apoiá-la, especialmente as grandes orquestras nacionais sediadas no Rio de Janeiro que, sempre em crise, se digladiavam (a Sinfônica Brasileira, regida Isaac Karabtchevski, e a Sinfônica Nacional, regida por Marlos Nobre).

Em meados de 1975, ocorreram debates entre alguns de seus principais artistas e as pressões sobre o MEC aumentaram, até a conclusão da instituição do INM na Funarte, cujo primeiro diretor foi justamente o regente e compositor Marlos Nobre, revelando a permeabilidade política do novo órgão (BOTELHO, 2001BOTELHO, Isaura. Romance de formação. Funarte e política cultural (1976-1990). Rio de Janeiro: Ed. Casa de Rui Barbosa/MinC, 2001.; VETROMILLA, 2011VETROMILLA, Clayton Daunis. Política cultural nos anos 70: controvérsias e gênese do Instituto Nacional de Música da Funarte. In: II Seminário Internacional De Políticas Culturais. Anais. Fundação Casa de Rui Barbosa, 2011.).

Nessa mesma época, setores vinculados a música popular também se mobilizavam, acompanhando o ritmo geral da sociedade. Com a distensão o clima um pouco mais favorável aos debates cresceu na segunda metade da década de 1970 e junto com ele as pressões. As reclamações variavam de questões amplas, como aquelas contra a censura ou as discussões em torno das políticas culturais, até problemáticas práticas relativas, por exemplo, à arrecadação dos direitos dos autores. Neste campo mais corporativo há um episódio que ajuda a elucidar parte da trama em torno da criação da Divisão da Música Popular na Funarte. Um grupo de artistas importantes, profundamente insatisfeitos com as sociedades arrecadadoras de direitos autorais, se reuniu e fundou, no final de 1974, uma associação independente, a Sombras, Sociedade Musical Brasileira. (AUTRAN, 2005AUTRAN, Margarida. O Estado e o músico popular: de marginal a instrumento. In: NOVAES, Adauto. Anos 70. Ainda sob a tempestade. Rio de Janeiro: Aeroplano/Senac- RJ, 2005.). Seu primeiro presidente foi o compositor Tom Jobim tendo como vice- presidente o poeta e produtor cultural Hermínio Bello de Carvalho, que foi quem exerceu de fato o dia-a-dia da associação, uma vez que Jobim tinha uma vida artística muito atribulada. Por uma série de circunstâncias, a associação logo conseguiu audiência com o ministro Ney Braga, para discutir várias questões relativas aos interesses dos músicos de modo geral, sobretudo a censura e a questão da arrecadação de direitos. O pequeno grupo foi composto por Sérgio Ricardo, Chico Buarque, Maurício Tapajós e Hermínio Bello Carvalho e o encontro, segundo o ministro, teve o tom positivo de “conversa franca”. Ele destacou desde o início que o governo dava importância à música popular como elemento de formação da consciência nacional e que estava preocupado com as questões levantadas pelos artistas. De acordo com seu relatório de registro da reunião, os temas debatidos foram a censura, a arrecadação dos direitos autorais, o controle da indústria fonográfica e a questão da transmissão de música brasileira no rádio e TV. Os artistas destacaram a importância da Sombras que reunia músicos populares e eruditos, sendo lembrada a participação de Marlos Nobre e Edino Krieger. (BRAGA, 2002BRAGA, Ney. Anexo 1. In: CASTRO, Celso; D’ARAUJO, Maria Celina (org.). Dossiê Geisel. 3a. ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV , 2002.). Político experimentado e mais aberto ao diálogo, as questões culturais, entre elas a música, estavam no seu foco como uma estratégia importante. De acordo com a avaliação de músicos e jornalistas da época, havia o interesse do ministro e do governo em conquistar simpatia popular e a música seria um importante instrumento nesta direção (AUTRAN, 2005AUTRAN, Margarida. O Estado e o músico popular: de marginal a instrumento. In: NOVAES, Adauto. Anos 70. Ainda sob a tempestade. Rio de Janeiro: Aeroplano/Senac- RJ, 2005., p. 89). Esse clima mais amigável fez até com que o jornalista e crítico da música popular Aramis Millarch, paranaense como o ministro, dissesse com certo arroubo que o ministro era um “homem que sempre gostou da música popular brasileira” (MILLARCH, 08/02/1980MILLARCH, Aramis. Tablóide. O Estado do Paraná, 08/02/1980.).

Tudo indica que esse contato da Sombras e seus membros com o ministério foram determinantes para que Hermínio Bello de Carvalho fosse convidado no final de 1976 para coordenar na Funarte alguns projetos especiais independentes vinculados à música popular. Para alguns dos artistas e jornalistas engajados, como Hermínio e Sérgio Cabral, este espaço devia ser ocupado pelos verdadeiros interessados e conhecedores do tema (PAVAN, 2006PAVAN, Alexandre. Timoneiro. Perfil biográfico de Hermínio Bello Carvalho. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2006., p. 153-154). Na oportunidade, Hermínio apresentou à Fundação projeto semelhante ao que desenvolvia com Albino Pinheiro no Teatro João Caetano (RJ), conhecido como Seis e meia. A série consistia na apresentação de espetáculos musicais com preços baratos no horário alternativo entre 18:30/20:00, derivando daí o título. Sua orientação e o sucesso se coadunavam com as diretrizes pretendidas pela Funarte. Afastado do Seis e meia, Hermínio passou a organizar a nova série para a Funarte que associava ideias discutidas na Sombras e a lógica de funcionamento do Seis e meia, que se materializou finalmente em agosto de 1977 no Projeto Pixinguinha (Pavan, 2006PAVAN, Alexandre. Timoneiro. Perfil biográfico de Hermínio Bello Carvalho. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2006., p. 140-149). Voltado à difusão e popularização de espetáculos musicais, seu sucesso foi rápido e significativo, tornando-se referência para a Funarte e para o mercado de espetáculos musicais. Os bons resultados do projeto aparentemente reforçaram a posição da música popular na Funarte e a necessidade da criação de uma divisão própria para ela. Dessa maneira, o surgimento da Divisão de Música Popular foi produto dessa intersecção de eventos, mas ainda são um tanto turvas as razões internas e as pressões externas que levaram à sua formulação burocrática e política, e à chefia de Hermínio entre 1978-1989.

Seja como tenha sido, em 1978 a nova diretoria estava implantada e sob o comando de Hermínio. Rapidamente ele projetou e tratou de implementar uma política mais ampla que tinha exatamente a pretensão de olhar e valorizar o passado da música popular. Certamente ela trazia embutida aquela percepção de que música do passado era melhor e de que era preciso resistir e lutar contra as influências estrangeiras deletérias. Essa política compreendia a organização de uma ação integrada composta de espetáculos musicais com caráter didático e comemorativo envolvendo figuras ou eventos centrais para o conhecimento e compreensão da história da música popular. O objetivo central do programa era relacionar as apresentações musicais aos projetos Almirante, de registro e fomento fonográfico, e o Lúcio Rangel, de publicação; ocorre que nem sempre essa relação multimodal foi executada na plenitude. É preciso salientar a clareza absoluta do título dos dois projetos, para que não passe desapercebida a sua obviedade: um tributo aos dois jornalistas e colecionadores, considerados à época ainda as maiores referências para os estudo e história da música popular. Após a consagração no MIS-RJ, as figuras de Almirante e Lúcio Rangel subiam mais um degrau para se tornarem patrimônios culturais institucionalizados. De acordo com Hermínio Bello de Carvalho, a proposta dos projetos era que eles funcionassem interligados, da seguinte maneira:

Projeto Lúcio Rangel de Monografias gerava um livro que, às vezes, provocava a edição de um disco através do Projeto Almirante que, por sua vez, provocava um espetáculo musical na Sala Funarte Sidney Miller, dirigida pelo Érico de Freitas, e o espetáculo era registrado através de convênio com a TVE (e, nos estados, com outras emissoras televisivas) e assim por diante. Havia ainda o Projeto Radamés Gnattali, uma espécie de karaokê instrumental, com os melhores músicos da praça executando playbacks para ajudar numa política de estímulo à prática de conjunto, apoiado pelo Projeto de Partituras Airton Barbosa. Todos esses projetos eram gerados sequencialmente e tinham uma interligação e uma grande diversidade (CARVALHOCARVALHO, Hermínio Bello. O pai do Projeto Pixinguinha. Depoimento Brasil Memória das Artes. http://www.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/acervo/pixinguinha/o-pai-do-projeto. Consulta 08-09-2020
http://www.funarte.gov.br/brasilmemoriad...
, s/d)

O projeto Lúcio Rangel: a consolidação de uma historiografia

Pois bem, a partir desta política mais ampla que colocava a música popular como eixo central, surgiu o Projeto Lúcio Rangel. Como já salientado, ele começou a ser gestado involuntariamente em 1977 a partir de uma simples experiência do concurso de monografias pensado na esteira do sucesso do Projeto Pixinguinha¸ voltado para a difusão de espetáculos musicais. O certame editorial com tema sobre Pixinguinha contou naquele ano com a participação de 15 concorrentes e foi vencido pelo já então reconhecido jornalista Sérgio Cabral, que apresentou trabalho com o indefectível título Pixinguinha. Vida e obra, usando como pseudônimo o antigo violonista carioca Quincas Laranjeira. O segundo lugar ficou com os jovens pesquisadores Marília Barbosa da Silva e Arthur Loureiro de Oliveira Filho, com trabalho chamado Pixinguinha. Filho de Ogum bexiguento. A partir do ano seguinte a ideia do concurso se consolidou, integrando-se então à política institucional mais geral da fundação. Homenageando Lúcio Rangel, ele foi implementado definitivamente e com a intenção de estimular, de acordo com Hermínio, os “novos pesquisadores já que o campo está aberto mais do que nunca às novas gerações” (MILLARCH, 08/04/1980MILLARCH, Aramis. Depoimento de Hermínio Bello Carvalho. Estado do Paraná, 08/04/1980, p. 6., p. 6). Desta maneira, a instituição agia em duas pontas: fomentando a pesquisa e o surgimento de novos autores e pesquisadores, e publicando suas obras.

O programa do projeto se concentrou basicamente na produção de biografias e a cada edital era designado um conjunto de biografados. Raríssimos foram os editais que apresentaram pontos mais temáticos. Não há registros ou rastros das discussões que envolveram a formulação das orientações, mas pode-se presumir que o “desafio biográfico” fundado no binômio vida-e-obra já formava uma tradição da área e talvez um pressuposto quase natural (DOSSE, 2009DOSSE, François. O Desafio Biográfico: escrever uma vida. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009.; PEKACZ, 2004PEKACZ, Jolanta T. Memory, history and meaning: musical biography and its discontents. Journal of Musicological Research, n. 23, p. 39-80, 2004.). Por isso, o comitê passou a indicar a biografia de vários artistas por edital, abrindo concurso de seleção independente para cada um deles. Tudo indica que a perspectiva era aquela de ocupar espaço e aproveitar rapidamente a oportunidade criada, o que pode explicar essa ação concentrada e vontade incontida de triunfo do projeto. Ao mesmo tempo, buscava-se um enquadramento das obras e temas, tendo em vista garantir a seriedade da pesquisa e das obras a serem publicadas. Os editais eram divulgados na imprensa contendo orientações estritas, tanto biográficas como metodológicas. No edital de 1979, por exemplo, os artistas indicados pela comissão foram o compositor baiano Dorival Caymmi, a dupla Jararaca e Ratinho, e os sambistas cariocas Candeia, Silas e Bide. Cada biógrafo deveria obrigatoriamente considerar inúmeros itens e dezenas de alíneas prescritivas, destinadas a cada biografado: “o texto de Caymmi como crônica da Bahia”, “o humor da dupla no teatro, no rádio e no disco”, “a relação de Candeia com a Escola de Samba Quilombo”, “a contribuição de Silas na fixação da linguagem do samba-enredo” e “Os bambas do Estácio e a importância dentro da comunidade”. Do ponto de vista metodológico, as monografias deveriam conter obrigatoriamente “a discografia completa do compositor e no caso de haver alguma obra inédita, esta deverá ser anexada em fita cassete gravada em uma via; todas as fontes de pesquisa utilizadas pelo candidato deverão ser minunciosamente explicitadas”.11 11 O Edital oficial da Funarte de 1979 foi publicado em dezenas de órgãos de imprensa de todo o país. Esse modelo seguia aquele formato inaugurado por Edigar de Alencar em 1968ALENCAR, - Nosso Sinhô do samba. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1968. com Nosso Sinhô do samba, isto é, rigor documental e bibliográfico, musicografia ampla e discografia meticulosa (MORAES, 2011MORAES, José Geraldo Vinci de. Edigar de Alencar e a escrita histórica da música popular. Cadernos de Pesquisa do CDHIS. v. 24, n. 2, 2011.). A influência dessas diretrizes chegou a tal ponto que acabou configurando um paradigma biográfico para as obras em torno dos artistas da música popular, muitas vezes convertendo-se numa espécie de camisa de força.

Uma bancada de examinadores era designada para cada seleção, que contou eventualmente com a participação de Lúcio Rangel, Almirante, Ary Vasconcelos e Edigar de Alencar, entre tantos outros avaliadores. A Funarte tinha verba própria destinada ao edital. Mas, entre 1981 e 1983, e novamente em 1986, teve que requerer financiamento ao Conselho Nacional de Direitos Autorais e, em 1985, à Petrobrás (D.O.U. 28/07/1986, p. 1171). A premiação era dividida em duas partes: valor em dinheiro aos indicados e a garantia de publicação das obras escolhidas. Apesar dos evidentes benefícios aos pesquisadores, reclamou-se à época do número reduzido de concorrentes em alguns concursos. Nos dois primeiros editais, houve casos da inscrição de apenas uma monografia e em duas situações não apareceu nenhum inscrito, como no concurso de Bide em 1979 (MILLARCH, 08/04/1980MILLARCH, Aramis. Depoimento de Hermínio Bello Carvalho. Estado do Paraná, 08/04/1980, p. 6., p. 6.). Já nos concursos de Nelson Ferreira, em 1978, Lupicínio Rodrigues, 1978, e Candeia, 1979, a comissão de avaliação julgou os textos apresentados muito frágeis e, por isso, não concedeu premiação. Não satisfeita com o fato, a Funarte tratou de encomendar para três autores reconhecidos as biografias de Bide, Candeia e Lupicínio, indicando, respectivamente, Sérgio Cabral, Lena Frias e Luís Fernando Veríssimo. Nenhum deles, no entanto, concluiu a tarefa. A avaliação interna da instituição considerou que essas dificuldades gerais podiam ser também resultado dos editais muito rígidos, fato que provavelmente criava limitações e temores nos jovens pesquisadores. Por isso, já no terceiro edital, de 1980, a comissão tratou de flexibilizar as orientações e desmontar o possível surgimento de um conflito entre “os grandes nomes da pesquisa e a nova geração”, segundo Ary Vasconcelos. Reforçando este aspecto, Lígia Santos, filha de Donga, e vitoriosa com a biografia de Paulo da Portela, disse que quando começou a escrevê-la “era uma pessoa medrosa” e temia a reação dos antigos pesquisadores, mas, com incentivo, acabou triunfando (Jornal de Minas, 09/04/1980). Em compensação, Lígia contou nesta monografia com a parceria da jovem pesquisadora Marília Trindade Barbosa Silva que havia alcançado o segundo lugar, ao lado de seu antigo professor Arthur de Oliveira Filho no concurso sobre Pixinguinha. Essa dupla formada por professor e aluna também saiu vitoriosa nos concursos de Silas e Cartola, tornando-se assim a maior vencedora de todo projeto. Por outro lado, significava também que havia chegado a um certo modelo aceito pelas bancadas de seleção.

Como a Fundação tinha caráter nacional, os editais apresentavam artistas de várias regiões do país, como o baiano Dorival Caymmi, o paraense Waldemar Henrique, os paulistas Garoto, Capitão Furtado e Adoniran Barbosa, o gaúcho Lupicínio Rodrigues e os pernambucanos Nelson Ferreira e Luiz Gonzaga. Todavia, é muito evidente a prevalência dos artistas nascidos (identificados no Quadro 1 com RJ) ou criados desde a infância na cidade do Rio de Janeiro (identificados no Quadro 1 com RJ+) e também o reforço daquela percepção baseada da “linha evolutiva” que consagrava o samba e o choro (identificados no Quadro 1 com S e C, respectivamente) como os gêneros da nacionalidade. O quadro a seguir revela que entre os 34 artistas indicados pelas comissões da Funarte até 1986, apenas oito não tinham essa origem e vínculos diretos com os dois gêneros musicais E, mesmo assim, Dorival, Lupicínio, Adoniran e Garoto, embora tenham mantido suas especificidades de linguagem, podem ser incluídos sem nenhum esforço nesta tradição, estreitando ainda mais a filtragem. Assim, tudo indica que os concursos do projeto Lúcio Rangel serviram para institucionalizar e consagrar ainda mais esse legado e seus artistas, consolidando certa percepção regionalista e fundada nestes dois gêneros encapsulando de certo modo a vasta cultura musical brasileira.

Quadro 1:
Projeto Lúcio Rangel de Biografias - Funarte/MEC

Com o tempo o concurso foi perdendo força interna e impacto externo. A partir de 1987 ele se tornou errático até a extinção em 1989. Com a eleição de Collor à Presidência da República e o fim do recém-criado Ministério da Cultura, houve corte geral nas verbas da Funarte, atingindo profundamente a Divisão de Música Popular, o que implicou a demissão de funcionários e o fim do projeto Lúcio Rangel e, no limite, a saída de Hermínio da diretoria (MILLARCH, 02/02/1989MILLARCH, Aramis. Estado do Paraná, 02/02/1989, p. 3., p. 3). Do ponto de vista externo, a ampliação do universo de pesquisadores e de temas para além dessas redes foi determinante, muito embora sua influência tenha permanecido de diversos modos, como na consagração da forma biográfica dos artistas e temas apontados durante os anos de sua vigência.

Ainda como um esforço adicional e derivado, a Funarte apoiou também a publicação isolada de obras de Jota Efegê. Elas devem ser compreendidas como produto da dinâmica mais geral existente na fundação, mas tem uma característica especial, pois foram resultado do esforço pessoal de Hermínio Bello de Carvalho, amigo incondicional e admirador confesso de Jota.12 12 Ver os inúmeros artigos escritos por Hermínio sobre Jota no seu acervo na página web http://www.acervohbc.com.br/BuscaSimples.aspx. Ver também entrevista dada ao programa Entre Amigos, TVE do Rio de Janeiro, em 1984, de que participam, além de Hermínio Bello, Nássara e Carlos Drummond de Andrade, todos amigos e admiradores de Efegê (http://www.youtube.com/watch?v=TX3CiKEEKhc). Para o velho jornalista quase octogenário àquela época, o conjunto de livros certamente servia como uma espécie de homenagem da instituição e de seus amigos. Ao invés de republicar suas duas importantes obras, Ameno Resedá e Maxixe e dança excomungada, a Divisão resolveu compilar uma série de artigos publicados na imprensa originando Figuras e coisas da música popular I (1978GOMES, João Ferreira (Jota Efegê). Figuras e coisas da música popular brasileira. Rio de Janeiro: Funarte , 1978, vol. 1) e II (1980GOMES, João Ferreira (Jota Efegê). Figuras e coisas da música popular brasileira. Rio de Janeiro: Funarte , 1980, vol. 2), Figuras e coisas do carnaval carioca (1982GOMES, João Ferreira (Jota Efegê). Figuras e coisas do carnaval carioca. Rio de Janeiro: Funarte , 1982.) e Meninos eu vi (1985GOMES, João Ferreira (Jota Efegê). Meninos eu vi. Rio de Janeiro: Funarte , 1985.). Com a publicação desses “livros homenagens” de Jota Efegê, a Funarte finalizava involuntariamente a participação direta ou indireta de todos os primeiros estudiosos da música popular no seu circuito de livros, totalizando um arco temporal de obras voltadas para a narração e compreensão da música popular urbana. Ao mesmo tempo, essa foi uma ação voluntária resultante de orientação política clara de agentes do estado - eventuais e concursados - que agiram de forma ativa na direção da consagração destes autores e de uma certa interpretação de aspectos da história da cultura musical do Brasil.

Após esse longo percurso, talvez possa se dizer que este grupo de críticos e jornalistas de alguma forma “ascendeu (...), destronou le monde e requisitou para si as posições de poder e prestígio” (DARTON, 1987DARTON, Robert. Boemia literária e revolução. O submundo das letras no antigo regime. São Paulo: Cia. das Letras, 1987., p. 47). Assim, deixaram no passado as antigas práticas de guerrilha e o discurso à margem, passando a operar com posturas mais estratégicas do ponto de vista das formalidades intelectuais, atitudes e ferramentas institucionais (CERTEAU, 1994CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano. Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 1994.; BHABHA, 2005BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2005.). A partir de certo momento e lugares estratégicos, o modo de compreender e explicar a história da música popular que eles criaram se transformou em legítimo paradigma, se entranhando profundamente no imaginário da cultura musical do país. Mas para que esse “discurso normativo” predominasse, antes foi preciso justamente construir o “relato articulado em cima do real e falando em seu nome, isto é, uma lei historiada e historicizada” (CERTEAU, 1994CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano. Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 1994., p. 241). E no eixo de todo o processo estava o livro como registro simbólico e material de uma trajetória de dada cultura popular que acabou por se integrar por diversas vias à cultura e ao imaginário nacional.

Curiosamente boa parte da geração seguinte que se preocupou com o tema e originária das universidades, tratou grande destas obras como fonte primária, assumiu seus temas, personagens e interpretações, reforçando involuntariamente ainda mais essa dada percepção da história da cultura do país. Ela não percebeu, ou não quis ver por diversos motivos, que estava em jogo ali a construção de um discurso historiográfico e a interpretação da formação da cultura nacional.

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  • WERNER, Michael ; ZIMMERMANN Bénédicte. Penser l'histoire croisée : entre empirie et réflexivité. Annales. Histoire, Sciences Sociales, 58e année, p. 7, 2003

Notas

  • 1
    Relançada como Abreu, Gilda, 2003ABREU, Gilda. Minha vida com Vicente Celestino. São Paulo, Ed. Butterfly, 2003..
  • 2
    A maioria delas de caráter biográfico, como por exemplo, SCHILIRO; CRUZ, 1950SCHILIRO, Luiz; CRUZ, M. Ayres da. Vida artística e boêmia Zequinha de Abreu. São Paulo: s. ed.,1950.; MENEZES, 1953MENEZES, Cícero. Patápio Silva - biografia. Rio de Janeiro: Editora Americana, 1953.; JÚNIOR, 1956JÚNIOR, Queiroz. Carmen Miranda, vida, glória, amor e morte. Rio de Janeiro: Ed. Cia. Brasileira de Artes Gráficas, 1956;; SIQUEIRA, 1967SIQUEIRA, João Baptista. Ernesto Nazareth na música brasileira; ensaio histórico- científico. Rio de Janeiro: Gráfica Editora Aurora, 1967.; CARDOSO, 1965CARDOSO, Sílvio Túlio. Dicionário biográfico de música popular. Rio de Janeiro: Empresa Gráfica Ouvidor S/A, 1965..
  • 3
    Alguns balanços já foram realizados, como Lorenzotti, 2010LORENZOTTI, E. Tinhorão. O legendário. São Paulo: Imprensa Oficial, 2010. e Victor, 21/09/2014VICTOR, Fábio. Tinhorão de volta à roda. Folha de São Paulo, 21/09/2014.. Com relação a trabalhos acadêmicos, independente de qualidade individual de cada um deles, ver: BAIA, 2015BAIA, Silvano, A historiografia da música popular no Brasil: análise crítica dos estudos acadêmicos até o final do século XX, Uberlândia, Ed UFU, 2015; LEAL, 2015LEAL, Luã F. Compassos e descompassos: A música popular e o tempo da tradição. Dissertação (Mestrado em Sociologia). Universidade Estadual de Campinas, 2015; SENA, 2014SENA, Baltazar Astoni. Dos folguedos ao carnaval: Tinhorão e a gênese da “autenticidade” festiva. Dissertação (Metrado em Ciências Sociais). Universidade Federal de Juiz de Fora, 2014; BARBOSA JÚNIOR, 2011BARBOSA JÚNIOR, Cícero Francisco. Polêmica além-mar: a ideia de intercâmbio cultural em José Ramos Tinhorão no Brasil e em Portugal. Dissertação (Mestrado em História). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2011; LAMARÃO, 2008LAMARÃO, Luisa Quarti. As muitas histórias da MPB as ideias de José Ramos Tinhorão. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal Fluminense, 2008..
  • 4
    Vale mencionar que ainda na década de 1980 pesquisadores da universidade ainda reclamavam da mesma situação, indicando a persistência da questão. Ver artigos de TATIT, 1989/1990TATIT, Luiz. Revista USP, Dossiê Música Brasileira, n. 4, p. 41-45; 27-34, 1989-1990. e MEDINA, 1989/ 1990MEDINA Antonio. Revista USP, Dossiê Música Brasileira, n. 4, p. 41-45; 27-34, 1989-1990..
  • 5
    O debate quente sobre a “linha evolutiva” surgiu em meados dos anos 1960 nas páginas da Revista Civilização Brasileira e tomaram parte dele diversos intelectuais e artistas. Ver Revista Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, nº 3, jul. 1965VELOSO, Caetano. Revista Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, n.3-7. 1965/1966.; nº 5/6, mar. 1966; nº 7, mai. 1966.
  • 6
    É possível pensar também na divisão tripartite origem-apogeu-decadência apresentada por alguns críticos e jornalistas quando encaravam o desenrolar dos anos 1950 quando a Bossa Nova estava sendo formulada e o conceito de MPB inexistia. Neste encadeamento, os anos 1950 aparecem como uma espécie de “idade das trevas” da música popular que teria interrompido o fluxo linear evolutivo, retomado logo em seguida com o alvorecer dos anos 1960.
  • 7
    A questão aparece pela primeira vez de modo claro com Machado de Assis ao analisar as mudanças na imprensa e cultura brasileira no final do século XIX. Ver mais em MORAES, 2019MORAES José Geraldo Vinci de. Criar um mundo do nada. A invenção de uma historiografia da música popular no Brasil. São Paulo: Editora Intermeios. 2019., capítulo 2.
  • 8
    A transcrição destes três depoimentos tornou-se posteriormente livro amplamente utilizado e citado pela historiografia: FERNANDES, Antônio Barroso (org.). As vozes desassombradas do Museu: Pixinguinha, Donga e João da Baiana. Rio de Janeiro: MIS/Secretaria de Educação e Cultura, 1970FERNANDES, Antônio Barroso (org.). As vozes desassombradas do Museu: Pixinguinha, Donga e João da Baiana. Rio de Janeiro: MIS/Secretaria de Educação e Cultura, 1970..
  • 9
    I Reunião do Conselho de Música Popular. Ata, 06/04/1966. Acervo MIS-RJ
  • 10
    Esse tipo de desavença permaneceu por muito tempo. No 3º Encontro da Associação dos Pesquisadores de Música Popular, ocorrido em 1982, por exemplo, houve um conflito público. Ricardo Cravo Albin criticou em uma mesa a situação do MIS, sendo rebatido imediatamente pela então diretora, Mara Caballero. Aracy Cortes encerrou com irreverência uma reunião de muita seriedade. Jornal do Brasil, Caderno B, 22/04/1982, p. 8.
  • 11
    O Edital oficial da Funarte de 1979 foi publicado em dezenas de órgãos de imprensa de todo o país.
  • 12
    Ver os inúmeros artigos escritos por Hermínio sobre Jota no seu acervo na página web http://www.acervohbc.com.br/BuscaSimples.aspx. Ver também entrevista dada ao programa Entre Amigos, TVE do Rio de Janeiro, em 1984, de que participam, além de Hermínio Bello, Nássara e Carlos Drummond de Andrade, todos amigos e admiradores de Efegê (http://www.youtube.com/watch?v=TX3CiKEEKhc).
  • Nota do Editor

    A revista História (São Paulo) agradece à FAPESP pelo apoio financeiro, na modalidade Auxílio à Pesquisa - Publicações/Periódicos (Processo n. 2020/04324-9), para a publicação deste artigo.
  • Declaração de Financiamento

    Esta pesquisa contou com apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), bolsa PQ, processo 304290/2016-5 e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), bolsa BPEx, processo 2014/25920-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    5 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    08 Mar 2019
  • Aceito
    13 Jan 2020
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