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O peso da perda de alimentos para a sociedade: o caso das hortaliças

CARTA AO EDITOR

O peso da perda de alimentos para a sociedade: o caso das hortaliças

Nirlene J. Vilela; Milza M. Lana; Edson F. Nascimento; Nozomu Makishima

Embrapa Hortaliças, C. Postal 218, 70359-970 Brasília-DF; E-mail: nirlene@cnph.embrapa.br

Palavras-chave: pós-colheita, desperdícios, cadeia produtiva, conseqüências sociais.

Keywords: post harvest, waste productive chain, social consequences.

Apresentando sucessivos recordes de safras, o setor agrícola brasileiro destaca-se como uma das mais importantes âncoras da economia. Em contrapartida, o Brasil tem sido consagrado como um campeão em perdas pós-colheita e desperdícios.

No atual contexto sócio-político, a redução de perdas e desperdícios é contemplada no programa "Fome zero" como um dos meios prioritários para que hajam alimentos disponíveis para todos os extratos da população brasileira.

O sucesso da meta governamental de combate à fome depende, fundamentalmente, de um esforço conjunto da sociedade e, em particular, das instituições na implementação de todos os instrumentos e meios para se atingir este premente objetivo social tão almejado. Nesse sentido, a redução efetiva das perdas e desperdícios, necessariamente, exige que ações e medidas sejam praticadas, em caráter emergencial, dada a magnitude das conseqüências geradas sobre a esfera socioeconômica.

Entende-se por perdas, a parte física da produção que não é destinada ao consumo, em razão de depreciação da qualidade dos produtos, devido à deterioração, causada por amassamentos, cortes, podridões e outros fatores. Os alimentos são desperdiçados, quando, em boas condições fisiológicas, são desviados do consumo para o lixo. Esta situação pode ser ilustrada, por exemplo: pelas sobras de refeições nos pratos em domicílios e restaurantes; aproveitamento parcial de frutos, raízes e folhas; pelo descarte dos produtos in natura com boas condições físicas, em razão de vencimento do prazo de validade estipulado e, até mesmo pela falta de outras formas alternativas de aproveitamento.

Especificamente no caso das hortaliças, estudos realizados constatam que no Brasil os níveis médios de perdas pós-colheita são de 35%,chegando a atingir até de 40%, enquanto em outros países como nos Estados Unidos não passam de 10%.

Na safra de 2001, foram colhidas 15 milhões de toneladas de produtos hortícolas, das quais foi perdida a quota de mais de 5 milhões de toneladas, que gerou, para a sociedade um prejuízo de US$ 1,026 milhões, estimado com base nos preços médios de atacado no CEAGESP em 2001.

A significativa quantidade perdida seria suficiente para abastecer os 29,3% da população brasileira (53 milhões de habitantes) excluída do mercado de alimentos por insuficiência de renda (Fundação Getúlio vargas,2002).

O problema das perdas pós-colheita de hortaliças vem ocorrendo em todo território brasileiro e tem sido analisado, em diferentes fases da cadeia produtiva e/ou canais de distribuição.

Com enfoque na cadeia produtiva de hortaliças, pesquisas realizados em São Paulo detectaram perdas médias de 35% (ABIA, 1996).

Na esfera dos produtores, trabalhos recentes (2002) desenvolvidos pela Embrapa Hortaliças em parceria com a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Embrapa para identificação de sistemas de produção de batata e cebola nos principais estados produtores, constataram um nível médio de descarte de 30% de ambos produtos, no ato do preparo para comercialização, por não atender aos padrões de qualidade exigidos pelo mercado.

As perdas no transporte, variam de acordo com as estações do ano, sendo mais intensas nas épocas chuvosas. Ademais, o mau estado de conservação das estradas brasileiras, associado às altas temperaturas que ocorrem no Brasil aceleram a deterioração, de forma que as perdas de produtos perecíveis, como hortaliças, podem chegar a 30% (Caixeta Filho, 1999).

No mercado atacadista, as pesquisas constataram que em Manaus as perdas foram de 15% para tomate e 10% para pimentão (Brandt et al., 1974). Em São Paulo, as perdas médias estimadas para cenoura, pimentão verde e pimentão vermelho foram de 12%, 16% e 17%, respectivamente (Ueno, 1976) e de 7%, 10,3%, e 11,1% para cenoura, pimentão e tomate, respectivamente (Tsunechiro et. al., 1994). Em Minas Gerais, houve perdas de tomate de até 10% na época seca e de até 50% na época das chuvas (Mukay & Kimura, 1986). Trabalho recente observou perdas de 20% no mercado atacadista do Rio de Janeiro (CEASA-RJ, 2002).

Na rede varejista, em Minas Gerais, foram detectadas perdas de 27%, 42% e 40% para cenoura, pimentão e tomate, respectivamente (Fundação João Pinheiro, 1992). Na cidade de São Paulo estimaram-se perdas de 34,4% de tomate no varejo (SAASP, 1995). No Distrito Federal observaram-se perdas médias totais de 25%, sendo 13%, 30% e 20% para cenoura, tomate e pimentão, respectivamente (Lana et al., 2000).

No âmbito dos domicílios, observou-se uma taxa de perdas de 20% no consumo final dos produtos hortícolas (IBGE, 2002).

Ainda são escassas as publicações das pesquisas que quantificam perdas no âmbito do consumo institucional (restaurantes, refeitórios industriais, redes de "fast-food" e refeitórios de hospitais e merenda escolar). Apesar disso, estima-se que no setor de refeições coletivas as perdas chegam a 15%. Algumas empresas, procurando controlar perdas vêm oferecendo treinamentos para os funcionários, no manuseio correto dos produtos hortícolas (Ministério da Integração Nacional, 2002).

As perdas começam no campo por ocasião da colheita e no preparo do produto para comercialização; prosseguindo nas centrais de abastecimento e outros atacadistas; na rede varejista e consumidores intermediários e finais.

Em estudos de casos em supermercados, observaram-se que as perdas apresentam variações entre os meses do ano e entre lojas. As causas das diferentes variações de perdas durante o ano, para qualquer produto hortícola, podem ser naturais e/ou provocadas. As causas naturais são atribuídas aos fatores climáticos, que podem acelerar a senescência dos produtos e favorecer o desenvolvimento dos patógenos causadores de apodrecimento. Assim, nos meses de verão, as ocorrências de altas temperaturas e elevadas taxas de umidade do ar criam as condições favoráveis para o desenvolvimento de fungos e bactérias que contaminam os produtos. No período de inverno as temperaturas mais baixas favorecem uma melhor conservação, retardando a maturação e a multiplicação de patógenos, proporcionando assim menor risco de contaminação. As causas provocadas são debitadas às embalagens inadequadas e ao manuseio incorreto dos produtos.

Analisando a incidência de danos antes e após a comercialização de hortaliças na rede varejista do Distrito Federal, ficou constatado que não houve diferença entre as lojas quanto à qualidade das hortaliças recebidas e nem tampouco quanto às causas de descarte. Diante deste fato, as diferenças entre o nível de perdas entre lojas estão relacionadas à forma de gerenciamento, manuseio e giro do produto em cada loja. Quanto às instalações físicas das lojas, em especial da área de estocagem dos produtos, observou-se que, a maioria dos depósitos apresentava condições inadequadas em temperatura e umidade para o armazenamento de hortaliças (Lana et al., 1999).

As perdas pós-colheita geram graves conseqüências econômicas e sociais, por proporcionarem variação no comportamento do mercado, induzindo mudanças em importantes parâmetros econômicos. Desta forma, um aumento de perdas faz com que a quantidade de equilíbrio de mercado diminua e o preço de equilíbrio cresça. Quando o preço de equilíbrio de mercado cresce, ocorre redução no excedente do consumidor. Neste caso, o consumidor paga o custo das perdas que é embutido no preço final do produto. De forma geral, qualquer nível de perdas é prejudicial para os consumidores (Vilela et al., 2003).

Para atender às necessidades de abastecimento, o varejista faz aquisições de maiores quantidades, pagando menos aos produtores, relativamente, para assegurar suas margens de lucro na comercialização. Além disso, algumas lojas vêm exigindo que os produtores (fornecedores) façam, gratuitamente, reposição de estoques na quantidade suficiente para cobrir o valor dos resultados financeiros negativos obtidos, mensalmente, pelas diferenças entre os valores de compra e de venda. Estas diferenças têm sido atribuídas às perdas e às promoções (preços de venda abaixo do valor de aquisição) praticadas pelas lojas da rede varejista. Naturalmente, sem poder de barganha no mercado, os produtores individuais se submetem aos planos de negócios dos varejistas que, por sua vez, têm grande poder na coordenação da cadeia e procuram satisfazer os consumidores que exigem ótima qualidade dos produtos.

Em temos econômicos, a redução das perdas causa aumento da receita total do varejista, que mantém maior volume ofertado. Nessa situação, ocorre um aumento no consumo proporcionalmente maior do que a redução na quantidade ofertada devido às perdas. Nesse sentido, a diferença entre as elasticidades-preço da oferta e da demanda quantifica os benefícios da redução das perdas para a sociedade (Costa & Caixeta Filho, 1996). Em outros termos, reduzindo-se as perdas, os varejistas podem disponibilizar maiores quantidades a menores preços para a sociedade e, assim, obter os seus lucros normais e, ao mesmo tempo beneficiar a população, que em grande parte, não tem poder aquisitivo para adquirir os produtos hortícolas no mercado.

As perdas pós-colheita tão indesejadas socialmente podem ser reduzidas simplesmente pelo combate aos fatores que as propiciam. Desta forma, entre os fatores responsáveis pelas perdas citam-se as embalagens inadequadas. Isto é, a tradicional caixa K, utilizada desde a 2ª guerra mundial, causa injúrias mecânicas em grande parte dos produtos nela acondicionados. Durante o transporte, as caixas sofrem impactos ou vibrações. Nos carregamentos e nas descargas, as caixas são empilhadas ou retiradas, freqüentemente, de forma inadequada.

Na rede varejista, os depósitos não oferecem as condições satisfatórias; os funcionários não estão treinados para lidar com as hortaliças, por isso praticam formas incorretas de manuseio, despejando os produtos nas gôndolas sem os cuidados necessários, o que resulta em ferimentos ou amassamentos.

Os consumidores, por sua vez, manuseiam excessivamente os produtos durante a escolha, contribuindo ainda mais para depreciar a qualidade dos mesmos. Em conseqüência, grande parte dos estoques de produtos hortícolas das lojas é diariamente destinada ao lixo. Diante deste fato, os gerentes do setor, parecem se omitir, ignorando completamente as conseqüências econômicas e sociais que são geradas.

Os prejuízos causados à sociedade pelas perdas e desperdícios dos produtos hortícolas devem ser, em maior parte, debitado às formas de gerenciamento e manuseio incorreto dos produtos na rede varejista.

Para que as perdas e desperdícios sejam reduzidos é necessário um trabalho de conscientização junto a todos os agentes envolvidos na cadeia. Nesse sentido, sugere-se uma campanha educativa como forma de estímulo à adoção de tecnologias de redução de perdas e desperdícios, proporcionando treinamentos, desde os produtores até os funcionários e gerentes. Além disso, é necessária a educação dos consumidores tanto no âmbito institucional como doméstico, para que se conscientizem da importância de se reduzir perdas e desperdícios. Para que se efetive uma campanha educativa geral junto aos consumidores, sugere-se que sejam incluídas as crianças, inserindo, nas escolas, uma programação educacional para redução de desperdícios e perdas.

LITERATURA CITADA

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Recebido para publicação em 07 de junho de 2002 e aceito em 10 de fevereiro de 2003

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Set 2003
  • Data do Fascículo
    Jun 2003
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