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Language acquisition and the minimalist program: a new way out

Aquisição da linguagem: novas perspectivas a partir do programa minimalista

Abstracts

Our aim in this paper is to show that Chomsky's Minimalist Program brings in a new way to conceive the Language Faculty and, thus, the Universal Grammar as well. Therefore, it opens up a whole range of possibilities for the language acquisition field. Explanations have to be motivated by virtual conceptual necessity: either through bare output conditions imposed by the interfaces, or through economy conditions of the computational system. Our point is that it should work likewise for language acquisition. If economy conditions play a role in the Language Faculty, then they must be important for the language acquisition process. If interface levels are essential for the Language Faculty, then they must play a role in the acquisition process as well. In order to pinpoint such issues we will discuss some evidence from the asymmetry between the child's initial production of subject and object in different languages. Our guiding hypothesis is that the basic syntactic relation that is privileged by the child acquiring a language is c-command.

Minimalist Program; language acquisition; c-command; subject/object asymmetry


O que se quer discutir neste artigo é como o Programa Minimalista chomskyano deve ser entendido como uma nova forma de concepção da Faculdade da Linguagem e, portanto, da GU. Nesse sentido, a conseqüência é que abre novas possibilidades para a área de aquisição da linguagem. Sua base está em que qualquer pressuposto tem que ser conceitualmente motivado (virtual conceptual necessity). Tudo que se propõe, ou se justifica em termos das condições externas dadas pelas interfaces, ou por condições de economia previstas para o sistema computacional. Assim, se as condições de economia do sistema computacional são relevantes para que a Faculdade da Linguagem opere otimizadamente, então devem ter um papel também na aquisição. Se os níveis de interface são essenciais para a Faculdade da Linguagem, então pressupõe-se que tenham um papel importante no processo de aquisição. Para ilustrar esses pontos traremos algumas evidências da assimetria que se verifica na produção inicial de crianças entre o sujeito e o objeto em diferentes línguas. Nossa hipótese é que a representação lingüística pela qual a criança se guia no processo de aquisição é a de unidade de comando.

Programa Minimalista; aquisição da linguagem; c-comando; assimetria sujeito/objeto


AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM: NOVAS PERSPECTIVAS A PARTIR DO PROGRAMA MINIMALISTA* * Agradeço aos dois pareceristas anônimos pelas contribuições. Obviamente, quaisquer problemas remanescentes são de minha responsabilidade.

(Language Acquisition and the Minimalist Program: a New Way Out)

Ruth E. Vasconcellos LOPES

(Universidade Federal de Santa Catarina)

ABSTRACT: Our aim in this paper is to show that Chomsky's Minimalist Program brings in a new way to conceive the Language Faculty and, thus, the Universal Grammar as well. Therefore, it opens up a whole range of possibilities for the language acquisition field. Explanations have to be motivated by virtual conceptual necessity: either through bare output conditions imposed by the interfaces, or through economy conditions of the computational system. Our point is that it should work likewise for language acquisition. If economy conditions play a role in the Language Faculty, then they must be important for the language acquisition process. If interface levels are essential for the Language Faculty, then they must play a role in the acquisition process as well. In order to pinpoint such issues we will discuss some evidence from the asymmetry between the child's initial production of subject and object in different languages. Our guiding hypothesis is that the basic syntactic relation that is privileged by the child acquiring a language is c-command.

KEY-WORDS: Minimalist Program, language acquisition, c-command, subject/object asymmetry

RESUMO: O que se quer discutir neste artigo é como o Programa Minimalista chomskyano deve ser entendido como uma nova forma de concepção da Faculdade da Linguagem e, portanto, da GU. Nesse sentido, a conseqüência é que abre novas possibilidades para a área de aquisição da linguagem. Sua base está em que qualquer pressuposto tem que ser conceitualmente motivado (virtual conceptual necessity). Tudo que se propõe, ou se justifica em termos das condições externas dadas pelas interfaces, ou por condições de economia previstas para o sistema computacional. Assim, se as condições de economia do sistema computacional são relevantes para que a Faculdade da Linguagem opere otimizadamente, então devem ter um papel também na aquisição. Se os níveis de interface são essenciais para a Faculdade da Linguagem, então pressupõe-se que tenham um papel importante no processo de aquisição. Para ilustrar esses pontos traremos algumas evidências da assimetria que se verifica na produção inicial de crianças entre o sujeito e o objeto em diferentes línguas. Nossa hipótese é que a representação lingüística pela qual a criança se guia no processo de aquisição é a de unidade de comando.

PALAVRAS-CHAVE: Programa Minimalista, aquisição da linguagem, c-comando, assimetria sujeito/objeto

0. Introdução

Contrariamente ao que se pode imaginar, o Programa Minimalista não é apenas uma seqüência "natural" como solução para as possíveis limitações que o modelo de Regência e Ligação (doravante, R&L) eventualmente tenha atingido.1 1 Como o Programa Minimalista também é considerado como pertencente ao arcabouço dos Princípios & Parâmetros (P&P), utilizaremos a nomenclatura Regência & Ligação para distinguir um modelo do outro. Quando nos referirmos a P&P, estaremos subtendendo os dois modelos: Regência & Ligação e Programa Minimalista. Também não parece ser apenas um novo formalismo. É antes uma nova forma de concepção da Faculdade da Linguagem e, portanto, da GU (Gramática Universal). E, nesse sentido, abre igualmente novas possibilidades para a área de aquisição da linguagem.

Sua base está em que qualquer pressuposto tem que ser conceitualmente motivado (virtual conceptual necessity). Tudo que se propõe, ou se justifica em termos das condições externas dadas pelas interfaces, ou por condições de economia previstas para o sistema computacional.

Assim, se as condições de economia do sistema computacional são relevantes para que a Faculdade da Linguagem opere otimizadamente, então devem ter um papel também na aquisição. Se a relação entre a Forma Fonética (PF) e a Forma Lógica (LF) é essencial para a Faculdade da Linguagem, enquanto interfaces do sistema computacional, então pressupõe-se que não apenas a Forma Fonética seja a interface transparente para a criança, mas que a Forma Lógica igualmente tenha o seu papel no processo de aquisição. É isso que procuraremos discutir neste artigo, trazendo para tanto algumas evidências da assimetria que se verifica na expressão do sujeito e do objeto nos enunciados infantis em diferentes línguas. Nossa hipótese é que a representação lingüística pela qual a criança se guia no processo de aquisição é a de unidade de comando.

O artigo organiza-se da seguinte forma. Inicialmente, levantaremos alguns pontos, no âmbito do Programa Minimalista, que consideramos essenciais para a área da aquisição da linguagem: na seção 2, faremos um breve percurso da passagem entre o modelo de R&L e o Programa Minimalista; na 3, levantaremos algumas questões conceituais; na 4, falaremos sobre a "criança minimalista". Na seção 5, apresentaremos uma proposta minimalista para o fenômeno da produção assimétrica de sujeito e objeto na criança, discutindo suas conseqüências na sexta seção. Concluímos o artigo na seção 7.

1. Um percurso de passagem

Um dos pressupostos basilares da teoria gerativa tem sido a autonomia e especificidade da faculdade de linguagem, bem como seu caráter inato. Sem dúvida, este pilar continua tão sólido como nunca, porém, sofreu um certo deslocamento no Programa Minimalista (doravante, PM).

Agora a Faculdade da Linguagem é entendida como encaixada nos sistemas de performance, de uma certa forma, pois interage com eles e deve satisfazer condições gerais externas impostas por eles. Teoricamente, então, a questão que se põe é: quais são as condições impostas à Faculdade da Linguagem em relação ao lugar que ocupa no conjunto de sistemas cognitivos da/do mente/cérebro? Ou, ainda, até que ponto é determinada por tais condições? Chomsky (1995) afirma que, se a Faculdade da Linguagem for determinada por condições gerais independentes como simplicidade, economia, simetria, não-redundância etc, então a linguagem é um "sistema perfeito" e, como tal, ímpar entre os demais sistemas naturais. A idéia é que seja não-redundante e um sistema otimizado, na medida em que impeça que fenômenos particulares sejam sobredeterminados por princípios lingüísticos, visto que há condições externas que os determinarão, como, por exemplo, a linearização temporal das palavras em uma sentença, exigida em função de nossas características articulatórias e perceptivas. A otimização é derivada do fato de que a Faculdade da Linguagem dita, dentre outras coisas, princípios de economia que guiam o sistema. Essa é uma das grandes diferenças entre o PM e o modelo de R&L.

Em linhas gerais, a Faculdade da Linguagem é um componente da mente dedicado à linguagem; um componente que interage com outros sistemas, sendo específico à linguagem, mas não às línguas particulares; é comum à espécie e, portanto, uma dotação genética da espécie; finalmente, é composta por um sistema cognitivo e interage com sistemas de performance através dos níveis de representação lingüística nas interfaces que estabelece. A variação lingüística se restringe ao sistema cognitivo, que, além disso, armazena informações lexicais, por exemplo. Os sistemas de performance acessam a informação contida no sistema cognitivo para uso. Assim, são sistemas "externos" de dois tipos: articulatório-perceptivo (A-P) e conceitual-intencional (C-I), o primeiro estabelecendo interface com o nível de representação da Forma Fonética e o segundo, com o nível de representação da Forma Lógica.2 2 Assumimos aqui a visão mais generalizada de que os sistemas de performance são externos à Faculdade da Linguagem, embora ainda pouco se saiba sobre eles. Chomsky (1998: 2) afirma: "Uma pressuposição geral é que os sistemas de performance são externos à Faculdade da Linguagem. É uma pressuposição simplificadora, embora não possa ser considerada, de forma definitiva, como falsa; conquanto possa ser, talvez de maneira importante." (minha tradução) Agradeço a Sérgio Menuzzi, comunicação pessoal, ter chamado minha atenção sobre isso. Essa dupla garante a díade som/significado; tanto quanto nos modelos anteriores, não como uma relação direta, mas como uma relação intermediada pela Faculdade da Linguagem.

Essa concepção tem conseqüências bastante significativas, na medida em que há uma redução dos níveis de representação em relação ao modelo de R&L, no qual se concebia uma Estrutura-profunda à qual se aplicava a regra Mova-a, gerando, então, uma Estrutura-superficial, que intermediava as Formas Fonética e Lógica. Os diversos princípios aplicavam-se em um desses níveis de representação. Por exemplo, papéis temáticos aplicavam-se na Estrutura-profunda, enquanto o filtro de Caso era aplicado na superficial. No PM já não há mais esses níveis intermediários de representação, por não serem conceitualmente necessários, uma vez que não estabelecem nenhuma interface com os sistemas de performance. Desta forma, os princípios e critérios que se aplicavam nos diferentes níveis de representação passam a se aplicar somente nos níveis de interface, Forma Lógica e Forma Fonética, vinculando a noção de "estrutura possível" na língua a possibilidades de interpretação semântica e fonética, respectivamente. E prevê-se uma condição que garante isso: a condição da Interpretação Plena, que estabelece que, se as estruturas formadas nas interfaces forem legítimas, então recebem uma interpretação, satisfazendo-a. A convergência em Forma Fonética e Forma Lógica é uma condição necessária para a boa formação de uma estrutura, já que uma expressão lingüística é formada pela associação entre objetos fonéticos e semânticos.3 3 A convergência em Forma Fonética e Forma Lógica é uma condição necessária, mas não suficiente para a convergência de estruturas, já que condições de economia da derivação também devem ser satisfeitas. A condição de Interpretação Plena descarta, por exemplo, variáveis não-vinculadas ou elementos sem papel-temático, no nível da Forma Lógica; no nível da Forma Fonética, rejeita símbolos sem traços fonológicos.

As diferenças entre as línguas limitam-se, tanto quanto no modelo anterior, a diferenças lexicais, mais especificamente, a diferenças nos traços formais de determinados elementos. A parametrização das línguas, então, passa a depender também dessa noção, mais especificamente da noção de traço forte, dando conta especialmente do movimento de elementos que são realizados em posições distintas daquelas em que são interpretados, uma característica essencial das línguas naturais. Aqui há outra diferença, entre os dois modelos, digna de nota. Em R&L, a regra Mova-a aplicava-se livremente, sendo as restrições aos movimentos uma conseqüência dos diferentes princípios da teoria, como o ECP (Princípio das Categorias Vazias, do inglês Empty Category Principle), para dar um exemplo. No PM, o movimento só se dá por "necessidade" de um determinado elemento em função de seus traços. Se um movimento não é necessário para que a estrutura chegue às interfaces, ele não ocorre. Isso se dá em função de determinados princípios de economia que regem o sistema. Tais princípios vão ditar, dentre outras coisas, que não se deve fazer nada ¾ nenhum movimento, por exemplo ¾ sem que haja uma necessidade para tal; além do mais, prevê que tudo que possa ser adiado no processo de formação de uma estrutura deve, efetivamente, ser deixado para algum outro ponto do processo. Vejamos (1) e (2):

Como fica claro pelas sentenças acima, há uma diferença crucial entre o francês e o inglês, no que diz respeito à posição do advérbio em relação ao verbo flexionado.4 4 A discussão sobre esse fenômeno não é nova. Deve-se a Pollock (1989). Nós a utilizamos aqui apenas para ilustrar o ponto em questão. O advérbio é um elemento adjungido ao VP (sintagma verbal, do inglês verbal phrase), portanto, o problema parece se dar em relação ao verbo. As evidências mostram que em francês o verbo deve se mover para fora de VP, enquanto que em inglês isso não deve ocorrer, como mostra a sentença (2b), que é agramatical naquela língua. Provavelmente, então, há em francês um traço forte em I que faz com que o verbo se mova para lá, enquanto isso não ocorre em inglês. Esse movimento em francês é necessário antes que a estrutura vá para a Forma Fonética, e, desta forma, não pode ser adiado. Não se deve concluir, no entanto, que o francês seja, neste caso particular, menos econômico do que o inglês. As medidas de economia aplicam-se de outra forma, como veremos abaixo. Isso mostra apenas uma diferença paramétrica entre essas duas línguas quanto a seus traços.

Em termos de aquisição da linguagem, assim, uma das tarefas da criança é perceber a "força" de um determinado traço em uma categoria funcional, se forte ¾ implicando movimento visível de uma categoria ¾, ou fraco. Esse é o espaço paramétrico no arcabouço do PM.

Vimos que os princípios da Faculdade da Linguagem se aplicam nas interfaces. As condições de economia, entretanto, são tidas como algoritmos do próprio sistema computacional, sobre o qual falaremos adiante. Há, desta forma, duas "qualidades" de princípios: os "substantivos" ¾ aqueles que se verificam como condições impostas pelas interfaces ¾, e os "formais" ¾ aqueles que traduzem as condições de economia sob as quais o sistema computacional opera. Seria importante ressaltar que a comparação de derivações em termos de economia só pode se dar a partir de uma mesma Numeração inicial (um conjunto desordenado de itens lexicais, grosso modo). A partir dela, forma-se o que Chomsky (1995) chama de conjunto de referência, ou seja, um conjunto das derivações convergentes que podem ser engendradas a partir de uma dada Numeração.

Esse ponto é bastante importante para a área de aquisição, na medida em que impede que se tome "economia" como comparação entre gramáticas nos diferentes estágios do processo de aquisição da linguagem. Voltaremos a esse ponto na seção 5.2. adiante.

Havíamos mencionado anteriormente o "componente cognitivo" da Faculdade da Linguagem sem explorá-lo. Em termos bastante gerais, é formado pelo léxico e por um componente computacional. Esse componente armazenará informações de diversos tipos, sobre som, significado e organização estrutural, operando derivacionalmente. Dado um conjunto de palavras aleatoriamente escolhidas no léxico, formando uma Numeração, seus itens dão entrada no sistema computacional, que trabalha com duas operações básicas: uma que agrega elementos e outra que os move, formando expressões lingüísticas S. Há um componente fonológico ¾ um subsistema do sistema computacional ¾ que mapeia S para p (o nível de representação em Forma Fonética) e um componente encoberto (covert) que continua a computação após a entrada da informação para o componente fonológico, ou seja, daquilo que fica como resíduo em S, até Forma Lógica.

Tudo começa com o acesso ao léxico, e uma operação que alimentará o sistema computacional com os itens escolhidos, dando-se início ao processo de derivação de uma estrutura. Se há algum movimento premente em função de características de uma dada língua, como o caso do verbo em (1) para o francês, então ele se dá antes de a estrutura ir para o componente fonológico. É quando o sistema se bifurca, uma parte da estrutura é "despejada" do sistema computacional (através de Spell-out) e o resto da computação continua enviando-a para a interpretação semântica em Forma Lógica. Esse resto de percurso se dá de forma encoberta.

Finalmente, talvez fosse interessante ressaltar o que o PM especifica como conteúdo mínimo da GU, até pelas conseqüências que tem para a aquisição. Segundo Chomsky (1995), a GU determina a classe das línguas possíveis (os princípios universais e a faixa de variação possível, a partir de "força" de um traço em uma dada categoria funcional), determina as propriedades das Descrições Estruturais e dos símbolos que as compõem e especifica os níveis de interface, bem como as operações do sistema computacional para as derivações.

2. Algumas questões conceituais

Abrimos este trabalho afirmando que o PM não é apenas um novo formalismo, mas uma nova concepção, acrescentaríamos, teórica e metodológica. Sua base está em que qualquer pressuposto tem que ser conceitualmente motivado (virtual conceptual necessity). E não parece ser apenas retórica. Tudo que se propõe, ou se justifica em termos das condições externas dadas pelas interfaces, ou por condições de economia previstas para o sistema computacional, como já afirmamos. Para usar o termo mais apropriado, tudo tem que ser ótimo.

Chomsky (1998) aponta duas versões para a tese minimalista: a fraca e a forte. A versão fraca baseia-se em Occam's razor e é o que Uriagereka (1999)5 5 Em Lectures on Dynamic Syntax, mini-curso apresentado durante o III Encontro do CelSul, Porto Alegre. chama de minimalismo "metodológico", pois busca a forma mais otimizada de teorizar; em poucas palavras, quanto menos, melhor: um axioma é melhor que dois, um algoritmo é melhor que dois etc. A versão forte, batizada por ele de minimalismo "ontológico", não considera quão ótima é a teoria sobre a Faculdade da Linguagem, mas quão ótima é a Faculdade da Linguagem propriamente.

"Quão bem projetada é a Faculdade da Linguagem? Suponha que um super-engenheiro receba especificações para desenvolver um projeto para a linguagem: aqui estão as condições que a Faculdade da Linguagem deve satisfazer; sua tarefa é projetar um dispositivo que satisfaça a essas condições de forma otimizada (pode haver mais do que uma solução). A pergunta é: o quanto a linguagem se aproxima de um tal projeto otimizado?" (Chomsky, 1998: 7, minha tradução)

Chomsky (1998) argumenta que a abordagem de Princípios & Parâmetros, ao recolocar os objetivos quanto às adequações descritiva e explicativa, permite que se formulem atualmente, em função da grande contribuição que já trouxe para várias áreas, algumas novas questões em relação à Faculdade da Linguagem, em particular as colocadas acima. E segundo ele, o PM é uma tentativa de formular e estudar essas questões, muito embora admita que as evidências empíricas e as expectativas minimalistas sejam, no mais das vezes, conflitantes. Além disso, na busca por um minimalismo "ontológico", a ferramenta de que se dispõe é a construção de uma teoria através do minimalismo "metodológico". O próprio Chomsky parece admitir: "Há perguntas minimalistas, mas não respostas minimalistas /.../" (Chomsky, 1998:7, minha tradução).

De qualquer forma, essa constatação não o impede de construir o argumento. Seu ponto de partida é evolucionista: suponha-se que houve, por algum motivo, uma reorganização cerebral que tenha resultado na emergência da Faculdade da Linguagem. Para que possa ser usada, tem que satisfazer algumas condições do que chama de "legibilidade" ¾ condições externas 6 6 Estamos usando repetidamente o termo "condições externas" para bare output conditions: "/.../ 'saída' ( output) porque são condições sobre os níveis de interface, portanto 'saída' tendo em vista uma abordagem derivacional; 'despojadas' ( bare) para distingui-las de filtros, restrições e outros dispositivos do próprio sistema computacional." (Chomsky, 1998: 10, n. 16, minha tradução) a ela ¾ para que outros sistemas mentais possam ter acesso a expressões geradas por seus estados, ou seja pela Língua-I[nterna], de forma a serem usadas como instruções para o pensamento e a ação.

"Podemos perguntar claramente ¾ e, se possível, responder ¾ se a Faculdade da Linguagem é, e em que medida, uma boa solução para as condições de legibilidade, e apenas para elas. Esse é o tópico essencial do PM." (Chomsky, 1998:11, grifo e tradução meus)

Essa visão traz a reboque uma nova perspectiva para a área de aquisição, pois a tensão que normalmente se estabelece entre adequação descritiva e explicativa tende a se minimizar tanto mais o programa se mostre viável como agenda de pesquisa. Embora, possa trazer outros corolários:

"Suponha que a Faculdade da Linguagem ao satisfazer as condições de legibilidade de forma otimizada também satisfaça todas as outras condições empíricas: aquisição, processamento, neurologia, mudança lingüística, .... Então o órgão da linguagem [a Faculdade da Linguagem] é uma solução perfeita para as especificações minimalistas." (Chomsky, 1998: 13, minha tradução)

Obviamente não se pode lançar um olhar ingênuo sobre isso. O que se disser sobre a Faculdade da Linguagem dependerá em grande medida do que for estabelecido como condição externa. Entretanto, não se sabe muito sobre sistemas externos. Então o problema é estabelecer as condições e tentar, ao mesmo tempo, satisfazê-las, muito provavelmente através do minimalismo "metodológico".

Lembremos, por um instante ¾ apenas a título de argumento ¾, da crítica feita à profusão que houve de categorias funcionais no âmbito do modelo de R&L. Se por um lado a noção de parâmetro como propriedade de categorias funcionais parecia ser a mais adequada, por outro, trouxe como conseqüência uma profusão de novas formulações como forma de acomodar as evidências empíricas (cf., nesse sentido, Meisel, 1997).

Espera-se, conseqüentemente, que o PM incorpore aquilo que se mostrou relevante, motivando independentemente as categorias através das condições de "legibilidade". E de fato, Chomsky propõe apenas aquelas categorias que são relevantes para a interpretação de uma estrutura em Forma Lógica: DP (sintagma determinante), TP (sintagma temporal), CP (sintagma complementizador) ¾ as que asseguram referência a uma sentença. A qualidade de [força] de um traço nessas categorias será relevante, constituindo, assim, aquilo que é parametrizável entre as línguas, como dissemos acima, e que se dá a "ver" pela criança adquirindo uma língua, através do movimento de categorias depreendido pela Forma Fonética.

3. A criança minimalista

A base epistemológica do modelo, como se pôde observar pela discussão feita até aqui, continua imutável. Assim, considera-se que a Faculdade da Linguagem tenha um estado inicial (S0) que, nas palavras de Chomsky (1998), é uma "expressão dos genes", e, portanto, é uniforme na espécie. Dado que ela determina a classe das línguas possíveis, através dos princípios e da faixa de variação possível (os parâmetros), é lícito afirmar que a Faculdade da Linguagem passa por mudanças de estado em função de sua interação com o meio ambiente, que proverá as informações necessárias para o acionamento de determinados parâmetros de forma a atingir um estado L, por exemplo. "Se a Faculdade da Linguagem de Jonas está no estado L, dizemos que Jonas tem (fala, conhece, ...) a língua-Interna L." (Chomsky, 1998: 3, minha tradução)

Assim, como em todos os modelos, os objetivos a serem alcançados envolvem a descrição das línguas (Ss) ¾ ou estados da Faculdade da Linguagem ¾, e o estado universal inicial (S0). As gramáticas particulares seriam teorias sobre Ss e a GU, uma teoria sobre S0.

Há, então, que prever o que se pode entender como GU no PM, para que se possa pensar sobre o percurso entre S0 e Ss¾ tarefa da aquisição.

Como já ressaltamos, o mais importante é perceber que toda a faixa de variação possível entre línguas se explica, no programa, através da noção de traço (e de sua "força"). Cabe, portanto, à criança adquirindo uma língua "descobrir" quais são os traços relevantes na gramática-alvo e isso, em última instância, associa-se aos movimentos que ocorrem na sintaxe visível. Voltemos aos exemplos (1) e (2), discutidos anteriormente.

O fato de o verbo ter que ser alçado em francês, deve sinalizar para a criança que há alguma categoria funcional com um traço V forte para onde o verbo tem que ir checar esse traço. O inglês sinalizaria o contrário. Há vários princípios que entram em jogo aqui.

Essa perspectiva demanda do modelo que responda algumas perguntas: por que o movimento visível não é generalizado entre todas as línguas? Por que algumas línguas apresentam movimento visível, mas este varia de língua para língua? As respostas a essas perguntas são formuladas no âmbito da teoria através dos princípios de economia e da teoria de checagem de traços.

Mas devem ser recolocadas também a partir da perspectiva da aquisição.

A primeira pergunta a fazer é por que a criança não assume que nunca há movimento na sintaxe visível, apenas no componente encoberto, já que o primeiro envolve custo para o sistema computacional e há um princípio em GU que restringe custo? Porque se houver um traço forte a ser checado, esse processo poderá violar um determinado princípio de economia, sob pena de as derivações nunca convergirem. Assim, tem-se que levar a sério a restrição de que as derivações, para convergirem, podem violar princípios de economia e pressupor que ela faça parte de GU, como algo relevante para a aquisição, e não seja tida apenas como um aparato de funcionamento do sistema computacional.

"Outra fonte referente à possível especificidade da linguagem está nas condições impostas "de fora" às interfaces, o que podemos chamar de condições externas. Essas condições são impostas pelos sistemas que fazem uso da informação fornecida pelo sistema computacional, embora não tenhamos idéia de antemão do quanto sejam específicas à linguagem /.../. A GU deve prover informação para um componente fonológico que converta os objetos gerados pela língua L em uma forma que esses sistemas "externos" possam usar: assumimos que seja a Forma Fonética. /.../ Esses requisitos podem mostrar-se como fatores críticos na determinação da natureza interna do sistema computacional, em um sentido profundo, ou podem mostrar-se "estranhos" a ele, afastando-o da "perfeição", conquanto possa satisfazê-los de forma otimizada. Esta última possibilidade não deve ser descartada." (Chomsky, 1995: 221, minha tradução)

Pode-se estabelecer um paralelo: se o sistema computacional deve lidar com o objeto sintático de forma a enviar aquilo que é relevante como informação para as interfaces apropriadas, pode-se afirmar que a GU terá que guiar a criança nesse processo para que ela faça uso do input como forma de determinar sua língua, convertendo esses objetos eventualmente "estranhos" em algo que se possa utilizar na Faculdade da Linguagem.

Essa concepção faz com que, para o processo de aquisição, um grande peso recaia sobre a Forma Fonética, como a interface privilegiada de fonte de evidências para a criança, por ser tomada como o lugar "visível" de variação entre as línguas.7 7 Hornstein (1995) argumenta contra essa idéia de "transparência" atribuída a Forma Fonética. Chomsky tem que assumi-la por considerar Forma Lógica como invariante dentre as línguas.

No entanto, teremos que as condições externas ¾ condições de legibilidade ¾ são as únicas a ditar o funcionamento da Faculdade da Linguagem e devem refletir, sobretudo, uma correlação otimizada entre as interfaces também. Isso, por outro lado, abre uma janela para a aquisição, por trazer também a Forma Lógica para a discussão, mas coloca uma responsabilidade ainda maior sobre a área, na medida em que os fenômenos relevantes para o processo de aquisição devam, pelo menos idealmente, refletir essa correlação.

Van Kampen (1997), trabalhando com a aquisição de holandês, mostra que talvez seja mesmo esse o caminho (e a solução). O que a autora faz é tirar vantagem da visão de que a representação de Forma Lógica é mais uniforme entre as línguas do que a representação em Forma Fonética. 8 8 A autora não assume a posição de que Forma Lógica seja completamente uniforme entre as línguas. Segundo ela, a criança começa com estruturas muito mais próximas da Forma Lógica do que da Forma Fonética e o processo de aquisição envolve, nesse sentido, diminuir as discrepâncias entre as representações. Assim, a criança sairia de uma "super-língua" para uma "língua menor", paulatinamente, à medida que percebesse que as opções que ela tem em Forma Lógica estão restritas pelas representações encontradas em Forma Fonética para a sua língua.9 9 Essa concepção vai completamente contra o Princípio do Subconjunto (Berwick, 1982). Para van Kampen o processo é o inverso: de um super-conjunto para um subconjunto dentre os possíveis.

Seus dados mostram que a criança produz algumas cadeias que, por hipótese, se encontram em Forma Lógica, mas deveriam estar apenas no componente encoberto e não na sintaxe visível:

Para van Kampen, o que os dados revelam é que a criança apresenta uma discrepância muito menor entre Forma Fonética e Forma Lógica do que os adultos, usando representações fonológicas mais analíticas do que os adultos e que são possíveis em alguma língua (e eventualmente marginais na língua que está adquirindo). A discrepância tenderá a aumentar à medida que a criança for acionando os parâmetros para sua língua, através dos traços relevantes nas categorias funcionais, deixando de usar as opções que tinha disponíveis.

O único ponto discutível em sua proposta é o de que a criança estaria operando com o sistema computacional de forma menos otimizada do que o adulto, pois estaria violando princípios de economia, na medida em que joga para a sintaxe visível processos que deveriam estar ocorrendo no componente encoberto. Porém, a restrição sobre princípios de economia, se deles depender a convergência de uma derivação, talvez seja o ponto de partida para a criança até que esteja com os parâmetros marcados.

De qualquer forma, embora a proposta de van Kampen coloque uma correlação entre as Formas Fonética e Lógica, como é desejável para o programa, ainda assim permanece a questão relativa ao acionamento paramétrico, através da primeira. A autora chega, inclusive, a formulá-lo como segue (p. 159):

Se os parâmetros se reduzem aos traços, mais especificamente aos traços fortes que determinarão o movimento e, assim, àquilo que é "visível" para a criança, há, então, que definir sua gama de variação. Entretanto, como aponta Nunes (1999), esse ainda é um dos problemas do programa: "Até agora, as abordagens relativas aos traços fortes no PM não foram além de meras reformulações dos fenômenos de que se quer dar conta." (p. 13, minha tradução). Vamos deixar essa discussão em aberto.

Na próxima seção, procuraremos ilustrar alguns dos pontos que levantamos, mostrando sua relevância para a área de aquisição da linguagem, através de um fenômeno que se verifica na aquisição inicial de diferentes línguas: a assimetria entre sujeito e objeto, muito embora não se trate de um fenômeno que envolva a fixação de parâmetros.

4. Minimalismo e aquisição

Passo a apresentar uma proposta de aquisição da linguagem, dentro do Programa Minimalista, baseada em relações locais.12 12 A expressão "relações locais" é aqui tomada não como "localidade" no sentido de passo derivacional, mas como um espaço derivacional restrito. Agradeço a Jairo Nunes, comunicação pessoal, por chamar minha atenção sobre a distinção relevante. Para desenvolvê-la, parto principalmente do trabalho de Uriagereka (1999).

Nossa hipótese central é a de que a representação lingüística pela qual a criança se guia no processo de aquisição é a de unidade de comando, que constitui o output de uma derivação através da aplicação contínua de concatenar (Merge). A visão que sustenta conceitualmente esta hipótese é a de que o que quer que ocorra, durante o processo de aquisição, só deve contar com propriedades intrínsecas à Faculdade da Linguagem.

4.1. Múltiplos Spell-out

Vamos iniciar nossa discussão examinando rapidamente a proposta dos Múltiplos Spell-out de Uriagereka (1999). Sua proposta é que a operação de Spell-out possa ser aplicada mais do que uma vez, em uma derivação, contrapondo-se à proposta de Chomsky (1995), segundo a qual Spell-out ocorre uma única vez.

Uriagereka inicia sua discussão mostrando que o Axioma de Correspondência Linear ¾ LCA (do inglês, Linear Correspondence Axiom) ¾, em (5) abaixo, como proposto por Kayne (1994), apresenta uma condição formal sobre marcadores frasais.

A teoria de Kayne prevê que todas as línguas teriam a mesma ordem básica. O Axioma, então, é um forma de mapear os marcadores frasais em uma determinada ordem linear de terminais. Contudo, o LCA baseia-se ainda em um modelo que considera X-barra como um módulo; portanto, é uma condição sobre marcadores frasais.

Para Chomsky, no entanto, o LCA é uma condição que opera no componente fonológico, por conta da necessidade, imposta pela Forma Fonética, de linearização de uma estrutura. O que se deriva disso é que haveria uma parte formal e outra substantiva no axioma.14 14 Lembremos que no Programa Minimalista princípios substantivos são reduzidos a condições impostas pelas interfaces e princípios formais, a condições de economia do sistema. A substantiva exige a linearização de um objeto complexo associado por concatenar, e a formal deve especificar como mapear um conjunto desordenado de termos (associados por concatenar) numa seqüência interpretável em Forma Fonética. A pergunta é: mas como o mapeamento funciona? Isso é explícito na proposta de Kayne, contudo ela tem que ser adaptada a uma visão de Bare Phrase Structure (Chomsky, 1994). A proposta de Uriagereka é transformar o axioma em um teorema:

O importante é perceber que a relação primitiva aqui é comando, é ela que vai determinar precedência. Assim, o autor define um objeto formal como unidade de comando e mostra como sua proposta funcionaria a partir de um tal objeto. Uma unidade de comando seria o output de uma derivação através da aplicação contínua de concatenar a um mesmo objeto. Esse seria o caso em que elementos são concatenados a marcadores frasais já associados. No caso de concatenar se aplicar a dois objetos independentemente associados, não teríamos unidades de comando, ou melhor, teríamos várias unidades de comando.

Isso geraria uma função hierarquizada de concatenar, criando várias "cascatas" derivacionais que se transformariam posteriormente em objetos lineares. Sua proposta básica é que tais cascatas derivacionais possam ser enviadas para Spell-out em várias etapas. Esquematicamente, a situação seria a seguinte:

A pergunta que se coloca é "quantas vezes Spell-out deve se aplicar", para que o sistema ainda opere de forma otimizada? Segundo o autor, preferencialmente uma única vez, já que seria mais econômico; no entanto, isso vai depender da noção de unidade de comando. Se houver uma única unidade, basta aplicar Spell-out uma única vez, mas se houver mais de uma unidade de comando, então o acesso às interfaces será feito em cascatas derivacionais sucessivas, conseqüentemente através da múltipla aplicação de Spell-out, sempre que (e apenas quando) necessário.

Um ponto importante, nesse sentido, é que apenas dentro de uma mesma unidade de comando pode haver "comunicação" entre elementos. Isso vale, assim, para cada "cascata" derivacional. Dessa forma, em (7), o que quer que haja em YP não terá relação com XP até que esses elementos se concatenem; além disso, os elementos dentro de YP não podem entrar em nenhum tipo de relação com elementos dominados por X' depois que YP e X' forem concatenados.

A conseqüência dessa proposta é clara em relação ao LCA. Se imaginarmos que as unidades de comando se vão criando à medida que a derivação ocorre, precisamos apenas do passo de base (6a) do LCA para prever, de forma trivial, sua linearização. Porém, não se pode afirmar que estruturas com mais de uma unidade de comando não ocorram nas línguas ou que, ao ocorrerem, levem a derivação ao cancelamento. Aparentemente, isso obriga manter o passo (6b) do LCA. Contudo, ao propor que Spell-out possa se aplicar mais do que uma vez, sempre que uma unidade de comando for formada, pode-se abrir mão do segundo passo do Axioma.15 15 É a esse argumento que o autor se refere quando diz que sua proposta é transformar o axioma em um teorema.

Há duas possibilidades em termos do funcionamento dos múltiplos Spell-out: uma dita "conservadora" e outra "radical". No caso da primeira, haveria um procedimento para concatenar uma estrutura que tenha sido mandada para Spell-out com o resto da estrutura ainda no componente computacional, sob pena de não se chegar a um objeto único final linearizado. Prevê-se, assim, que os elementos que vão para Spell-out passam a se comportar como uma quasi-palavra e como tal podem continuar a se concatenar com o resto da estrutura, além de satisfazer o componente morfologia, que só aceita tais objetos.16 16 Estou usando o termo quasi-palavra por falta de melhor opção. Uriagereka (1999) fala em "giant lexical compound" (composto lexical gigante) (p. 6). No entanto, ao se transformarem em quasi-palavras, deixam de se comportar como marcadores frasais, uma vez que a linearização da estrutura destruiria sua "base frasal"; portanto, deixam de ser objetos que possam ser acessados pela sintaxe. São, contudo, interpretáveis; porém não se sujeitam mais a movimento e outros processos sintáticos. Em sua versão radical, prevê-se que cada unidade de comando enviada a Spell-out não se concatene mais ao restante da estrutura, sendo uma tarefa dos componentes da performance proceder à associação entre elas. Voltaremos a esse ponto logo abaixo.

Essa proposta depende da construção de estruturas em paralelo, aparentemente como forma de permitir a concatenação de elementos que venham a ocupar posição de não-complemento.17 17 Uma leitura possível desse sistema é que, se a relação for de complemento, há, automaticamente, uma única unidade de comando. Se não for, necessariamente a estrutura será engendrada através de construções paralelas, formando mais do que uma unidade de comando. Esse fenômeno tem sido bastante discutido (cf., dentre outros, Nunes (1995), Bobaljik (1995)). Trata-se de um corolário da Condição de Extensão (Extension Condition) proposta em Chomsky (1993, 1995), segundo a qual adições à estrutura sempre têm como alvo nódulos raízes. Talvez fosse importante lembrar que um nódulo raiz é um marcador frasal que não é uma sub-árvore (ou seja, parte de uma árvore) de qualquer outro marcador frasal.18 18 De acordo com a Condição de Extensão, se um objeto sintático K é alvo ou de Concatenar ou de Mover, o objeto sintático resultante deve incluir K. Formalmente teríamos: "Æ deve ser externo ao marcador frasal objetivado K [i.e., k]. Assim, Transformações Generalizadas e Mova-a estendem K [i.e., k] em K* [i.e., g] que inclui K [i.e., k] como uma parte." (Chomsky, 1993: 22, minha tradução)

"A construção de estruturas núcleo-complemento obedece de forma direta à Condição de Extensão. Mas adjuntos complexos devem ser construídos separadamente, e então ser concatenados à estrutura já formada. O mesmo se aplica a sujeitos complexos (não-singleton)." (Castillo, Drury & Grohmann, 1999:10, minha tradução)

Uma diferença entre as duas versões da proposta, ainda não apontada, é que na radical, segundo o autor, não é preciso desenvolver nenhum tipo de procedimento que leve em consideração a estrutura interna dos constituintes que chegam a Spell-out, pois nesse caso eles simplesmente não podem mais ser acessados pela sintaxe por terem sido enviados para os componentes de performance. Estamos supondo, nesse caso, que a linearização da estrutura se deva somente à relação de c-comando, garantida pelo passe de base do LCA.

Aparentemente, o que se está fazendo aqui é simplesmente adiar o problema, ou, ainda, jogá-lo para outro domínio. Entretanto, há duas previsões que decorrem dessa proposta; talvez a primeira de forma mais direta e a segunda menos, pois teria que contar como evidência para o modelo. A primeira é que unidades de comando deveriam espelhar domínios de fenômenos típicos de Forma Lógica. Uriagereka mostra várias evidências de que isso ocorre.19 19 Apenas a título de exemplo, tomemos as sentenças abaixo: (i) John i upsets himself i. (João se chateia) (ii) * This picture of John i upsets himself i. (Essa foto de João se chateia) Considerando vinculação como uma condição em Forma Lógica, unidades de comando dariam conta da distinção entre (i) e (ii). Na primeira pode haver vinculação entre a anáfora e o sujeito porque ambos estão na mesma unidade de comando. Na segunda, porém, [this picture of John] é uma unidade de comando distinta de [upsets himself], o que barra a vinculação anafórica. A segunda é que se componentes de performance são capazes, de alguma forma, de lidar com as unidades de comando que são enviadas para eles separadamente, então unidades de comando devem ter algum peso no processamento de linguagem. Weinberg (1999) mostra que isso ocorre. Voltaremos à sua proposta posteriormente.

4.2. Múltiplos Spell-out , c-comando e aquisição

Normalmente se assume que a GU não lida com o input de forma aleatória e indiscriminada. Se fosse esse o caso, o espaço de busca, para a criança, seria infinito e talvez ela nunca atingisse Ss. As propostas que há a esse respeito traduzem-se normalmente em algoritmos que supostamente estariam em GU e que, de alguma forma, guiariam a criança no processo de aquisição.

Tomemos, apenas pelo sabor do argumento, algumas delas sobre a natureza do input. Lightfoot (1989, 1991), por exemplo, propõe que o dado acionador seja de grau-0. Haveria, então, algum tipo de algoritmo em GU indicando para a criança que dados tomar do input como intake (White, 1981). Penner & Weissenborn (1994) pressupõem a existência de dados acionadores de duas espécies distintas: (a) dados canônicos (dados que apresentam assimetria), por exemplo: oração subordinada/principal; (b) dados não-canônicos (de natureza paradigmática), por exemplo, morfologia verbal. Há, ainda, modelos de aquisição baseados em "pistas" (cue-based) que, grosso modo, poderiam ser resumidos da seguinte forma: para saber se sua língua é de sujeito nulo, olhe para a natureza da morfologia verbal; para saber se sua língua permite objeto nulo, olhe para a natureza do DP (se referencial ou não, além de outros detalhes); para saber se sua língua tem movimento de verbo, olhe para respostas curtas; para saber a posição da negação, olhe para a posição de verbos finitos; etc (cf. Lightfoot, 1998, por exemplo). 20 20 Estou apenas tentando ilustrar o fenômeno. Obviamente há propostas bastante interessantes na literatura a esse respeito. Não tive também a preocupação em creditar a autoria das propostas ou sua atualidade. Como disse, a idéia é apenas levantar a questão.

Seria importante, aqui, chamar a atenção para o fato de que as propostas delineadas normalmente usam artifícios, digamos, externos ao sistema como algoritmo. São descrições da Língua-E e não algoritmos intrínsecos à Faculdade da Linguagem, são artifícios que descrevem propriedades ou construções particulares entre as línguas e não mecanismos gerais do funcionamento do sistema computacional. Por que, então, não considerar que o mapeamento de S0 a Ss faz uso apenas daquilo que se considera uma propriedade intrínseca da Faculdade da Linguagem?

Como vimos na discussão da proposta de Uriagereka (1999), acima, uma dessas propriedades é c-comando.

Sportiche (1995) apresenta uma proposta, para tratar um conjunto bastante extenso de dependências sintáticas, cujo cerne está também na relação de comando. O autor inventaria onze possíveis relações sintáticas, como movimento, ligação, itens de polaridade, quantificadores etc.

"Quantos primitivos são necessários para descrever essas relações? Se essa amostragem é significativa, ela sugere que o conjunto é bastante restrito. Deixando processos de concordância de lado, que analiso como instâncias da relação entre especificador e núcleo, quaisquer dessas dependências D obedecem a duas propriedades:

(i) a. D é uma relação binária D(x, y)

b. Um dos dois {x, y} deve comandar o outro

Onde (ib) é definido em termos de algum primitivo único e apropriado de "comando"." (Sportiche, 1995:366-7, minha tradução)

Pressupõe-se que essas sejam propriedades intrínsecas do sistema computacional conceitualmente motivadas, na medida em que dão conta de captar com uma certa elegância uma propriedade que parece ser fundamental nas línguas naturais. Para que o sistema opere com elas, deve apenas reconhecer um objeto sintático, algo também já previsto na Faculdade da Linguagem.

Nossa hipótese, então, é que a criança usa e abusa dessa propriedade. Como veremos a seguir, esse fenômeno parece ter um reflexo na produção infantil inicial e não deve ser absurdo supor, ainda, que a criança esteja se valendo dessa propriedade para o tratamento do input também. Isso significa admitir que a criança esteja privilegiando relações de c-comando, através das unidades de comando, por exemplo, também em seu processamento lingüístico. Weinberg (1999) mostra que essa hipótese não apenas é plausível, como oferece explicação para fenômenos complexos de processamento em inglês.

O que estamos propondo é que, para além da previsão dos parâmetros ¾ o que já não é pouco, há que se reconhecer ¾, não é preciso prever algoritmos extraordinários em GU. A criança já tem a informação básica de que necessita para poder adquirir uma língua: a Faculdade da Linguagem "sabe" o que é um objeto sintático, o sistema funciona estabelecendo unidades de comando e operando sobre elas. A criança apenas mobiliza aquilo que já está dado. E, ao longo desse processo, aciona os valores paramétricos relevantes para a sua gramática-alvo. No entanto, não vamos aqui tratar de acionamento paramétrico, como dissemos anteriormente. Queremos, se possível, mostrar o papel das unidades de comando na aquisição da linguagem.

A hipótese subjacente que estaremos assumindo é a continuísta (cf., dentre outros, Clahsen, 1989), mais especificamente a da competência plena. Em primeiro lugar, porque parece menos estipulativa, na medida em que considera o arcabouço proposto para a Faculdade da Linguagem como presente e atuante desde sempre. Em segundo, porque representa com mais propriedade a noção de seleção: adquirir uma língua é "limitar" opções.21 21 Contrapomos a hipótese continuísta à maturacional, segundo a qual determinados princípios "amadurecem" paulatinamente durante o processo de aquisição. Para uma discussão detalhada acerca das duas hipóteses e suas diferentes implementações, cf. Lopes (1999). Com ela, no entanto, somos obrigados a importar também as explicações de ordem externa para as discrepâncias entre a fala do adulto e a da criança ¾ são problemas relativos aos componentes de performance, como falta de memória, por exemplo.

Sobretudo, o que se quer evitar com o pressuposto acima é que o cálculo de economia do sistema seja usado como metáfora para a gramática da criança, considerando-a mais econômica do que a do adulto. O cálculo de economia aplica-se no decorrer de uma derivação particular. Não poderia ser usado como medida para comparar gramáticas, sob pena de acabarmos admitindo que, para determinados fenômenos, determinadas línguas são mais econômicas que outras. Assim, uma língua que exige movimento de verbo para checar um traço-V forte em T seria menos econômica do que uma língua que não exige esse movimento na sintaxe visível? Na mesma linha, então, não se poderia comparar um estágio da gramática da criança em que, supostamente, ela não demonstre um movimento em sintaxe visível como mais econômica do que o estágio em que esse traço da língua surja. Se fosse esse o caso, teria que haver outros princípios de economia no sistema que garantissem a comparação entre gramáticas. Há, entretanto, propostas que consideram as gramáticas infantis como mais econômicas do que a gramática-alvo a ser adquirida (cf. Wexler, 1992 e Roberts, 1997, este último tratando de línguas crioulas). É contra uma tal visão que nos colocamos.

Se há algum uso de princípios de economia operando de forma diversa daquela prevista para o funcionamento do sistema computacional, então a previsão talvez fosse justamente a inversa. Crianças pequenas nem sempre ¾ dada a mesma Numeração, para um conjunto de referência ¾ escolhem o caminho mais econômico, podendo se aproximar mais da Forma Lógica, portanto evidenciando movimentos que de outra feita seriam feitos no componente encoberto, do que da Forma Fonética, como vimos na discussão de van Kampen (1997). Mas isso não implica comparar gramáticas e talvez seja, como dissemos acima, um processo natural de seleção de sua gramática, de afunilamento das opções. Como pretendemos mostrar, contudo, no mais das vezes a criança parece obedecer aos princípios de economia do sistema computacional.

Resumindo, então, nossa hipótese é que a criança se valha de unidades de comando em seu processo de aquisição. E isso se verifica em sua produção lingüística e, possivelmente, no tratamento que dá ao input que recebe. Por ser uma propriedade da Faculdade da Linguagem, não é preciso que se formulem algoritmos de nenhuma natureza, para além da previsão da variação paramétrica em GU. Em sua essência, essa proposta parece ser conceitualmente minimalista.

Antes de examinarmos algumas evidências, lembremos brevemente a discussão sobre os Múltiplos Spell-outs. Como vimos, a proposta de Uriagereka (1999) é que sempre que possível, ou seja, sempre que houver apenas uma unidade de comando, somente uma aplicação de Spell-out deve ser feita. Quando isso não for possível, no entanto, que sejam feitas mais aplicações, contudo apenas o número suficiente de vezes para que a derivação venha a convergir. Esse comportamento do sistema é transparente, já que guiado por condições de economia.

4.3. A assimetria sujeito/objeto

Um dos tópicos mais explorados na literatura recente sobre aquisição no quadro de Princípios & Parâmetros é o do sujeito nulo e da assimetria que se percebe na produção da fala infantil entre sujeito e objeto. Independentemente da língua que se examine, essa assimetria parece sempre existir: crianças produzem muito mais sujeito nulo do que objeto nulo.

Esse tópico tem sido inclusive objeto de disputa entre maturacionistas (Hyams & Wexler, 1993) e continuístas (Bloom, 1993), os primeiros motivando as diferenças encontradas em função da falta de algum conhecimento lingüístico e o segundo oferecendo explicações em termos de processamento lingüístico. A grande surpresa, entretanto, como apontamos acima, é que a queda de sujeito parece ser sempre mais acentuada do que a queda do objeto, mesmo quando a língua sendo adquirida é uma língua que permite objeto nulo (como o chinês e o português do Brasil, por exemplo).

Bloom (1993) chega a afirmar que: "esses resultados sugerem que a assimetria entre sujeitos e objetos na fala de crianças adquirindo inglês não pode se dar inteiramente em função de fatores gramaticais". Oferece, então, uma explicação pragmática: sujeitos normalmente trazem informação "dada", enquanto objetos trazem informação "nova". O que pretendemos mostrar é que parece haver, sim, um "fator gramatical" que pode explicar a assimetria.

Vejamos alguns resultados desses estudos. Os dados de Hyams & Wexler referem-se a duas crianças, adquirindo inglês, em uma faixa etária que varia de 1;6 a 3;0 anos. 23 23 Esta tabela baseia-se na tabela 1 de Hyams & Wexler (p. 426). Os autores não explicitam as faixas etárias consideradas em cada um dos dois períodos.

Um outro fator controlado por Hyams & Wexler é a proporção entre sujeitos lexicais e sujeitos pronominais realizados. Segundo os autores, essa proporção é de 1:2, ou seja, um terço dos sujeitos realizados são pronominais para uma das crianças, enquanto a outra realiza foneticamente em torno de 80% de sujeitos pronominais. Infelizmente os autores não explicitam o que estão considerando como sujeitos lexicais, se há apenas um nome ou se se trata de um DP pleno.24 24 Doravante estaremos usando o termo DP pleno para qualquer instância de nome + "algum material", como determinante, por exemplo.

Valian (1991) mostra que a porcentagem de sujeitos realizados por pronomes tende a ser bastante alta em crianças adquirindo inglês, se comparadas com as crianças adquirindo italiano. Segundo a autora, a média geral encontrada para o inglês fica acima dos 80%, enquanto que para o italiano a média gira em torno de 30%. Bloom (1990) encontrou uma taxa de 91% de sujeitos pronominais preenchidos em uma das crianças que analisou.

Wang et alii (1992) mostram porcentagens semelhantes às encontradas por Valian e Bloom para o inglês. Seu estudo compara a aquisição de inglês e chinês, considerando uma faixa etária entre 2 e 4 anos. Os autores mostram que as crianças adquirindo chinês apresentam mais sujeitos nulos do que as americanas. A porcentagem para o chinês varia de quase 60%, para a criança com 2 anos, a 40% para a de 4 anos. Já a criança americana apresenta aproximadamente 25% de sujeitos nulos em torno dos 2 anos, caindo para menos de 10% aos 3;4 anos. Em relação aos objetos nulos, Wang et alii mostram que as crianças chinesas apresentam uma média de 20% ¾ em todas as idades observadas ¾, enquanto as americanas começam com uma média de menos de 10%, aos 2 anos, caindo para quase zero, aos 3 anos.

Como veremos adiante, nosso interesse está não apenas na assimetria sujeito-objeto e no argumento nulo, mas nas realizações fonéticas desses argumentos: se quando realizado, um argumento o é apenas por pronomes ou também por um DP. No caso de DP, nosso interesse, como deverá ficar claro mais adiante, é saber se é realizado como DP pleno ou apenas por um nome ¾ o que passaremos a chamar de argumento singleton.25 25 Estamos evitando o uso do termo "núcleo" para os casos em que a realização de um constituinte se faz apenas pelo nome, pois o termo poderia levar à interpretação equivocada de que há necessariamente uma projeção máxima para esse núcleo. Assumimos a noção de "estrutura despojada".

Em Lopes (1999), fizemos uma pequena análise de dados, para o inglês, com base nas transcrições do banco de dados CHILDES (MacWhinney & Snow, 1985), considerando uma variação etária entre 2;3 a 2;9 anos.26 26 Arquivos Valian, 06a, 10a, 08a, 09b e 19b. As faixas etárias foram divididas cronologicamente entre as idades consideradas, com um espaço aproximado de um mês entre cada uma. Sabemos que essa opção é metodologicamente problemática, porém é o que normalmente se encontra na literatura da área. Não cremos haver uma solução adequada para esse problema, pois ou se faz uma divisão cronológica ou se consideram determinadas faixas a partir de mudanças observadas a posteriori na produção da criança. Essa faixa foi dividida em cinco períodos, pois queríamos observar se haveria alguma mudança no padrão de preenchimento dos argumentos, embora saibamos que a variação considerada é muito pequena para ser significativa. Sabemos também que a amostra não é significativa, da perspectiva quantitativa, mas a análise visava apenas a refinar os resultados encontrados nos autores discutidos acima.

Cada arquivo foi analisado do começo ao fim desconsiderando-se, entretanto, quaisquer instâncias de produção em que houvesse repetições tanto da fala do adulto, quanto repetições na própria fala da criança. Obviamente só foram consideradas as estruturas com verbo, o que limita bastante os dados, pois em várias circunstâncias a criança é colocada numa posição em que arrola DPs soltos em resposta a alguma pergunta formulada pelo adulto:

Consideramos, então, como possibilidades para os argumentos: o nulo, pronome, nome singleton, DP pleno.27 27 Como nosso interesse não se concentra nos sujeitos nulos, não controlamos o contexto em que ocorriam. Assim, sob a rubrica de nulos estão tanto casos de imperativos, por exemplo, quanto casos como (8a). Chegamos aos seguintes resultados:

Nossos percentuais de nulo estão mais elevados do que aqueles encontrados pelos autores discutidos acima, com exceção de Hyams & Wexler que apresentam uma taxa de 48% de nulos para o primeiro período. Talvez isso se deva ao fato de considerarem uma faixa etária mais baixa (1;6) do que a nossa. Podemos observar que a grande preferência é mesmo para o preenchimento do sujeito com pronome. Os singletons são poucos e começam a aparecer aparentemente de forma meio aleatória. Mas gostaríamos de chamar a atenção para os DPs plenos. Praticamente inexistem até a última faixa etária considerada (2;9). Mesmo aí, o percentual ainda é baixo (14%), embora bem significativo quando contraposto ao uso de DPs nas demais faixas e mesmo se levarmos em consideração a discrepância no número de dados ¾ parece ser proporcionalmente relevante.

Para facilitar essa comparação, vamos agrupar as formas alternativas de realização de sujeito (nulo, pronome ou singleton) e contrapor esse grupo à realização do sujeito por um DP pleno:

Como vemos pela Tabela 3, até a quarta faixa etária a criança praticamente não apresenta DPs plenos, passando na última faixa a uma realização mais significativa. Talvez pudéssemos hipotetizar que a partir dessa faixa a criança passe a realizar cada vez mais DPs plenos em posição de sujeito.

Vamos agora comparar esses resultados aos encontrados para o argumento interno, tendo sido consideradas as mesmas possibilidades de realização.28 28 As diferenças nos números absolutos de dados analisados por faixa etária devem-se, obviamente, ao fato de que nem todo verbo seleciona um argumento interno. Apenas sentenças com verbos transitivos foram consideradas aqui.

O quadro para argumento interno é completamente distinto daquele do sujeito. Os casos de nulos são raros e o pronome deixa de ser a opção privilegiada pela criança, independentemente da faixa etária considerada. Há, em alguns casos, um equilíbrio entre pronome e singletons, de um lado, contra os DPs plenos, de outro, como se pode ver com mais clareza na Tabela 5, abaixo. De qualquer forma, a tendência de realização do argumento interno é maior para o DP pleno e este já aparece desde a primeira faixa considerada.

Novamente, para facilitar essa comparação, vamos agrupar as formas alternativas de realização do argumento interno (nulo, pronome ou singleton) e contrapor esse grupo à realização por um DP pleno, como fizemos com o sujeito:

O que gostaríamos de ressaltar é que, para além da assimetria em termos de argumentos nulos para o sujeito e para o objeto, talvez a assimetria mais interessante esteja na realização de cada um como DP. Apenas para que possamos ter um quadro mais claro do que ocorre, vamos juntar essas informações:

Embora se verifique alguma oscilação no uso de DPs plenos como argumento interno, os percentuais são altos e é clara a diferença quando comparamos ao uso dos DPs em posição de sujeito. Esse quadro poderia ser ilustrado com exemplos como:

em que o sujeito é realizado por um nulo (em a), um pronome (em b) e um singleton (em c), enquanto em todos os casos o argumento interno é realizado por um DP pleno.

Quadro semelhante a este parece ser encontrado também para o Português do Brasil.

Simões (1997) faz uma análise quantitativa de dados de aquisição com um sujeito na faixa etária entre 2;4:14 a 3;0:30, tomando a realização do sujeito e do objeto. Alguns de seus resultados são bastante interessantes, quando comparados sujeito e objeto. Ela nos mostra, por exemplo, que seu sujeito (doravante, A.), tomando-se a média das faixas etárias, apresenta 46,2% de sujeitos referenciais nulos, 6,0% de expletivos nulos, 29,6% de pronomes pessoais, 8,0% de pronomes demonstrativos e 10,5% de DPs em posição de sujeito. Excluídos os casos de expletivos nulos, que jamais poderiam ser realizados por um DP, se agrupássemos os nulos e pronominais contra os DPs teríamos 83,5% contra os 10,5% de DPs.

Já quando comparamos esses resultados com os de realização de objeto, verifica-se que A. usa, na média de todas as faixas consideradas pela autora, 48,4% de objetos nulos, 8,7% de demonstrativos, 4,3% de pronomes pessoais e 38,6% de objetos lexicais. Podemos perceber novamente uma grande diferença na porcentagem de DPs realizados como sujeitos ou como complementos: 10,5% para os primeiros contra 38,6% para os segundos. Uma outra observação relevante é que não há um aumento progressivo do uso dos DPs em posição de complemento em função da faixa etária. Já na primeira faixa que Simões examina, há 51,7% de casos de DPs.

O que se constata, então, é que aparecem muito mais DPs em posição de complemento do que em posição de especificador. Outra observação importante é que Simões afirma que A., desde a primeira gravação, já "projeta" DPs, contendo artigo ou numerais. O interessante é que os exemplos que a autora dá são sempre ou de DPs isolados (como quando a criança responde uma pergunta apenas com o referente) ou de DPs em posição de complemento. Nada se pode afirmar de definitivo, contudo, quanto a esses elementos. Entretanto, acreditamos que muitos dos casos do que a autora trata como DP, em posição de sujeito, são, de fato, instâncias de singleton.

Como Kato (1996, 1997, 1999) nos tem mostrado, a criança pequena quando começa a realizar o sujeito lexicalmente, tende a fazê-lo através do uso de nomes próprios ou de singletons, como podemos verificar através dos exemplos que a autora compila (1999: 32):30 30 O que a autora quer mostrar é algo diferente. Segundo Kato, as crianças usam o nome próprio, para as três pessoas do discurso, no lugar de pronomes pessoais.

Se analisarmos esse fenômeno através de unidades de comando, vemos que há uma explicação direta para ele. DPs complexos têm que ser engendrados paralelamente em função de seus especificadores. Contudo, DPs complementos encontram-se sempre na mesma unidade de comando do verbo que os domina, podendo haver, então, uma única aplicação de Spell-out. Já no caso de sujeitos, não. São especificadores da estrutura e, assim, formam uma unidade de comando distinta, forçando aplicações múltiplas de Spell-out, segundo a proposta de Uriagereka (1999).

Por que, então, podem aparecer pronomes e nomes próprios, como sujeito, nessa mesma fase? Porque esses elementos são itens lexicais isolados e, como tal, podem ser diretamente engendrados na derivação, a partir de Seleção na Numeração, sem que haja a necessidade de formar um marcador frasal paralelo. Com isso, ficam na mesma unidade de comando e, portanto, demandam apenas uma aplicação de Spell-out.

5. Algumas conseqüências a considerar

Há alguns pontos que valem ser ressaltados quanto ao fenômeno que discutimos na seção anterior. Em primeiro lugar, ele envolve um "descolamento" entre aquilo que a criança está recebendo como input e o que produz. Adultos aparentemente produzem DPs plenos em posição de especificador de uma estrutura. E, no entanto, pelo menos inicialmente, a criança não se deixa abalar por eles. Nem é o caso, também, que não os produza. A criança desde cedo, como aponta Simões (1997) já apresenta DPs complexos; porém, como vimos, com restrições. Há, então, que se imaginar que um princípio forte esteja atuando nesse sentido: a restrição imposta pelas unidades de comando e, portanto, a relação de c-comando entre elementos engendrados numa estrutura.

O que não explicamos até agora é por que a criança mudaria de estratégia ao longo do processo de aquisição; ou seja, estamos admitindo que a criança privilegie as unidades de comando e, preferencialmente, uma única aplicação de Spell-out. Por que, então, isso deixa de se verificar?

Assumiremos como ponto de partida a versão radical do modelo de Uriagereka. Se bem nos lembrarmos dessa parte da proposta, prevê-se que não seja preciso desenvolver nenhum tipo de procedimento que leve em consideração a estrutura interna dos constituintes que chegam a Spell-out, pois nesse caso eles simplesmente não podem mais ser acessados pela sintaxe por terem sido enviados para os componentes de performance. Supõe-se, nesse caso, que a linearização da estrutura se deva somente à relação de c-comando, garantida pelo passo de base do Axioma de Correspondência Linear (LCA).

Assumimos, assim, como hipótese, que a diferença está na capacidade de processamento da criança e do adulto: quando pequena ela apresenta limitações de produção, como memória, por exemplo. Nesse sentido, ela não disporia de um dispositivo de memória suficientemente amplo para acomodar as diversas unidade de comando que são enviadas para o componente de performance, privilegiando uma unidade de comando de cada vez. Ou, ainda, carregando o dispositivo de memória unidade por unidade e empregando essas unidades paulatinamente.31 31 Um dos pareceristas aponta que seria importante tomar alguma medida independente de capacidade de processamento que permita comparar diferentes estados de desenvolvimento, assim como o desempenho da criança em relação ao adulto. Infelizmente, não temos como fazê-lo aqui, embora esse seja um tópico de nossa pesquisa atual.

Somos, portanto, obrigados a assumir com Bloom (1990, 1993) que a capacidade de processamento da criança seja crucial como explicação para as assimetrias observadas na produção de sujeito e objeto. Mas não precisamos assumir, como ele, que isso se deva a fatores pragmáticos. Há, sim, fatores gramaticais que podem dar conta dessa distinção neste e em outros fenômenos.32 32 Podemos considerar, aqui, que haja uma correlação otimizada entre Forma Fonética e Forma Lógica que sirva, de algum modo, como mais evidência da importância de c-comando para a criança. Zubizarreta (1998) (apud Kato, 2000) mostra que o foco não-marcado ¾ neutro ¾ em diferentes línguas tende a se dar em posições mais encaixadas na estrutura, portanto, posições c-comandadas. Assim, haveria uma correlação entre prosódia (PF) e foco (LF), em que o foco é normalmente uma informação nova. É importante ressaltar que Zubizarreta desenvolve sua teoria sobre prosódia e foco com base em uma revisão crítica de trabalho similar de Cinque (1993).

No entanto, ao assumirmos que a produção infantil esteja limitada a condições de processamento, decorre naturalmente que assumamos que sua compreensão da linguagem também seja afetada pelos mesmos princípios. Além, obviamente, de assumirmos que trate o input da mesma forma, pressupondo, com Kato (1994), que representação lingüística e tratamento do input estão sujeitos aos mesmos princípios. Assim, seria natural pressupor que a criança pequena tem menos dificuldade em processar DPs complexos em posição de complemento do que em posição de especificador, por exemplo. Ou que teria menos dificuldade em processar elementos c-comandados do que o contrário. Infelizmente não temos como saber, porque isso demandaria pesquisas experimentais. Contudo, parece que esta é uma hipótese plausível, dado que Weinberg (1999) mostra que as unidades de comando são operantes no processamento sentencial do adulto em inglês.

A autora desenvolve uma teoria de reanálise e processamento preferencial a partir do quadro do PM. Segundo ela, não é necessário que se prevejam princípios independentes de processamento, pois a preferência que se verifica na compreensão de algumas estruturas pode ser explicada através dos princípios de economia atuantes no sistema computacional. Para que sua teoria se torne mais explicativa, a autora lança mão do modelo de Múltiplos Spell-out, especialmente como forma de dar conta da preferência por right-branching e do fenômeno da reanálise, como vemos em (12):

Nesse caso, a preferência seria sobre o fechamento do constituinte "his sister" como complemento de "believed" em uma única unidade de comando. Dado que há mais material para ser analisado (em 12b), haveria uma reanálise da sentença a partir da divisão da mesma em novas unidades de comando. Assim, forma-se uma unidade de comando "his sister" em paralelo, que é concatenada a "a genius" para receber papel temático e posteriormente é alçada para a posição de especificador da estrutura encaixada. Só então essas unidades de comando são concatenadas a "believed".

Para finalizar, talvez seja relevante notar que nossa hipótese não dá conta de fenômenos paramétricos. Assim, não somos capazes de explicar, através dela, como a criança aciona o parâmetro de sujeito nulo, se for esse o caso para sua língua, por exemplo. Podemos prever que ela use categorias vazias em posição de sujeito e damos conta do alto uso de pronomes e singletons, mas não damos conta da diferença entre o inglês e o italiano no que tange aos valores paramétricos associados a essas línguas. Também não nos preocupamos com as características da categoria vazia que a criança eventualmente use nos estágios iniciais da aquisição.

6. Palavras finais

Há muita pesquisa ainda por fazer para que se possa afirmar algo conclusivo sobre a hipótese proposta. Dados translingüísticos terão que ser examinados para que se possa sustentar que dê conta da variação entre as línguas, explicando como a criança distingue uma gramática de outra, ou seja, como ela chega a uma gramática particular a partir de GU.

Esperamos, contudo, ao menos ter motivado conceitualmente a importância da hipótese, além de ter mostrado sua plausibilidade teórica e, possivelmente, empírica.

Mas para além disso, esperamos ter conseguido tocar no que inicialmente nos propúnhamos: o PM pode trazer uma lufada de ar fresco para a área de aquisição da linguagem. Nos modelos anteriores, atribuía-se uma grande centralidade à sintaxe e nem sempre as categorias e primitivos propostos para acomodá-la eram motivados a não ser internamente à própria teoria, o que acabava gerando um problema para a área de aquisição. Isso não quer dizer que a sintaxe seja "mínima" no PM, mas aquilo que se propõe para dela dar conta tem que ser conceitualmente motivado. E por "conceitualmente motivado" entende-se sua relação com os componentes de performance e as restrições que estes ditam às interfaces.

Mesmo que o minimalismo ontológico se mostre inatingível, o metodológico pode ser uma boa ferramenta dissipadora da tensão entre adequação descritiva e explicativa. No nosso caso, ao pressupor que um princípio essencial da Faculdade da Linguagem tenha um papel definitivo no processo de aquisição, um mesmo princípio que parece atuar de forma tão ampla na sintaxe das línguas naturais, podem ambas ¾ adequação descritiva e explicativa ¾ aproximar-se finalmente.

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  • ZUBIZARRETA, M.L. (1998) Prosody, focus and word order Cambridge, Mass.: MIT Press.
  • *
    Agradeço aos dois pareceristas anônimos pelas contribuições. Obviamente, quaisquer problemas remanescentes são de minha responsabilidade.
  • 1
    Como o Programa Minimalista também é considerado como pertencente ao arcabouço dos Princípios & Parâmetros (P&P), utilizaremos a nomenclatura Regência & Ligação para distinguir um modelo do outro. Quando nos referirmos a P&P, estaremos subtendendo os dois modelos: Regência & Ligação e Programa Minimalista.
  • 2
    Assumimos aqui a visão mais generalizada de que os sistemas de
    performance são externos à Faculdade da Linguagem, embora ainda pouco se saiba sobre eles. Chomsky (1998: 2) afirma: "Uma pressuposição geral é que os sistemas de
    performance são externos à Faculdade da Linguagem. É uma pressuposição simplificadora, embora não possa ser considerada, de forma definitiva, como falsa; conquanto possa ser, talvez de maneira importante." (minha tradução)
    Agradeço a Sérgio Menuzzi, comunicação pessoal, ter chamado minha atenção sobre isso.
  • 3
    A convergência em Forma Fonética e Forma Lógica é uma condição necessária, mas não suficiente para a convergência de estruturas, já que condições de economia da derivação também devem ser satisfeitas.
  • 4
    A discussão sobre esse fenômeno não é nova. Deve-se a Pollock (1989). Nós a utilizamos aqui apenas para ilustrar o ponto em questão.
  • 5
    Em
    Lectures on Dynamic Syntax, mini-curso apresentado durante o III Encontro do CelSul, Porto Alegre.
  • 6
    Estamos usando repetidamente o termo "condições externas" para
    bare output conditions: "/.../ 'saída' (
    output) porque são condições sobre os níveis de interface, portanto 'saída' tendo em vista uma abordagem derivacional; 'despojadas' (
    bare) para distingui-las de filtros, restrições e outros dispositivos do próprio sistema computacional." (Chomsky, 1998: 10, n. 16, minha tradução)
  • 7
    Hornstein (1995) argumenta contra essa idéia de "transparência" atribuída a Forma Fonética. Chomsky tem que assumi-la por considerar Forma Lógica como invariante dentre as línguas.
  • 8
    A autora não assume a posição de que Forma Lógica seja completamente uniforme entre as línguas.
  • 9
    Essa concepção vai completamente contra o Princípio do Subconjunto (Berwick, 1982). Para van Kampen o processo é o inverso: de um super-conjunto para um subconjunto dentre os possíveis.
  • 10
    O holandês não permite concordância negativa.
  • 11
    Chomsky (1998: 22) formula a "especificação de uma língua particular" de forma semelhante:
    "(I) Selecione [T] dentre o conjunto universal de traços T;
    (II) Selecione LEX, agrupando os traços de [T]", onde LEX é um item lexical. (minha tradução)
  • 12
    A expressão "relações locais" é aqui tomada não como "localidade" no sentido de passo derivacional, mas como um
    espaço derivacional restrito. Agradeço a Jairo Nunes, comunicação pessoal, por chamar minha atenção sobre a distinção relevante.
  • 13
    Abaixo as definições relevantes:
    (i) C-comando assimétrico:
    a c-comanda assimetricamente b sse a c-comanda b e b não c-comanda a.
    (ii) C-comando:
    a c-comanda b sse a e b são categorias e a exclui b e toda categoria que domina a domina b.
  • 14
    Lembremos que no Programa Minimalista princípios substantivos são reduzidos a condições impostas pelas interfaces e princípios formais, a condições de economia do sistema.
  • 15
    É a esse argumento que o autor se refere quando diz que sua proposta é transformar o axioma em um teorema.
  • 16
    Estou usando o termo
    quasi-palavra por falta de melhor opção. Uriagereka (1999) fala em "giant lexical compound" (composto lexical gigante) (p. 6).
  • 17
    Uma leitura possível desse sistema é que, se a relação for de complemento, há, automaticamente, uma única unidade de comando. Se não for, necessariamente a estrutura será engendrada através de construções paralelas, formando mais do que uma unidade de comando.
  • 18
    De acordo com a Condição de Extensão, se um objeto sintático K é alvo ou de Concatenar ou de Mover, o objeto sintático resultante deve incluir K. Formalmente teríamos:
    "Æ deve ser externo ao marcador frasal objetivado K [i.e., k]. Assim, Transformações Generalizadas e Mova-a estendem K [i.e., k] em K* [i.e., g] que inclui K [i.e., k] como uma parte." (Chomsky, 1993: 22, minha tradução)
  • 19
    Apenas a título de exemplo, tomemos as sentenças abaixo:
    (i) John
    i upsets himself
    i. (João se chateia)
    (ii) * This picture of John
    i upsets himself
    i. (Essa foto de João se chateia)
    Considerando vinculação como uma condição em Forma Lógica, unidades de comando dariam conta da distinção entre (i) e (ii). Na primeira pode haver vinculação entre a anáfora e o sujeito porque ambos estão na mesma unidade de comando. Na segunda, porém, [this picture of John] é uma unidade de comando distinta de [upsets himself], o que barra a vinculação anafórica.
  • 20
    Estou apenas tentando ilustrar o fenômeno. Obviamente há propostas bastante interessantes na literatura a esse respeito. Não tive também a preocupação em creditar a autoria das propostas ou sua atualidade. Como disse, a idéia é apenas levantar a questão.
  • 21
    Contrapomos a hipótese continuísta à maturacional, segundo a qual determinados princípios "amadurecem" paulatinamente durante o processo de aquisição. Para uma discussão detalhada acerca das duas hipóteses e suas diferentes implementações, cf. Lopes (1999).
  • 22
    Segundo os autores, a criança se refere a uma fotografia de um homem fazendo bolinhos. (O exemplo é de Bloom, 1970)
  • 23
    Esta tabela baseia-se na tabela 1 de Hyams & Wexler (p. 426). Os autores não explicitam as faixas etárias consideradas em cada um dos dois períodos.
  • 24
    Doravante estaremos usando o termo
    DP pleno para qualquer instância de nome + "algum material", como determinante, por exemplo.
  • 25
    Estamos evitando o uso do termo "núcleo" para os casos em que a realização de um constituinte se faz apenas pelo nome, pois o termo poderia levar à interpretação equivocada de que há necessariamente uma projeção máxima para esse núcleo. Assumimos a noção de "estrutura despojada".
  • 26
    Arquivos
    Valian, 06a, 10a, 08a, 09b e 19b. As faixas etárias foram divididas cronologicamente entre as idades consideradas, com um espaço aproximado de um mês entre cada uma. Sabemos que essa opção é metodologicamente problemática, porém é o que normalmente se encontra na literatura da área. Não cremos haver uma solução adequada para esse problema, pois ou se faz uma divisão cronológica ou se consideram determinadas faixas a partir de mudanças observadas a posteriori na produção da criança.
  • 27
    Como nosso interesse não se concentra nos sujeitos nulos, não controlamos o contexto em que ocorriam. Assim, sob a rubrica de nulos estão tanto casos de imperativos, por exemplo, quanto casos como (8a).
  • 28
    As diferenças nos números absolutos de dados analisados por faixa etária devem-se, obviamente, ao fato de que nem todo verbo seleciona um argumento interno. Apenas sentenças com verbos transitivos foram consideradas aqui.
  • 29
    É importante frisar que "mamãe" não está sendo usado como vocativo:
    Criança: I want the duck. ("eu quero o pato")
    Adulto: You better get it. ("você deve pegá-lo")
    Criança: Mommy get that. ("mamãe pega aquilo")
    Mommy get the porcupine. ("mamãe pega o porco-espinho")
  • 30
    O que a autora quer mostrar é algo diferente. Segundo Kato, as crianças usam o nome próprio, para as três pessoas do discurso, no lugar de pronomes pessoais.
  • 31
    Um dos pareceristas aponta que seria importante tomar alguma medida independente de capacidade de processamento que permita comparar diferentes estados de desenvolvimento, assim como o desempenho da criança em relação ao adulto. Infelizmente, não temos como fazê-lo aqui, embora esse seja um tópico de nossa pesquisa atual.
  • 32
    Podemos considerar, aqui, que haja uma correlação otimizada entre Forma Fonética e Forma Lógica que sirva, de algum modo, como mais evidência da importância de c-comando para a criança. Zubizarreta (1998) (apud Kato, 2000) mostra que o foco não-marcado ¾ neutro ¾ em diferentes línguas tende a se dar em posições mais encaixadas na estrutura, portanto, posições c-comandadas. Assim, haveria uma correlação entre prosódia (PF) e foco (LF), em que o foco é normalmente uma informação nova. É importante ressaltar que Zubizarreta desenvolve sua teoria sobre prosódia e foco com base em uma revisão crítica de trabalho similar de Cinque (1993).
  • Publication Dates

    • Publication in this collection
      02 May 2002
    • Date of issue
      2001
    Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP PUC-SP - LAEL, Rua Monte Alegre 984, 4B-02, São Paulo, SP 05014-001, Brasil, Tel.: +55 11 3670-8374 - São Paulo - SP - Brazil
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