Resumos
Avaliou-se o efeito do ascorbato sobre o hematócrito e glicemia em alevinos de tilápia nilótica (Oreochromis niloticus) submetidos à simulação de práticas relacionadas ao transporte. Foram utilizadas três dietas experimentais com diferentes níveis de vitamina C (16, 500 e 1000mg de vitamina C/kg), fornecidas durante os 14 dias anteriores à simulação do transporte que se estendeu por 14 horas. O tratamento que continha 16mg de vitamina C/kg foi o que apresentou a glicemia mais elevada logo após a simulação, 108,5mg/dl imediatamente após a simulação e 91mg/dl 12 horas após a simulação. A concentração de 1000mg de vitamina C/kg foi a mais eficiente no controle do aumento da glicemia, 94,6mg/dl imediatamente após a simulação e 74,4mg/dl 12 horas após a simulação. Para a concentração de 500mg de vitamina C/kg foram observados os níveis de 91,4mg/dl imediatamente após a simulação e 103,8mg/dl 12 horas após a simulação. Os valores do hematócrito não apresentaram variação significativa (P>0,05). A suplementação com 1000mg de vitamina C/kg por 14 dias anteriores ao transporte pode ser utilizada de forma profilática em alevinos de tilápia nilótica para amenizar o aumento da glicemia relacionado ao estresse.
peixe; Oreochromis niloticus; glicose; vitamina C; hematócrito
The effects of ascorbate on the haematocrit and blood glucose level were evaluated in Nile tilapia alevins (Oreochromis niloticus) submitted to a transport simulation. Three experimental diets with different levels of vitamin C (16, 500 and 1000mg/kg) were given for 14 days before the simulation of the transport. The treatment containing 16mg of vitamin C showed the highest level of glucose after the simulation (108.5mg/dl immediately after the transport and 91mg/dl 12 hours after the transport). The vitamin C concentration of 1000mg/kg was the most efficient treatment to control glycemia increases (94.6mg/dl immediately after the simulation and 74.4mg/dl 12 hour after simulation). In the 500mg/kg treatment, the glucose level was 91.4mg/dl immediately after the simulation and 103.8mg/dl 12 hours after the simulation. The haematocrit values did not show any significative variation (P<0.05). The supplementation with 1000mg/kg of vitamin C for a 14 days period can be used in a prophylactic way to soften glycemia increases in Nile tilapia alevins submitted to transport stress.
fish; Oreochromis niloticus; glucose; vitamin C; haematocrit
MEDICINA VETERINÁRIA
Efeito da vitamina C sobre o hematócrito e glicemia de alevinos de tilápia-do-nilo (Oreochromis niloticus) em transporte simulado
Effect of vitamin C over the haematocrit and glycemia of nile tilapia (Oreochromis niloticus) alevins in simulated transport
D. OkamuraI; F.G. AraújoI; P.V.R. LogatoII; L.D.S. MurgasIII, * * Autor para correspondência ( corresponding author) E-mail: lsmurgas@ufla.br ; R.T.F. FreitasII; R.V. AraújoI
IAluno de graduação - UFLA Lavras, MG
IIDepartamento de Zootecnia - UFLA
IIIDepartamento de Medicina Veterinária - UFLA Caixa Postal 3037 37200-000 Lavras, MG
RESUMO
Avaliou-se o efeito do ascorbato sobre o hematócrito e glicemia em alevinos de tilápia nilótica (Oreochromis niloticus) submetidos à simulação de práticas relacionadas ao transporte. Foram utilizadas três dietas experimentais com diferentes níveis de vitamina C (16, 500 e 1000mg de vitamina C/kg), fornecidas durante os 14 dias anteriores à simulação do transporte que se estendeu por 14 horas. O tratamento que continha 16mg de vitamina C/kg foi o que apresentou a glicemia mais elevada logo após a simulação, 108,5mg/dl imediatamente após a simulação e 91mg/dl 12 horas após a simulação. A concentração de 1000mg de vitamina C/kg foi a mais eficiente no controle do aumento da glicemia, 94,6mg/dl imediatamente após a simulação e 74,4mg/dl 12 horas após a simulação. Para a concentração de 500mg de vitamina C/kg foram observados os níveis de 91,4mg/dl imediatamente após a simulação e 103,8mg/dl 12 horas após a simulação. Os valores do hematócrito não apresentaram variação significativa (P>0,05). A suplementação com 1000mg de vitamina C/kg por 14 dias anteriores ao transporte pode ser utilizada de forma profilática em alevinos de tilápia nilótica para amenizar o aumento da glicemia relacionado ao estresse.
Palavras-chave: peixe, Oreochromis niloticus, glicose, vitamina C, hematócrito
ABSTRACT
The effects of ascorbate on the haematocrit and blood glucose level were evaluated in Nile tilapia alevins (Oreochromis niloticus) submitted to a transport simulation. Three experimental diets with different levels of vitamin C (16, 500 and 1000mg/kg) were given for 14 days before the simulation of the transport. The treatment containing 16mg of vitamin C showed the highest level of glucose after the simulation (108.5mg/dl immediately after the transport and 91mg/dl 12 hours after the transport). The vitamin C concentration of 1000mg/kg was the most efficient treatment to control glycemia increases (94.6mg/dl immediately after the simulation and 74.4mg/dl 12 hour after simulation). In the 500mg/kg treatment, the glucose level was 91.4mg/dl immediately after the simulation and 103.8mg/dl 12 hours after the simulation. The haematocrit values did not show any significative variation (P<0.05). The supplementation with 1000mg/kg of vitamin C for a 14 days period can be used in a prophylactic way to soften glycemia increases in Nile tilapia alevins submitted to transport stress.
Keywords: fish, Oreochromis niloticus, glucose, vitamin C, haematocrit
INTRODUÇÃO
Apesar dos avanços nas técnicas de manejo adotadas no transporte de alevinos, a indústria aquícola contabiliza prejuízos nessa etapa da produção, pois o transporte geralmente é feito na fase mais sensível do desenvolvimento dos peixes nos estádios de larva, pós-larva e alevino, quando a mortalidade oscila entre 40 a 80%. Durante a despesca, confinamento para a depuração, transporte e descarregamento os peixes estão submetidos a diversas pressões de estresse (Kubitza, 1998).
A resposta dos peixes ao estresse pode ser dividida em primária, secundária e terciária, de acordo com o nível organizacional em que elas operam (Barton e Iwama, 1991). A resposta primária ao estresse é marcada, principalmente, pela liberação de cortisol e adrenalina, que são frutos da ativação de dois grandes sistemas, o eixo hipotalâmico-pituitário-interrenal (HPI) e o sistema simpático-cromafim (SC).
As alterações neuroendócrinas da resposta primária dão origem às respostas secundárias, que são marcadas por desequilíbrios hidrominerais, comprometimento das funções imunológicas e mobilização de substratos ricos em energia. O aumento do nível plasmático de glicose se dá, principalmente, pela depleção das reservas de glicogênio hepático e aumento da gliconeogênese (Vijayan, 1997).
Como conseqüências dos eventos desencadeados pelas respostas primárias e secundárias, podem ocorrer complicações que atingem o organismo como um todo, denominadas de respostas terciárias. Diminuição da resposta inflamatória, redução do ganho de peso e resistência às doenças são exemplo dessas complicações (Barton e Iwama, 1991; 2000; Andrés et al., 1999; Frisch e Anderson, 2000).
Alguns estudos com imunoestimulantes têm sugerido que a vitamina C pode interferir em um ou ambos os eixos (hipotalâmico-simpático-cromafim e hipotalâmico-pituitário-adrenocortical) que mediam a resposta ao estresse (Dabrowski et al., 1994; Ortuño et al., 2003). A forma como isso acontece ainda não está bem elucidada. Rotta (2003) sugeriu que a vitamina C participa na síntese das catecolaminas e cortisol e auxilia no sistema imune, mantendo a integridade dos leucócitos.
Segundo Verlhac e Gabaudan (1994), o aumento da disponibilidade de ácido ascórbico pode prevenir a severidade da resposta ao estresse nos peixes. Essa vitamina exerce função antioxidante, controlando a oxidação dos ácidos graxos, beneficiando a respiração celular e, com isso, favorecendo a integridade e fluidez das membranas.
Em peixes submetidos a estresse, as alterações hematológicas geralmente são acompanhadas de hiperglicemia (Tavares e Morais, 2004), relacionada com a liberação de cortisol e outros hormônios, principalmente catecolaminas (Mommsen et al., 1999). Os indicadores mais utilizados na avaliação do estresse e que normalmente fornecem uma boa resposta são a glicose e o cortisol plasmáticos. O cortisol é utilizado para caracterizar a resposta primária, e a glicose a resposta secundária (Robertson et al., 1987; Barton, 2000). A elevação do valor de hematócrito pôde ser observada como resposta secundária hematológica a eventos estressantes, para diversas espécies (Barton e Iwama, 1991).
O experimento teve como objetivo avaliar o efeito da adição de vitamina C sobre os níveis de hematócrito e da glicose no sangue de alevinos de tilápia nilótica submetidos ao estresse relacionado a algumas práticas envolvidas no transporte.
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento foi realizado na Estação de Piscicultura da Universidade Federal de Lavras em delineamento inteiramente ao acaso, dividido em três tratamentos com cinco repetições, totalizando 15 parcelas. Cada parcela foi constituída por 50 animais.
O experimento foi dividido em três fases: a primeira fase foi representada pelo fornecimento das rações experimentais durante 14 dias; a segunda foi representada pela simulação de procedimentos comumente envolvidos no transporte, denominada "simulação do transporte" e a terceira correspondeu ao período posterior á simulação.
Na primeira fase foram distribuídos 1200 alevinos de tilápia nilótica, machos, em três tanques de alvenaria de 12m3 - 4m de comprimento, 2m de largura, 1,5m de profundidade. Em cada um dos tanques, destinados a um único tratamento, foram alojados 400 animais. Os alevinos de Oreochromis niloticus foram espécimes machos, não revertidos, obtidos por reprodução natural, com média de 7,0±1,1cm de comprimento. O processo de sexagem dos alevinos foi feito individualmente em cada animal pela análise da papila urogenital antes do início do ensaio.
Receberam as rações experimentais duas vezes ao dia, ad libitum, pela manhã e à tarde, às 9 e 15 horas. Utilizou-se uma ração comercial extrusada sobre a qual foram pulverizados diferentes níveis de vitamina C, utilizando o óleo de soja como veículo. O óleo também atuava protegendo e aderindo a vitamina à ração por tempo suficiente para o seu consumo. As misturas (vitamina, veículo e ração) foram preparadas e imediatamente fornecidas aos peixes para evitar a oxidação da vitamina. Foram avaliados três níveis de vitamina C, representados por três tratamentos: ração extrusada (comercial) com 16mg de vitamina C/kg, ração extrusada (comercial) com 1% de óleo de soja e 500mg de vitamina C/kg e ração extrusada (comercial) com 1% de óleo de soja e 1000mg de vitamina C/kg. As composições das rações experimentais são apresentadas na Tab. 1. Neste experimento foi utilizada a vitamina C na sua forma protegida o-ascorbato polifosfatado.
Durante toda a primeira fase, os parâmetros limnológicos, DO2, pH e temperatura, foram analisados duas vezes ao dia, sendo a primeira pela manhã e a segunda à tarde, às 8 e 14 horas. Foram utilizados para as análises de água, um peagâmetro e um oxímetro digitais portáteis, com precisão de duas casas decimais; a leitura da temperatura foi feita com auxilio do termômetro do oxímetro.
Após receberem a dieta por 14 dias, os alevinos permaneceram um dia em jejum, para esvaziar o sistema digestório, como preparação para o transporte. Após esse período, os tanques foram parcialmente esvaziados, permanecendo com 30cm de água. Uma amostra de seis peixes foi retirada de cada tratamento para a primeira coleta de sangue (coleta inicial, anterior a simulação) e depois descartada.
Na segunda fase, 750 alevinos foram distribuídos em 15 embalagens de polietileno de forma que cada tratamento foi representado por cinco embalagens de 50 alevinos cada uma. As embalagens foram preenchidas com 40% de água e 60% de oxigênio, na densidade de 6 peixes/litro de água. A simulação do transporte teve duração de 14 horas, com início na captura e término na soltura dos alevinos. Ao término desse período, foi tomada uma amostra de seis peixes de cada embalagem para a segunda coleta de sangue, feita posterior à simulação. Os demais peixes, depois de devidamente aclimatados, foram soltos em 15 compartimentos idênticos, iniciando a terceira fase do experimento.
As 15 estruturas destinadas a conter os alevinos durante a última fase do experimento foram previamente preparadas com o uso de cinco tanques-rede. No interior de cada tanque-rede, com dimensões de 1,5×1,5×1,5m e malha de 1cm de diâmetro, foram costuradas telas de polietileno que o subdividiram em três partes idênticas, totalizando 15 unidades. Essas estruturas foram instaladas na entrada de água de dois tanques de alvenaria, com 8m de comprimento, 5m de largura e 1,5m de profundidade, totalizando 60m3, de modo que um dos tanques alojou dois tanques-rede e o outro, três. Cada um dos 15 compartimentos recebeu os 44 alevinos restantes de cada embalagem (seis foram coletados para análise).
Após a soltura, os alevinos permaneceram em seus respectivos compartimentos sem alimentação. Doze horas após, uma nova amostra de seis peixes foi retirada de cada compartimento para representar o período posterior à sua recuperação. Para o cálculo da mortalidade, o número de animais mortos foi contabilizado do início da simulação do transporte até 24 horas depois de soltos nas 15 subunidades.
De cada peixe, nas diferentes fases do experimento, foram retirados 0,2ml de sangue por punção cardíaca. O material coletado foi imediatamente submetido a análise de glicose e hematócrito. O número total de animais que participaram dessas análises correspondeu a 12% da população de peixes envolvida na simulação do transporte.
Para a análise de hematócrito, tubos de microematócrito foram preenchidos com o sangue dos animais, aproximadamente, até três quartos de sua capacidade total e centrifugado por cinco minutos a 3000rpm. A coleta de sangue para avaliar essa característica foi realizada com seringas umedecidas com EDTA. A concentração de glicose foi determinada em glicosímetro digital portátil de análise instantânea.
Os dados foram submetidos à análise de variância segundo o Statistical Analysis System (User's..., 1996). As medias das características hematológicas e limnológicas foram submetidas aos testes SNK e Tukey, respectivamente, ao nível de significância de 5%.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Durante os 16 dias correspondentes ao período de fornecimento da ração experimental, as variáveis limnológicas foram monitoradas duas vezes ao dia, quando apresentaram os seguintes valores médios: pH = 6,85; temperatura = 23,2ºC; e oxigênio dissolvido = 5,27mg x 1-1. Nas variáveis limnológicas não ocorreram diferenças significativas entre os tanques nos diferentes períodos analisados.
Não foram observados valores significativos para mortalidade (P<0,05) durante o período experimental.
Os resultados da análise de glicose sangüínea são apresentados na Tab. 2. No período correspondente à simulação do transporte, o tratamento com 16mg de vitamina C/kg de ração foi o que apresentou maior valor médio para o nível glicêmico. Elevações semelhantes na glicemia foram observadas por Ishibashi et al. (2002) ao submeter alevinos de tilápia-do-nilo a condições de estresse, criadas em ambiente com baixa concentração de oxigênio. Robertson et al. (1988) e Acerete et al. (2004) observaram, em Sciaenops ocellatus e Perca fluviatilis L., respectivamente, que os procedimentos de transporte podem ser responsáveis pelo aumento do nível de glicose no sangue, como resposta secundária ao estresse. Os tratamentos com 500 e 1000mg de vitamina C apresentaram valores mais baixos para essa característica, 91,40 e 94,60mg/dl, respectivamente, não diferindo significativamente entre si (P<0,05). Estes resultados assemelham-se aos de Henrique et al. (1998) e Ortuño et al. (2003), que constataram eficiência significativa em conter a elevação glicêmica em peixes suplementados com ascorbato, sob condições de estresse.
Durante o tempo de recuperação, 12 horas após a soltura, as concentrações de 16 e 500mg de vitamina C/kg de ração resultaram em níveis mais elevados níveis (P<0,05) de glicemia, 91,0 e 103,8mg/dl, respectivamente. O menor nível (P<0,05) de glicose foi obtido com os alevinos que receberam 1000mg de vitamina C/kg de ração.
O tratamento com 1000mg de vitamina C foi o único onde se pôde observar redução (P<0,05) na glicemia, entre os períodos intermediário e final.
Segundo Merchie et al. (1995; 1997), a intensidade da resposta fisiológica ao estresse pode ser influenciada pelo ascorbato, responsável pelo aumento da resistência ao estresse em diversas espécies de teleósteos. Possivelmente a concentração de 1000mg de vitamina C/kg de ração foi capaz de conter a elevação da glicemia desencadeada pelo estresse de forma mais eficiente que as demais concentrações.
Os valores do hematócrito são apresentados na Tab. 3. Apesar de os resultados apresentarem comportamento semelhante ao da glicose, o teste SNK não revelou diferenças significativas entre tratamentos nessa característica (P>0,05).
Variações significativas de glicose acompanhadas de variações não significativas do hematócrito foram observadas por outros autores ao estudarem o efeito do estresse agudo em diferentes espécies. Barcellos et al. (2003) verificaram em Rhandia quelen e em Gaimard pimelodidae manifestações semelhantes nessas características. Estes resultados também se assemelham aos de Frisch e Anderson (2000) e Ruane et al. (2002), que estudaram o efeito do estresse em Plectropomus leopardus e Cyprinus carpio L., respectivamente.
CONCLUSÕES
A suplementação com 1000mg de vitamina C/kg, por um período de 14 dias, pode ser utilizada de forma profilática em alevinos de tilápia nilótica, para reduzir os níveis glicêmico após o transporte.
AGRADECIMENTO
Agradecemos aos alunos do Núcleo de Estudos em Aquacultura da Universidade Federal de Lavras, pela colaboração.
Recebido em 12 de junho de 2006
Aceito em
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
24 Set 2007 -
Data do Fascículo
Ago 2007
Histórico
-
Recebido
12 Jun 2006