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Crescimento e avaliação nutricional da alface cultivada em "NFT" com soluções nutritivas de origem química e orgânica

Growth and nutritional status of lettuce in "NFT" with mineral and organic solutions

Resumos

Considerando a necessidade do emprego de sistemas hidropônicos alternativos de produção de mudas de alface em espuma fenólica e escassas informações sobre a avaliação nutricional destas, foram avaliados o desempenho de uma solução nutritiva de origem mineral Castellane & Araújo (C&A) e três de origem orgânica (bioferilizante) complementadas ou não com micronutrientes. Avaliaram-se as respostas biológicas de crescimento e teores finais de nutrientes. A solução C&A e teores de nutrientes presentes nas plantas submetidas a este tratamento, podem ser empregados como base à formulação de soluções nutritivas e na avaliação nutricional de mudas de alface. Há necessidade de complementação das soluções nutritivas de origem orgânica com P, K, Cu e Mn. Adições de N superiores a 7,14 mmolc L-1 são benéficas sob baixos teores de fósforo na solução. O bom desempenho alcançado pelas plantas submetidas aos tratamentos de origem orgânica evidencia a possibilidade de substituição de soluções químicas na produção de mudas de alface em espuma fenólica.

Lactuca sativa; biofertilizante; teor foliar de nutrientes; cultivo sem solo


Considering that little information is available for lettuce seedlings production in fenolic foam, the nutritional status of lettuce transplants was evaluated. One mineral [Castellane & Araújo solution (C&A)] and three liquid biofertilizer solutions, complemented with or without micronutrients were evaluated. The C&A solution besides the nutrient content of the plant serve as basis to formulate organic solutions and nutritional evaluation of lettuce plantlets. A nutrient complementation of the organic solution with P, K, Cu and Mn is necessary. N additions over 7,14 mmolc.L-1 are beneficial under low phosphorus concentration. The good performance of organomineral solutions prove that the replacement of mineral solution for production of lettuce plantlets in fenolic foam is possible.

Lactuca sativa; biofertilizer; foliar nutrient concentration; soilless culture


PESQUISA

Crescimento e avaliação nutricional da alface cultivada em "NFT" com soluções nutritivas de origem química e orgânica1 1 Parte do trabalho de doutorado em Agronomia, área de concentração em Produção Vegetal, realizado na Faculdade de Agronomia "Eliseu Maciel" – UFPel, Pelotas-RS.

Growth and nutritional status of lettuce in "NFT" with mineral and organic solutions

Francisco O.G. de Menezes JúniorI; Sérgio Roberto MartinsII; Heloísa S. FernandesII

IUFRGS

IIUFPel, Depto. Horticultura e Silvicultura, C. Postal 776, Porto Alegre-RS; E-mail: fgervini@zaz.com.br

RESUMO

Considerando a necessidade do emprego de sistemas hidropônicos alternativos de produção de mudas de alface em espuma fenólica e escassas informações sobre a avaliação nutricional destas, foram avaliados o desempenho de uma solução nutritiva de origem mineral Castellane & Araújo (C&A) e três de origem orgânica (bioferilizante) complementadas ou não com micronutrientes. Avaliaram-se as respostas biológicas de crescimento e teores finais de nutrientes. A solução C&A e teores de nutrientes presentes nas plantas submetidas a este tratamento, podem ser empregados como base à formulação de soluções nutritivas e na avaliação nutricional de mudas de alface. Há necessidade de complementação das soluções nutritivas de origem orgânica com P, K, Cu e Mn. Adições de N superiores a 7,14 mmolc L-1 são benéficas sob baixos teores de fósforo na solução. O bom desempenho alcançado pelas plantas submetidas aos tratamentos de origem orgânica evidencia a possibilidade de substituição de soluções químicas na produção de mudas de alface em espuma fenólica.

Palavras-chave: Lactuca sativa, biofertilizante, teor foliar de nutrientes, cultivo sem solo.

ABSTRACT

Considering that little information is available for lettuce seedlings production in fenolic foam, the nutritional status of lettuce transplants was evaluated. One mineral [Castellane & Araújo solution (C&A)] and three liquid biofertilizer solutions, complemented with or without micronutrients were evaluated. The C&A solution besides the nutrient content of the plant serve as basis to formulate organic solutions and nutritional evaluation of lettuce plantlets. A nutrient complementation of the organic solution with P, K, Cu and Mn is necessary. N additions over 7,14 mmolc.L-1 are beneficial under low phosphorus concentration. The good performance of organomineral solutions prove that the replacement of mineral solution for production of lettuce plantlets in fenolic foam is possible.

Keywords:Lactuca sativa, biofertilizer, foliar nutrient concentration, soilless culture.

A atual mudança de paradigmas pela qual passa a sociedade moderna obriga que sejam repensados os modelos predominantes de produção de alimentos até então empregados. Reconhecidamente, tais modelos desperdiçam diversos recursos internos e externos à propriedade agrícola, como energia, água, fertilizantes, agrotóxicos, entrando em conflito com as dimensões sociais, econômicas e ambientais responsáveis pela sustentabilidade dos agrossistemas. Embora o cultivo fora do solo minimize alguns dos problemas mencionados, a maior parte das pesquisas tem avaliado soluções nutritivas oriundas de fertilizantes químicos industriais, que além de seu custo elevado, são responsáveis pela geração de resíduos altamente poluidores do ambiente. Tais fatores levam muitos horticultores à exclusão do cultivo fora do solo como sistema produtivo. O emprego de insumos de origem orgânica, como biofertilizantes, na formulação de soluções nutritivas pode vir a ser uma técnica viável, permitindo que os esforços sejam mobilizados em direção a propostas agroecológicas. Assim, é indispensável que os cuidados se iniciem já no período de formação de mudas, etapa mais importante do sistema produtivo (Carmello, 1995), devendo estar baseada na pesquisa de sistemas que combinem aspectos práticos, econômicos e demandas ambientais (Menezes Júnior et al., 2000).

Poucos dados encontram-se disponíveis na literatura a respeito da nutrição de mudas de espécies oleráceas, estando a maior parte destes direcionados à avaliação nutricional de plantas adultas.

O presente trabalho teve por objetivo avaliar o crescimento e o estado nutricional de mudas de alface sob diferentes soluções nutritivas de origem mineral e orgânica, as relações entre os teores de nutrientes no tecido vegetal e seu efeito no crescimento das mudas, bem como a possibilidade de substituição de soluções químicas por soluções de origem orgânica e, ainda, fornecer subsídios para a avaliação nutricional de mudas de alface.

MATERIAL E MÉTODOS

O presente estudo foi desenvolvido no laboratório e em ambiente protegido da Universidade Federal de Pelotas (RS), tendo por coordenadas geográficas aproximadas a latitude de 31°52'S, longitude de 52°21'W e altitude de 13 m acima do nível do mar. Segundo a classificação de Köppen, o clima local é do tipo Cfa, ou seja, clima temperado, com chuvas bem distribuídas e verões suaves.

O experimento foi realizado em estufa plástica, modelo semicircular, com 12,0 m de comprimento, 6,4 metros de largura e 4,0 m de altura, disposta no sentido leste-oeste, com estrutura de ferro galvanizado e cobertura de filme de polietileno de baixa densidade (PEBD), com aditivo ultravioleta e espessura de 150 mm. O manejo da estufa consistiu na abertura de suas laterais durante o dia (das 8 às 17 horas) e seu fechamento à noite (das 17 às 8 horas). Nos dias chuvosos e/ou com ventos fortes, manteve-se a estufa total ou parcialmente fechada.

O sistema de produção de mudas foi composto por um conjunto de 12 placas de espuma fenólica de 216 cubos, cada um com 2,5 x 2,5 x 3,8 cm, dispostas sobre uma bancada de 0,50 metros de altura em relação à superfície do solo, formada por tijolos e telhas de cimento amianto, revestidas por filme preto de PEBD de 50 mm e preenchidas com brita.

Os tratamentos consistiram de quatro soluções nutritivas: uma química, uma orgânica e duas organominerais. Utilizou-se a concentração de nitrogênio da solução química Castellane & Araújo (C&A) como base para a formulação das demais soluções, dividindo-as em orgânica na ausência de complementação com micronutrientes e organomineral quando esta foi realizada. Neste último caso, além dos teores de nutrientes oriundos do material orgânico, as soluções receberam adicionalmente a solução de micronutrientes empregada na solução C&A (Tabela 1). Para a formulação das soluções orgânica e organominerais utilizou-se a análise de nutrientes e sódio de uma solução concentrada de vermicomposto líquido (biofertilizante líquido concentrado), cuja obtenção é descrita a seguir.

Por meio da maceração em água deionizada por 72 horas de uma amostra de vermicomposto misto (composto por 70% de esterco bovino e 30% de esterco ovino oriundos de matadouro) na proporção de 1:1 em base de peso e posterior filtragem em funil de Buckner, foi obtida uma alíquota do biofertilizante líquido concentrado, a qual foi analisada como resíduo orgânico conforme a metodologia proposta por Tedesco et al. (1995) modificada. Nesse sentido, em contraposição à análise como resíduo orgânico, objetivando mensurar apenas os elementos que se encontravam em solução, na determinação dos teores de fósforo, potássio e sódio, não foram realizadas a primeira digestão com solução ácida (HCl 0,05M + H2SO4 0,0125M) e na de cálcio, magnésio e manganês, não foi empregada a extração com sal neutro (KCl 1M).

A análise do teor de nitrogênio total (nitrogênio amoniacal + nitrogênio nítrico) do biofertilizante líquido concentrado foi utilizada para estabelecer a quantidade deste material a ser diluída em água para a obtenção das soluções orgânica e organominerais em base à concentração de nitrogênio presente na solução mineral de Castellane & Araújo (1994).

Para a obtenção do biofertilizante líquido concentrado em maior escala, empregou-se um reservatório com capacidade de 1000 litros. Neste, foi realizada a mistura de vermicomposto misto, do mesmo lote analisado anteriormente, e água de torneira, mantendo-se a proporção de 1:1 em base de peso. Passadas 72 horas, os materiais (biofertilizantes líquidos concentrados) foram filtrados com auxílio de um pano limpo e acondicionados em reservatórios de 60 litros para posterior formulação das soluções nutritivas orgânica e organominerais.

A análise da água utilizada durante o experimento revelou pH 7,34; matéria orgânica 3,6 mg O2 L-1; 0,75 mmolc L-1 de cálcio; 1,00 mmolc L-1 de magnésio; 0,64 mmolc L-1 de potássio; 0,03 mg L-1 de manganês; 32 mg L-1 de sódio; 12,5 mg L-1 de cloretos; condutividade elétrica de 0,22 mS cm-1; 112 mg L-1 de sólidos totais dissolvidos; cloro e alumínio residuais negativos (ausentes).

Devido à grande necessidade de nitrogênio pela cultura, a dificuldade de equilibrar de forma iônica (teor de cátions igual ao de ânions) soluções/suspensões de origem orgânica e, principalmente, com vistas a possibilitar uma formulação de fácil obtenção pelo agricultor em sua propriedade, estabeleceram-se os tratamentos: solução nutritiva testemunha (C&A), solução/suspensão orgânica com base em 100% do teor de nitrogênio total da testemunha sem adição de micronutrientes (OG), solução/suspensão organomineral com base em 100% do teor nitrogênio total da testemunha com adição de micronutrientes de C&A (OM100) e solução/suspensão organomineral com base em 75% do teor nitrogênio total da testemunha com adição de micronutrientes de C&A (OM75).

Utilizou-se o delineamento inteiramente ao acaso com três repetições, sendo cada parcela constituída por 8 plantas para os parâmetros de crescimento número de folhas, área foliar e massa fresca da parte aérea e, de 30 plantas para a massa seca da parte aérea e análises foliares.

Em 11/07/01, procedeu-se a semeadura de duas sementes da cultivar Regina de Verão por cubo de espuma fenólica, na profundidade de 5 mm. Nesta fase, as placas foram irrigadas pela manhã com regador manual, com as soluções e/ou suspensões originais mineral, orgânica e organominerais diluídas em 75% de sua concentração original desde a semeadura até emissão da segunda folha definitiva (22/07/01), quando foi realizado o desbaste das plântulas, deixando-se uma plântula por cubo de espuma fenólica. Da emissão da segunda folha verdadeira à coleta das mudas (06/08/01), estas foram irrigadas com as soluções originais mineral, orgânica e organominerais diluídas em 50% de sua concentração original. Utilizou-se um volume médio de 1,38 litros da solução por placa de espuma fenólica.

Diariamente, antes do fornecimento das soluções e/ou suspensões nutritivas, às 10:00 horas da manhã, realizava-se a leitura do pH, por meio de um pHmetro portátil e, sua correção, através de soluções de hidróxido de sódio 1 N e ácido sulfúrico 1 N, mantendo-o na faixa de 6,0 a 6,3. Da mesma forma foram acompanhadas a condutividade elétrica (CE) das soluções e/ou suspensões nutritivas, cujos dados médios durante o período experimental foram da semeadura até a segunda folha verdadeira de 0,8 mS cm-1 para as soluções e/ou suspensões química (C&A) e organominerais (OM100 e OM75) e de 0,6 mS cm-1 para a solução/suspensão orgânica (OG) e, da segunda folha verdadeira até a coleta das mudas de 1,3 mS cm-1, 1,0 mS cm-1, 1,1 mS cm-1 e 0,8 mS cm-1, para as soluções e/ou suspensões C&A, OG, OM100 e OM75, respectivamente.

Aos 22 dias após a emergência (DAE) foram avaliados: o número de folhas definitivas (NF) por contagem direta, área foliar (AF) através de um integrador de área foliar da marca Licor, massa fresca da parte aérea (MFPA) por pesagem direta em balança analítica e massa seca da parte aérea (MSPA), após secagem em estufa de ventilação forçada à temperatura de 60ºC, até massa constante, e, posterior, pesagem em balança analítica. Após, procedeu-se à análise foliar para a determinação dos teores de macronutrientes (exceto o enxofre) e micronutrientes (exceto o boro e o molibdênio), segundo Tedesco et al. (1995).

Durante o período experimental foram registradas a temperatura e a umidade relativa médias do ar de 16,6°C e 85,3%, respectivamente, por meio de um termohigrógrafo Wilh Lambrecht, de registro semanal, instalado a 1,5 m de altura do solo no interior de um abrigo meteorológico no centro do ambiente protegido.

Os resultados experimentais foram submetidos à análise de variância e as médias comparadas pelo teste de Duncan, análise de contrastes e correlação linear ao nível de 5% e 1% de probabilidade através do programa Sistema de Análise Estatística, Sanest (Zonta e Machado, 1984).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Avaliação nutricional

Não foram encontradas diferenças significativas (P<0,01) entre os tratamentos avaliados para os teores foliares médios de nitrogênio na massa seca do tecido vegetal, indicando que nesta fase de cultivo, sob as condições experimentais, os teores independem da solução e/ou suspensão nutritiva testada. Verifica-se que todas as soluções nutritivas de origem orgânica foram capazes de disponibilizar o elemento em quantidades equivalentes a testemunha química (Tabela 2).

Em todos os tratamentos, os teores médios de fósforo, potássio e magnésio mostraram diferenças significativas (P<0,01), bem como os de cálcio (P<0,05).

A solução C&A proporcionou a maior concentração foliar de fósforo e potássio e, a menor de cálcio e magnésio na massa seca do tecido vegetal, elementos que dois a dois (fósforo e potássio ou cálcio e magnésio) correlacionaram-se positivamente (P<0,01), ou seja, a elevação ou a redução da concentração de um elemento ocorreu concomitantemente com a do outro, respectivamente (Tabela 2).

No primeiro caso, este comportamento se deve à maior fitodisponibilidade dos elementos presentes em maiores concentrações na solução C&A (Tabela 1), enquanto no segundo, supõe-se que houve a um melhor funcionamento da membrana celular, a qual mesmo na presença de maiores concentrações de cálcio da solução C&A, pode selecionar adequadamente os íons. De acordo com Margulis (1998), citado por Capra (2002), uma das funções cruciais das membranas celulares é a exorção ("bombeamento") de todo o excesso de íons de cálcio do citosol, de maneira que este elemento permaneça em quantidades suficientemente baixas para o funcionamento normal do metabolismo celular. Baixas quantidades de cálcio no citosol previnem a precipitação do fósforo inorgânico (Pi), a competição com o magnésio pelos sítios de ligação (efeito inibitório competitivo), além de ser um pré-requisito para sua função como um segundo mensageiro na condução dos sinais entre os fatores ambientais e as respostas de crescimento e desenvolvimento vegetal (Marschner, 1995). Níveis elevados de cálcio nos tecidos podem ser indicativos de funcionamento celular deficiente. Através da Tabela 2, verifica-se que os teores de cálcio no tecido vegetal sempre foram mais elevados nos tratamentos de origem orgânica.

A análise de contrastes revelou a existência de diferenças significativas (P<0,01) nos teores de fósforo e magnésio entre o tratamento químico (C&A) e os demais (orgânico e organominerais) e, entre a concentração de potássio no tecido das plantas que receberam soluções/suspensões nutritivas baseadas em 100% (OG e OM100) e 75% (OG75) da concentração de nitrogênio presente no tratamento químico, C&A. Tal fato co-substancia o que foi abordado anteriormente, além de explicitar as diferenças oriundas da menor concentração dos elementos fitodisponíveis nestas soluções e/ou suspensões nutritivas (Tabela 1).

Considerando a amplitude dos teores de macronutrientes presentes no tecido vegetal de mudas com 20 DAE, verificada por Fernandes et al. (1981) e Garcia et al. (1982; 1988), de 34,94 a 51,25 g de nitrogênio kg-1, 3,41 a 7,27 g de fósforo kg-1, 36,47 a 71,82 g de potássio kg-1, 10,00 a 10,91 g de cálcio kg-1 e 3,64 a 5,00 g de magnésio kg-1, para três cultivares (Vitória de Santo Antão, Brasil 48 e Clause's Aurélia), verifica-se que, a exceção da concentração de fósforo das mudas submetidas ao tratamento Organomineral 75%, todos os demais tratamentos foram capazes de fornecer adequadamente os macronutrientes vegetais neste período de cultivo (Tabela 2).

Raij et al. (1997b), citado por Furlani et al. (1999), consideram adequadas para o cultivo da alface relações entre os teores de potássio e nitrogênio, fósforo, cálcio e magnésio em g kg-1 de 1:0,62, 1:0,09, 1:0,31, e 1:0,08, respectivamente. A solução nutritiva C&A, foi a única cujas relações entre os teores de potássio e os demais elementos mostraram-se idênticos ou muito próximos aos considerados adequados. Para os demais tratamentos, verificou-se que as relações K:N, K:Ca e K:Mg foram superiores às consideradas apropriadas, enquanto as relações K:P foram inferiores aqueles "padrões" definidos anteriormente, indicando, a priori, a necessidade da elevação dos teores de potássio e, principalmente, de fósforo das soluções/suspensões nutritivas, com vistas a estabelecer um maior equilíbrio eletroquímico (Tabela 2).

Deve-se, ainda, considerar que, no caso do cultivo de espécies vegetais em soluções nutritivas químicas, a composição destas determina a quantidade e relação de nutrientes em torno das raízes, enquanto que no caso de soluções/suspensões orgânicas, à semelhança do emprego de substratos orgânicos, existe uma relação entre a fase sólida (partículas orgânicas em suspensão) e a fase líquida (solução nutritiva efetivamente à disposição das raízes). Ao serem empregadas soluções nutritivas de origem orgânica, deve-se considerar que várias reações ocorrem entre as partículas sólidas em suspensão (matéria orgânica oriunda do vermicomposto) e os íons que se encontram dispersos no meio (solução/suspensão). No experimento, verificou-se que o pH das soluções nutritivas sempre tendeu a elevar-se de um dia para outro, sendo necessárias maiores quantidades de acido sulfúrico para a manutenção deste na faixa de 6,0 a 6,3.

Um outro aspecto que deve ser mencionado é que não existem, ainda, análises químicas padronizadas para soluções/suspensões orgânicas, sendo difícil saber as quantidades exatas de nutrientes fitodisponíveis em tais meios de cultivo.

As relações entre os teores de potássio e demais macronutrientes devem ser consideradas com cautela, necessitando, outros estudos, pois a variação nas concentrações encontradas em outros experimentos é grande (Fernandes et al.,1981, Garcia et al., 1982, Garcia et al., 1988).

Os resultados da análise de variância dos micronutrientes revelaram diferenças significativas (P>0,05) apenas para os teores médios de cobre e manganês no tecido vegetal.

Os teores de cobre no tecido vegetal foram mais elevados na solução química C&A seguido das soluções OM75, OM100 e OG, não correspondendo necessariamente à disponibilidade do elemento no meio de cultivo (Tabelas 1 e 2). Comparando-se os teores foliares de cobre encontrados por Garcia et al. (1982; 1988) para mudas de alface, aos 22 dias após a emergência, cultivares Brasil 48 (8,75 mg kg-1) e Clause's Aurélia (10,91 mg kg-1) com os obtidos no presente experimento, verificou-se que as plantas apresentaram teor médio de cobre no tecido vegetal superior ou semelhante aos obtidos por aqueles autores, respectivamente (Tabela 2). Ainda, as plantas submetidas à solução/suspensão OG foram as únicas a apresentarem teor baixo de cobre no tecido vegetal (4,68 mg kg-1), o que indica a necessidade de complementação com este elemento.

Os teores de manganês foram mais elevados no tratamento OM100 seguido dos tratamentos OM75, C&A e OG (Tabela 2): houve aumento do teor foliar com maior disponibilidade do elemento no meio de cultivo. Apesar do fornecimento ser igual nos tratamentos químico (C&A) e essencialmente orgânico (OG), a concentração de manganês no tecido vegetal é superior no primeiro caso, indicando que a sua fitodisponibilidade no último pode ter sido influenciada por reações de complexação e indisponibilização do elemento nas partículas orgânicas em suspensão.

A indisponibilização, possivelmente, seria vencida somente quando o manganês fosse adicionado em quantidades superiores à capacidade de complexação. Verificou-se que nas soluções organominerais os teores deste elemento foram, aproximadamente, 50% superiores aos encontrados na solução química (Tabela 1). A análise de contrastes, mostrou que existem diferenças significativas (P<0,01) relacionadas aos tratamentos nos quais foram adicionados micronutrientes e aquele que não recebeu nenhuma complementação mineral, corroborando com o que foi exposto anteriormente.

A suposição anterior, fundamenta-se no fato que quando as moléculas de água que solvatam um cátion são trocadas pelos grupamentos funcionais e o cátion passa a se coordenar diretamente aos grupos funcionais através de ligações covalentes, é formado o chamado complexo de esfera interna, mecanismo base da adsorção específica de metais de transição como o Mn2+ e o Cu2+ e de sua lenta liberação através da oxidação da matéria orgânica (Sposito, 1989; Canellas et al., 1999).

Possivelmente, a liberação do manganês e do cobre tenham sido, ainda, dificultada pelo baixo teor de oxigênio, normalmente, ocorrente em meios de cultivo com teores de matéria orgânica superiores ao de soluções nutritivas químicas.

Supõe-se que o emprego isolado da solução/suspensão OG, tenha possibilitado uma maior solvatação do manganês e do cobre, diminuindo a fitodisponibilidade de ambos.

A grande variação existente entre os teores médios de micronutrientes presentes nas mudas submetidas aos tratamentos do experimento e aqueles verificados por outros autores (Garcia et al., 1982; 1988), indica a necessidade de estudos mais acurados sobre a fitodisponibilidade de tais elementos em soluções de origem orgânica e das relações entre nutrientes que otimizariam o crescimento e desenvolvimento vegetal, a fim de que em sua formulação as soluções nutritivas possam ser ajustadas de forma adequada.

Crescimento das mudas

Para todas as variáveis estudadas a análise de variância revelou diferenças significativas (P<0,05 e/ou P<0,01) quanto aos tratamentos aplicados (Tabela 3).

Através da Tabela 3, verificou-se que a solução C&A foi aquela que proporcionou o maior crescimento vegetal. Dentre os demais tratamentos, os que mais se aproximaram em termos de massa seca da solução C&A foram as soluções/suspensões OM100 e OM75, sendo o pior resultado obtido para o tratamento essencialmente orgânico (OG).

As mudas produzidas com a solução/suspensão OG tiveram a menor massa seca da parte aérea, a segunda maior área foliar (folhas alongadas) e, a campo, uma coloração verde-pálida (Tabela 3). A maior área foliar e a clorose apresentadas pelas mudas podem ser atribuídas à deficiência de cobre e manganês, respectivamente (Trani, 2001).

Embora tenha produzido a segunda maior massa seca, a solução/suspensão OM75, mostrou as menores áreas foliares e massa fresca da parte aérea, mesmo tendo concentrado uma quantidade maior de micronutrientes que os tratamentos OG e OM100.

Por sua vez, o tratamento OM100, destacou-se como aquele que proporcionou a segunda maior massa fresca da parte aérea (Tabela 3). Tais fatos, encontram-se relacionados à disponibilidade de macronutrientes fornecidas pelas soluções/suspensões nutritivas. A adição isolada de micronutrientes a soluções com baixo teor de macronutrientes (como a solução/ suspensão OM75) não garante um maior crescimento vegetal, pois aqueles não tem a capacidade de substituir os últimos em suas funções básicas no metabolismo vegetal (Malavolta et al., 1997).

Na fase de mudas, Peil (1998) e Soundy et al. (2001), verificaram que concentrações de nitrogênio de 7,14 mmolc L-1 foram benéficas ao crescimento da parte aérea sob baixas concentrações de fósforo. Os teores de nitrogênio adicionados às soluções e/ou suspensões nutritivas da emissão da segunda folha verdadeira ao transplante, à exceção do tratamento OM75 (6,38 mmolc L-1), foram superiores aos considerados benéficos por Peil (1998) e Soundy et al. (2001). Além disso, o número de folhas definitivas correlacionou-se positivamente aos teores de nitrogênio empregados, ou seja, houve um maior crescimento das mudas quando foram elevados os teores de nitrogênio nas soluções/suspensões nutritivas (Tabelas 1 e 3). Embora, a adição de nitrogênio não tenha se refletido diretamente no número de folhas definitivas, proporcionou um maior crescimento vegetal em termos de área foliar e massa fresca da parte aérea (Tabela 3).

Verifica-se, portanto, que estes dados vão ao encontro daqueles obtidos por Peil (1998) para o número de folhas e por Soundy et al. (2001) quanto ao crescimento vegetal. Concluí-se que houve um efeito benéfico da adição de nitrogênio na presença de baixos teores de fósforo quando o elemento foi empregado em concentrações mais elevadas nas soluções/suspensões de origem orgânica.

O contraste entre os tratamentos que receberam adições de micronutrientes com aquele em que estes não foram adicionados, revelou diferenças significativas (P<0,01) no crescimento das mudas que explicitam a necessidade de complementação da solução/suspensão biofertilizante empregada com aqueles elementos.

Cabe destacar que o maior crescimento vegetativo das mudas submetidas ao tratamento químico se deve ao maior equilíbrio eletroquímico desta solução nutritiva, que, possivelmente, concorreu para um menor gasto energético (ATP) na absorção dos nutrientes.

Conforme os dados precedentes, constatou-se: que a solução química C&A e os teores foliares de nutrientes presentes nas plantas submetidas a este tratamento podem ser empregados como base à formulação de soluções nutritivas e avaliação nutricional na fase de produção de mudas; que as soluções/suspensões nutritivas de origem orgânica devem ser complementadas com fósforo, potássio e micronutrientes, especialmente cobre e manganês; que adições de nitrogênio superiores a 7,14 mmolc L-1 proporcionam um maior crescimento da parte aérea mesmo sob baixos teores de fósforo e; que os dados nutricionais e de crescimento das plantas submetidas aos tratamentos de origem orgânica evidenciam a possibilidade de substituição da solução química por soluções de origem orgânica.

LITERATURA CITADA

(Recebido para publicação em 24 de agosto de 2003 e aceito em 25 de maio de 2004)

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    Parte do trabalho de doutorado em Agronomia, área de concentração em Produção Vegetal, realizado na Faculdade de Agronomia "Eliseu Maciel" – UFPel, Pelotas-RS.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Nov 2004
    • Data do Fascículo
      Set 2004

    Histórico

    • Aceito
      25 Maio 2004
    • Recebido
      24 Ago 2003
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