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Redes sociais e instituições na construção do Estado e da sua permeabilidade

Réseaux sociaux et institutions dans la construction de l'état et de sa perméabilité

Social networks and institutions in the construction of the state and its permeability

Resumos

O artigo caracteriza o padrão de relações entre Estado e sociedade presente na formulação e gestão das políticas públicas no Brasil mediante o estudo da política de saneamento básico no Rio de Janeiro entre 1975 e 1996. A composição da rede social da comunidade profissional dessa política e a estrutura dos vínculos que a constituem foram analisadas a partir de um levantamento exaustivo dos padrões de relações entre indivíduos, grupos e organizações presentes na comunidade, assim como da distribuição temporal e espacial dos investimentos públicos e das características das empresas contratadas por meio de licitações. A partir dessa rede foi possível analisar a consolidação da concessionária dos serviços - a Cedae -, a dinâmica do poder no seu interior e as suas relações com o ambiente político que a circunda, assim como explicar a contratação, pelo órgão estatal, das empresas privadas responsáveis pela execução das obras públicas. O artigo conclui que esse padrão, baseado principalmente em relações entre indivíduos, construído de forma paulatina e dinâmica ao longo dos anos, é característico do Estado brasileiro, sendo uma chave para a compreensão da implementação concreta de suas políticas. Sua dinâmica dá origem, simultaneamente, à consolidação dos órgãos estatais e à sua permeabilidade.

Redes sociais; Políticas públicas; Estado; Investimentos públicos; Empreiteiras


L'article caractérise, par l'étude de la politique d'assainissement dans la ville de Rio de Janeiro entre 1975 et 1996, le modèle de relations entre l'État et la société présente dans la formulation et la gestion des politiques publiques au Brésil. L'identification du réseau social de la communauté professionnelle de cette politique et la structure des liens qui la constituent ont été analysés à partir d'un relevé exhaustif des modèles de relations entre individus, groupes et organisations présentes dans la communauté, ainsi que de la distribution temporelle et spatiale des investissements publics et des caractéristiques des entreprises engagées par des appels d'offres. À partir de ce réseau, il a été possible d'analyser la consolidation de la concessionnaire des services -la Cedae -, la dynamique de pouvoir à l'intérieur de cette entreprise et ses liens avec l'environnement politique qui l'entoure. Il a été également possible d'expliquer l'engagement, par l'organe d'État, des entreprises privées responsables de l'exécution des travaux publics. L'article conclut que ce modèle, fondé principalement sur les relations entre les individus, construit peu à peu et de façon dynamique au cours des années, est caractéristique de l'État brésilien, étant la clef pour la compréhension de l'implantation concrète de ses politiques. Sa dynamique est à l'origine, de façon simultanée, de la consolidation des organes de l'État ainsi que de leur perméabilité.

Réseaux sociaux; Politiques Publiques; État; Investissements publics; Entreprises


The article describes the relationship between state and society in the formulation and management of public policy in Brazil, through a study of the sanitation policy in Rio de Janeiro between 1975 and 1996. The author identified the professional community's social network surrounding this policy and analyzed its structure through a study of the patterns of relationships between individuals, groups and organizations in the community, as well as of the temporal and spatial distribution of public sector investment and the characteristics of the companies contracted in public action. Through this network, the author analyzed the consolidation of Cedae, the state agency responsible for handing out the contracts, its internal power dynamics and its standing within the surrounding political environment, and explained the contracting of the private sector companies who execute the public works. The article concludes that this pattern, based mainly on relationships between individuals built up steadily over the years, is characteristic of the Brazilian state and is an analytical key to the understanding of the implementation of its policies. Its dynamics give rise simultaneously to the consolidation of state agencies and their permeability.

Social networks; Public policy; State; Public sector investment; Contractors


REDES SOCIAIS E INSTITUIÇÕES NA CONSTRUÇÃO DO ESTADO E DA SUA PERMEABILIDADE* * Agradeço a Argelina Figueiredo e a Simone Diniz, assim como a dois pareceristas anônimos da RBCS, as observações feitas à versão preliminar deste artigo. Desnecessário dizer que as inconsistências ainda presentes são de minha inteira responsabilidade.

Eduardo Cesar Marques

Esse artigo apresenta um estudo sobre as relações entre Estado e sociedade na formulação e gestão de uma política pública urbana. A investigação analisa a política de saneamento básico implementada no Rio de Janeiro entre 1975 e 1996 pela empresa estadual concessionária dos serviços ¾ a Cedae (Marques, 1998a). Utilizei um modelo relacional, baseando a análise, fundamentalmente, no estudo da rede de relações entre indivíduos, grupos e organizações que constitui a comunidade profissional do saneamento em nível local. Essa rede nos permite analisar a constituição da Cedae como organização estatal ao longo dos anos, a dinâmica do poder no seu interior, e a sua inserção no ambiente político no qual ela opera, assim como explicar o padrão de contratação de empresas privadas responsáveis por obras e serviços de engenharia. O estudo dessa realidade empírica datada e específica permite apresentar um modelo de análise de utilização muito mais ampla sobre as ações do Estado, além de iluminar aspectos do Estado brasileiro de grande importância para o debate político sobre as transformações introduzidas recentemente, como o clientelismo e o corporativismo estatais e a privatização do Estado, mostrando os limites do impacto dos mecanismos formais sobre tais processos.

O artigo se divide em três partes, além desta introdução e da conclusão. Considerando a pequena divulgação da metodologia de análise de redes sociais na literatura nacional, apresento, na primeira parte, os atores sociais e políticos considerados no estudo, assim como as principais características das redes sociais. A segunda parte discute algumas questões conceituais, problematizando a aplicação da perspectiva relacional ao objeto empírico das políticas estatais no Brasil e construindo os conceitos utilizados na análise.

A terceira seção apresenta a pesquisa realizada, destacando as questões mais importantes com relação à dinâmica da política pública. Após uma rápida introdução sobre os resultados mais gerais da pesquisa e as principais questões metodológicas envolvidas, mostro como a rede de relações leva à consolidação institucional da empresa estatal, como os grupos e indivíduos da empresa se relacionam com o seu ambiente político e de que forma os campos do público e do privado se interpenetram no interior da comunidade profissional, dando origem a um padrão de relações que denomino permeabilidade.

Por fim, resumo as tendências observadas e os principais avanços analíticos da pesquisa para análises futuras de políticas do Estado.

Atores sociais, redes e políticas públicas

A análise de redes nos permite identificar detalhadamente os padrões de relacionamento entre atores em uma determinada situação social, assim como as suas mudanças no tempo. Esse estruturalismo de origem empírica apresenta grande potencialidade para o estudo da relação entre público e privado na formulação e gestão de ações do Estado. O modelo desenvolvido aqui considera que as políticas estatais podem ser explicadas, pelo menos uma parcela significativa delas, pelo estudo das interações entre dois atores políticos: os capitais presentes em cada política e os atores estatais com ela envolvidos, tendo a comunidade profissional da política como campo ou ambiente.1 1 A escolha de tais atores decorre, em grande parte, de uma ampla discussão crítica da literatura sobre Estado e políticas públicas realizada em Marques (1997). Nesse trabalho, discuti detalhadamente as contribuições das tradições neomarxista, institucionalista, do State-in-society e da análise setorial com relação às políticas estatais e seus atores. A comunidade não foi considerada como ator político efetivo, já que apresenta grande fragilidade e não desenvolve ações coletivas. Apesar disso, a pesquisa mostrou a sua importância como campo onde se dão as interações entre os atores estatais e os capitais do setor.2 2 Entende-se por comunidade profissional um campo associado a práticas profissionais e de saber, constituído pela adesão a organizações concretas, mas também pela comunhão de uma determinada visão da sociedade e do seu objeto de intervenção. Para uma discussão sobre as diferenças entre o conceito de "campo da comunidade profissional", o conceito de "setor de política" de Muller (1985) e Jobert e Muller (1987) e o conceito de " policy domain" de Laumann e Knoke (1987), ver Marques (1998a).

A importância desses atores tem origem na sua capacidade de realizar ações baseadas em seus destacados recursos de poder, assim como na ocupação de determinadas posições na cadeia de produção das ações do Estado (dentro e fora dele), que lhes conferem maior ou menor capacidade de fazer com que o Estado elabore e execute políticas segundo seus interesses particulares. A análise de seus padrões de interação, presentes e herdados, formando uma rede de relações, explica inúmeras dimensões da política, tanto no que se refere a seu desenvolvimento e resultados (que pertencem ao mundo da prática política), quanto no que diz respeito ao "encontro" entre projetos e visões de mundo (que fazem parte do mundo das idéias).

Entende-se aqui por rede social o campo, presente em determinado momento, estruturado por vínculos entre indivíduos, grupos e organizações construídos ao longo do tempo. Esses vínculos têm diversas naturezas, e podem ter sido construídos intencionalmente, embora a sua maioria tenha origem em relações herdadas de outros contextos. Podemos imaginar a rede como composta por várias "camadas", cada qual associada a um tipo de relação e a um dado período de tempo. Todas elas encontram-se em constante interação e transformação, embora o peso relativo das relações herdadas torne essa dinâmica incremental.

O pressuposto central da análise de redes sociais, incorporado aqui, é o de que o social é estruturado por inúmeras dessas redes de relacionamento pessoal e organizacional de diversas naturezas. A estrutura geral e as posições dos atores nessas redes moldam as suas ações e estratégias (constrangendo inclusive as alianças e confrontos possíveis), ajudam a construir as preferências, os projetos e as visões de mundo (já que esses "bens imateriais" também circulam e se encontram nas redes) e dão acesso diferenciado a recursos de poder dos mais variados tipos, que em inúmeros casos são veiculados pelas redes (desde status e prestígio até recursos mais facilmente mensuráveis, como dinheiro e informação).

As redes são, portanto, a estrutura do campo no interior do qual estão imersos os atores sociais e políticos relevantes em cada situação concreta.3 3 Para uma resenha da literatura de Ciência Política que utiliza análise de redes sociais, ver Marques (1998a). O traço comum à análise de redes é o enfoque central nas relações sociais, preocupação antiga das ciências sociais. Embora tenham sido as preocupações empíricas que motivaram as primeiras décadas de pesquisa sobre o assunto, os esforços analíticos recentes baseados no estudo das redes indicam a preocupação com a fundação de uma "sociologia relacional", ou com a recuperação, em outras bases técnicas, das preocupações originais presentes em clássicos da Sociologia como George Simmel (Emirbayer, 1997; Emirbayer e Goodwin, 1994; White, 1992). Da mesma forma, a análise de redes tem possibilitado integrar economia e sociedade de uma maneira que recupera a melhor tradição de Max Weber e Karl Polanyi, como é o caso dos trabalhos de Granovetter (1973), White (1981) e Burt (1992).

Essa "sociologia relacional", portanto, não pretende ser nova, embora a utilização dos métodos e das técnicas recentes permita focalizar em um novo patamar analítico as relações, ao invés dos atributos de grupos e indivíduos. As análises criticam de maneira implícita ou explícita os estudos que tentam compreender os fenômenos sociais usando apenas dados de categorias sociais ou atributos, em vez das informações referentes a relações. Dados de atributo dizem respeito a características ou qualidades, enquanto dados relacionais envolvem contatos, vínculos e conexões que relacionam os agentes entre si, e não podem ser reduzidos às propriedades dos atores individuais (Scott, 1992; Emirbayer, 1997; Emirbayer e Goodwin, 1994). Apesar de importantes para a descrição de inúmeros fenômenos, as características ou atributos não dizem respeito propriamente às ações sociais, mas, na melhor das hipóteses, a seus agentes. Nesse sentido, elas explicam uma parte dos fenômenos, mas deixam de lado importantes processos passíveis de estudo apenas pela consideração direta de vínculos e relações.

De acordo com essa vertente de análise, as instituições, a estrutura social e as características de indivíduos e grupos são cristalizações dos movimentos, trocas e "encontros" nas múltiplas e intercambiantes redes de relações ligadas e superpostas. A matéria-prima das ciências sociais seria, portanto, o conjunto das relações, vínculos e trocas entre entidades, e não suas características (White, 1992; Tilly, 1992). Segundo Tilly (1992), já estaria em constituição uma sociologia estrutural, que difere das posturas estruturalistas anteriores na Sociologia por não partir de postulações de larga escala sobre as estruturas sociais, nem tampouco tentar derivar delas os fenômenos sociais (Ferrand, 1997; White, 1992; Tilly, 1992; Knoke, 1990; Forsé e Langlois, 1997).

A sociologia "relacional" parte do estudo de uma série de situações concretas para investigar a interação entre, de um lado, as estruturas presentes, constituídas pelos padrões de interações e trocas e as posições particulares dos vários atores, e, de outro, as ações, estratégias, constrangimentos, identidades e valores de tais agentes. Para essa linha de análise, as redes moldam as ações e as estratégias, mas estas também as constroem e reconstroem continuamente, em um processo dinâmico e contínuo. Da mesma forma, redes e identidades se constituem mutuamente de uma forma complexa que apenas começa a ser explorada.4 4 Ver Somers (1993), Gibson e Mische (1995), Mische (1997) e Mische e Pattison (1999). Os trabalhos de Mische estão entre os poucos estudos sobre a realidade brasileira que enfocam movimentos sociais de jovens em período recente.

A força da análise de redes sociais está na possibilidade de se construir estudos muito precisos em termos descritivos sem impor uma estrutura a priori à realidade e aos atores, criando um tipo muito particular de individualismo relacional. Este tipo de análise permite a realização de investigações sofisticadas e diretas sobre os padrões de relação entre indivíduos e grupos, aproximando-nos dos tão decantados microfundamentos da ação social sem a perda de visão da estrutura. É importante salientar, entretanto, que a potencialidade aberta pela metodologia não substitui a análise de atributos e estruturas formais, para o que inúmeras outras perspectivas como o neoinstitucionalismo, a escolha racional e a análise espacial continuam tendo muito a contribuir. No entanto, como toda nova ferramenta analítica, a análise de redes "ilumina" um amplo leque de aspectos da realidade social que permaneciam até então obscuros, permitindo novos olhares sobre fenômenos pouco compreendidos, ou mesmo a construção analítica de novos objetos de estudo.

Com base nessa metodologia, podemos pela primeira vez analisar a interação entre Estado e sociedade sem recorrer a um padrão de relações a priori, dando espaço para que os dois campos se interpenetrem, o que nos possibilita interpretar de maneira mais precisa a realidade social. O uso do conceito de redes permite chegar a um grande detalhamento das relações individuais sem perder de vista a estrutura do campo inteiro e os padrões mais gerais, introduzindo dimensões novas e inusitadas na compreensão do Estado.

Políticas de Estado e redes no Brasil

O que caracteriza, então, as redes de políticas públicas no Brasil? A apresentação de algumas importantes distinções entre o presente estudo e, de um lado, as análises de redes presentes na literatura internacional e, de outro, algumas interpretações da literatura nacional sobre o Estado ajuda a especificar o caso brasileiro e a construir conceitualmente nosso modelo de análise.

O estudo concentra-se em grande parte na organização estatal. Isto se deve ao fato de os demais atores organizacionais serem muito frágeis. A hegemonia da organização estatal é completa nos poucos debates públicos realizados sobre a política estudada. A importância da Cedae é enorme, inclusive para a existência e manutenção das associações não estatais do setor. Este fator está presente, provavelmente, na maior parte das políticas estatais brasileiras, mas é especialmente importante no caso de uma política de nível subnacional, que tem de enfrentar uma precariedade das organizações ainda maior do que no caso de políticas federais.

Uma segunda característica deste estudo está na consideração, principalmente, de relações entre indivíduos, e não de vínculos entre organizações. A estruturação dos campos de política pública em redes não é privilégio do Brasil ou de países de industrialização tardia, ou mesmo produto da prevalência de traços tradicionais de relacionamento baseados na hierarquia e nas relações pessoais. A literatura de redes tem mostrado amplamente esse tipo de estrutura de relações nos países centrais.

Apesar disso, no Brasil, a institucionalização dos procedimentos e a consolidação das organizações é muito menor, deixando mais livres de constrangimentos os vínculos estabelecidos na "zona de sombra" entre Estado e setor privado, o que caracteriza a permeabilidade estatal. Isso se deve, principalmente, à enorme importância das relações pessoais, seja pela "distinção entre indivíduo e pessoa" (Da Matta, 1978), seja pela permanência de "hierarquias" depois da disseminação dos "mecanismos de mercado" (Lanna, 1997), seja ainda pela permanência das "gramáticas políticas do clientelismo e do corporativismo", mesmo após o desenvolvimento do "insulamento burocrático" e do "universalismo de procedimentos" (Nunes, 1997).

Isso quer dizer que, ao contrário das redes estudadas pela literatura internacional, constituídas em grande parte de relações entre organizações, a rede analisada pela presente pesquisa tem nos vínculos entre indivíduos a sua base. Para a visão hegemônica sobre a realidade brasileira, isso confirmaria a fragilidade institucional do país e a baixa institucionalização de nossas organizações. Embora confirmando a importância dos relacionamentos pessoais como traço constitutivo do Estado e da sociedade brasileiras, a pesquisa mostra, como veremos, que a consolidação institucional e o relacionamento do órgão estatal com o ambiente político que o circunda também podem passar pelos vínculos entre indivíduos. Os resultados da pesquisa indicam, por exemplo, que as relações pessoais que têm o ambiente de trabalho como substrato são as que mais crescem no período estudado e que, se os vínculos de amizade representavam a base da rede em 1975, já no início dos anos 1980 eles foram suplantados pelo vínculos pessoais estabelecidos em torno do trabalho.

De uma forma geral, a construção da Cedae, ao longo dos anos, como organização insulada da sociedade e relativamente coesa internamente só é compreensível se considerarmos que a sua rede de relacionamentos foi construída a partir da união e paulatina fusão de redes menores. Uma importante dimensão desse processo diz respeito à estabilidade da rede da comunidade. Redes com grande circulação podem enfraquecer as organizações, embora em termos agregados possam levar à construção de um padrão estruturado de vínculos entre os vários organismos de um campo, fortalecendo o conjunto.5 5 Para Schneider (1991), que não utiliza análises de redes, mas parte de uma clara "ontologia relacional", essa é a explicação para a grande capacidade de implementação do Estado brasileiro durante as décadas de 1960 e 1970: os padrões de migração pessoal entre órgãos acabaram por criar um padrão de grande solidez entre os diversos órgãos federais envolvidos com políticas de industrialização. Redes com pequena circulação de indivíduos, como a presente na comunidade estudada, tendem a se consolidar ao longo do tempo, aumentando o insulamento e a solidez da organização do Estado, ao mesmo tempo que mediam as relações deste com o ambiente político que o circunda.6 6 Nesse sentido, podemos dizer que a rede da comunidade contribui para a construção de uma "autonomia inserida", no sentido de Evans (1993). Esta aumenta as capacidades estatais, mas ao mesmo tempo limita as suas ações, reduzindo a margem para a adoção de linhas de comportamento predatórias ao restante da sociedade.

Entretanto, os vínculos de relacionamento pessoal não são apenas construtores de solidez organizacional, mas também estão por trás da permeabilidade do Estado no setor. A investigação demonstra que a intermediação de interesses no setor de política estudado ocorre de forma disseminada por inúmeros contatos pessoais entre integrantes do Estado e interesses privados, ao contrário do padrão característico norte-americano de lobbies (Laumman e Knoke, 1987; Laumman et al., 1992), ou do típico corporatismo social-democrata europeu (Schmitter, 1979), mesmo que de âmbito setorial (Cawson, 1985).7 7 Não se trata de afirmar que não ocorram lobbies implícitos ou explícitos no país (Dreifuss, 1989), ou que o sistema político brasileiro não tenha algumas características comparáveis às dos sistemas corporativistas europeus (Almeida, 1994), mas de descrever de forma precisa a maneira disseminada, resiliente e não inteiramente intencional característica da intermediação de interesses no país. Voltarei a esse ponto mais adiante.

Podemos dizer também que o padrão de relação entre público e privado analisado aqui difere da descrição realizada pela categoria anel burocrático de Cardoso (1970 e 1974). Embora a idéia geral dos dois conceitos seja semelhante, sua especificação evidencia inúmeras diferenças. A permeabilidade é produzida a partir de uma teia de relações e cumplicidades construída ao longo da vida dos indivíduos, incorporando diferentes tipos de elos que se espalham por todas as dimensões do social. Relações pessoais e de amizade construídas no decorrer de anos, algumas familiares, outras oriundas da formação profissional, e outras ainda constituídas por vínculos de trabalho e afinidade política, constituem essa rede que abrange e integra diversos campos da vida social, tanto dentro quanto fora do Estado. Esse padrão não é baseado em um pequeno número de relações de caráter intencional, localizadas em setores específicos, que ligariam verticalmente os setores público e privado (e horizontalmente entre eles), mas, ao contrário, em incontáveis relações pulverizadas que cobrem todo o campo social e o integram de inúmeras formas em todas as direções.

É necessário diferenciar também o conceito de permeabilidade da idéia de privatização do Estado (Grau e Belluzzo, 1995). Embora eu não negue a ocorrência de tal fenômeno, estou chamando a atenção para um processo mais geral (no sentido de ocorrer em mais situações sociais), menos intencional (ou direcionado a fins) e mais resiliente e duradouro (e portanto mais difícil de combater por alterações na arquitetura institucional). Essa forma de estruturação dos campos da ação estatal está presente em todas as esferas da ação humana, na medida em que estas são baseadas nos relacionamentos pessoais. A estruturação em redes não é privilégio da ação estatal, mas é na ação do Estado, ou nas atividades em torno dela, que essa rede conforma o que denominamos de permeabilidade, tornando difusas as fronteiras entre público e privado.

Por todos esses processos, a permeabilidade é mais constante do que o sugerido pela categoria anel burocrático, já que se baseia no padrão de relações estabelecido ao longo da vida dos indivíduos. Sua limitação pela constituição de normas, procedimentos, regras e organizações é também mais difícil e demorada do que seria de acreditar pela idéia de privatização do Estado. A permeabilidade é também muito mais disseminada do que revelam ambas as categorias, envolvendo uma miríade de ligações e contatos de pequena, média e grande importância, e em constante transformação. Ao contrário da pressão pessoal orientada a fins e canalizada em elementos específicos no aparelho de Estado, a permeabilidade acontece de uma forma disseminada e dispersa, e é canalizada por relações que na maior parte do tempo não veiculam esse tipo de relação e não têm necessariamente como objetivo a maximização de interesses específicos. Na maior parte das vezes, o elo foi estabelecido com outras intenções, ou mesmo sem finalidade alguma.

Resumindo, partimos da hipótese de que a característica de rede intrínseca à estrutura do campo da política explica tanto a estruturação e a consolidação dos campos do público e do privado separadamente, quanto a permeabilidade entre essas esferas. Embora esse fenômeno esteja presente em todo o mundo, em países como o Brasil a importância das redes é maior para ambos os processos, e elas tendem a ser mais baseadas em relações individuais, assim como mais duradouras.

Instituições e redes na construção da política de infra-estrutura

A investigação partiu de um amplo levantamento de informações sobre a política de saneamento básico no Rio de Janeiro. Esse levantamento abarcou dados primários relativos à política de investimentos e suas contratações, à estrutura administrativa da empresa concessionária e suas modificações e à comunidade dos engenheiros. De forma a melhor situar a análise, descrevo a seguir, de forma sucinta, a pesquisa e alguns dos resultados encontrados.

Uma primeira linha de investigação foi desenvolvida a partir de pesquisa primária sobre os contratos celebrados pela Cedae com empresas privadas entre 1975, ano da sua criação, e 1996. Esses contratos representam quase a totalidade dos investimentos da concessionária, visto que o volume de obras realizadas pela própria empresa é desprezível em termos relativos. O levantamento foi feito diretamente nos extratos de contratos publicados no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro entre 1975 e 1996.8 8 Como a Cedae é uma empresa pública, seus contratos estão sujeitos à legislação de contratações do setor público, que estabelece a realização de licitações como antecedente necessário de qualquer contrato, salvo as exceções previstas em lei, assim como a publicação dos resultados dessas licitações em veículos de ampla circulação.

Essa linha de análise permitiu recompor os padrões temporais de investimentos da empresa e compará-los aos perfis de investimentos federais, aos períodos de gestão dos governadores e ao ciclo eleitoral. Ao contrário do que preconiza uma parte substancial da literatura sobre o assunto, não encontrei relações significativas entre esses processos. Em seguida, espacializo os investimentos segundo as regiões da cidade beneficiadas pela política ao longo do tempo, partindo de uma base espacial produzida para a análise, e levando em conta a população moradora de cada uma das regiões. Os perfis temporais de cada tipo de espaço foram discutidos à luz da dinâmica da construção do espaço metropolitano (Marques, 1998a). Essa análise dos aspectos espaciais permitiu colocar em cheque explicações presentes na literatura que tentam derivar o conjunto das políticas de investimento diretamente da ação de atores como os capitais imobiliário e fundiário e os movimentos sociais urbanos (Marques, 1998c).

O levantamento permitiu ainda investigar a concentração de contratos por empreiteira ao longo do tempo, assim como a relação destes com os processos ocorridos no mercado nacional de obras públicas no período. Essa análise levou-me à determinação das mais importantes empresas presentes na política e de seus padrões temporais e espaciais de atuação. Encontrei uma concentração muito significativa de vitórias em poucas empresas. No universo de 777 contratos celebrados pela Cedae no período, 212 empresas e consórcios aparecem como vencedores. A empresa mais bem colocada venceu 8,5% do valor total contratado, as cinco primeiras ganharam aproximadamente 30%, e as 24 mais bem colocadas obtiveram cerca de 71%, sobrando para as 188 restantes apenas 29% do total licitado.

A concentração das vitórias por empresa também seguiu um padrão nítido ao longo do tempo. Em momentos de maior escassez de investimentos, a proporção de licitações ganha pelas empresas mais importantes tende a aumentar, chegando perto de 100% do total anual. Em anos de grande volume de inversões, a participação das menores se eleva, chegando a alcançar quase a metade dos investimentos. Isso indica que as maiores vencedoras têm sempre uma parcela mínima dos recursos garantida, sendo a margem de crescimento das menores subordinada à existência de grandes investimentos.

Nesse último particular, pude comprovar também a importância do arcabouço legal (e suas alterações) na regulação dos padrões de vitória em licitações. Durante o período, as licitações foram reguladas por três marcos legais distintos: o Decreto-Lei no 200/67, o Decreto-Lei no 2300/86 e a Lei no 8666/93. As mudanças de uma lei para a seguinte representaram, de maneira geral, o estabelecimento de regras mais rígidas, assim como de um número maior de restrições no decorrer dos certames. Isso ocorreu em especial com a promulgação da Lei no 8666/93, elaborada sob o efeito dos escândalos de corrupção da dupla Collor/PC Farias e do Orçamento Geral da União e extremamente restritiva. Críticos dessa lei sustentaram, no momento da sua promulgação, que suas elevadas restrições elitizariam o mercado.9 9 Para uma descrição detalhada dos regimes legais e sua comparação com relação a inúmeros aspectos, ver Marques (1998a).

A análise dos vencedores no período mostra uma nítida desconcentração das vitórias ao longo do tempo, elevando o número de empresas vencedoras diferentes para um mesmo número de contratos. Mais do que isso, o perfil da concentração guarda aparentemente uma forte relação com os regimes legais: entre 1975 e 1985, a média de contratos por vencedor foi de aproximadamente 1,7; entre 1986 e 1992, cerca de 1,3, e nos últimos três anos da série, quase 1,6. A redução paulatina a partir de 1975, assim como a queda brusca após 1986, permitem sustentar que o aumento das restrições teve um efeito positivo sobre o mercado. Entretanto, a tendência à concentração observada após a promulgação da Lei no 8666/93 (embora trate-se apenas de uma tendência, considerando o pequeno número de anos) indica que seus críticos podem ter acertado quando previram uma elitização do mercado de obras públicas. Isso comprova não apenas que os marcos legais influenciam o mercado e o padrão de contratações do Estado, mas também que podem fazê-lo nas duas direções.

A lista dos maiores vencedores ano a ano também apresenta surpresas. A maior parte das empresas pertence ao mercado local, apresentando capitais médios. As grandes empresas brasileiras de obras públicas, típicas dos mercados de grandes obras viárias, portuárias e hidrelétricas do governo federal, aparecem na lista apenas em alguns momentos específicos. Entretanto, a sua participação é crescente no final do período, fato comprovado pela elevação do capital médio dos vencedores na década de 1990: 42 milhões de reais entre 1975 e 1990, 55 milhões entre 1991 e 1994 e 59 milhões em 1995-96. A década de 1980 representou uma conjuntura de crise para o mercado de obras federais — atingindo as empresas menores na primeira metade de década e, depois, também as empresas líderes (Camargos, 1993; Marques, 1998a) —, o que nos leva a crer na ocorrência de um processo de invasão do setor local em anos recentes.

Essa distribuição das vitórias sugeriu-me que o mercado de obras públicas se estrutura de forma hierárquica, com o mercado federal representando um nível superior e os mercados locais, níveis inferiores a ele. Cada um desses níveis corresponde a uma rede de relações, a uma comunidade profissional e a um conjunto de instituições estatais. O mercado estudado pela pesquisa é um mercado local relativamente periférico, por ser composto por obras de porte médio, quando comparadas com as obras viárias, mesmo que locais. A maior parte do mercado carioca é constituída por empresas locais de médio porte, típicas do setor e da comunidade profissional. Entretanto, esse mercado local também é hierarquizado, apresentando empresas centrais e empresas mais periféricas. Como veremos mais adiante, o que as diferencia quanto à capacidade de celebrar contratos com o Estado não é o porte, mas essencialmente a sua posição no interior da rede da comunidade profissional da política pública estudada. Em momentos específicos, especialmente quando o mercado federal entra em crise, o funcionamento do mercado local é alterado pelas invasões de empresas de grande porte (Marques, 1998a e 1998c).

A recomposição da rede

A análise da estrutura da rede de relações da comunidade, e das posições dos atores nela, foi possibilitada pelo desenvolvimento de uma segunda linha de pesquisa, complementar à primeira. Sob o ponto de vista concreto, a rede é um conjunto de relações que constitui uma estrutura no interior da qual cada nó ocupa uma posição com características específicas. A rede pode ser estudada por meio de uma representação gráfica (sociograma, escalagem etc.), de forma a permitir a visualização das posições e da estrutura, ou por meio de uma reconstituição matemática do padrão de vínculos (matriz de relações), de maneira a possibilitar a análise quantitativa das posições e da estrutura geral. Em ambos os casos, é necessário dispor de informações detalhadas sobre os limites da rede, os vínculos presentes, seu tipo e momento de estabelecimento.

Em um primeiro momento, levantei um grande número de informações sobre vínculos entre indivíduos, apresentando uma lista de nomes aos entrevistados e os instando a indicar nomes de pessoas que apareciam ligados àqueles em sua memória.10 10 Os procedimentos metodológicos descritos aqui foram utilizados por se tratar de uma comunidade muito estável, centrada em uma empresa pública bastante fechada, especialmente no que diz respeito aos processos de decisão. A quase totalidade dos entrevistados trabalha na mesma empresa há mais de 20 anos e conhece pessoalmente quase todos os outros membros da rede. Tomei a precaução, entretanto, de construir a rede de forma preliminar no decorrer da pesquisa e de escolher as próximas entrevistas a partir das posições dos entrevistados, de forma a cobrir todo o campo. Pesquisas sobre campos mais abertos, como por exemplo sobre um setor da economia em nível nacional, necessitariam de um desenho de pesquisa mais fechado. Esse procedimento permitiu obter um conjunto de mais de 150 nomes de indivíduos interligados por alguns milhares de vínculos. Após uma dezena de entrevistas, o aparecimento de novos nomes foi-se reduzindo, indicando a aproximação das bordas da rede. Quando não obtive mais nomes novos, interrompi o levantamento.

De posse dessa grande lista, solicitei a um segundo grupo de entrevistados que me dissesse o tipo de vínculos de cada relação, dando a eles cinco opções: (a) "institucionais", ou seja, relações construídas em torno do trabalho e suas atividades; (b) "políticos", definidos como vínculos de afinidade ideológica e/ou de participação conjunta em atividades e/ou organizações políticas; (c) "familiares", isto é, todos os elos de família, mesmo que adquiridos pelo casamento ou adoção; (d) "de amizade" e (e) "de negócios", definidos como todas as relações intermediadas pelo dinheiro, inclusive, mas não somente, as de corrupção. Posteriormente, a análise indicou a pequena relevância quantitativa e qualitativa dos vínculos familiares, o que me levou a somá-los com os de amizade na constituição de uma novo tipo de vínculo, denominado de "pessoal". É importante assinalar que nada impede que a relação entre dois indivíduos seja de mais de um tipo simultaneamente, ou que se transforme ao longo do tempo, passando, por exemplo, de "institucional" para "de amizade", ou de "institucional" para "de negócios". Como cada tipo de relação forneceu um layer, ou "camada", da rede da comunidade, essas relações migrariam ao longo de tempo de uma camada para outra.

A importância de se classificar os tipos de vínculo está no fato de que relações de tipo diferente têm características diferentes com respeito à sua força, duração e capacidade de transferência de informações, apoio, prestígio etc.11 11 Essa é uma dimensão muito importante. Alguns autores têm demonstrado que determinados tipos de informação fluem mais facilmente por elos fracos, ao contrário do que considera o senso comum. Cf. Granovetter (1973). Podemos considerar, por exemplo, que por definição as relações familiares têm intensidade e duração altas (negativas ou positivas) e que as relações de trabalho podem ser fortes ou fracas, duradouras ou efêmeras. Para relações cuja intensidade não é dada pelo tipo do vínculo, considerei o número de citações de uma dada relação como indicador da sua força.

Vale ainda precisar o tratamento dispensado ao fenômeno da corrupção, incluído nos vínculos de negócio. Entendo por corrupção a adoção de comportamento diverso das normas da administração pública, tanto por ação quanto por omissão, de forma a favorecer interesses particulares em troca de recompensa, presente ou futura (Pasquino, 1993). Na recompensa citada se incluem não apenas bens materiais, mas também empregos e favores para pessoas associadas ao servidor público, expectativas de retribuição futura etc.12 12 Em Marques (1998a), distingui conceitualmente "corrupção" de "favorecimento de empresa privada" (mesmo quando não há recompensa ao funcionário público) e de "lesão ao Estado" (extração de vantagens do Estado, financeiras ou não, superiores ao serviço ou obra realizada pelo produtor privado). Obviamente os três fenômenos podem ocorrer ao mesmo tempo (e no mesmo episódio), mas a sua distinção analítica permite a sua compreensão mais precisa, assim como, no sentido normativo, um combate mais eficaz a cada prática. A corrupção, tanto como atividade quanto como tipo de vínculo entre indivíduos, está presente em larga escala na administração pública brasileira. Esse fato é comprovado pela grande quantidade de denúncias na imprensa, assim como pelos resultados de inúmeros trabalhos acadêmicos sobre o assunto (Bezerra, 1995; Fleischer, 1997; Grau e Belluzzo, 1995). No caso estudado, a sua presença no setor foi constatada pelos inúmeros vínculos dessa natureza indicados em entrevistas com técnicos da comunidade.

Considerando o enfoque relacional do estudo, tratei a corrupção como responsável pela construção de um padrão próprio de relações de grande solidez, constituindo um dos tipos de vínculo entre indivíduos, organizações e grupos que estrutura um dos múltiplos layers das redes do setor. Utilizei como proxi dessa rede a rede dos vínculos de negócios. Entretanto, não acredito que a política pública seja movida a corrupção, ou mesmo que uma grande parte dos fenômenos associados às ações do Estado seja explicada por atividades ou comportamentos corruptos. A recomposição dessa rede, e a sua importância no padrão geral encontrado, confirmou o tratamento analítico dispensado, mostrando uma rede importante na política, mas não central para a sua explicação. Ao contrário do que supõem o senso comum sobre o assunto e alguns trabalhos acadêmicos, a rede de corrupção não é central nem mesmo para a explicação do padrão de vitórias das empresas contratadas, embora contribua para a construção da permeabilidade entre o Estado e o setor privado, como uma das "camadas" da rede da comunidade.

Como já assinalei, uma outra importante característica das redes é a sua dinâmica de transformação ao longo do tempo. De forma a captar a dinâmica dos padrões de relação, dividi o período em seis momentos, e solicitei a um terceiro grupo de entrevistados que me dissesse quando cada uma das relações (de cada tipo) havia se iniciado. Considerei os seguintes períodos: T0, antes da criação da Cedae; T1, governos Faria Lima e Chagas Freitas, agrupados pela dificuldade dos entrevistados em diferenciá-los; T2, primeiro governo Leonel Brizola; T3, governo Moreira Franco; T4, segundo governo Leonel Brizola, e T5, governo Marcelo Alencar.

O conjunto desses procedimentos resultou, portanto, em quatro redes superpostas por período, totalizando 24 redes.13 13 Sob o ponto de vista técnico, cada tipo de vínculo em cada período torna-se uma matriz quadrada, com indivíduos nas linhas e nas colunas, denominada matriz de adjacência ou sócio-matriz. Sobre questões específicas da metodologia da pesquisa ver Marques (1998a), e para um compêndio dos métodos e técnicas ver Wasserman e Faust (1994). Considerando as características e a força de cada tipo de relação, pude superpor as várias camadas em uma única rede por período.14 14 Considerando a menor confiabilidade das informações referentes ao tipo de vínculo, optei por usá-las detalhadamente apenas como etapa intermediária na construção da rede da comunidade. O único tipo de vínculo a receber um tratamento individualizado foi o de negócios. De forma a poder controlar as informações pelas redes existentes antes da criação da Cedae, recompus, com menor grau de detalhe, as redes das empresas concessionárias existentes antes de 1975, utilizando para tal uma série de entrevistas específicas.

A rede e a consolidação da Cedae

O levantamento de informações sobre a comunidade profissional indicou que esta era fortemente centrada nos órgãos estatais, sendo as demais organizações do setor muito frágeis em termos de discussão autônoma das principais linhas de política. Isso se deve a dois fatores. O primeiro deles se relaciona com a própria dinâmica das entidades. A comunidade dos engenheiros sanitaristas no Rio de Janeiro conta com quatro entidades principais, além das estatais e suas entidades de funcionários e das empresas privadas: a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária (ABES-seção nacional), a ABES-seção Rio de Janeiro, a Sociedade de Engenheiros e Arquitetos do Estado do Rio de Janeiro (SEAERJ) e o Clube de Engenharia.15 15 A comunidade conta ainda com a Associação dos Empreiteiros do Estado do Rio de Janeiro (AEERJ). Entretanto, esta nunca se mobilizou para realizar ações ou produzir projetos na área do saneamento, embora, a partir da segunda metade dos anos 1990, tenha começado a se mobilizar para influir na privatização do setor. As duas últimas entidades tradicionalmente não se envolvem em discussões de política pública local, embora tenham fornecido quadros para cargos de direção em momentos decisivos da política de saneamento.16 16 Um presidente do SEAERJ foi presidente de uma das empresas que deram origem à Cedae, na década de 1970, e dois presidentes do Clube de Engenharia foram presidentes da Cedae. Nos três casos, as escolhas para a presidência ajudaram a resolver impasses políticos colocados para os governadores junto aos vários grupos que o apoiavam, funcionando como tercius. Ver Marques (1998a) A seção local da ABES tem uma atuação muito tímida, explicada, dentre outras razões, pelo fato de o Rio de Janeiro abrigar a sede nacional da entidade. A ABES é, sem sombra de dúvida, a entidade mais importante do setor, mas se envolve essencialmente com política nacional, pouco ou nada opinando nas questões da política carioca.17 17 Uma exceção a essa regra foi a forte oposição da ABES nacional às tentativas do governo Marcelo Alencar de privatizar a Cedae.

Além disso, um segundo fator, relacionado com a composição das diretorias das entidades, contribui para a sua pequena importância na definição das políticas. Durante o período estudado, grande parte dos cargos de diretores dessas entidades foi ocupada por funcionários da Cedae ou indivíduos que tiveram passagem pela burocracia da empresa: entre 1975 e 1996, incluíam-se nessa condição 39 diretores do SEAERJ, 5 diretores do Clube de Engenharia, 25 diretores da ABES-seção Rio de Janeiro e 25 da ABES-seção nacional. Uma parte significativa desses indivíduos participou da direção de mais de uma entidade, indicando a existência de uma rede de lideranças da comunidade com razoável estabilidade.18 18 Ver Marques (1998a) para uma discussão detalhada desse aspecto da rede da comunidade. As raras participações das entidades em discussões de política, portanto, expressavam, em sua maioria, as posições dos grupos presentes no interior da Cedae, e não projetos construídos mediante um diálogo entre indivíduos e grupos constituídos na sociedade.

Essa fragilidade levou-me a realizar o estudo da comunidade a partir da empresa estatal. A Cedae é uma empresa pública de propriedade do governo estadual, tendo sido criada em 1975, quando da fusão dos antigos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro. A nova empresa teve origem na incorporação à empresa estadual de águas da Guanabara, a Cedag, de duas outras concessionárias — a Esag, empresa de esgotos da Guanabara, e a Sanerj, empresa de águas e esgotos do antigo Estado do Rio de Janeiro.

As três empresas tinham características muito diferentes. A Cedag apresentava as melhores condições econômicas e financeiras, operava somente os sistemas de água do antigo Estado da Guanabara e contava com um quadro de pessoal bem pago e treinado que, ao que tudo indica, operava a empresa com padrões técnicos conservadores e com grande insulamento. A Sanerj, ao contrário, não apresentava uma situação financeira muito sólida, era responsável pelos sistemas de água e esgoto de todo o antigo Estado do Rio de Janeiro, sofria de grande ingerência política por parte do gabinete do governador (que utilizava a operação dos sistemas do interior como moeda na negociação política com os prefeitos) e não contava com um quadro técnico tão bem treinado e capacitado. A Esag apresentava-se em uma situação intermediária, mas mais próxima da Cedag, por também pertencer ao antigo Estado da Guanabara e operar apenas os sistemas localizados em seus domínios.19 19 As empresas da Guanabara eram herdeiras da experiência mais bem-sucedida em termos de gestão e recursos humanos do setor, a Superintendência de Urbanização e Saneamento (Sursan), criada em 1957 mas ativa principalmente nos anos 1960. A Sursan foi a primeira empresa do setor a obter um empréstimo internacional (do BID), a instituir a cobrança do consumo de água por tarifas, a estabelecer o regime de dedicação exclusiva com aumento dos salários e a implantar uma agência para cuidar da poluição (IES). Contava ainda com um programa de treinamento de funcionários que incluía o acesso direto às publicações estrangeiras mais recentes e um convênio com a ONU por meio do qual inúmeros técnicos freqüentaram cursos e estágios no exterior. Cf. Marques (1998a).

O processo de fusão, realizado sob forte comando do grupo que controlava a Cedag, foi importantíssimo na história do setor por inúmeras razões. Em primeiro lugar, porque as identidades dos funcionários da Cedae são até hoje referenciadas às suas empresas originais. Conforme as entrevistas, o processo foi extremamente traumático, pela perda de poder experimentada por funcionários da Esag e da Sanerj, mas especialmente por uma série de sanções a que foram submetidos os técnicos da última empresa, considerada pelo grupo que realizou a incorporação como marcada pelo nepotismo, pela corrupção, pela ingerência política e pela baixa produtividade. O processo de incorporação representou, então, a subordinação dos corpos funcionais da Esag e da Sanerj às regras e ordens impostas à nova empresa pelo grupo da Cedag, empenhado em "tecnificar" a gestão sob um controle político único originado do topo da empresa. Ao que tudo indica, o processo de fusão foi o evento fundador das identidades e dos grupos na Cedae, gerando um processo de alinhamento automático e alianças que, segundo as entrevistas realizadas, durou até meados da década de 1980, e ainda hoje mostra suas marcas.20 20 O rebatimento dos conflitos ocorridos em decorrência da fusão no imaginário dos funcionários aparece em falas como esta, de um técnico que foi por duas vezes diretor da Cedae: "éramos três grupos — os `brancos' (da Cedag), os `porto-riquenhos' (da Esag) e os `negros' (da Sanerj)". O entrevistado em questão era "porto-riquenho".

Além disso, um segundo processo, associado a esse primeiro, diz respeito à dinâmica da rede de relacionamentos no interior da Cedae e, a partir dela, com os ambientes políticos mais amplos nos quais ela se inseriu. A questão está em que a rede da Cedae foi construída, em um primeiro momento, pela união das redes das empresas de origem, assim como por sua paulatina interpenetração ao longo dos anos.

Na Figura 1 podemos observar a rede da comunidade do saneamento em 1975, quando os quadros funcionais das três empresas foram colocados em contato, mas antes que a estrutura administrativa da nova empresa a tenha impactado. A rede incluía 111 indivíduos, conectados por 361 vínculos. Na figura, denominada sociograma, os retângulos representam funcionários de uma das três empresas, as elipses representam funcionários da geração anterior, que se retiraram do setor público antes da criação das três concessionárias indicadas mas permaneceram ativos na comunidade profissional no período, e as letras indicam indivíduos que ocupam posições de especial importância na rede. Como podemos ver, é nítida a existência de pelo menos três grandes grupos, construídos segundo a origem funcional dos técnicos, como mostram as curvas em traço grosso. Também é possível notar que a mediação entre os técnicos provenientes da Cedag e da Esag era realizada por indivíduos da geração anterior (que haviam trabalhado com ambos nas empresas anteriores do antigo Estado da Guanabara), ao passo que os técnicos originários da Cedag e Sanerj não apresentavam nenhuma mediação entre si, além de manterem uma menor quantidade de vínculos.


A partir da fusão, as três redes originais começaram a se interpenetrar, com o estabelecimento paulatino, ao longo dos anos, de vínculos de novas amizades, de relações de trabalho construídas na nova empresa, de contatos políticos e de negócios. A Tabela 1 apresenta os números absolutos e relativos dos elos com indivíduos da mesma empresa de origem e de outra empresa ao longo dos períodos.

Como podemos ver, os números absolutos de vínculos crescem bastante no decorrer do tempo, mas o total de indivíduos envolvidos em processos de decisão não aumenta na mesma proporção. Isso se deve à grande estabilidade da rede, visível quando observamos as gerações de técnicos. Dividi os técnicos em três gerações, segundo o seu momento de entrada na comunidade. A primeira geração inclui os indivíduos socializados na comunidade antes da segunda metade da década de 1960, nas empresas anteriores à Cedag, Esag e Sanerj. A segunda geração é composta pelos indivíduos que entraram para o setor nessas empresas. Na terceira incluí os técnicos socializados no setor já na Cedae, depois de 1975. Do total de 178 indivíduos presentes em algum momento na rede, teríamos 31 de fora da comunidade propriamente dita, 26 pertencentes à primeira geração, 112 à segunda e apenas 9 da terceira. Isso quer dizer que, do nosso universo de técnicos, 63% já haviam trabalhado em uma das empresas imediatamente anteriores à Cedae. Esse percentual sobe para 76% se descontarmos os 31 indivíduos de fora da comunidade.

A tabela nos informa também que, em termos proporcionais, os vínculos com ex-funcionários da empresa de origem caíram ao longo do tempo, mas, mesmo em 1996, 22 anos após a fusão, eles ainda representam cerca de 50% do total de relações presentes na rede. Isso nos permite caracterizar a rede da comunidade profissional como fortemente dependente da trajetória histórica seguida. Entretanto, se observarmos os números absolutos, poderemos notar que os vínculos com indivíduos das empresas de origem apresentam pequena variação, mas aqueles com membros de outras empresas aumentam muito. Isso nos informa que a "colagem" interna da nova empresa foi realizada, principalmente, por vínculos estabelecidos com membros de outras empresas, ou seja, pelo processo de fusão das redes originais ocorrido em grande parte entre 1975 e 1990.

O Gráfico 1 apresenta a evolução do total de vínculos por tipo de ligação e período.


Como podemos observar, o conjunto de vínculos apresenta uma clara tendência crescente em relação aos períodos anteriores, embora ocorram quedas em 1986-90 e em 1995-96. Essas quedas representam momentos concentrados de saída da rede por aposentadoria e falecimento. Essa tendência é parcialmente encoberta pela entrada mais intensa de membros externos à comunidade na rede a partir de 1986, e principalmente depois de 1990. A entrada de tais elementos deu-se principalmente em cargos de chefia e diretoria, que nos primeiros dez anos da empresa eram ocupados quase que exclusivamente por técnicos do próprio setor. Voltarei a esse ponto mais adiante.

As questões mais importantes a considerar, entretanto, estão relacionadas aos tipos de vínculo. Em primeiro lugar, os patamares dos vínculos pessoais e institucionais são muito superiores aos dos vínculos políticos e de negócios. Os vínculos pessoais são os mais importantes no início do período, mas são ultrapassados pelos vínculos institucionais em 1983-86. Além disso, a tendência dos vínculos institucionais é sempre crescente, ao passo que as relações de amizade tendem à queda depois de 1983-86, indicando a gradual substituição dos vínculos de afinidade pessoal por vínculos de trabalho como base da rede que dá suporte à empresa.

Portanto, temos um aumento do número de vínculos entre técnicos, causado principalmente pelo estabelecimento de elos entre indivíduos de empresas de origem diferentes cada vez mais baseados em relações de trabalho, ao invés de laços pessoais, de forma paralela à fusão das três empresas. Em seu conjunto, esse processo indica a influência da rede na consolidação da empresa como organização, além da sua maior institucionalização.

Vale ainda comentar os perfis dos vínculos de negócios e de natureza política, que apresentam um comportamento temporal similar. O conteúdo das entrevistas com membros da comunidade profissional indicou um baixo grau de politização, sendo muito rara a identificação de funcionários com partidos políticos, ou mesmo com grupos de afinidade ideológica. O Gráfico 1 confirma essa característica, além de demonstrar um certo paralelismo entre as relações políticas e as de negócios, que incluem corrupção. É interessante observar que, entre 1975 e 1986-90, os vínculos de negócios crescem bastante (33, 59 e 70, respectivamente), assim como o número de indivíduos envolvidos (20, 25 e 30), mas a partir de então se estabilizam nos dois últimos períodos (83 elos) e cai o número de pessoas presentes (31 e 24), principalmente pela saída de técnicos da comunidade. Em um primeiro momento, ocorre um aumento das redes de corrupção e, posteriormente, o seu adensamento, inclusive com a unificação das redes existentes.21 21 Ver Marques (1998a) para os sociogramas e a descrição das redes de negócios por período. Esse processo corresponde a duas fases distintas do deslocamento ocorrido durante o período no fenômeno da corrupção, fato evidenciado pelo conteúdo das entrevistas. Aparentemente, no início do período, a corrupção no setor caracterizava-se por um padrão localizado e associado a determinados funcionários específicos, mas pouco a pouco ela foi crescendo em amplitude e abrangência, além de se adensar e se consolidar. Segundo os entrevistados, esse processo deve-se principalmente ao fato de a corrupção ter mudado de escala, passando a ser incentivada de fora da concessionária por esquemas de financiamento de campanhas eleitorais e por empresas privadas de maior porte.

A rede e a inserção da comunidade em seu ambiente político

Outro conjunto de dinâmicas importantes da rede da comunidade diz respeito à relação entre a comunidade e seu ambiente político mais amplo. Uma parte significativa dos indivíduos externos à comunidade, já referidos, é composta por políticos de carreira ou técnico-políticos, no sentido de Schneider (1991).22 22 Ou seja, indivíduos com uma carreira de origem técnica e associados a determinadas burocracias, mas que a partir de um determinado momento se tornam políticos, inclusive disputando cargos eletivos, sem no entanto representarem eleitorado algum. Em inúmeros casos, continuam ligados à gestão das questões com as quais trabalhavam, mas realizam principalmente a mediação entre os políticos (que trazem consigo a influência política) e os técnicos (que carregam consigo a racionalidade técnica). Schneider (1991, p. 8). Ver também Centeno (1994) para o conceito de burocratas-políticos, bastante similar, mas demasiadamente atado à realidade do sistema político mexicano para descrever a realidade brasileira. A pesquisa mostrou que a rede, construída historicamente, põe em contato a burocracia técnica do setor com, de um lado, políticos e técnico-políticos investidos de cargos institucionais e, de outro, empresas privadas contratadas pelo poder público. As posições na rede transformam o poder institucional, concentrado nos cargos eletivos e de indicação política, na gestão concreta e diuturna da política. Observemos como isso ocorre.

As Figuras 2 e 3 apresentam escalas multidimensionais (MDS) da rede nos períodos 1983-86 e 1987-90, ilustrando os resultados dessa parte da pesquisa. Escalas são procedimentos estatísticos utilizados para reduzir a duas dimensões a variância da matriz de relações que expressa a rede, permitindo a sua representação em um plano cartesiano. O procedimento é preciso e de fácil visualização, e substitui os sociogramas quando a complexidade da rede torna a sua visualização difícil, e a sua construção imprecisa.23 23 O sociograma da Figura 1, por exemplo, incluía 361 relações, enquanto a escala da Figura 2 apresenta 552 vínculos. As escalas apresentam apenas os nós (sem os vínculos), mas as suas posições relativas expressam o padrão geral de relações. As distâncias entre os indivíduos funcionam como distâncias reais e a figura pode ser lida como um mapa.24 24 Por restrições de espaço, não apresentei e discuti aqui a rede em cada um dos períodos, assim como a dinâmica dos grupos em seu interior, sendo o leitor interessado remetido para Marques (1998a).



Como vimos na Figura 1, os técnicos oriundos da Sanerj localizavam-se acima e à esquerda, os da Esag abaixo e à direita e os oriundos da Cedag abaixo e à esquerda.25 25 Obviamente, o que interessa são as posições relativas. As posições "à esquerda", "à direita", "acima" e "abaixo" são arbitrárias e poderiam ser invertidas sem nenhum prejuízo do sentido da representação. Ao longo dos períodos, entretanto, o estabelecimento de novos vínculos e a quebra dos antigos deslocaram uma parte significativa dos indivíduos oriundos da Sanerj mais para o centro e para o alto, ficando os originários da Cedag ocupando todo o lado esquerdo e parte do centro do campo. O efeito de interpenetração dos três grupos produzido pelos novos vínculos é tal que, nos dois períodos representados, a dinâmica da rede já não permite a delimitação da origem dos técnicos por meio de áreas contínuas e contíguas, como na Figura 1. Assim, reconstruímos os grupos presentes no interior da empresa através da comparação dos padrões de relações dos indivíduos, incluindo em um mesmo grupo os indivíduos com intensas relações entre si, poucas relações com os demais e padrões gerais de vínculos similares. Os grupos estão delimitados nas figuras através das linhas contínuas que cercam indivíduos.

Nas figuras estão indicadas, ainda, as posições dos ocupantes de cargos institucionais importantes. Observemos inicialmente as posições dos governadores, presidentes da empresa e secretários. Como podemos ver na Figura 2, referente ao primeiro governo Leonel Brizola (1983-86), o governador, o secretário e o presidente localizam-se no lado direito do campo, enquanto na Figura 3, relativa à administração de Moreira Franco (1987-90), os ocupantes de tais cargos (inclusive os três presidentes da empresa) localizam-se em posição oposta. Essa tendência se repete em todas as administrações, indicando que os políticos entram na rede de forma pendular, associando-se ao lado oposto do campo da comunidade já ocupado por seus adversários. Em termos concretos, isso resultou na utilização de um lado da rede pelos governadores Chagas Freitas e Leonel Brizola (em seus dois governos), enquanto os governadores Faria Lima, Moreira Franco e Marcelo Alencar utilizaram o extremo oposto do campo. Vale acrescentar que os presidentes sempre se localizam mais ao centro do campo do que o governador e os secretários, e o seu padrão de vínculos tende a ser mais intenso com os vários grupos da comunidade.

Uma dinâmica similar ocorre com as diretorias da empresa, que seguem um padrão de composição polarizada, pelo qual são escolhidos para as diretorias técnicos pertencentes aos grupos próximos ao do presidente (e nunca só deste), cobrindo uma área significativa da comunidade profissional, mas nunca incluindo elementos dos grupos do pólo oposto do campo (que havia sido o "centro" político e decisório de forças políticas adversárias). Mediante as indicações dos diretores, o presidente se apropria provisoriamente das suas posições e contatos para exercer o seu poder.

Como podemos notar na Figura 3, o governo Moreira Franco contou ainda com três vice-presidentes, cargo inexistente até 1987. Esse cargo foi criado quando a presidência da empresa começou a ser ocupada por políticos e outros elementos de fora da comunidade. A partir de então, o presidente passou a se envolver com a política externa, enquanto o vice-presidente (sempre da comunidade) se ocupava da gestão da empresa. Na maior parte das vezes, os vice-presidentes tendem a se localizar ainda mais ao centro do que os presidentes, como mostra a Figura 3, indicando padrões de vínculos mais disseminados e equilibrados entre os diversos grupos.

Vale mencionar ainda a constituição de um grande grupo no alto da figura, composto pelos indivíduos envolvidos em redes de negócios, especialmente corrupção. Esse grande grupo é composto pelos três agrupamentos ligados por esse tipo de vínculo durante os momentos anteriores com origem nas três empresas originais. Estes localizavam-se em regiões distantes entre si, mas foram se aproximando e se associando. A partir de um determinado período já constituíam um único grupo coeso e próximo, confirmando a já citada mudança do padrão de corrupção presente no setor. Esse processo de aproximação paulatina dos grupos indica a existência de uma tendência de médio prazo, não associada a nenhuma administração em particular.26 26 Em Marques (1998a) reconstruí os sociogramas de negócios para cada período, encontrando um aumento da rede, uma elevação da sua complexidade, assim como a posterior unificação das redes originais em um único agrupamento contínuo.

Portanto, considerando-se a baixa politização da comunidade profissional, podemos concluir que são os políticos que se associam aos técnicos para penetrar no setor e exercer sobre ele o seu poder, e não o contrário. Esse processo é fortemente path dependent e reduz o leque de opções de alianças colocado a cada momento, assim como induz determinadas associações, como indicam as posições das presidências nos vários governos. A penetração do poder institucional na comunidade profissional, portanto, é altamente estruturada e mediada pela rede.

Para dar conta de tais dinâmicas, diferenciamos o poder institucional, oriundo da investidura de cargos, do poder posicional, associado à ocupação de determinadas posições na rede de relações da comunidade profissional. Ambas as formas de poder são fundamentais para o desenrolar da ação estatal. Enquanto a primeira forma corresponde ao comando concentrado do Estado e às grandes decisões, a segunda pertence ao reino das capacidades estatais e da transformação do poder despótico do Estado em poder infra-estrutural, no sentido atribuído a tais conceitos por Mann (1992).27 27 Para Mann (1992), o poder do Estado pode ser separado analiticamente em poder despótico — a capacidade de suas elites de realizar ações sem negociação com a sociedade — e poder infra-estrutural — a capacidade das instituições estatais de penetrar no seu território para implementar suas ações. É a rede da comunidade que, em grande medida, dá acesso à segunda forma de poder.

As duas formas de poder correspondem a diferentes facetas do poder estatal e, portanto, transformam-se uma na outra: quem tem cargos consegue, por meio do uso do seu poder, acesso (direto ou "emprestado") a posições, e quem ocupa posições de especial relevância acaba por conseguir poder institucional para disponibilizar seus contatos. Essas transformações dependem das ações dos atores, por vezes do acaso, e principalmente da história da rede (e de cada indivíduo), já que esta constrange as posições que podem ser "emprestadas" por alguém investido de cargos e também influencia o quanto alguém com posições a "emprestar" pode pedir para si. Essa é a forma assumida pela relação entre técnicos do setor e políticos, inclusive os do Legislativo. Esses políticos precisam de técnicos, do mais alto diretor ao chefe local do distrito, para o atendimento a suas bases eleitorais, e a eles oferecem apoio institucional para sua trajetória no interior da administração pública.

A rede da comunidade, portanto, além de contribuir decisivamente para a consolidação interna dos indivíduos e grupos no interior da empresa estatal, realiza a inserção desta no ambiente político mais amplo no qual opera, ao mesmo tempo que permite a transformação de diretrizes gerais em políticas concretas. A dinâmica desse processo no caso estudado aponta, entretanto, para um deslocamento da inserção da empresa em seu ambiente político ao longo do tempo. Isso acontece especialmente na década de 1990, mas certamente já estava em construção durante a segunda metade da década de 1980. Até então, os cargos institucionais internos à comunidade eram ocupados por técnicos do setor, que se relacionavam diretamente com políticos e técnico-políticos localizados no ambiente político mais ampliado. A partir do início do governo Moreira Franco, os cargos existentes no interior da Cedae foram sendo ocupados cada vez mais por elementos de fora da comunidade: entre 1975 e 1982, a Cedae teve três presidentes e dezoito diretores, todos oriundos da comunidade do saneamento, ao passo que no final do período, entre 1991 e 1996, a empresa teve três presidentes de fora para um da comunidade e oito diretores de fora contra quinze oriundos da comunidade. Nesse novo padrão, os principais operadores da política (em todas as dimensões) passaram a ser o vice-presidente e os diretores, assim como posições inferiores na burocracia da empresa. O poder posicional a ser obtido para a operação da política passou a ser trocado por poderes institucionais de menor porte, indicando uma perda relativa de importância do primeiro em anos recentes.

A rede e a permeabilidade do Estado no setor

Paralelamente à dinâmica do poder, a rede da comunidade profissional também estrutura o relacionamento entre o Estado e as empresas privadas do setor, integrando os campos do público e do privado de maneira quase contínua.

Para analisar tal processo, realizei uma série de entrevistas de forma a obter informações que me permitissem relacionar as empresas contratistas de maior destaque nas licitações com a rede da comunidade profissional reconstruída para cada período. Nesse caso, as relações levantadas envolveram apenas vínculos entre indivíduos da rede e empresas privadas em um dado momento, sem precisar o tipo de relação existente. A análise das posições ocupadas por cada empresa, em cada momento, permitiu-me investigar até que ponto o volume de recursos contratado com cada empresa se associa com o padrão de relacionamentos construído por elas.

Primeiramente, reconstituí a rede do setor por período, incluindo os grupos de indivíduos e as empresas privadas. Em seguida, realizei análises de regressão múltipla, tendo como variável dependente o volume de contratos assinados em cada período e como variáveis independentes, algumas estatísticas que medem posições na rede, além do capital das empresas.28 28 As estatísticas da rede são medidas derivadas dos vínculos e da estrutura da rede. Para uma descrição mais pormenorizada da metodologia, ver Marques (1998a e 1998b). Para mais informações técnicas, ver Wasserman e Faust (1994). Cada medida de centralidade testa a importância, para o valor das vitórias em cada ano, de um tipo de posição na rede.

A primeira delas é a mais intuitiva, expressando a distância de cada empresa do presidente e do governador no interior da rede, e testando a possível importância do estabelecimento de vínculos diretos entre as empresas e o núcleo central do poder institucional em cada governo. A segunda medida, denominada "grau", expressa a centralidade da forma mais simples possível, totalizando simplesmente o número de contatos diretos estabelecidos pela empresa. A terceira medida de centralidade, denominada "poder/influência", assemelha-se ao grau mas considera não apenas o número de contatos diretos, como também os contatos dos indivíduos com os quais uma determinada empresa tem contato. Essa medida testa a importância da ligação com elementos centrais e/ou poderosos na rede. A quarta, denominada "intermediação", indica em que proporção uma empresa se encontra necessariamente no caminho entre pontos da rede, e testa a importância da ocupação, pelas empresas, de posições de intermediação na rede da comunidade (tanto entre empresas quanto entre grupos de técnicos). A quinta e última medida relacional é intitulada "informação" e mede a proporção dos caminhos da rede que passam por uma determinada empresa, sejam eles únicos ou não (o que a diferencia da "intermediação"). A Tabela 2 apresenta os coeficientes e as significâncias estatísticas dos diversos modelos.

Como podemos ver, nos vários modelos testados, a única variável a apresentar comportamento estatístico significativo é a variável "informação". Isso indica que é a ocupação de posições que permitem às empresas o acesso a um grande volume de informações que explica o padrão de vitórias em licitações. É necessário observar que não se trata da ocupação de posições que dão acesso a informações privilegiadas, embora essas também possam estar presentes, mas da ocupação de posições por onde fluem volumes especiais de informação.

Observemos também o comportamento das demais variáveis nos modelos. Em primeiro lugar, devemos notar que, ao contrário do que considera o senso comum e uma parte significativa das literaturas pluralista e da teoria das elites, elevados volumes de contratos não são garantidos por uma maior proximidade com o núcleo do Executivo (medida pelo número de passos na rede até o presidente da empresa) ou pelo estabelecimento de relações com pessoas importantes (relações com quem tem muitas relações, medidas pelo "poder/influência"). De forma similar, ao contrário do que considera a maior parte da literatura neomarxista, assim como uma parcela significativa do senso comum, o poder econômico das empresas (medido pelo porte do capital) não garante elevados valores de vitória ao longo do tempo, já que essas duas variáveis não se apresentaram associadas estatisticamente de forma representativa. A análise indicou também que o número absoluto de contatos estabelecidos no interior da rede (grau) não conduz a um maior volume de contratos, da mesma forma que a ocupação de posições de intermediação na rede (intermediação).

Mas será que o acesso à informação é igual para todos os tipos de empresas? Para testar tal hipótese, realizei uma outra análise de regressão entre o capital das empresas e o acesso a informação. Encontrei como resultado uma alta significância estatística, mas um sinal negativo no coeficiente, indicando que quanto maior o capital das empresas, menos presentes elas estão na rede da comunidade e menor o seu acesso a informações. Uma última regressão testou a relação entre o tamanho das empresas e sua proximidade ao núcleo do poder institucional, investigando a relação entre a variável capital social e a proximidade do presidente e do governador. Essa análise também apresentou significância estatística, mas mostrou uma relação direta entre as variáveis, indicando que, quanto maior a empresa, mais próxima ela estará do núcleo do poder oriundo da investidura de cargos.29 29 No primeiro caso, a significância do coeficiente foi de 0,0033, e no segundo, de 0,016.

Assim, empresas de maior capital ocupam menos posições de informação na comunidade, mas têm maior proximidade com o núcleo do Executivo do que empresas pequenas. Essas últimas, que representam as típicas vencedoras de contratos do setor de saneamento em nível local, por outro lado, apresentam grande número de contatos no interior da comunidade profissional e ocupam posições na rede que lhes garantem informações e contratos "por baixo".30 30 Os três casos discrepantes indicados na Tabela 2 reforçam essa hipótese, já que se relacionam com empresas de grande porte.

O padrão de intermediação de interesses existente é, portanto, duplo e combinado, incluindo, de um lado, empresas típicas do setor de saneamento no Rio de Janeiro (familiares ou de menor porte), que utilizam seus vínculos construídos ao longo do tempo (e da vida de seus membros) para obter informações e vencer licitações, e, de outro, empresas de grande porte, com menos vínculos na comunidade mas com maior proximidade com os integrantes do núcleo do poder institucional. A importância dessas empresas tem crescido na década de 1990, não por acaso marcada por uma crise nas obras federais, por uma disseminação das relações de corrupção na comunidade profissional, por um aumento dos elementos de fora nas diretorias e demais cargos e por uma redução relativa da importância do poder posicional na mediação entre a comunidade e o ambiente político.

Vale acrescentar ainda uma observação com relação ao arcabouço legal que cerca as contratações do poder público. A estruturação em rede da comunidade mostra que o princípio da igualdade entre os licitantes presente no direito público é uma ficção jurídica, já que na realidade do mercado de obras públicas a concorrência é mediada pelas posições ocupadas na rede da comunidade. Neste (como na maioria dos mercados), o número de empresas não é grande, elas não são iguais, equivalentes ou intercambiáveis e, especialmente, quase todos os agentes estão em contato entre si e com o Estado, através da rede da comunidade profissional construída de forma gradual ao longo dos muitos anos de convivência e relação entre indivíduos, grupos e empresas.

Conclusões

Este artigo introduziu uma interpretação nova sobre as relações entre Estado e sociedade no Brasil. Tomando como ponto de partida um conjunto de atores definidos a partir de suas posições de poder, desenvolvi uma investigação empírica dos padrões de vínculos entre indivíduos, grupos e organizações que constituem a rede da comunidade profissional da política estudada. A partir desses padrões foi possível analisar e explicar inúmeros fenômenos da política.

Como vimos, a Cedae foi criada a partir da fusão de três empresas públicas, em um processo extremamente conflituoso que marcou intensamente a empresa nos seus primeiros anos de existência. A consolidação da concessionária como organização estatal integrada dependeu, em grande parte, da interpenetração das redes das três empresas na constituição de um único campo de relações. A rede da nova empresa, embora organizada em grupos e claramente estruturada, apresenta grande coesão e estabilidade, demonstradas pela pequena variação de seus membros, assim como pela baixa presença de indivíduos de fora.

A pesquisa mostrou também que é essa nova rede integrada que insere e media a relação da Cedae com o seu ambiente político mais amplo. Como pudemos observar, a entrada dos ocupantes de cargos eletivos e comissionados na comunidade da política estudada se dá em um padrão polarizado pelos grupos presentes no campo, assim como pelas relações já estabelecidas por seus adversários em momentos anteriores. As indicações da presidência e das diretorias da Cedae representam uma forma de os políticos penetrarem em determinadas regiões da rede e se apropriarem provisoriamente das posições de grupos técnicos, assim como de indivíduos. Essa dinâmica marca o desenvolvimento de uma forma específica de poder veiculada pelos elos da rede da comunidade profissional, caracterizada por nós de poder posicional, fundamental para garantir a implementação das diretrizes gerais das políticas estabelecidas, em grande parte, pelos ocupantes do poder institucional.

Por fim, o estudo da rede e das posições dos grupos de técnicos e das empresas privadas no seu interior permite explicar os padrões de contratação de empresas privadas pelo Estado. Como vimos, é a ocupação de determinadas posições na rede que permite a obtenção, ao longo do tempo, de um grande volume de recursos em contratos com o Estado, e não variáveis como a proximidade com o núcleo do poder institucional ou o capital das empresas. Esse processo indica a existência de formas específicas de relacionamento entre o Estado e o setor privado associadas à rede da comunidade e impossíveis de descrever por meio de conceitos como anéis burocráticos e privatização do Estado. Denominei esse processo de permeabilidade estatal, qualificando-o segundo o porte e as características das empresas contratadas.

Assim, o mesmo fenômeno que é responsável pela consolidação estatal e sua ligação com o restante do Estado dá origem a formas de permeabilidade entre este e o setor privado que o fragilizam como organização. Entretanto, ao contrário do que tem sido preconizado por uma parte significativa da literatura, a prevalência de padrões de relacionamento individual como base da estruturação do setor estatal no Brasil não é um resquício do atraso em meio ao moderno que deveria ser superado, mas faz parte das características da própria constituição do Estado brasileiro, e dessa forma deve ser encarado. Só assim será possível desenvolver alterações realistas do arcabouço institucional brasileiro, que compreendam as características negativas de tais traços e tirem proveito do que eles podem trazer de positivo.

NOTAS

BIBLIOGRAFIA

RESUMOS / ABSTRACTS / RÉSUMÉS

REDES SOCIAIS E INSTITUIÇÕES NA CONSTRUÇÃO DO ESTADO E DA SUA PERMEABILIDADE

Palavras-chave Redes sociais; Políticas públicas; Estado; Investimentos públicos; Empreiteiras.

O artigo caracteriza o padrão de relações entre Estado e sociedade presente na formulação e gestão das políticas públicas no Brasil mediante o estudo da política de saneamento básico no Rio de Janeiro entre 1975 e 1996. A composição da rede social da comunidade profissional dessa política e a estrutura dos vínculos que a constituem foram analisadas a partir de um levantamento exaustivo dos padrões de relações entre indivíduos, grupos e organizações presentes na comunidade, assim como da distribuição temporal e espacial dos investimentos públicos e das características das empresas contratadas por meio de licitações. A partir dessa rede foi possível analisar a consolidação da concessionária dos serviços — a Cedae —, a dinâmica do poder no seu interior e as suas relações com o ambiente político que a circunda, assim como explicar a contratação, pelo órgão estatal, das empresas privadas responsáveis pela execução das obras públicas. O artigo conclui que esse padrão, baseado principalmente em relações entre indivíduos, construído de forma paulatina e dinâmica ao longo dos anos, é característico do Estado brasileiro, sendo uma chave para a compreensão da implementação concreta de suas políticas. Sua dinâmica dá origem, simultaneamente, à consolidação dos órgãos estatais e à sua permeabilidade.

SOCIAL NETWORKS AND INSTITUTIONS IN THE CONSTRUCTION OF THE STATE AND ITS PERMEABILITY

Key words Social networks; Public policy; State; Public sector investment; Contractors.

The article describes the relationship between state and society in the formulation and management of public policy in Brazil, through a study of the sanitation policy in Rio de Janeiro between 1975 and 1996. The author identified the professional community's social network surrounding this policy and analyzed its structure through a study of the patterns of relationships between individuals, groups and organizations in the community, as well as of the temporal and spatial distribution of public sector investment and the characteristics of the companies contracted in public action. Through this network, the author analyzed the consolidation of Cedae, the state agency responsible for handing out the contracts, its internal power dynamics and its standing within the surrounding political environment, and explained the contracting of the private sector companies who execute the public works. The article concludes that this pattern, based mainly on relationships between individuals built up steadily over the years, is characteristic of the Brazilian state and is an analytical key to the understanding of the implementation of its policies. Its dynamics give rise simultaneously to the consolidation of state agencies and their permeability.

RÉSEAUX SOCIAUX ET INSTITUTIONS DANS LA CONSTRUCTION DE L'ÉTAT ET DE SA PERMÉABILITÉ

Mots-clé Réseaux sociaux; Politiques Publiques; État; Investissements publics; Entreprises.

L'article caractérise, par l'étude de la politique d'assainissement dans la ville de Rio de Janeiro entre 1975 et 1996, le modèle de relations entre l'État et la société présente dans la formulation et la gestion des politiques publiques au Brésil. L'identification du réseau social de la communauté professionnelle de cette politique et la structure des liens qui la constituent ont été analysés à partir d'un relevé exhaustif des modèles de relations entre individus, groupes et organisations présentes dans la communauté, ainsi que de la distribution temporelle et spatiale des investissements publics et des caractéristiques des entreprises engagées par des appels d'offres. À partir de ce réseau, il a été possible d'analyser la consolidation de la concessionnaire des services — la Cedae —, la dynamique de pouvoir à l'intérieur de cette entreprise et ses liens avec l'environnement politique qui l'entoure. Il a été également possible d'expliquer l'engagement, par l'organe d'État, des entreprises privées responsables de l'exécution des travaux publics. L'article conclut que ce modèle, fondé principalement sur les relations entre les individus, construit peu à peu et de façon dynamique au cours des années, est caractéristique de l'État brésilien, étant la clef pour la compréhension de l'implantation concrète de ses politiques. Sa dynamique est à l'origine, de façon simultanée, de la consolidation des organes de l'État ainsi que de leur perméabilité.

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  • 1
    A escolha de tais atores decorre, em grande parte, de uma ampla discussão crítica da literatura sobre Estado e políticas públicas realizada em Marques (1997). Nesse trabalho, discuti detalhadamente as contribuições das tradições neomarxista, institucionalista, do
    State-in-society e da análise setorial com relação às políticas estatais e seus atores.
  • 2
    Entende-se por comunidade profissional um campo associado a práticas profissionais e de saber, constituído pela adesão a organizações concretas, mas também pela comunhão de uma determinada visão da sociedade e do seu objeto de intervenção. Para uma discussão sobre as diferenças entre o conceito de "campo da comunidade profissional", o conceito de "setor de política" de Muller (1985) e Jobert e Muller (1987) e o conceito de "
    policy domain" de Laumann e Knoke (1987), ver Marques (1998a).
  • 3
    Para uma resenha da literatura de Ciência Política que utiliza análise de redes sociais, ver Marques (1998a).
  • 4
    Ver Somers (1993), Gibson e Mische (1995), Mische (1997) e Mische e Pattison (1999). Os trabalhos de Mische estão entre os poucos estudos sobre a realidade brasileira que enfocam movimentos sociais de jovens em período recente.
  • 5
    Para Schneider (1991), que não utiliza análises de redes, mas parte de uma clara "ontologia relacional", essa é a explicação para a grande capacidade de implementação do Estado brasileiro durante as décadas de 1960 e 1970: os padrões de migração pessoal entre órgãos acabaram por criar um padrão de grande solidez entre os diversos órgãos federais envolvidos com políticas de industrialização.
  • 6
    Nesse sentido, podemos dizer que a rede da comunidade contribui para a construção de uma "autonomia inserida", no sentido de Evans (1993). Esta aumenta as capacidades estatais, mas ao mesmo tempo limita as suas ações, reduzindo a margem para a adoção de linhas de comportamento predatórias ao restante da sociedade.
  • 7
    Não se trata de afirmar que não ocorram
    lobbies implícitos ou explícitos no país (Dreifuss, 1989), ou que o sistema político brasileiro não tenha algumas características comparáveis às dos sistemas corporativistas europeus (Almeida, 1994), mas de descrever de forma precisa a maneira disseminada, resiliente e não inteiramente intencional característica da intermediação de interesses no país. Voltarei a esse ponto mais adiante.
  • 8
    Como a Cedae é uma empresa pública, seus contratos estão sujeitos à legislação de contratações do setor público, que estabelece a realização de licitações como antecedente necessário de qualquer contrato, salvo as exceções previstas em lei, assim como a publicação dos resultados dessas licitações em veículos de ampla circulação.
  • 9
    Para uma descrição detalhada dos regimes legais e sua comparação com relação a inúmeros aspectos, ver Marques (1998a).
  • 10
    Os procedimentos metodológicos descritos aqui foram utilizados por se tratar de uma comunidade muito estável, centrada em uma empresa pública bastante fechada, especialmente no que diz respeito aos processos de decisão. A quase totalidade dos entrevistados trabalha na mesma empresa há mais de 20 anos e conhece pessoalmente quase todos os outros membros da rede. Tomei a precaução, entretanto, de construir a rede de forma preliminar no decorrer da pesquisa e de escolher as próximas entrevistas a partir das posições dos entrevistados, de forma a cobrir todo o campo. Pesquisas sobre campos mais abertos, como por exemplo sobre um setor da economia em nível nacional, necessitariam de um desenho de pesquisa mais fechado.
  • 11
    Essa é uma dimensão muito importante. Alguns autores têm demonstrado que determinados tipos de informação fluem mais facilmente por elos fracos, ao contrário do que considera o senso comum. Cf. Granovetter (1973).
  • 12
    Em Marques (1998a), distingui conceitualmente "corrupção" de "favorecimento de empresa privada" (mesmo quando não há recompensa ao funcionário público) e de "lesão ao Estado" (extração de vantagens do Estado, financeiras ou não, superiores ao serviço ou obra realizada pelo produtor privado). Obviamente os três fenômenos podem ocorrer ao mesmo tempo (e no mesmo episódio), mas a sua distinção analítica permite a sua compreensão mais precisa, assim como, no sentido normativo, um combate mais eficaz a cada prática.
  • 13
    Sob o ponto de vista técnico, cada tipo de vínculo em cada período torna-se uma matriz quadrada, com indivíduos nas linhas e nas colunas, denominada matriz de adjacência ou sócio-matriz. Sobre questões específicas da metodologia da pesquisa ver Marques (1998a), e para um compêndio dos métodos e técnicas ver Wasserman e Faust (1994).
  • 14
    Considerando a menor confiabilidade das informações referentes ao tipo de vínculo, optei por usá-las detalhadamente apenas como etapa intermediária na construção da rede da comunidade. O único tipo de vínculo a receber um tratamento individualizado foi o de negócios.
  • 15
    A comunidade conta ainda com a Associação dos Empreiteiros do Estado do Rio de Janeiro (AEERJ). Entretanto, esta nunca se mobilizou para realizar ações ou produzir projetos na área do saneamento, embora, a partir da segunda metade dos anos 1990, tenha começado a se mobilizar para influir na privatização do setor.
  • 16
    Um presidente do SEAERJ foi presidente de uma das empresas que deram origem à Cedae, na década de 1970, e dois presidentes do Clube de Engenharia foram presidentes da Cedae. Nos três casos, as escolhas para a presidência ajudaram a resolver impasses políticos colocados para os governadores junto aos vários grupos que o apoiavam, funcionando como tercius. Ver Marques (1998a)
  • 17
    Uma exceção a essa regra foi a forte oposição da ABES nacional às tentativas do governo Marcelo Alencar de privatizar a Cedae.
  • 18
    Ver Marques (1998a) para uma discussão detalhada desse aspecto da rede da comunidade.
  • 19
    As empresas da Guanabara eram herdeiras da experiência mais bem-sucedida em termos de gestão e recursos humanos do setor, a Superintendência de Urbanização e Saneamento (Sursan), criada em 1957 mas ativa principalmente nos anos 1960. A Sursan foi a primeira empresa do setor a obter um empréstimo internacional (do BID), a instituir a cobrança do consumo de água por tarifas, a estabelecer o regime de dedicação exclusiva com aumento dos salários e a implantar uma agência para cuidar da poluição (IES). Contava ainda com um programa de treinamento de funcionários que incluía o acesso direto às publicações estrangeiras mais recentes e um convênio com a ONU por meio do qual inúmeros técnicos freqüentaram cursos e estágios no exterior. Cf. Marques (1998a).
  • 20
    O rebatimento dos conflitos ocorridos em decorrência da fusão no imaginário dos funcionários aparece em falas como esta, de um técnico que foi por duas vezes diretor da Cedae: "éramos três grupos — os `brancos' (da Cedag), os `porto-riquenhos' (da Esag) e os `negros' (da Sanerj)". O entrevistado em questão era "porto-riquenho".
  • 21
    Ver Marques (1998a) para os sociogramas e a descrição das redes de negócios por período.
  • 22
    Ou seja, indivíduos com uma carreira de origem técnica e associados a determinadas burocracias, mas que a partir de um determinado momento se tornam políticos, inclusive disputando cargos eletivos, sem no entanto representarem eleitorado algum. Em inúmeros casos, continuam ligados à gestão das questões com as quais trabalhavam, mas realizam principalmente a mediação entre os políticos (que trazem consigo a influência política) e os técnicos (que carregam consigo a racionalidade técnica). Schneider (1991, p. 8). Ver também Centeno (1994) para o conceito de burocratas-políticos, bastante similar, mas demasiadamente atado à realidade do sistema político mexicano para descrever a realidade brasileira.
  • 23
    O sociograma da
    Figura 1, por exemplo, incluía 361 relações, enquanto a escala da
    Figura 2 apresenta 552 vínculos.
  • 24
    Por restrições de espaço, não apresentei e discuti aqui a rede em cada um dos períodos, assim como a dinâmica dos grupos em seu interior, sendo o leitor interessado remetido para Marques (1998a).
  • 25
    Obviamente, o que interessa são as posições relativas. As posições "à esquerda", "à direita", "acima" e "abaixo" são arbitrárias e poderiam ser invertidas sem nenhum prejuízo do sentido da representação.
  • 26
    Em Marques (1998a) reconstruí os sociogramas de negócios para cada período, encontrando um aumento da rede, uma elevação da sua complexidade, assim como a posterior unificação das redes originais em um único agrupamento contínuo.
  • 27
    Para Mann (1992), o poder do Estado pode ser separado analiticamente em poder despótico — a capacidade de suas elites de realizar ações sem negociação com a sociedade — e poder infra-estrutural — a capacidade das instituições estatais de penetrar no seu território para implementar suas ações.
  • 28
    As estatísticas da rede são medidas derivadas dos vínculos e da estrutura da rede. Para uma descrição mais pormenorizada da metodologia, ver Marques (1998a e 1998b). Para mais informações técnicas, ver Wasserman e Faust (1994).
  • 29
    No primeiro caso, a significância do coeficiente foi de 0,0033, e no segundo, de 0,016.
  • 30
    Os três casos discrepantes indicados na
    Tabela 2 reforçam essa hipótese, já que se relacionam com empresas de grande porte.
  • *
    Agradeço a Argelina Figueiredo e a Simone Diniz, assim como a dois pareceristas anônimos da
    RBCS, as observações feitas à versão preliminar deste artigo. Desnecessário dizer que as inconsistências ainda presentes são de minha inteira responsabilidade.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Maio 2000
    • Data do Fascículo
      Out 1999
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