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Engajamento interativo no curso de Física I da UFJF

Interactive engagement in Introductory Physics at UFJF

Resumos

Neste trabalho descrevemos uma série de modificações no ensino de Física I para alunos do curso de Física da UFJF. Estas modificações introduziram um ambiente de engajamento interativo. Analisamos o sucesso do método aplicando o Force Concept Inventory e mostramos uma melhora do desempenho dos alunos, se comparados aos desempenhos típicos dos alunos em métodos convencionais.

engajamento interativo; aprendizado colaborativo; instrução por pares; metacognição


In this paper we describe a series of changes to the teaching method of an undergraduate introductory physics course for physics majors at the Federal University of Juiz de Fora. The aim of the method is to foster interactive engagement. We analyze the effectiveness of instruction by measuring the normalized gain g for the Force Concept Inventory and compare it to previous semesters. We show an increase in g compared to traditional teaching methods.

interactive engajement; collaborative learning; peer instruction; metacognition


PESQUISA EM ENSINO DE FÍSICA

Engajamento interativo no curso de Física I da UFJF

Interactive engagement in Introductory Physics at UFJF

J. Acacio de BarrosI; Julie RemoldII; Glauco S.F. da SilvaIII; J.R. TagliatiI

IUniversidade Federal de Juiz de Fora, Departamento de Física, ICE, Campos Martelos, Juiz de Fora, MG, Brasil

IIUniversidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IIIInstituto Estadual de Educação, Juiz de Fora, MG, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência J. Acacio de Barros E-mail acacio@fisica.ufjf.br

RESUMO

Neste trabalho descrevemos uma série de modificações no ensino de Física I para alunos do curso de Física da UFJF. Estas modificações introduziram um ambiente de engajamento interativo. Analisamos o sucesso do método aplicando o Force Concept Inventory e mostramos uma melhora do desempenho dos alunos, se comparados aos desempenhos típicos dos alunos em métodos convencionais.

Palavras-chave: engajamento interativo, aprendizado colaborativo, instrução por pares, metacognição.

ABSTRACT

In this paper we describe a series of changes to the teaching method of an undergraduate introductory physics course for physics majors at the Federal University of Juiz de Fora. The aim of the method is to foster interactive engagement. We analyze the effectiveness of instruction by measuring the normalized gain g for the Force Concept Inventory and compare it to previous semesters. We show an increase in g compared to traditional teaching methods.

Keywords: interactive engajement, collaborative learning, peer instruction, metacognition.

1. Introdução

O ensino de Ciências e Matemática nas universidades brasileiras tem, em geral, um baixo rendimento que resulta em altos índices de reprovação, retenção e abandono. Uma das razões é o modelo passivo de aprendizado fomentado nos ambientes tradicionais de ensino em que alunos raramente interagem produtivamente e onde o estímulo é a nota e não o conhecimento. Neste modelo, os estudantes demonstram seu aprendizado resolvendo problemas padrões, mas frequentemente não mudam a maneira como entendem o mundo ao seu redor1 1 Por exemplo, um de nossos alunos disse que não sabia se o professor "queria que ele respondesse como ele achava ou como o professor acha". [1] .

No modelo passivo de aprendizagem, alunos adotam as seguintes estratégias:

• Concentrar em memorização, ao invés do entendimento.

• Estudar nas vésperas de provas para obter notas, ao invés de conhecimentos.

• Utilizar para auto-avaliação somente notas, ao invés de refletir sobre seu progresso.

• Compartimentalizar o conhecimento, ao invés de pensar no que sabe como um todo.

• Trabalhar sozinho, ao invés de articular idéias com seus colegas, solidificando-as.

• Tentar adivinhar a visão de mundo do professor, ao invés de repensar sua própria.

• Aceitar informações (mesmo sem acreditá-las), ao invés de questionar criticamente.

Estas estratégias permitem uma atitude epistemológica em que Física é uma coleção de conhecimentos e fatos desconexos. Não é surpreendente que pesquisas em ensino de ciências mostrem que práticas passivas de ensino obtêm resultados inferiores [2,3] e menos duradouros [4] do que práticas que usam modelos de envolvimento ativo [5].

Tendo estas pesquisas em mente, no segundo semestre de 2001 modificamos o método de ensinar a disciplina de Física I do Departamento de Física da UFJF, ministrada por um dos autores desse artigo (JAB). Física I é uma disciplina do ciclo básico com grande índice de reprovação e pertence a uma série de quatro disciplinas básicas (Física I, II, III e IV), sendo pré-requisito para todas. A ementa desta disciplina abrange a mecânica newtoniana utilizando o cálculo diferencial e integral [6], sem contudo incluir gravitação. Por seu papel único, Física I é um bom candidato para desenvolver e testar novos método de ensino.

Nossas modificações do curso de Física I partiram de modelos de apredizagem que pressupõe um papel ativo por parte dos estudantes. Este papel pode ser usado para deslocar o aluno do processo de memorização para o entendimento ao mesmo tempo em que ajuda o aluno a pensar sobre o próprio processo de seu aprendizado (metacognição) [2,7-10]. A cobrança de um papel mais ativo não implica necessariamente a extinção de aulas expositivas e sim sua modificação e reavaliação [11]. Pesquisas mostraram que, além de melhorar as notas, os métodos de engajamento interativo são mais efetivos na construção de conceitos e no entendimento de Física. Com base nestas pesquisas, desde de 2001 nosso grupo de Ensino de Física tem feito experiências pedagógicas inovando os métodos de ensino na disciplina Física I.

Em nosso método, usamos técnicas testadas por diferentes autores e selecionamos as que demonstraram ter bom desempenho em outras instituições e que poderiam ser implementadas na UFJF. Nossas peculiaridades limitaram-nos a técnicas que não necessitem de colaboração extensiva entre os alunos fora de sala de aula (muitos de nossos alunos trabalham), de materiais de laboratório (que custam dinheiro), ou de um maior número de horas de classe por semana. Nosso objetivo é continuamente alterar nosso método de ensino, mantendo as componentes do curso que melhor funcionam em nosso ambiente.

As principais características que tentamos implementar em nosso método de engajamento interativo foram uma maior participação dos estudantes nas atividades presenciais e a inclusão de atividades que exigem maior compreensão, ao invés de problemas que envolvem poucas etapas automáticas para sua solução. No presente artigo, descreveremos em detalhes as modificações que fizemos e os resultados preliminares obtidos para o segundo semestre de 2001 (2001/2) e para o primeiro semestre de 2002 (2002/1).

2. Descrição do método

Na disciplina de Física I a turma se reunia em duas seções de 2 h por semana, num total de 4 h semanais e 68 h em todo o semestre. Em nosso método, cada aula de 2 h foram divididas em duas partes de uma hora. Na primeira hora o professor lecionava uma aula expositiva e na segunda hora os alunos se reuniam em grupos de 3 a 5 pessoas e trabalhavam em atividades relacionadas à aula expositiva. A aula expositiva incluía componentes que promoviam a participação ativa e a reflexão por parte dos estudantes. Nas atividades em grupo, os conceitos foram trabalhados e os alunos praticaram a expressão verbal de idéias científicas.

Em nosso método, estávamos interessados em fomentar hábitos de interação, fornecendo aos estudantes oportunidades para que aprendam um do outro e para que solidifiquem seu aprendizado expressando verbalmente suas idéias. Também esperávamos que nossos alunos participassem ativamente de seu aprendizado, criando habilidades metacognitivas necessárias para que estudantes desenvolvam estratégias de aprendizado independentes [12,13].

2.1. Participação nas aulas expositivas

Nas aulas expositivas o engajamento interativo foi fomentado por duas técnicas: as Instrução por Pares (IP) e os Mini-relatórios (MR). Nessa Seção descreveremos nosso uso da IP em Física I, deixando a discussão dos MR para a Seção [2.3].

A técnica de IP foi introduzido em Física por Eric Mazur [11]. Na IP um Teste Conceitual (TC) é apresentado aos alunos após 15 a 20 min de aula. O professor instrui a turma a votar em uma das respostas apresentadas no quadro. A votação permite ao professor avaliar instantaneamente a compreensão do assunto exposto pela turma (que não se reflete na nota do aluno). Após a votação, três sequências podem ocorrer:

Maioria vota corretamente. Se a maioria dos alunos escolhe o ítem correto, isso indica uma boa compreensão da turma. O professor então resolve rapidamente o problema e dá continuidade à aula expositiva.

Maioria vota incorretamente. Se a maioria escolhe uma resposta incorreta, o professor discute novamente o assunto e um novo TC pode ser apresentado ao final da nova explicação.

Metade vota corretamente. Frequentemente, somente cerca de metade da turma responde a opção correta. Nestes casos a interação entre os estudantes torna-se importante, pois o professor instrui os alunos a convencerem um colega de que sua resposta é a correta. Após a discussão, a questão é votada novamente, e em geral o número de respostas corretas aumenta dramaticamente, mostrando que estudantes podem se engajar eficientemente em instrução por pares.

O TC permite: uma pausa da exposição do material, possibilitando ao aluno que mantenha sua atenção; uma auto-avaliação de conhecimento por parte dos alunos (importante para habilidades metacognitivas); uma avaliação da turma por parte do professor. Além disso, ao possibilitar a instrução por pares, a técnica possibilita aos estudantes uma oportunidade de aprenderem uns dos outros, de articularem verbalmente suas idéias e de praticarem a comunicação com seus pares.

2.2. Interação em grupo

Desejávamos que estudantes interagissem uns com os outros de tal forma a participarem das discussões e questionamentos científicos, solidificando e esclarecendo suas idéias e conceitos. Atividades em grupo são uma maneira extremamente eficiente de engajar ativamente os alunos. Em nosso método, a segunda metade das duas aulas semanais foi devotada a atividades em grupo. Para isso, a turma foi dividida em grupos de 4 a 5 pessoas. Esses grupos foram determinados pelo professor no início do semestre, com populações heterogêneas, e não foi permitido que alunos formassem seus próprios grupos, uma vez que trabalhos em grupo são mais bem sucedidos quando os grupos são compostos de populações heterogêneas [14].

Durante as atividades, cada grupo trabalhou com um quadro branco2 2 Cada quadro brando tinha dimensões de 60 cm x 45 cm. Nossos quadros foram feitos com uma chapa de Eucatex branco forrada com papel contact transparente, a um custo aproximado de R$15,00 por quadro. , cujo principal objetivo era facilitar a comunicação entre os membros do grupo [15]. No quadro-branco, as letras são facilmente visíveis por todos os membros do grupo, permitindo que todos participem da discussão. Além disso o quadro-branco também possibilitou aos monitores e ao professor o acompanhamento dos trabalhos de cada grupo.

Nas atividades em grupo tentamos imitar a mesma dinâmica dialética da atividade científica, onde caberia ao próprio grupo - uma versão reduzida de uma comunidade de prática científica - gerar o conhecimento necessário para a solução de um problema. Estudantes tiveram que trabalhar para expressar suas idéias e praticar o uso de conceitos como instrumentos de comunição. Para acelerar o processo de construção de conhecimento pelo grupo e imitar a comunidade de prática de físicos, optamos por adotar regras de comportamento para cada um dos membros do grupo [16,17], com estas regras sendo revezadas entre os membros a cada aula. Cada grupo tinha a seguinte composição:

Líder: Cabia ao líder do grupo direcionar a sequência de etapas que culminariam na solução do problema, manter o grupo no "caminho certo", certificar que todos no grupo participaram das discussões, cuidar para que a atividade não ultrapassasse o tempo de aula.

Anotador: O anotador tinha como atividade registrar as discussões do grupo, e cabia a ele expressar o pensamento de membros do grupo no quadro branco, confirmar que todos os membros do grupo entenderam o que foi escrito e aprovar os planos e ações propostos pelo líder.

Cético: Os céticos tinham o papel mais importante, e cabia a eles: questionarem cada detalhe da solução do problema; certificarem-se de que o grupo continuasse seu trabalho somente quando um pleno entendimento fosse alcançado; certificarem-se de que todas as possibilidades fossem exploradas; resumirem e reformularem as conclusões do grupo; não aceitarem uma solução ou equação por serem a usual, etc.

As atividades de grupo foram constantemente monitoradas pelo professor e pelos monitores. Os monitores foram instruídos pelo professor a interferirem minimamente na atividade, nunca somente respondendo a perguntas feitas pelos alunos, e sempre se dirigindo ao grupo como um todo. O objetivo desse comportamento foi estimular o aprendizado por pares e a concentração no processo de solução do problema, ao invés da obtenção da resposta correta.

O professor também desempenhou o papel de avaliador das atividades em grupo. Em 2001/2 a avaliação foi feita baseada nas respostas obtidas pelo grupo. Isto gerou problemas, pois reduziu a discussão, fazendo com que o grupo se concentrasse exclusivamente em obter o resultado correto. No semestre seguinte (2002/1), mudamos a avaliação, baseando-nos somente no processo de discussão (isto é, se todos no grupo participaram da discussão, se seguiram as regras, se entendem, etc.) e deixando claro para os alunos que uma resposta correta seria irrelevante na avaliação da atividade.

A avaliação do trabalho em grupo que utilizamos pode ser problemática no contexto brasileiro. Nossos estudantes esperam que notas sejam atribuídas de maneira objetiva, o que não é possível pois as características que estamos graduando (cooperação e esforço) são subjetivas. Por este motivo, pretendemos continuar pesquisando procedimentos de avaliação de atividades em grupo.

Outro incentivo que criamos para a participação no trabalho em grupo foi um bônus para o desempenho do grupo. Este bônus teve como objetivo fomentar a preocupação de todos no grupo pelo nível de entendimento de seus colegas, e consistiu em 10 pontos extras numa prova dados a todos os alunos de um grupo se todos os membros deste grupo obtivessem bom desempenho nesta prova.

2.3. Metacognição

Uma parte importante da participação ativa no processo de aprendizado é a auto-avaliação. Utilizamos Mini-Relatórios (MR) e Questionários para desenvolver estas habilidades metacognitivas [18]. Os MR foram criados para ajudar a reflexão, pelos estudantes, sobre seu aprendizado, e consistem de um pequeno ensaio de um parágrafo, feito em cinco minutos durante a aula, em resposta às perguntas: "qual foi o ponto principal da aula até agora?" e "o que ainda está não está claro para você nessa aula?" Ao pedir aos alunos que reflitam sobre o que estão aprendendo, estas atividades estimulam habilidades cognitivas superiores, incluindo planejamento e reavaliação de estratégias de aprendizado. Vários estudos mostram que estudantes que refletem sobre seu processo de aprendizado têm maior sucesso em alcançar seus próprios objetivos educacionais [12,13]. Além disso, os MR também permitem uma avaliação das dificuldades que os alunos sentem, pois em pouco tempo o professor pode analisa-los.

Outra ferramenta metacognitiva importante em 2001/2 foram os questionários. Esses questionários foram distribuidos aos alunos semanalmente e continham, em geral, as seguintes perguntas: O que você aprendeu nessa semana? Que assunto ainda não está claro para você? Que perguntas faria aos alunos se você fosse o professor e quisesse descobrir se eles entenderam a matéria?

Estes questionários tinham como objetivo dois aspectos importantes. Primeiro, avaliar os efeitos do novo método adotado e identificar falhas na instrução. Segundo, possibilitar aos alunos a expressão escrita dos conhecimendos aprendidos, em suas próprias palavras, permitindo que eles refletissem sobre o que aprenderam durante a semana e sobre como aprenderam. Essa atividade foi usada como uma ferramenta adicional para construir atividades metacognitivas. Contudo, a avaliação dos questionários, feita pelo professor, causou sobrecarga de trabalho, e no semestre seguinte foram retirados.

2.4. Confrontando pré-conceitos

Estudantes frequentemente pensam sobre o conteúdo de Física I como algo fora de um contexto. Isto é demonstrado pelo fato de que uma parcela significativa dos estudantes assimila o conteúdo sem reconsiderar o impacto deste conteúdo em suas visões de mundo.

Utilizamos as atividades dos Tutorials in Introductory Physics (TIP) [19], elaboradas pelo grupo de pesquisa em ensino de Física da Universidade de Washington, para abordar os pré-conceitos mais comuns. Tipicamente, um tutorial apresenta uma sequência de questões que levariam o grupo a confrontar questões conceituais, muitas vezes seguindo uma dinâmica similar a um diálogo socrático [5].

As listas de exercícios continham problemas das listas do TIP e problemas contextualmente ricos. Problemas contextualmente ricos introduzem situações complexas reais em que o aluno utiliza a Física que aprendeu. Ao trabalhar esse tipo de problema, o desafio consiste tanto em descobrir os conceitos que são úteis quanto em aplicar habilidades de solução de problemas. No Apêndice A Apêndice A incluímos exemplos de problemas encontrados em listas de exercícios, mostranto tanto um problema do TIP quanto um problema contextualmente rico.

2.5. Avaliação

O processo de avaliação escolhido influencia o que os alunos aprendem [18]. Se escolhemos numa disciplina um processo de avaliação que exija somente a solução de problemas padrões, não podemos esperar nenhuma outra habilidade que exceda a solução deste tipo de problemas. Portanto, se os objetivos educacionais vão além da simples solução de problemas estéreis e fora do contexto do mundo em que os estudantes vivem, a avaliação deve refleti-los.

Utilizamos um sistema de avaliação continuada que envolveu tanto avaliações em sala de aula quanto avaliações fora de sala de aula. Quando nos referimos a avaliação, não estamos nos referindo somente a notas, mas também ao processo de fornecer ao estudante e ao professor informação sobre a compreensão do assunto pela turma. Por exemplo, os TCs são uma forma de avaliação, sem que contudo notas tenham sido atribuídas a eles.

Experiências em semestre anteriores mostraram que a cobrança de presença diminuia o índice de reprovação. Em 2001/2 resolvemos cobrar presença e premiar alunos assíduos. Alunos que tivessem no máximo duas faltas receberiam 10 pontos e uma redução linear a partir de duas faltas.

Os MR foram graduados em 0, 0,5 ou 1, numa escala tal em que cada nota seria atribuida a 1/3 da turma. O objetivo desta escala foi evitar a cópia de mini-relatórios3 3 A graduação por percentil é completamente contrária à idéia de construir um ambiente colaborativo. . A graduação dos mini-relatórios era extremamente rápida e podia ser feita em menos de 15 min. Os questionários foram graduados 0 ou 1. Somente recebia satisfatório o aluno que respondesse extensivamente com suas próprias palavras às questões. As preparações de listas também foram graduadas em 0 ou 1. Para se obter 1, bastava a apresentação da lista com as tentativas de abordagem do problema, sem que se avaliasse se as soluções estavam corretas. As listas foram graduadas 0, 0,5 ou 1. Para obter 1 o aluno tinha que resolver corretamente mais de 80 % das questões e para obter 0,5 o aluno tinha que acertar mais de 60%. Era permitido ao aluno que tivesse tirado menos de 1 que reapresentasse a lista (contudo, a nota da lista reapresentada era inferior) refeita depois de corrigida. O objetivo foi incentivar o aluno a reavaliar seus erros, pois a lista era devolvida corrigida na semana seguinte à sua entrega. Através do ciclo de problemas contextualmente ricos e avaliação, esperávamos que os estudantes pudessem aplicar conceitos físicos ao mundo real, dificultando a compartimentalização do conhecimento e sua desconecção com a visão mundo. As atividades de grupo receberam notas 0, 0,5 ou 1. A maior ênfase dada em 2002/1 ao processo de discussão, diminuindo a importância nas respostas obtidas pelo grupo, mostrou-se mais satisfatória, aumentando a integração entre os membros de um grupo. Os critérios de avaliação para as atividade em grupo em 2002/1 foram: i) o grupo discute como um todo? ii) o grupo é motivado? iii) o grupo é interessado? iv) o grupo discute criticamente? v) todos no grupo concordam com o que foi obtido? Finalmente, as provas foram corrigidas e graduadas de 0 a 100 e se todos os alunos de um dado grupo tirassem nota maior do que 60, todos os alunos desse grupo receberiam um bônus de 10 pontos na nota da prova.

3. Resultados preliminares

Para avaliar a eficiência do nosso método em Física I, decidimos usar como instrumento de medida o Force Concept Inventory (FCI) [20]4 4 Cópias de nossa tradução do FCI podem ser obtidas contactando-nos via e-mail. . O FCI foi criado por David Hestenes e colaboradores para avaliar se um aluno tem conceitos newtonianos. Para tal, Hestenes et al. criaram questões simples, que não necessitam de nenhuma matemática para resolvê-las, nas quais além da resposta newtoniana usual estaria também presente um distrator não-newtoniano. Os distratores foram criadas a partir de pesquisas em ensino de Física que mostram quais são os conceitos espontâneos mais comuns em mecânica. O FCI está começando a ser usado recentemente como ferramenta de diagnóstico no Brasil, e comparações do FCI com pesquisas em conceitos espontâneos na literatura brasileira (como [21]) podem ser encontrados em [22]. No Apêndice B Apêndice B incluímos algumas questões retiradas do FCI para exemplificar as questões encontradas neste instrumento. Devido ao amplo uso do FCI na literatura internacional, temos uma base de comparação para nossos resultados. Além disso, coletamos em 1995 e 1996 dados sobre o FCI para turmas de Física I da UFJF que utilizavam métodos de instrução tradicional. Os dados de 1995 possibilitaram uma comparação entre o nosso método e métodos tradicionais em populações similares.

A avaliação do desempenho usando o FCI consistiu de um pré-teste e um pós-teste. O pré-teste foi ministrado no primeiro dia de aula de Física I e o pós-teste foi ministrado no final do semestre. Os alunos foram informados que seu desempenho no FCI não teria efeito em suas notas. Para calcularmos o desempenho da turma, usamos o ganho normalizado g para o teste, definido como

onde %pré corresponde à nota do pré-teste e %pós a nota do pós-teste. O principal mérito do ganho normalizado é sua invariancia para diferentes resultados de pré-teste, dependendo somente do método de instrução utilizado [3].

Para nosso método os resultados médios foram os seguintes:

É interessante compararmos os valores para o ganho normalizado g com os obtidos em métodos tradicionais. Primeiro, é importante termos como referência que os valores típicos de g apresentados na literatura internacional para métodos tradicionais (aulas puramente expositivas) variam entre 0,1 e 0,2 [2]. Esses valores são aproximadamente consistentes com os obtidos quando aplicamos o FCI em 19955 5 Em 1996 somente aplicamos o pré-teste, não sendo portanto possível calcular g. [23], obtendo

Se levarmos em conta que em média os alunos entram com uma nota no FCI de 50%, um ganho inferior a 0,3 implica uma nota final no FCI de pouco mais que 60%. Segundo entrevistas conduzidas por Hestenes et al. [20], uma visão de mundo newtoniana só começa a existir com resultados FCI superiores a 60%, e portanto métodos tradicionais deixam muito a desejar em relação à métodos de engajamento interativo.

Um outro dado importante foram os índices de aprovação. Estes índices podem ser vistos na Tabela 16 6 A Tabela 1 refere-se a alunos frequentes. Na UFJF o aluno é reprovado se faltar a mais de 25% das aulas. As taxas de reprovação por falta nas turmas de EI foram ligeiramente menores do que a das turmas convencionais, e esta diferença pequena (ao invés muito menos reprovação no engajamento interatio) poderia ser explicada devido à maior precisão com que pudemos verificar a presença nas aulas com EI. .

Vemos que o índice de reprovação nos métodos tradicionais foi pior do que no engajamento interativo.

É interessante também comentar sobre a opinião de alguns alunos sobre o método. A maior parte dos alunos mostrou entusiasmo com os trabalhos em grupo e com o método, ao passo que somente um número reduzido reclamou. Um número significativo de alunos expressou o desejo de que o método fosse extendido para Física II. Além disso, com o novo método frequentemente podia-se observar alunos trabalhando em conjunto fora do horário de aula, algo que raramente acontecia em semestres anteriores.

4. Conclusões

Vimos que o ganho de compreensão conceitual medido através do FCI foi melhor para nosso método do que para aulas puramente expositivas. Este resultado está em concordância com os resultados existentes na literatura para instrução com engajamento interativo [2].

Nos dados acima, calculamos g pela diferença entre a média do FCI para toda a turma antes da instrução e depois da instrução. Contudo, um aluno que tem menor nota antes da instrução no FCI tem maior probabilidade de não cursar a disciplina até sua conclusão. Como consequência, os valores de g devem ser menores para cursos com menor evasão e maiores para cursos com maior evasão7 7 No caso dos dados de 1995, o g calculado somente para estudantes que fizeram tanto o pós quando o pré teste é de 0.17, uma redução significativa em relação aos 0,28 apresentados acima. . Portanto, esperamos que ao analizar com detalhes os ganhos individuais, a discrepância entre o g obtido em nosso método e o g obtido no método tradicional sejam amplificadas. Estes resultados serão apresentados em trabalhos futuros.

Em Setembro de 2001 o Professor E. Mazur, de Harvard, publicou no American Journal of Physics os resultados de seu curso de Física utilizando uma estrutura muito similar à nossa, inclusive com a combinação de Peer Instruction com os tutoriais do Tutorials in Introductory Physics [24]. Os resultados obtidos por Mazur e sua equipe foram muito superiores aos nossos, com ganhos normalizados variando de 0,49 a 0,74. Devido às similaridades entre o método de Mazur e o nosso método, é importante ressaltarmos que nosso método incluiu muito mais so que as técnicas de Instrução por Pares e o uso dos Tutoriais descritas em [24]. Nas nossas atividades em grupo, incentivamos os alunos a agirem de maneira similar a uma interação entre pares da comunidade científica, fornecendo regras de comportamento para cada aluno, numa tentativa de simular uma comunidade de prática de físicos [25]. Além disto, utilizamos componentes metacognitivos que tinham como objetivo ir além do simples conhecimento conceitual sobre a matéria sendo abordada no curso. Finalmente, usamos extensivamente problemas contextualmente ricos, com o objetivo de fazer uma maior conexão entre o mundo real e conhecido dos alunos e os conceitos estudados no curso de Física I.

Algumas comparações metodológicas entre a medida dos ganhos feitos por Mazur e nosso grupo são importantes. Primeiro, o pré-teste, no curso do Professor Mazur, não tinha nenhum efeito na nota, ao passo que o pós-teste era usado na nota final do aluno na disciplina. Em nosso caso, nem o pré- e nem o pós-teste tiveram algum peso na nota, e como o pós-teste foi dado na última aula, alguns alunos com melhores notas não fizeram o pós-teste. Os efeitos oriundos desta diferença de metodologia não podem ser ignorados, uma vez que estudantes frequentemente respondem a um teste como o FCI em função do que acreditam ser a visão de mundo do professor, mas não de acordo com sua própria visão de mundo [1].

Agradecimentos

Os autores deste artigo agradecem ao árbitro anônimo pelos comentários e sugestões. JR agradece apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, entidade governamental brasileira promotora do desenvolvimento científico e tecnológico. GSFS agradece apoio financeiro da UFJF através de bolsa de conclusão de curso. JAB agradece apoio financeiro da FAPEMIG.

Recebido em 3/7/03; Manuscrito revisado recebido em 16/1/04; Aceito em 12/3/04

Neste Apêndice exemplificamos algumas das ferramentas utilizadas em nosso método. Transcrevemos abaixo duas questões tiradas de uma lista de exercícios do curso de Física I e um Teste Conceitual.

O Teste Conceitual abaixo reflete uma questão típica:

Teste Conceitual: Um aluno se encontra em pé em um elevador. O elevador está acelerando para cima. A força normal que o chão faz sobre o aluno é:

a) maior do que o peso do aluno.

b) menor do que o peso do aluno.

c) igual ao peso do aluno.

Uma boa fonte de Testes Conceituais é o site http://galileo.harvard.edu, encontrados na Seção Peer Instruction.

As questão 1 abaixo foi tirada dos exercícios associados aos Tutorials in Introductory Physics [19] e a questão 2 exemplifica um problema contextualmente rico, tirado do repositório do grupo de pesquisa em ensino de Física da Universidade de Minnesotta (http://groups.physics.umn.edu/physed/). Os exemplos abaixo foram tirados da lista apresentada na quarta semana de aulas, e são similares aos problemas encontrados também nas provas.

1. Uma corda é ligada a um livro e puxada a um ângulo, como mostra a figura. O livro permanece em contato com a mesa, e não se move.

a) Desenhe um diagrama de forças para o livro. Rotule cada uma das forças exercidas no livro, como você foi instruído nas Atividades de Grupo sobre forças.

b) Como as forças que atuam sobre o livro, neste caso, se comparam com as forças que atuam sobre o livro quando a corda não está presente? Liste todas as forças que são as mesmas (i.e., mesmo tipo de força, mesma direção e mesma magnitude) nos dois casos. Faça uma lista separada das forças que mudam quando a corda é puxada.

2. Seu grupo foi selecionado para participar de um painel que avalia uma nova proposta de procurar vida em Marte. Nessa missão não tripulada, o módulo de aterrisagem deixará a órbita de Marte, caindo através da atmosfera marciana até chegar a uma altitude de 10.000 m acima da superfície do planeta. Nesse momento, um paraquedas abre e leva o módulo de aterrisagem até uma altitude de 500 m. Devido à possibilidade de ventos muito fortes próximos à superfície, o paraquedas se desliga do módulo a 500 m de e o módulo cai livremente através da tênue atmosfera marciana a uma aceleração constante de 0,40 g durante 1,0s. Retrofoguetes são acionados para fazer com que o módulo pouse suavemente na superfície de Marte. Um time de biólogos sugeriu que a vida marciana possa ser extremamente frágil e que possa se deteriorar rapidamente devido ao calor do módulo de aterrisagem. Eles sugeriram que qualquer procura por vida deva começar a pelo menos 9 m de distância do módulo. Este time de biólogos desenhou uma sonda que pode ser lançada por um mecanismo de molas situado no módulo a 2,0 m sobre a superfície de Marte. Para emitir seus dados, a sonda não pode se encontrar a mais de 11 m da base do módulo. Juntando as exigências para aquisição de dados com as exigências biológicas, o time desenhou uma sonda que entra na superfície de Marte 10 m a partir da base do módulo. Para que a sonda funcione adequadamente, ele deve atingir a superfície com velocidade de 8,0 m/s a um ângulo de 30° com a vertical. Essa sonda pode funcionar como projetado?

Transcrevemos abaixo as questões 25 e 26 do FCI (versão revisada) para exemplificar os tipos de questões utilizadas neste teste. Note que nas respostas abaixo encontram-se fortes distratores não-newtonianos, característica fundamental do FCI.

25. Uma mulher exerce uma força horizontal constante sobre uma caixa grande. Como consequência, a caixa move-se ao longo do chão, horizontal, com velocidade constante v0. A força horizontal constante aplicada pela mulher:

(A) tem a mesma magnitude do peso da caixa.

(B) é maior que o peso da caixa.

(C) tem magnitude maior do que a força total que resiste ao movimento da caixa.

(D) é igual á força total que resiste ao movimento da caixa.

(E) é maior do que ou o peso ou a força total que resiste ao movimento da caixa.

26. Se a mulher da questão anterior dobrar o valor da força horizontal constante que ela exerce sobre a caixa para empurrá-la sobre o mesmo chão horizontal, a caixa se moverá:

(A) com uma velocidade constante que é igual ao dobro da velocidade v0 da questão anterior.

(B) com uma velocidade constante que é maior do que a velocidade v0 da questão anterior, mas não necessariamente o dobro.

(C) por algum tempo com uma velocidade constante que é maior do que a velocidade v0 da questão anterior, e depois com uma velocidade que aumenta.

(D) por algum tempo com uma velocidade crescente e depois com uma velocidade constante.

(E) com uma velocidade continuamente crescente.

  • [1] J. Acacio de Barros, J. Remold, G.S.F. da Silva, An Ethnographic Study of Changes to University Physics Instruction, em preparaçăo.
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  • [12] E. Blakey, S. Spence, ERIC DIGEST ED327218, ERIC Clearinghouse on Information Resources (Syracuse, NY, 1990).
  • [13] J.A. Livingston, ERIC Digest ED474273, 2003.
  • [14] B.J. Millis, P.G. Cottell Jr., Cooperative Learning for Higher Education Faculty, edited by American Council on Education, Series on Higher Education (The Oryx Press, Phoenix, AZ, 1998).
  • [15] M. Wells, D. Hestenes, Am. J. Phys. 63, 606 (1995).
  • [16] D.W. Johnson, R.T. Johnson, K. Smith, Cooperative Learning: Increasing College Faculty Instructional Productivity, edited by ASHE-ERIC Higher Education Report n. 4 (The George Washington University, School of Education and Human Development, Washington, DC 1991).
  • [17] P. Heller, K. Heller Cooperative Group Problem Solving in Physics (University of Minnesota, 1999).
  • [18] T.A. Angelo, K. Patricia Cross, Classroom Assessment Techniques: A Handbook for College Teachers (Jossey-Bass Inc. Publishers, San Francisco, 1993), 2nd edition.
  • [19] L.C. McDermott, P.S. Shaffer, Physics Education Group of the Department of Physics, University of Washington, Tutorials in Introductory Physics (Prentice Hall, Upper Saddle River, New Jersey, 1998), Preliminary edition.
  • [20] D. Hestenes, M. Wells, G. Swackhammer, The Physics Teacher 30, 141 (1992).
  • [21] Alberto Villani, Revista Brasileira de Ensino de Física 11, 130 (1989).
  • [22] Andreas Hauer Piekarz, José Pedro Mansueto Serbena, Mauro Gomes Rodbard, Fabio Luis de Souza, Izilda A.A. Pereira, Daniel Kurt Lottis, in Anais do XV Simpósio Nacional de Ensino de Física, Curitiba, 2003.
  • [23] J. Acacio de Barros e Luis Arthur R. de Mello, năo publicado.
  • [24] C.H. Crouch, Eric Mazur, Am. J. Phys. 69, 970 (2001).
  • [25] James G., American Journal of Education 106, 85 (1997).

Apêndice A 

Apêndice B 

  • Endereço para correspondência

    J. Acacio de Barros
    E-mail
  • 1
    Por exemplo, um de nossos alunos disse que não sabia se o professor "queria que ele respondesse como ele achava ou como o professor acha". [1]
  • 2
    Cada quadro brando tinha dimensões de 60 cm x 45 cm. Nossos quadros foram feitos com uma chapa de Eucatex branco forrada com papel contact transparente, a um custo aproximado de R$15,00 por quadro.
  • 3
    A graduação por percentil é completamente contrária à idéia de construir um ambiente colaborativo.
  • 4
    Cópias de nossa tradução do FCI podem ser obtidas contactando-nos via e-mail.
  • 5
    Em 1996 somente aplicamos o pré-teste, não sendo portanto possível calcular
    g.
  • 6
    A
    Tabela 1 refere-se a alunos frequentes. Na UFJF o aluno é reprovado se faltar a mais de 25% das aulas. As taxas de reprovação por falta nas turmas de EI foram ligeiramente menores do que a das turmas convencionais, e esta diferença pequena (ao invés muito menos reprovação no engajamento interatio) poderia ser explicada devido à maior precisão com que pudemos verificar a presença nas aulas com EI.
  • 7
    No caso dos dados de 1995, o
    g calculado somente para estudantes que fizeram tanto o pós quando o pré teste é de 0.17, uma redução significativa em relação aos 0,28 apresentados acima.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jul 2004
    • Data do Fascículo
      2004

    Histórico

    • Recebido
      03 Jul 2003
    • Revisado
      16 Jan 2004
    • Aceito
      12 Mar 2004
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