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Políticas públicas de garantia do direito à convivência familiar e comunitária

Public policies of ensuring the right to family and community environment

Resumos

O Estatuto da Criança e do Adolescente determina que toda criança e adolescente têm direito à convivência familiar e comunitária. A defesa, garantia e promoção desse direito tem ocorrido a partir de programas governamentais e não-governamentais, através de uma das modalidades de atendimento da Assistência Social Brasileira: Proteção Social Especial. O objetivo deste trabalho é discutir sobre as políticas de garantia desse direito, a partir de programas que visam à preservação e à reinserção familiar. Pode-se constatar que a legislação brasileira vigente busca atender crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, e que existem programas direcionados a esta população, contudo ainda são escassos. Assim, discute-se a importância da construção de programas de atenção a esta população e suas famílias e da formação de equipes profissionais capacitadas para este trabalho, efetivando o direito à convivência familiar e comunitária.

ECA; situação de risco; criança; adolescente


The Child and Adolescent Statute determines that all children and adolescents have the right to live in a family and community environment. The defense, guarantee and promotion of this right have happened through governmental and non-governmental programs, through one of the services provided by the Brazilian Social Assistance, called Special Social Protection. The goal of this article is to discuss about public policies that guarantee such right through programs which aim family reunification and preservation. The Brazilian law goals to attend of children and adolescents at vulnerability conditions, and there are programs towards this population, although they still are scarce. Thus, this paper discusses the importance of creating programs that focus on this population and their families, as well as training professional staff to enable such work, in order to ensure that the right to live in a family and community environment is kept.

Child and Adolescent Statute; risk situation; child; adolescent


Políticas públicas de garantia do direito à convivência familiar e comunitária

Public policies of ensuring the right to family and community environment

Aline Cardoso SiqueiraI; Débora Dalbosco Dell'AglioII

IUniversidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Brasil

II Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil

RESUMO

O Estatuto da Criança e do Adolescente determina que toda criança e adolescente têm direito à convivência familiar e comunitária. A defesa, garantia e promoção desse direito tem ocorrido a partir de programas governamentais e não-governamentais, através de uma das modalidades de atendimento da Assistência Social Brasileira: Proteção Social Especial. O objetivo deste trabalho é discutir sobre as políticas de garantia desse direito, a partir de programas que visam à preservação e à reinserção familiar. Pode-se constatar que a legislação brasileira vigente busca atender crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, e que existem programas direcionados a esta população, contudo ainda são escassos. Assim, discute-se a importância da construção de programas de atenção a esta população e suas famílias e da formação de equipes profissionais capacitadas para este trabalho, efetivando o direito à convivência familiar e comunitária.

Palavras-chave: ECA; situação de risco; criança; adolescente.

ABSTRACT

The Child and Adolescent Statute determines that all children and adolescents have the right to live in a family and community environment. The defense, guarantee and promotion of this right have happened through governmental and non-governmental programs, through one of the services provided by the Brazilian Social Assistance, called Special Social Protection. The goal of this article is to discuss about public policies that guarantee such right through programs which aim family reunification and preservation. The Brazilian law goals to attend of children and adolescents at vulnerability conditions, and there are programs towards this population, although they still are scarce. Thus, this paper discusses the importance of creating programs that focus on this population and their families, as well as training professional staff to enable such work, in order to ensure that the right to live in a family and community environment is kept.

Keywords: Child and Adolescent Statute; risk situation; child; adolescent.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) preconizou em 1990 que toda criança e adolescente têm direto à convivência familiar e comunitária. Apesar desse direito estar presente de forma clara nessa legislação há quase 20 anos, espaços de discussão acerca da defesa, promoção e garantia desse direito têm sido criados somente nos últimos anos. Apenas em 2004/2005, um plano de ação específico para a promoção desse direito foi produzido – Plano Nacional de Promoção de Defesa e Garantia dos Direitos de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. As reflexões sobre a garantia desse direito tangenciam dois complexos campos das políticas públicas de promoção da infância: o da Preservação e o da Reinserção Familiar. Dessa forma, o objetivo deste trabalho é discutir sobre as políticas de garantia do direito à convivência familiar e comunitária, a partir do entendimento de programas que visam à preservação e à reinserção familiar, refletindo sobre como se poderia maximizar o impacto de tais políticas na realidade brasileira.

Legislação e políticas públicas de promoção do direito à convivência familiar e comunitária

A legislação e as políticas públicas direcionadas à infância e juventude no Brasil têm se modificado através dos anos. Cruz, Hillesheim e Guareschi (2005) apresentaram o percurso dessas mudanças no campo jurídico, iniciando pela apresentação da "Lei dos Municípios" em 1828, passando pela "Declaração Universal dos Direitos da Criança" em 1959, o "Código de Menores" em 1979 e a "Convenção sobre Direitos da Criança" em 1989, até a formulação do ECA (1990), resultado de todo esse processo de discussão e articulação.

Entre os anos de 2004 e 2005, o Plano Nacional de Promoção de Defesa e Garantia dos Direitos de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária foi construído por entidades que atuam nesse campo, como Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) e o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS). Seus objetivos são: (a) ampliar, articular e integrar políticas, programas, projetos, serviços e ações de apoio sociofamiliar; (b) difundir a cultura de promoção, proteção e defesa do direito à convivência familiar e comunitária; (c) priorizar o cuidado da criança/adolescente em seu ambiente familiar e comunitário em sua família natural, família extensa e rede social de apoio; (d) promover o reordenamento institucional; (e) fomentar programas que promovam a autonomia do adolescente e/ou jovens egressos de abrigos; (f) aprimorar os procedimentos de adoção nacional e internacional e (g) integrar mecanismos para financiamento pelas instâncias governamentais das ações previstas neste Plano, entre outros (Rizzini, Rizzini, Naiff, & Baptista, 2006).

Também em 2005, o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) aprovou a Norma Operacional Básica (NOB) do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), estabelecendo um conjunto de regras de operacionalização da Assistência Social no Brasil. A NOB propõe duas modalidades de atendimento assistencial: Proteção Social Básica e Proteção Social Especial. A Proteção Social Básica tem como objetivos prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Prevê o desenvolvimento de serviços, programas e projetos locais de acolhimento, convivência e socialização de famílias e de indivíduos em situação de vulnerabilidade social. Já a modalidade de atendimento Proteção Social Especial é destinada a famílias e indivíduos em situação de risco pessoal e social, como abandono, maus tratos físicos e/ou psíquicos, abuso sexual, abuso de drogas, cumprimento de medidas sócio-educativas, situação de rua, situação de trabalho infantil, entre outras. Essa modalidade de atendimento assistencial dá origem a serviços que exigem acompanhamento individual e maior flexibilidade nas intervenções. Possuem uma estreita interface com o sistema de garantia de direito, exigindo, muitas vezes, uma gestão mais complexa e compartilhada com o Poder Judiciário, Ministério Público, entre outros, e ações do Executivo (Secretaria Nacional de Assistência Social, 2004). Considerando a descrição das modalidades de atendimento, propostas pelo SUAS (CNAS, 2004), programas de apoio familiar poderiam ser subsidiados pela vertente da Proteção Social Básica, prevenindo questões de risco e fortalecendo às famílias sem sérios problemas sociais. Programas destinados à preservação familiar e reinserção familiar de crianças e adolescentes institucionalizados poderiam ser desenvolvidos pelos serviços da modalidade de Proteção Social Especial, visto que em ambos pressupõe-se o atendimento de casos em que algum tipo de violação dos direitos da criança e/ou adolescente exista, sendo considerados em situação de risco. Tanto os programas de preservação quanto os de reinserção familiar objetivam a garantia do direito fundamental à convivência familiar, preconizado pelo ECA (1990), e por isso, torna-se necessário um aprofundamento desses temas.

A preservação familiar (PF)

Ações que busquem ajudar e apoiar às famílias na resolução de dificuldades e problemas emocionais e sociais pertencem a uma política de preservação familiar (PF). Essa política é composta por programas que atuam no contexto familiar, nos quais diferentes tipos de suporte podem ser providos, evitando que os problemas apresentados se agravem e requeiram medidas mais drásticas, como o afastamento dos filhos da família, levando ao rompimento de vínculos e a institucionalização.

Internacionalmente, há um incentivo às ações que visam à preservação familiar, sendo desenvolvidas por agências governamentais e não-governamentais (Family Preservation Services). São ações de curto a médio prazos que apostam no fortalecimento das famílias em crise, em situação de risco, através do incremento da parentalidade e do funcionamento familiar, evitando o afastamento desnecessário das crianças. Esse tipo de programa cresceu, nas últimas décadas nos EUA em reconhecimento às ideias de que a criança necessita de uma família segura e estável e que o afastamento familiar traz consequências traumáticas, constituindo hoje um dos pilares no que diz respeito ao atendimento de famílias em situação de risco social e pessoal (Barth, Guo, & McCrae, 2007; Nelson, 2000). Esses serviços estão embasados na convicção que muitas crianças e adolescentes podem ser protegidas e criadas com segurança em suas próprias famílias quando seus pais/cuidadores estão sendo apoiados por programas de empoderamento para mudar suas vidas. São desenvolvidos por profissionais com formação em bem-estar da criança, frequentemente assistentes sociais; possuem duração de quatro a 12 semanas, sendo que o profissional deverá atender de duas a no máximo 12 famílias concomitantemente, para que seja capaz de realizar um trabalho intensivo na residência familiar (Nelson, 2000).

Esses programas possuem diretrizes comuns, como (a) o oferecimento de uma intervenção intensiva, (b) a consideração da família como uma unidade, (c) o fornecimento de apoio e suporte na própria residência da família, (d) o oferecimento de um atendimento contextualizado, baseado nas necessidades específicas das famílias e (e) curto prazo de tempo (Walton, 2001). Estão fundamentados teoricamente na perspectiva do fortalecimento e empoderamento familiar, enfatizando o treino de uma série de habilidades úteis para o manejo de problemas cotidianos (Walton, 2001).

O sucesso dos programas de PF tem sido mensurado através da permanência da criança na família, demonstrando a ocorrência de mudanças positivas na vida familiar, como seu funcionamento, melhoria na qualidade da parentalidade e segurança da criança (Barth et al., 2007; Nelson, 2000; Walton, 2001). Estudos indicam que os programas dessa natureza têm demonstrado eficiência na preservação da criança na família (Walton, 2001). O estudo de Schwartz, AuClaire e Harris (1991) analisou o impacto do programa de PF para adolescentes em situação de risco, comparando-os com um grupo controle e encontrou que 43,6% dos adolescentes participantes desse programa ainda permaneciam com suas famílias após 12 meses, ao passo que, para os adolescentes do grupo de comparação, a taxa foi de 8,6%. Do ponto de vista das famílias, o estudo de Kauffman (2007) revelou uma percepção positiva e satisfatória dos programas de PF. Eles relataram que o programa havia contribuído para uma melhor comunicação familiar, para recuperação da esperança no seu funcionamento, para melhoramento das habilidades parentais, para recuperação do senso de controle de suas vidas, entre outros aspectos. Dessa forma, percebe-se que programas que buscam atuar no contexto de famílias com problemas incipientes têm sido utilizados internacionalmente e têm demonstrado seus benefícios para famílias em situação de risco social e pessoal.

Na realidade brasileira, programas desta natureza, mesmo que não sejam nomeados dessa forma, existem, contudo ainda são escassos e pouco investigados no meio científico. Rizzini et al. (2006) apresentaram nove programas bem sucedidos, desenvolvidos nos Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Pernambuco, que buscam o acolhimento e o fortalecimento familiar. Essas iniciativas demonstram que, mesmo em situações muito adversas, a família pode ser apoiada de forma a evitar a separação ou a perda de seus filhos. Os serviços desenvolvidos por esses programas são atendimentos individuais, triagem, encaminhamentos, planejamento, articulação, entre outros, estando intimamente atrelado ao público alvo de cada programa. Por exemplo, no programa que atende portadores do vírus HIV, atendimentos psicológicos, médicos e social são oferecidos no ambiente hospitalar; nos programas voltados para famílias que se encontram nas ruas, as mães são o foco do atendimento, tendo por objetivo construir metas progressivas para elas e suas famílias, de forma que deixem de viver no contexto da rua. Já quando a abordagem se dá com as crianças e adolescentes em situação de rua, o atendimento é diferenciado: uma equipe de reintegração familiar busca um trabalho em rede, para que a avaliação da família do jovem e o oferecimento de apoio/atendimento psicossocial sejam realizados.

A maior parte dessas iniciativas é desenvolvida por entidades não-governamentais, que são mantidas, muitas vezes, por organismos internacionais. Essas condições limitam o alcance das ações e a possibilidade de multiplicação, tendo em vista que o recurso é escasso e que, portanto, estas iniciativas acabam atingindo uma pequena parcela da população em situação de vulnerabilidade social. Por outro lado, de acordo com Rizzini e colaboradores (2006), o diferencial desses programas está no engajamento dos profissionais que, em seu trabalho em equipe, estabelecem relações democráticas de trabalho, capacitações frequentes, reiterando o compromisso que assumem com a proposta de garantia da convivência familiar como direito fundamental, assumindo um papel importante na assistência social brasileira. De qualquer forma, destaca-se que as iniciativas não-governamentais também teriam que ter um acompanhamento por órgãos do governo, de forma que o trabalho desenvolvido e a aplicação dos recursos financeiros pudessem ser avaliados, medindo seu impacto.

Os programas sociais governamentais são essencialmente de transferência condicional de renda, tais como a "Bolsa Escola", a "Bolsa Família", "Família Cidadã", entre outros programas (Aguiar & Araújo, 2002; Lindert, Linder, Hobbs, & de la Brière, 2007; Waiselfisz, Noleto, Bonder, Dias, & Chiechelski, 2004). Esses programas fornecem uma ajuda financeira a partir de exigências que devem ser cumpridas pelas famílias beneficiárias, como frequência escolar das crianças e adolescentes das famílias e visitas regulares ao posto de saúde da comunidade.

Em 2004, foram encontrados na realidade brasileira cerca de 17 diferentes programas sociais, sendo que nove destes eram direcionados às famílias em situação de pobreza e vulnerabilidade pessoal e social, além de instituições que atendem crianças e adolescentes abandonados e/ou vítimas de violência (Comissão de Assuntos Sociais, 2004). Entre esses nove programas, cinco eram de transferência condicional de renda (Auxílio-gás, Bolsa Alimentação, Bolsa Escola, Bolsa Família, Cartão-alimentação e Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI); um programa estava direcionado também a instituições de atendimento à infância e juventude em risco (Serviço de Ação Continuada-SAC); um programa objetivava atender vítimas de abuso e exploração sexual (Programa Sentinela); e apenas um programa, buscava capacitar jovens em suas habilidades pessoais e sociais, promovendo uma inserção social e oportunidade de qualificação profissional (Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano). Assim, pode-se constatar um predomínio de programas sociais de transferência de renda mínima, em detrimento de programas que busquem o fortalecimento familiar e enfrentamento das causas da pobreza, institucionalização e violência.

Segundo IBGE (2008), em 2006, existiam 10 milhões de famílias recebendo recursos de pelo menos um programa social de transferência de renda, e, a julgar pela política do atual governo federal, esses números tendem a crescer. Muitas críticas têm sido tecidas a esses programas. Aguiar e Araújo (2002) afirmam que esses programas acabam reduzindo a problemática social do Brasil à escassez de recurso financeiro, desconsiderando outros fatores de risco inseridos na vulnerabilidade social e colaboram para uma "acomodação" à precária situação vivenciada por estas famílias visto que as causas dessas precárias condições não estão sendo trabalhadas. Esses críticos sugerem que oportunidades de trabalho deveriam ser oferecidas a esses cidadãos ao invés de recurso financeiro, e a criação de políticas que visem ao combate da pobreza e das consequências sociais atreladas a ela, como a institucionalização. Por outro lado, os programas de transferência condicionada de renda, ao minorar a privação de renda de famílias pobres a curto prazo, buscar interromper o ciclo intergeracional de transmissão da pobreza e condicionar o benefício à vinculação escolar dos filhos, têm sido um efetivo instrumento de incremento das condições de educação dos segmentos pobres da população (Soares, Ribas, & Osório, 2007). O que não gera controvérsia é a necessidade de construir propostas alternativas aos programas de transferência de renda que aliem tanto a qualificação profissional e cidadã quanto uma remuneração digna.

A reinserção familiar (RF)

Nos casos em que os direitos das crianças e adolescentes são violados ou estão sob ameaça, uma alternativa de proteção é o afastamento familiar do jovem e o seu ingresso em instituições de abrigo. Sendo a medida de abrigamento provisória, estratégias de reinserção familiar devem ser objetivadas a fim de garantir o direito à convivência familiar e comunitária. Ações de reinserção familiar são aquelas que buscam promover a união de crianças e adolescentes afastados da família por abandono ou maus tratos com seus familiares, e nesse sentido, atuam em prol da garantia do direito fundamental à convivência familiar e comunitária, conforme preconiza o ECA (1990). A reinserção familiar de crianças e adolescentes institucionalizados tem assumido cada vez mais espaço na sociedade e em centros de pesquisa científica no Brasil. Inúmeras formas de nomear esse processo são encontradas, como desligamento institucional, desabrigamento, reintegração familiar, desinstitucionalização, retorno à família/convivência familiar, reunificação familiar e reinserção familiar. São diferentes expressões para se referir ao processo de saída de uma instituição de abrigo e o retorno à família, seja família de origem, extensa e adotiva.

Segundo o ECA (1990), o retorno ao convívio familiar deve ser promovido assim que a família apresentar condições favoráveis para o retorno do jovem. A entidade de abrigo é responsável por promover o restabelecimento e a preservação dos vínculos familiares; comunicar às autoridades jurídicas, periodicamente, os casos inviáveis de reatamento dos vínculos; proceder a um estudo social e pessoal de cada família; reavaliar periodicamente cada caso, dando ciência dos resultados à autoridade competente; manter programas destinados ao apoio e acompanhamento de egressos, entre outras determinações. No entanto, tem-se conhecimento de que as equipes dos abrigos são pequenas e não apresentam condições de atender a todas as determinações legais, tornando-se difícil a efetivação de seus objetivos e a reinserção dos jovens de forma rápida. Assim, muitos jovens no Brasil passam anos abrigados, embora de acordo com o ECA (1990) esta situação deva ser provisória (Arpini, 2003; Siqueira, Morais, Dell'Aglio, & Koller, 2010).

No campo científico, ainda existe uma carência de pesquisas disponíveis na realidade brasileira sobre o tema da reinserção, ao passo que em outros países, pesquisas têm sido a base de programas de intervenção de retorno familiar há décadas (Davis, Landsverk, Newton, & Ganger, 1996; Maluccio, 2000; Maluccio, Abramczyk, & Thomlison, 1996; Maluccio, Fein, & Davis, 1994; Maluccio, Warsh, & Pine, 1993). Apesar das indiscutíveis diferenças culturais e nos sistemas de atenção e proteção à infância e à juventude em situação de risco dos diferentes países do mundo, conhecer estudos internacionais é essencial para a compreensão desse fenômeno e pode contribuir na idealização e proposição de programas de atendimento adequados para contextos particulares, como o brasileiro. A reunificação familiar de crianças e adolescentes com suas famílias de origem constitui uma área complexa no que diz respeito às políticas públicas de proteção ao bem estar da criança. Reunificação familiar é definida não só como a reunião física de crianças e adolescentes, que estavam sob cuidados não-familiares, com suas famílias de origem, mas também abrange um entendimento mais amplo, enquanto reunificação psicológica. É o processo planejado de reconexão de crianças em cuidados substitutos com suas famílias através de uma variedade de serviços e apoios às crianças, às suas famílias, aos cuidadores substitutos ou a outras pessoas envolvidas nesse processo (Maluccio & Ainsworth, 2003; Maluccio, Warsh, & Pine, 1993; Pine, Spath, & Gosteli, 2005). Promover a reunificação familiar é agir em prol da conservação dos laços afetivos familiares e do sentimento de conexão da criança com os membros da sua família, mesmo antes da reunião física (Maluccio, 2000; Maluccio, Abramczyk, & Thomlison, 1996; Maluccio, Fein, & Davis, 1994).

O estudo de Landy e Munro (1998) mostrou que a preparação prévia das famílias para a reunificação é um elemento facilitador para o sucesso da reinserção familiar. Essa preparação depende essencialmente das características dos casos e dos fatores de risco presentes que devem ser enfrentados, podendo incluir desde a inclusão da família em programas de moradia, educação e alimentação, até o acompanhamento e tratamento de abuso de drogas e treinamento para parentalidade, entre outros.

Certas problemáticas familiares influenciam na possibilidade de reunificação familiar e na reincidência do afastamento. Festinger (1996) encontrou que crianças que estiveram mais tempo afastadas da família e que apresentaram mais retorno ao cuidado substituto (reincidência) eram aquelas que possuíam cuidadores com inúmeros problemas, tais como doença mental, pobres habilidades parentais, ausência de apoio social, pouco apego com seus filhos, pouca participação nas atividades da comunidade, isolamento social e recusa pelos serviços sociais oferecidos. Destaca-se que os fatores de risco altamente correlacionados com a reincidência foram pobres habilidades parentais, número e severidade de problemas das próprias crianças e adolescentes e ausência de apoio social (Festinger, 1996). Já o estudo de Wells e Guo (1999) encontrou maior risco para o retorno ao cuidado substituto, entre os jovens mais velhos, que vivenciaram mudança de cuidados substitutos durante o afastamento, ficaram poucos meses em cuidados substitutos e que, antes do afastamento, estavam vivendo com pessoas que não eram suas familiares. Courtney (1995) ainda destaca que a taxa de reincidência é mais alta nos primeiros meses de reunificação, sugerindo a necessidade de um programa de acompanhamento especial para as famílias durante este período crítico.

As crianças advindas de famílias que experenciam problemas econômicos ou que têm problemas de saúde e de comportamento possuem mais chances de retornar aos cuidados substitutos do que aquelas crianças sem estes aspectos (Jones, 1998). No que se refere à família extensiva, o estudo de Courtney (1994) indicou que as crianças que já estavam vivendo com outros familiares, quando institucionalizadas, apresentam um processo de reunificação mais demorado do que aquelas que não estavam, contudo, uma vez que a reunificação ocorria, a reincidência do afastamento era muito menor para as crianças reunificadas com parentes do que com não-parentes, como amigos dos cuidadores e vizinhos (Courtney, 1994; Wells & Guo, 1999).

A reintegração familiar junto a amigos, vizinhos ou a outras pessoas fora da família nuclear e extensiva também é uma opção para diminuir o tempo de permanência de crianças e adolescentes em cuidados substitutos. Pine, Spath e Gosteli (2005) esclarecem que a legislação norte-americana exige o desenvolvimento de um plano concomitante enquanto a família está sendo trabalhada com vistas à reunificação, quando a criança está em cuidados substitutos há pelo menos 15 meses e não há previsão de retorno para sua própria família. Nesses casos, buscam-se possíveis cuidadores, como outros parentes mais distantes, ou mesmo vizinhos, professores e amigos dos familiares, podendo resultar em adoção dessas crianças e adolescentes (Pine, Spath, & Gosteli, 2005).

As visitas frequentes, antes do desligamento institucional, entre cuidadores/pais e filhos afastados da família têm sido consideradas um poderoso fator para a efetivação da reunificação familiar (Davis, Landsverk, Newton, & Ganger, 1996; Leathers, 2002; Warsh & Pine, 2000; Wright, 2001). O plano de visitas é o principal mecanismo através do qual as relações familiares podem ser mantidas enquanto a criança ou adolescente está sob cuidados substitutos. A visitação é definida como contato planejado e face-a-face entre o jovem e sua família, seja biológica, de origem, adotiva ou extensiva. Ela proporciona um contexto para aprendizagem para pais dispostos a fornecer um ambiente seguro para seus filhos, mitigando o dano inerente do afastamento familiar (Wright, 2001). Os benefícios da visitação ocorrem através do sentimento de segurança transmitido à criança e ao adolescente de que os familiares desejam manter contato; do amadurecimento advindo da experiência da separação que pode levar a ganhos desenvolvimentais para o jovem; e da promoção da manutenção dos laços familiares enquanto oportunidades de aprendizagem e prática de novos comportamentos e estilos de comunicação são oferecidas aos seus familiares (Warsh & Pine, 2000). A visitação ajuda tanto a criança e/ou adolescente quanto seus familiares a enfrentarem e lidarem com o sofrimento do afastamento familiar; contribui para um empoderamento familiar e senso de esperança; proporciona oportunidade para uma mudança familiar através da aprendizagem de novas formas de interação; ajuda-os a enfrentar e lidar com a realidade à medida que visitas regulares combatem as ideias distorcidas relacionadas ao afastamento familiar e aos cuidados substitutos, melhorando suas capacidades de lidar com a realidade; e reduz significativamente o tempo de permanência em cuidados substitutos (Wright, 2001).

Para Warsh e Pine (2000), existem inúmeras ações que devem ser implementadas por assistentes sociais, cuidadores e gestores dos abrigos no processo de visitação familiar. A proximidade geográfica é o primeiro elemento-chave para o sucesso do plano de visitação: a criança e o adolescente devem ser abrigados em unidades próximas dos pais e outros parentes importantes da família, de preferência, na mesma comunidade, para facilitar as visitas. É importante garantir a visitação abrigando a criança próxima da família, pois estudos indicam que as vítimas de abuso quando visitadas pelos familiares, conforme recomendado pelo plano de reunificação, possuem 10 vezes mais chances de serem reunificadas com sucesso (Davis, Landsverk, Newton, & Ganger, 1996). O segundo elemento-chave é o treinamento das equipes de funcionários dos abrigos, mães e pais sociais para que eles implementem as visitas e, acima de tudo, promovam encontros positivos entre as crianças e os adolescentes com seus familiares. A pesquisa de Gean, Gillmore e Dowler (1985) encontrou que quando os cuidadores demonstravam-se contra ou expressavam ansiedade com a visitação, as crianças também apresentavam sintomas de ansiedade.

A presença de um plano formal de visitas constitui-se no terceiro elemento-chave para o sucesso do plano de visitação. É importante o estabelecimento de um plano formal de visitas, especificando para o caso em questão o objetivo das visitas, frequência, duração, local, supervisão, os participantes dos encontros, os serviços de apoio e as atividades planejadas para este momento (Pine & Warsh, 2000). Quando não há uma agenda para a visitação, os familiares tendem a não realizar os encontros, e quando há, eles tendem a respeitá-la e segui-la, especialmente se eles participaram da construção desse plano.

O quarto elemento-chave é a realização de um trabalho concomitante com as famílias de origem para que os encontros sejam de qualidade. Durante o período de permanência da criança e adolescente no abrigo ou cuidados substitutos, as famílias de origem devem ser avaliadas, acompanhadas e apoiadas nas suas dificuldades, mas também, oportunidades de desenvolver interações positivas com seus filhos devem ser oferecidas. Segundo Pine, Warsh e Maluccio (1993), os pais/cuidadores necessitam de ajuda para aprender como interagir de maneira positiva com seus filhos e como aproveitar esse momento. O objetivo é interligar as atividades desenvolvidas na visitação com os pontos as serem melhorados nas famílias. Por exemplo, em uma família na qual há abuso físico haverá a necessidade de melhorar as práticas educativas parentais, a partir, por exemplo, do fortalecimento de estratégias não-abusivas durante as visitas, oportunizando a aprendizagem de um modo diferente de educar os filhos.

Por fim, o quinto elemento está relacionado à intensidade gradual da visitação: as visitas devem levar em consideração a intensidade das dificuldades presentes nas famílias. Visitas não devem ser promovidas enquanto ainda existam fatores de risco graves no contexto familiar, como abuso de drogas e violência doméstica. Deve-se planejá-las a partir das condições que tanto cuidadores quanto crianças apresentam para lidar com tais dificuldades, evitando um desgaste excessivo. Essa estratégia ajuda as famílias a gradualmente adquirir competência nas áreas que necessitam ser fortalecidas. Visitas sem supervisão e que incluam mais de um dia devem ser estabelecidas na etapa final do plano, quando houver uma garantia maior de segurança e proteção. Além disso, o plano de visitação deve considerar as condições, dias e horários possíveis para a família e, nos casos necessários, arcar com os custos de transporte e alimentação das mesmas para que o plano seja garantido (Warsh & Pine, 2000).

Pesquisas têm confirmado o importante papel da visitação prévia para a reconexão entre crianças e adolescentes com suas famílias, bem como para a efetivação da reinserção familiar. O estudo de Landy e Munro (1998) descobriu que as crianças e adolescentes abrigados que receberam visitas periódicas dos pais tiveram mais chances de voltarem para casa do que aqueles que receberam menos visitas. O tipo de atividades desenvolvidas entre os pais/cuidadores e seus filhos mostrou-se importante para o plano de visitação. Atividades que permitam uma integração dos pais na vida do filho que vive em cuidados substitutos durante o abrigamento, tais como atividades cotidianas informais, reuniões escolares, compras e consultas médicas, trazem maiores benefícios para o desenvolvimento psicoemocional das crianças do que visitas sem tais atividades e sem planejamento (Leathers, 2002). Além disso, visitas na casa dos cuidadores ou na própria casa dos cuidadores substitutos (foster care) estão diretamente relacionadas a uma maior frequência de visitação se comparadas à frequência das visitas que ocorrem na agência de bem-estar da criança ou lugares impessoais. O engajamento da mãe/cuidador no plano de reunificação e em atividades da vida do seu filho também foi associado a uma maior frequência de visitação, aumentando as chances de reunificação.

Na realidade brasileira, o processo de reinserção familiar de crianças passou a ser foco de pesquisas recentemente. Segundo Azor e Vectore (2008), os fatores que contribuíram para o retorno ao convívio familiar de jovens abrigados foram insistência do Poder Judiciário; acompanhamento familiar por profissionais; adequação da moradia; e desejo dos familiares. Foi observado, também, que o conhecimento das condições emocionais, a motivação da família e as expectativas relacionadas ao retorno do jovem são mais importantes no momento de promover a reinserção familiar do que avaliar apenas as condições econômicas da família.

O estudo de Silva e Nunes (2004) apontou que após o retorno à família, os jovens acabam sendo inseridos na situação de vulnerabilidade social na qual seus familiares encontravam-se. Nesse estudo, tanto os familiares quanto os egressos dos abrigos apresentavam-se fora do mercado de trabalho formal, desempenhando atividades esporádicas de venda ou limpeza e de recolhimento de papel nas ruas. Mesmo tendo frequentado a escola durante o abrigamento, 57% dos egressos abandonaram os estudos, e, além disso, os mesmos mantinham relações afetivas pobres e conflituosas com seus familiares. Siqueira (2009a), ao investigar o processo de reinserção familiar de cinco adolescentes, constatou uma fragilidade no plano de reinserção, como ausência de uma avaliação efetiva, ausência da preparação dos adolescentes e familiares, ausência de um acompanhamento sistematizado, entre outros aspectos.

Considerações acerca das características das famílias também são importantes quando se está buscando a reinserção familiar. A literatura mostra que a situação de vulnerabilidade das famílias encontra-se associada à sua condição socioeconômica desfavorecida e ao panorama brasileiro de desigualdade social (Ferrari & Kaloustian, 1994). No entanto, a pobreza não é a causa do processo de vitimização que ocorre nas famílias, embora venha sendo considerada um fator de risco para problemas familiares, juntamente com outros fatores, como negligência parental, padrões parentais de cuidado e supervisão inadequada, modelos de responsabilidade social e desempenho acadêmico inapropriados, pobreza, rigidez nas práticas educativas e doença mental dos pais (Seifer, Sameroff, Baldwin, & Baldwin, 1992).

A pobreza, tanto na literatura brasileira quanto na internacional, também tem sido considerada um fator de risco para o afastamento familiar de crianças e adolescentes, sendo, em muitos casos, o único motivo e o principal obstáculo para a reinserção familiar (Courtney & Wong, 1996; Eamon & Kopels, 2004; Landy & Munro, 1998; Silva, 2004). Para Saraiva (2002), a falta de recursos materiais básicos está presente em famílias com precárias condições de estrutura, o que tem como um de seus resultados a comum situação de negligência em relação à educação dos filhos ou ao seu abandono. Além da pobreza, o levantamento realizado por pesquisadores do IPEA junto a abrigos de todo o Brasil (Silva, 2004), indicou que a fragilidade, ausência ou perda do vínculo familiar, ausência de políticas públicas de apoio à reestruturação familiar, envolvimento dos pais/cuidadores com drogas e violência doméstica foram aspectos que dificultam o retorno à família (Silva, 2004).

A história brasileira aponta que as famílias de nível socioeconômico desfavorecido têm sido consideradas, tanto por professores, profissionais da saúde, dirigentes de instituições de abrigo quanto pela sociedade em geral, incapazes de cuidar, educar e criar seus filhos (Rizzini et al., 2006; Siqueira, 2009b; Yunes & Szymanski, 2003). Nos casos de institucionalização, essas concepções sociais acabam por influenciar também no processo de reinserção familiar de jovens abrigados, visto que essas famílias dificilmente serão consideradas "aptas" a educar seus filhos, em função de diversos empecilhos que vão desde condições financeiras e de moradia, até configuração familiar. No entanto, essas crenças negativas em relação às famílias, observadas em muitos dos profissionais que atuam na área social, também devem ser foco de discussão e capacitação para as equipes, de forma que as famílias possam ser valorizadas e ajudadas neste processo.

As configurações familiares são importantes temas de discussão na atualidade, especialmente quando se trata de institucionalização e processo de reinserção familiar. Em dois outros estudos, que focalizavam a ausência de apoio social, Wells e Guo (1999) e Jones (1998) observaram que as crianças e os adolescentes advindos de famílias monoparentais levaram mais tempo para serem reunificados do que aqueles que eram advindos de famílias com dois cuidadores. Os maiores problemas encontrados nas famílias eram pobreza, o abuso de drogas ilícitas e um inseguro ambiente familiar e comunitário, como exposição a drogas e armas em casa e na comunidade (Jones, 1998; Wells & Guo, 1999). O percentual de famílias cuja pessoa responsável pelo domicílio é a mulher, no Brasil, vem aumentando ao longo dos anos, cerca de 12,8 milhões em 1991 (IBGE, 2000). Além disso, cerca de 28,6% das famílias chefiadas por mulheres possuíam renda mensal de até meio salário mínimo per capita. Esses resultados demonstram que, na realidade brasileira, muitas famílias chefiadas pela figura materna têm vivido em situação de empobrecimento e miséria. A pobreza, a monoparentalidade, o desemprego, a baixa escolaridade dos cuidadores, as práticas educativas coercitivas, a hostilidade nas relações familiares, a presença de doença física e/ou mental, a família numerosa, entre outros fatores associados, dificultam a tarefa de cuidar dos filhos, colocando em risco o desenvolvimento e o bem-estar das crianças e dos adolescentes (Reppold, Pacheco, & Hutz, 2005; Seifer et al., 1992).

Apesar de as pesquisas indicarem que as famílias monoparentais enfrentam problemas e dificuldades extras, a configuração familiar não é fator determinante para se avaliar o funcionamento de uma família. Muitos estudos indicam que as dificuldades de funcionamento familiar não estão, necessariamente, associadas à sua configuração, mas sim às relações que se estabelecem entre os seus membros. A competência ou saúde da família depende de fatores como o desempenho de papéis específicos, a delimitação da função de autoridade nas figuras parentais e a qualidade da comunicação estabelecida entre os membros da família (Féres-Carneiro, 1998, 2003).

Considerações finais

O objetivo deste trabalho foi discutir sobre as políticas de garantia do direito à convivência familiar e comunitária. Pode-se constatar a existência de dois grandes pilares no que tange a promoção, defesa e garantia desse direito: as políticas de preservação e as de reinserção familiar. Embora não sejam nomeados dessa forma no Brasil, percebe-se que a política de Assistência Social brasileira focaliza esses dois pilares quando sistematiza a modalidade de atendimento assistencial de Proteção Social Especial. Essa modalidade objetiva assistir às famílias e aos indivíduos em situação de risco pessoal e social, os quais necessitam de uma intervenção específica e flexível. Dessa forma, pode-se perceber que a legislação vigente busca atender crianças, adolescentes e famílias que vivem em situações de vulnerabilidade, prevendo programas de atenção às diferentes problemáticas e com diferentes níveis de agravamento, embora não esteja totalmente efetivada e ainda atinja uma parcela muito pequena da população.

Os programas que buscam a preservação familiar têm como objetivo manter a família unida e fortalecê-la, ajudando-a a superar os fatores de risco que desafiam seu funcionamento. É uma estratégia de ação que busca alternativas possíveis ao afastamento familiar, evitando o rompimento de vínculos. A literatura existente demonstra que programas dessa natureza têm sido desenvolvidos com famílias e indivíduos em situação de risco, tanto por entidades governamentais quanto não governamentais, embora a filantropia tenha assumido grande parte da demanda social brasileira (Rizzini et al., 2006). Contudo, é apontada a escassez de tais programas e a limitação ao atendimento a poucos casos, sendo necessária a implantação de um maior número de programas para atender a demanda existente. Observa-se que mesmo com o amplo alcance dos programas sociais de transferência de renda mínima, muitos problemas familiares não são sanados, sendo importante uma atenção e intervenção diferenciadas.

Nos casos em que ocorre o afastamento familiar, a legislação brasileira determina que a medida de abrigamento seja provisória, fazendo com que estratégias de reinserção familiar sejam adotadas de forma rápida e segura. A reinserção familiar é um processo complexo e que exige atenção especial e equipe profissional capacitada. Os estudos demonstram a importância de desenvolver um plano de reinserção familiar tão logo o jovem ingresse no abrigo, a partir da colaboração e contribuição da família nesse plano. Esse plano de reinserção deve contar com um programa de visitação, avaliação, preparação e acompanhamento das famílias antes e depois do desligamento institucional. Se as famílias estão sendo acompanhadas e auxiliadas nas suas dificuldades e na solução dos problemas que geraram o afastamento familiar dos filhos, o processo de avaliação das condições de retorno familiar torna-se mais realístico em decorrência dessa proximidade. Assim, corre-se menos risco de realizar uma avaliação equivocada, levando ao reabrigamento.

Esse plano de reinserção familiar também pressupõe o auxílio e o engajamento dos educadores dos abrigos, visto que a percepção dos mesmos sobre a reinserção e, sobretudo, sobre as famílias das crianças abrigadas influenciam na forma como a criança e o adolescente vivenciarão esse processo. Nesse sentido, torna-se necessária a sistematização de um programa de capacitação continuada no contexto dos abrigos, composta por encontros com os educadores, monitores, funcionários e voluntários das instituições de abrigo com o objetivo de relatar os benefícios que a manutenção dos vínculos afetivos traz ao desenvolvimento das crianças e dos adolescentes e os malefícios decorrentes de pré-concepções pejorativas, reproduzidas socialmente, também por estes atores sociais. Também deveria ser ressaltada a importância de manter uma via aberta de comunicação entre instituição de abrigo e família, baseada na honestidade. É necessário o estabelecimento de uma relação clara e livre de estigmas entre o abrigo e as famílias, possibilitando que as famílias sejam acreditadas no seu esforço de educar seus filhos.

Assim, tendo em vista a realidade brasileira, é possível perceber o grande desafio que emerge no que tange a implementação das políticas de garantia ao direito à convivência familiar e comunitária. Os programas de preservação e reinserção familiar poderiam ser implementados através do Sistema Único da Assistência Social (Centro de Referência de Assistência Social, 2009), que desenvolve projetos voltados à Proteção Social Especial, através da composição de equipes com capacitação técnica para estas atividades. Poderiam desenvolver essas ações nos próprios abrigos e também dentro de instituições de saúde, educação ou comunitárias, como postos de saúde, escolas e centros de convivência, possibilitando uma maior integração com a comunidade. Essas ações sistematizadas e realizadas por equipe profissional capacitada poderiam iniciar uma grande mudança no cenário da Assistência Social brasileira, fortalecendo as famílias, evitando longos períodos de institucionalização e contribuindo para a formação de cidadãos capazes de reivindicar seus direitos sociais, garantindo a convivência familiar e comunitária.

Recebido em: 28/08/2009

Revisão em: 18/04/2010

Aceite final em: 29/04/2010

Aline Cardoso Siqueira é Psicóloga, Mestre em Psicologia do Desenvolvimento e Doutora em Psicologia/Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Docente do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria, RS. Endereço: Rua Floriano Peixoto, 1750, sala 319. Santa Maria, RS, Brasil. CEP 97015-372. Email: alinecsiq@gmail.com

Débora Dalbosco Dell'Aglio é Psicóloga, Mestre e Doutora em Psicologia do Desenvolvimento/Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia/Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Nov 2011
  • Data do Fascículo
    Ago 2011

Histórico

  • Recebido
    28 Ago 2009
  • Revisado
    18 Abr 2010
  • Aceito
    29 Abr 2010
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