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Curso de diagnóstico por imagem do tórax: capítulo V - imagem da embolia pulmonar

APRIMORAMENTO

Curso de diagnóstico por imagem do tórax

capítulo V – imagem da embolia pulmonar

Arthur Soares de Souza Junior

Professor Assistente da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp); Membro do Instituto de Radiodiagnóstico Rio Preto; Chefe do Departamento de Imagem da Santa Casa de Misericórdia de São José do Rio Preto

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Arthur Soares de Souza Jr. Rua Cila, 3.033 15015-800 – São José do Rio Preto, SP E-mail: asouzajr @zaz.com.br

Siglas e abreviaturas utilizadas neste trabalho

EP – Embolia pulmonar

TC – Tomografia computadorizada

Estima-se que, em hospitais gerais, 10% a 15% das mortes ocorram por embolia pulmonar (EP)(1). Em cada episódio é comum a liberação de múltiplos êmbolos, que geralmente se alojam em ramos da artéria pulmonar, sendo mais comuns à direita. Raramente, o êmbolo cavalga a bifurcação do tronco da artéria pulmonar (êmbolo em sela) ou tem origem em câmaras cardíacas direitas (Figura 1) e cerca de 15% dos pacientes com embolia pulmonar apresentam infarto verdadeiro(2).


O diagnóstico acurado é muito importante, porque a terapia trombolítica e de anticoagulação têm riscos significantes, não justificáveis de ser assumidos na ausência de EP. Entretanto, o diagnóstico de EP permanece problemático. O exame diagnóstico ideal deveria ser acurado, seguro, viável, com custo acessível e apresentar aceitação generalizada. Atualmente, nenhum dos métodos diagnósticos preenche esses critérios. Daí a necessidade de combinação de métodos para obter a acuracidade diagnóstica.

Os pacientes com suspeita clínica de EP, usualmente, são submetidos a radiografia de tórax e cintilografia de ventilação/perfusão. A associação dos resultados desses exames com o grau de suspeita clínica possibilita razoável certeza diagnóstica(3). Entretanto, cerca de 75% dos pacientes permanecem com o diagnóstico de EP incerto(3). Apesar de a angiografia pulmonar seletiva ser o exame de referência (padrão-ouro) para detecção de EP, ele é subutilizado. Os resultados de dois grandes estudos mostram que apenas 12% a 14% dos pacientes que não apresentaram resolução para a suspeita de EP com cintilografia V/Q foram submetidos à angiografia pulmonar seletiva(4,5). Apesar de a angiografia apresentar mortalidade menor que 1% e morbidade de 2% a 5%, é bastante dispendiosa, não tendo, portanto, alto índice de aceitabilidade e, em muitas ocasiões, os pacientes são submetidos à anticoagulação sem passar pela angiografia(6).

Mais recentemente, apareceram novos recursos diagnósticos para a EP, como a imagem por ressonância magnética, tomografia computadorizada por emissão de elétrons e tomografia computadorizada volumétrica (helicoidal ou espiral). Especialmente, as duas últimas modalidades parecem apresentar papel promissor no diagnóstico de EP.

Neste capítulo abordaremos com maior detalhe as imagens da radiografia simples do tórax e a da tomografia computadorizada (TC) helicoidal.

RADIOGRAFIA SIMPLES DE TÓRAX

Vários sinais radiográficos de EP foram descritos, embora nenhum deles seja específico e tenham baixa sensibilidade. Mesmo em pacientes com risco iminente de vida por EP, a radiografia de tórax pode ser normal (Figura 3). A sensibilidade da radiografia de tórax é de 33% e a especificidade de 59% para detecção de EP(7). O principal papel da radiografia de tórax é excluir outros diagnósticos que possam mimetizar EP e fornecer informações que ajudem na interpretação dos outros métodos de imagem. Entretanto, em alguns casos, a radiografia de tórax sugere o diagnóstico, daí a importância de apreciarmos os sinais, apesar de sua baixa sensibilidade e especificidade. Na discussão das anormalidades encontradas na EP aguda é útil sua divisão em EP sem infarto e EP com infarto.


EMBOLIA PULMONAR AGUDA SEM INFARTO – Os poucos sinais na radiografia simples do tórax na embolia aguda sem infarto são oligoemia do pulmão a jusante do vaso ocluído (sinal de Westmark) (Figura 4), aumento no tamanho do tronco da artéria pulmonar, artéria pulmonar principal ou de ramos interlobares (Figura 5) e elevação do diafragma. Opacidades lineares ou em faixa podem ser vistas. Essas opacidades representam atelectasias discóides, subsegmentares, e não infarto pulmonar (Figura 6), sendo secundárias à elevação do diafragma, inibição da ventilação e possível depleção de surfactante(1). Embolia de repetição pode causar hipertensão arterial pulmonar, possível de ser reconhecida radiologicamente (Figura 7).





EMBOLIA PULMONAR AGUDA COM INFARTO – O infarto determina opacidade na radiografia simples do tórax, com distribuição multifocal (Figura 8) e predomínio nas regiões basais(8). Essas imagens usualmente aparecem cerca de 12 a 24 horas após o episódio embólico, mas seu aparecimento pode ser mais tardio. A opacidade resultante pode assumir várias formas, dependendo principalmente de sua localização e da arquitetura lobular de base. Consolidação lobar é pouco usual (Figura 9) e padrão lembrando edema é ocasionalmente observado (Figura 10).




A área de infarto pode apresentar-se com forma grosseiramente triangular, sem o ápice (cone truncado), que lhe confere configuração grosseiramente nodular, com base pleural e superfície interna convexa, conferindo o aspecto de "corcova"(9). Esse sinal é conhecido como "corcova de Hampton", que é pouco usual e não específico (Figura 11).


O sinal do broncograma aéreo raramente é visto na radiografia simples do tórax de pacientes portadores de EP aguda com infarto, o que ajuda no diagnóstico diferencial com pneumonia e outras causas de consolidação. Freqüentemente, os achados clínicos ajudam na decisão do diagnóstico diferencial.

Quando a consolidação é resultado de hemorragia pulmonar e não de infarto verdadeiro, a resolução radiológica é rápida, geralmente em uma semana, enquanto o infarto verdadeiro leva vários meses para resolver-se(10) e freqüentemente deixa fibrose cicatricial permanente. Quando o infarto se resolve, ele "derrete como cubo de gelo" (Figura 12), enquanto a pneumonia apresenta resolução em retalho(11).


Cavitação (Figura 13) no interior do infarto é rara e pode ocorrer na ausência de infecção, mas o infarto cavitado geralmente é secundário a infecção ou é resultado de embolia séptica. A cavitação asséptica tem mais chance de desenvolver-se quando a área cavitada é maior do que 4cm de diâmetro e usualmente ocorre duas semanas após o aparecimento da consolidação(12).


Cerca de 50% dos casos de EP apresentam derrame pleural (Figura 14), geralmente sanguinolento, tipicamente pequeno e unilateral, que aparece imediatamente após o início dos sintomas. Entretanto, mais raramente, o derrame pleural pode ser bilateral e volumoso(13).


TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA HELICOIDAL

Assim como a angiografia pulmonar, a TC helicoidal com administração de contraste pode ser usada para obtenção direta da imagem do êmbolo pulmonar(14) (Figura 15). Estudos importantes concluíram que a TC helicoidal define os êmbolos nos vasos pulmonares centrais (principais, lobares e segmentares) com sensibilidade e especificidade acima de 90%(15), resultados que se aproximam dos obtidos pela angiografia pulmonar no estudo PIOPED(3). No entanto, a acuracidade da TC é menor na detecção de êmbolos em artérias subsegmentares. Em um estudo de 20 pacientes apresentando probabilidade não resolvida na cintilografia V/Q, a angiografia pulmonar detectou EP em 11 pacientes; em quatro deles (37%) o êmbolo se localizava em artéria subsegmentar. A TC helicoidal detectou EP em apenas um desses pacientes (25%)(16). Em outro estudo, avaliando apenas êmbolos em artérias subsegmentares, a TC helicoidal deixou de fazer diagnóstico em 20% dos casos(17). Como uma das características da EP é a multiplicidade dos êmbolos, a presença de êmbolo subsegmentar tem grande chance de ser acompanhada por progressão do trombo que obstrua artérias de maior calibre, possibilitando o diagnóstico pela TC helicoidal. No estudo PIOPED somente 6% dos casos apresentaram êmbolos subsegmentares(3).


A maioria dos êmbolos subsegmentares não é detectada pela TC helicoidal. Mesmo na angiografia pulmonar os êmbolos subsegmentares não são facilmente encontrados. No estudo PIOPED, dois angiografistas juízes concordaram em 81% pela presença ou ausência de EP em todos os casos e apenas em 66% para coágulo subsegmentar(18). Outro trabalho mostra que três angiografistas concordaram em todos os casos de EP acometendo as artérias pulmonares principais, lobares e segmentares, mas que houve concordância em apenas 13% para EP subsegmentar(19). Outro questionamento que deve ser feito é: qual a importância do êmbolo subsegmentar? No trabalho realizado por Oser et al.(20), 13 dos 19 êmbolos subsegmentares eram únicos. Será que a presença de êmbolo subsegmentar único causa sintoma ou foi um achado incidental? No estudo PIOPED houve concordância de 66% entre os observadores para o diagnóstico de EP subsegmentar. Assim, muitas dessas embolias não foram diagnosticadas e, portanto, não foram tratadas. Em todo o grupo desse estudo somente 0,6% dos pacientes apresentou sintomatologia de EP em um ano de acompanhamento(20). Em outros estudos, 691 pacientes apresentaram estudo negativo para EP com angiografia pulmonar. Cerca de 1% apresentou sintoma de embolia no acompanhamento por 6 a 12 meses(6, 21,22).

Para saber o real valor da TC helicoidal no diagnóstico da EP, a importância clínica do êmbolo subsegmentar deve ser estabelecida. Se as pequenas EP não são clinicamente importantes, então a TC é uma excelente ferramenta para seu diagnóstico. No entanto, se a EP é o prenúncio de um trombo maior e a maioria das mortes é devida à EP recorrente, ou se pequenos êmbolos são potencialmente letais em pacientes com doença cardiopulmonar preexistente grave, então a TC helicoidal isolada é um método inadequado(22).

A TC helicoidal facilita a tomada rápida de imagens, otimizando a obtenção destas durante o bolo de contraste e minimizando os artefatos de movimento das pulsações mediastinais e da respiração. O protocolo para estudo de EP com TC volumétrico utiliza um pacote de obtenção de imagens de 12cm de extensão, iniciando os cortes ao nível da croça da aorta. Utilizamos cortes de 3mm, com deslocamento da mesa de 5mm e reconstrução de imagens de 3mm de espessura. Alternativamente, podem usar-se cortes de 5mm, com deslocamento da mesa de 5mm e reconstrução das imagens com 3mm de espessura. Existe necessidade de cateterização de veia calibrosa, geralmente antecubital, com volume de 120ml de contraste iodado a 12%, com infusão de 7ml por segundo, ou 90ml com contraste iodado a 30%, com infusão de 5ml por segundo. A injeção do contraste com baixa concentração de iodo evita artefato da veia cava superior, que pode prejudicar o diagnóstico de falha de enchimento na artéria pulmonar direita (Figura 16). O contraste com concentração de 12% deve ser preferido em pacientes com insuficiência cardíaca.


O diagnóstico de EP com a TC volumétrica é baseado na visibilização direta do coágulo intraluminal (Figura 17), ou seja, defeito de enchimento completo, sinal do "trilho de trem" e defeito de enchimento mural (Figura 18). A presença de linfonodo pode ser erroneamente interpretada como falha de enchimento (coágulo mural). Em condições de dúvida, particularmente nas que cursam com infarto e, portanto, com consolidação, a reconstrução em duas dimensões aumenta a especificidade no diagnóstico de EP (Figuras 19 e 20)





IMAGEM POR RESSONÂNCIA MAGNÉTICA

Existem evidências de que a EP pode ser detectada com imagem por ressonância magnética (Figura 21). Em geral, utiliza-se ECG-gating, em spin-echo, 3D gradient echo, 2D e 3D time-of-flight, angiografia por ressonância magnética e ultrafast angiografia por ressonância magnética utilizando o dispositivo cine 3D(23).


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  • Endereço para correspondência

    Arthur Soares de Souza Jr.
    Rua Cila, 3.033
    15015-800 – São José do Rio Preto, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Out 1999
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