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Importância da preservação de tecido esplênico para a fagocitose bacteriana

Relevance of splenic tissue preservation to bactéria phagocytosis

Resumos

OBJETIVO: O baço, como maior órgão linfóide do corpo humano, apresenta funções imunológicas relevantes, tais como depuração de bactérias da corrente sangüínea e produção precoce de anticorpos contra várias partículas antigênicas. Fígado, pulmão e baço apresentam mais de 95% da atividade fagocitária em humanos. MÉTODOS: Ratos jovens e adultos de ambos os sexos foram submetidos a esplenectomia total e comparados com animais não submetidos a tratamento cirúrgico, visando a avaliação dessa função. Após 16 semanas, os ratos de ambos os grupos foram inoculados, por via intravenosa, com suspensão de Escherichia coli marcada com tecnécio-99m, e depois de 20 minutos, foram mortos. Fígado, pulmão, baço e uma amostra de coágulo sangüíneo foram removidos para determinação da contagem radioativa. O estudo estatístico foi realizado pelo teste t de Student. RESULTADOS: Não ocorreram diferenças no percentual de captação obtido em ratos esplenectomizados jovens ou adultos. Entretanto, esses animais apresentaram contagens sangüíneas mais elevadas que os ratos do grupo controle (p<0,0001), devido a maior remanescente bacteriano na corrente sangüínea. CONCLUSÃO: Esse achado sugere ocorrer alguma falha no sistema mononuclear fagocitário em sua adaptação à ausência do baço e ratifica a necessidade de desenvolvimento de técnicas cirúrgicas alternativas à esplenectomia total para emprego em pacientes em que seja necessária a remoção esplênica.

Baço; Esplenectomia; Tecnécio-99m; Escherichia coli; Fagocitose


OBJECTIVE: Being the major lymphoid organ of human body, spleen performs critical immunological functions such as bacteria depuration from bloodstream and precocious antibody production against various antigenic particles. Spleen, liver and lung accounts for more than 95% of phagocytic activity in humans. METHODS: We used intravenous inoculation of Escherichia coli AB1157 in Wistar rats in order to evaluate this function. Young and adult rats of both sexes were submitted to total splenectomy and compared to animals not submitted to any surgical procedure. Sixteen weeks later, rats of both groups were challenged with a suspension of E. coli labeled with Tc-99m, and, after twenty minutes, they were killed. Liver, lung, spleen and a blood clot sample were removed for radioactivity determination. The statistical study was performed with Student's t test. RESULTS: There were no significant differences in the radioactivity uptake obtained from young and adult splenectomized rats. However, these rats were associated with higher levels of blood counts than animals of the control group (p<0.0001) due to a larger bacteria remnant in the bloodstream. CONCLUSION: This finding suggests that some failure in mononuclear phagocytic system occurs in spleen absence adaptation, ratifying the necessity of development of alternative surgical techniques to total splenectomy in patients requiring spleen removal.

Spleen; Splenectomy; Technetium-99m; Escherichia coli; Phagocytosis


6 - ARTIGO ORIGINAL

IMPORTÂNCIA DA PRESERVAÇÃO DE TECIDO ESPLÊNICO PARA A FAGOCITOSE BACTERIANA

1 1 . Trabalho realizado no Laboratório de Cirurgia Experimental - Faculdade de Ciências Médicas - UERJ. 2 . Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia Geral da Faculdade de Ciências Médicas - UERJ; Coordenador do Laboratório de Cirurgia Experimental - FCM - UERJ; Mestre em Cirurgia Gastroenterológica - UFF; Doutor em Técnica Operatória e Cirurgia Experimental - UFMG. 3 . Professor Titular do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina - UFMG; Docente-Livre em Técnica Operatória e Cirurgia Experimental da Escola Paulista de Medicina - UNIFESP; Docente-Livre em Gastroenterologia Cirúrgica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP; Doutor em Fisiologia e Farmacologia - UFMG; Pesquisador IA do CNPq. 4 . Bióloga do Laboratório de Radiofarmácia do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes - UERJ; Mestre em Biociências Nucleares - UERJ. 5 . Professor Titular do Departamento de Biofísica e Biometria do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes - UERJ; Chefe do Laboratório de Radiofarmácia - IBRAG - UERJ; Doutor em Biofísica - UFRJ.

Ruy Garcia Marques2 1 . Trabalho realizado no Laboratório de Cirurgia Experimental - Faculdade de Ciências Médicas - UERJ. 2 . Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia Geral da Faculdade de Ciências Médicas - UERJ; Coordenador do Laboratório de Cirurgia Experimental - FCM - UERJ; Mestre em Cirurgia Gastroenterológica - UFF; Doutor em Técnica Operatória e Cirurgia Experimental - UFMG. 3 . Professor Titular do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina - UFMG; Docente-Livre em Técnica Operatória e Cirurgia Experimental da Escola Paulista de Medicina - UNIFESP; Docente-Livre em Gastroenterologia Cirúrgica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP; Doutor em Fisiologia e Farmacologia - UFMG; Pesquisador IA do CNPq. 4 . Bióloga do Laboratório de Radiofarmácia do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes - UERJ; Mestre em Biociências Nucleares - UERJ. 5 . Professor Titular do Departamento de Biofísica e Biometria do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes - UERJ; Chefe do Laboratório de Radiofarmácia - IBRAG - UERJ; Doutor em Biofísica - UFRJ. Andy Petroianu3 1 . Trabalho realizado no Laboratório de Cirurgia Experimental - Faculdade de Ciências Médicas - UERJ. 2 . Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia Geral da Faculdade de Ciências Médicas - UERJ; Coordenador do Laboratório de Cirurgia Experimental - FCM - UERJ; Mestre em Cirurgia Gastroenterológica - UFF; Doutor em Técnica Operatória e Cirurgia Experimental - UFMG. 3 . Professor Titular do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina - UFMG; Docente-Livre em Técnica Operatória e Cirurgia Experimental da Escola Paulista de Medicina - UNIFESP; Docente-Livre em Gastroenterologia Cirúrgica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP; Doutor em Fisiologia e Farmacologia - UFMG; Pesquisador IA do CNPq. 4 . Bióloga do Laboratório de Radiofarmácia do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes - UERJ; Mestre em Biociências Nucleares - UERJ. 5 . Professor Titular do Departamento de Biofísica e Biometria do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes - UERJ; Chefe do Laboratório de Radiofarmácia - IBRAG - UERJ; Doutor em Biofísica - UFRJ. Márcia Betânia Nunes de Oliveira4 1 . Trabalho realizado no Laboratório de Cirurgia Experimental - Faculdade de Ciências Médicas - UERJ. 2 . Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia Geral da Faculdade de Ciências Médicas - UERJ; Coordenador do Laboratório de Cirurgia Experimental - FCM - UERJ; Mestre em Cirurgia Gastroenterológica - UFF; Doutor em Técnica Operatória e Cirurgia Experimental - UFMG. 3 . Professor Titular do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina - UFMG; Docente-Livre em Técnica Operatória e Cirurgia Experimental da Escola Paulista de Medicina - UNIFESP; Docente-Livre em Gastroenterologia Cirúrgica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP; Doutor em Fisiologia e Farmacologia - UFMG; Pesquisador IA do CNPq. 4 . Bióloga do Laboratório de Radiofarmácia do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes - UERJ; Mestre em Biociências Nucleares - UERJ. 5 . Professor Titular do Departamento de Biofísica e Biometria do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes - UERJ; Chefe do Laboratório de Radiofarmácia - IBRAG - UERJ; Doutor em Biofísica - UFRJ. Mário Bernardo Filho5 1 . Trabalho realizado no Laboratório de Cirurgia Experimental - Faculdade de Ciências Médicas - UERJ. 2 . Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia Geral da Faculdade de Ciências Médicas - UERJ; Coordenador do Laboratório de Cirurgia Experimental - FCM - UERJ; Mestre em Cirurgia Gastroenterológica - UFF; Doutor em Técnica Operatória e Cirurgia Experimental - UFMG. 3 . Professor Titular do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina - UFMG; Docente-Livre em Técnica Operatória e Cirurgia Experimental da Escola Paulista de Medicina - UNIFESP; Docente-Livre em Gastroenterologia Cirúrgica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP; Doutor em Fisiologia e Farmacologia - UFMG; Pesquisador IA do CNPq. 4 . Bióloga do Laboratório de Radiofarmácia do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes - UERJ; Mestre em Biociências Nucleares - UERJ. 5 . Professor Titular do Departamento de Biofísica e Biometria do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes - UERJ; Chefe do Laboratório de Radiofarmácia - IBRAG - UERJ; Doutor em Biofísica - UFRJ.

Marques RG, Petroianu A, Oliveira MBN, Bernardo Filho M. Importância da preservação de tecido esplênico para a fagocitose bacteriana. Acta Cir Bras [serial online] 2002 Nov-Dez;17(6). Disponível em URL: http://www.scielo.br/acb.

RESUMO: OBJETIVO: O baço, como maior órgão linfóide do corpo humano, apresenta funções imunológicas relevantes, tais como depuração de bactérias da corrente sangüínea e produção precoce de anticorpos contra várias partículas antigênicas. Fígado, pulmão e baço apresentam mais de 95% da atividade fagocitária em humanos. MÉTODOS: Ratos jovens e adultos de ambos os sexos foram submetidos a esplenectomia total e comparados com animais não submetidos a tratamento cirúrgico, visando a avaliação dessa função. Após 16 semanas, os ratos de ambos os grupos foram inoculados, por via intravenosa, com suspensão de Escherichia coli marcada com tecnécio-99m, e depois de 20 minutos, foram mortos. Fígado, pulmão, baço e uma amostra de coágulo sangüíneo foram removidos para determinação da contagem radioativa. O estudo estatístico foi realizado pelo teste t de Student. RESULTADOS: Não ocorreram diferenças no percentual de captação obtido em ratos esplenectomizados jovens ou adultos. Entretanto, esses animais apresentaram contagens sangüíneas mais elevadas que os ratos do grupo controle (p<0,0001), devido a maior remanescente bacteriano na corrente sangüínea. CONCLUSÃO: Esse achado sugere ocorrer alguma falha no sistema mononuclear fagocitário em sua adaptação à ausência do baço e ratifica a necessidade de desenvolvimento de técnicas cirúrgicas alternativas à esplenectomia total para emprego em pacientes em que seja necessária a remoção esplênica.

DESCRITORES: Baço. Esplenectomia. Tecnécio-99m. Escherichia coli. Fagocitose.

INTRODUÇÃO

O baço, como maior órgão linfóide do corpo humano, desempenha funções imunológicas relevantes, tais como depuração de bactérias da corrente sangüínea e produção precoce de anticorpos contra várias partículas antigênicas. Essas funções são responsáveis pelo papel singular que ele apresenta na defesa do hospedeiro durante bacteremias.1,2 Age primordialmente na produção de linfócitos e monócitos, na fagocitose de partículas estranhas, bactérias, vírus e leucócitos, além da produção e processamento de fatores séricos - opsoninas - com grande habilidade para a estimulação da fagocitose.3,4 Nos mamíferos, as principais opsoninas são a terceira fração do complemento, C3 (C3a e C3b) e a porção Fc da imunoglobulina G (IgG), estando também presentes outros componentes opsônicos, como fibronectina e proteína C reativa.3,4 Duas outras substâncias relacionadas com a ativação de macrófagos também são produzidas no baço - tuftsina e properdina.5

Além dessas atividades, o baço é um filtro volumoso por onde circulam cerca de 4% do volume sangüíneo corporal por minuto, atuando na remoção de eritrócitos alterados e senescentes, e de inclusões corpusculares como as de Howell-Jolly, Heinz e Pappenheimer.1,2

Vários estudos experimentais têm mostrado que a ausência do baço relaciona-se com redução da depuração de bactérias da corrente sangüínea. Neste trabalho utilizou-se a inoculação intravenosa de suspensão de Escherichia coli marcada com tecnécio-99m (Tc-99m) em ratos Wistar, verificando sua distribuição pelos principais órgãos do sistema mononuclear fagocitário (SMF), bem como o remanescente bacteriano na corrente sangüínea em animais normais e esplenectomizados.

MÉTODOS

Este trabalho foi aprovado pelo Conselho de Ética em Pesquisa Animal do Laboratório de Cirurgia Experimental da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Todos os procedimentos seguiram, rigorosamente, a regulamentação existente sobre experimentação com animais, de acordo com o projeto de lei n&ordm; 196, de 10 de outubro de 1996.6

Foram utilizados 58 ratos Wistar albinos, de ambos os sexos. Os animais foram divididos em dois grupos: I - controle - sem manipulação cirúrgica; e II - submetidos a esplenectomia total. Cada um dos dois grupos foi subdividido em dois subgrupos: A - 29 ratos jovens, com peso variando entre 100 g e 150 g (grupo I - cinco machos e nove fêmeas; grupo II - oito machos e sete fêmeas); e B - 29 ratos adultos, com peso variando entre 250 g e 300 g (grupo I - quatro machos e dez fêmeas; grupo II - seis machos e nove fêmeas). Os animais foram alocados em gaiolas apropriadas, máximo de cinco por gaiola, e receberam ração própria para ratos e água ad libitum.

Após jejum de seis horas, os animais do grupo II foram submetidos a anestesia inalatória com halotano, seguida de tricotomia abdominal, anti-sepsia e colocação de campos operatórios. Através de laparotomia mediana supra-umbilical, realizou-se a esplenectomia total, com ligadura dos vasos esplênicos e esplenogástricos com fio de linho 3-0. A laparorrafia foi realizada com sutura contínua, em dois planos (plano peritonioaponeurótico e pele), com fio de ácido poliglicólico 3-0. Após a recuperação de sua atividade física, os ratos foram recolocados em suas gaiolas e não sofreram restrição alimentar.

Utilizou-se a linhagem de Escherichia coli AB1157, marcada com Tc-99m, sob a forma de pertecnetato de sódio (Tc04Na), a partir de técnica previamente descrita.7 Uma amostra de Escherichia coli foi adicionada a meio apropriado para cultura e incubada por cerca de 15 a 18 horas (pernoite), em agitador, à temperatura de 37&ordm; C. Dessa cultura, foram retirados 200 ml, colocados em meio de cultura e incubados, em agitador, por mais duas horas, sob a mesma temperatura (repique). Do repique, retirou-se alíquota de 2 ml, que foi homogeneizada e centrifugada, durante 25 minutos, a 4.000 rotações por minuto (rpm).

Após lavagens sucessivas com solução de NaCl, obteve-se uma suspensão bacteriana livre de meio de cultura. Essa suspensão foi colocada em tubo com vácuo, sendo adicionado cloreto estanoso (SnCl2.2H20), à concentração de 30 mg / ml, como agente redutor para o Tc-99m. Adicionaram-se 0,030 g de SnCl2.2H20 a 1,0 ml de solução de NaCl a 0,9%, que foram colocados em tubo com vácuo e homogeneizados, após diluições sucessivas até atingirem uma concentração de 30 mg / ml. Retirou-se 1,0 ml da solução final, adicionou-se ao tubo contendo a bactéria e incubou-se, em agitador, por 15 minutos, à temperatura de 37&ordm; C. A essa suspensão acrescentou-se 0,5 ml de Tc-99m, à atividade de 1,85 MBq / ml (megabequerel / ml). Seguiu-se homogeneização, nova incubação no agitador, por 10 minutos, à temperatura de 37&ordm; C, e posterior centrifugação, por 25 minutos, a 4.000 rpm. O sobrenadante dessa suspensão foi colocado em tubo para contagem radioativa e o precipitado ressuspenso em 1,0 ml de NaCl a 0,9% e, também, colocado em tubo para contagem. Ambos os tubos, precipitado e sobrenadante, foram levados para contagem radioativa, em um cintilômetro para raios gama, para determinação do percentual de marcação das bactérias. Obteve-se percentual de marcação de bactérias superior a 95%.

Após essa contagem, adicionou-se NaCl a 0,9% ao tubo contendo o precipitado bacteriano, perfazendo volume suficiente que permitisse o experimento; procedeu-se à homogeneização, tornando a suspensão pronta para inoculação. Antes de sua utilização, duas alíquotas da suspensão foram retiradas, tituladas e colocadas em placas de Petri contendo LB-gel (Agar-Agar 1,5%), como meio de cultura, e, aleatoriamente, espalhadas com pérolas de vidro. As placas foram colocadas em estufa por 24 horas, a 37&ordm; C. Obteve-se concentração bacteriana correspondente a 108 UFC.

Após 16 semanas do início do experimento, sob anestesia inalatória com halotano, realizou-se tricotomia cervical e abdominal nos animais dos dois grupos, e anti-sepsia com iodopovidine. Através de cervicotomia transversa direita, dissecou-se a veia jugular interna, e inoculou-se a suspensão contendo Escherichia coli marcada com Tc-99m. Depois de 20 minutos da inoculação, os animais foram mortos, com dose letal de halotano, e submetidos a toracolaparotomia mediana. Seccionou-se a veia cava caudal, provocando sangramento intra-abdominal que resultou na formação de um coágulo sangüíneo. Procedeu-se à retirada dos órgãos - fígado, pulmão e baço -, que foram pesados e colocados em tubos apropriados para contagem radioativa. O coágulo sangüíneo também foi separado, pesado e colocado em tubo apropriado para contagem da radioatividade em cintilômetro para raios gama.

Para efeito de cálculo, utilizou-se um padrão de dose, contendo o mesmo volume e a mesma atividade da suspensão de Escherichia coli marcada com Tc-99m inoculada nos animais. A contagem do padrão foi considerada como 100% de radioatividade inoculada nos animais. O percentual de captação de cada amostra foi calculado pela fórmula:

Levando-se em consideração a massa de fígado, pulmão, baço e do coágulo sangüíneo, o percentual de captação por grama de tecido, foi calculado pela fórmula:

O percentual de captação de cada órgão (massa total) foi calculado pela fórmula:

Durante as laparotomias para retirada dos órgãos, em dez ratos jovens e dez adultos, colheu-se 1,0 ml de sangue da veia cava caudal, que foi colocado em tubo de ensaio e deixado em repouso por 24 horas. Esses tubos foram centrifugados, para total individualização de soro e coágulo. Os coágulos foram pesados, observando-se que, em média, cada mililitro de sangue resultou em 0,49065 g de coágulo, em ambos os subgrupos. Como um rato de 250 g tem 16 ml de sangue (64 ml / kg), equivale dizer que o volume total de sangue circulante nesse mesmo rato resulta em 7,8504 g de coágulo. Mediante a massa de coágulo, calculou-se o percentual de captação de todo o sangue de cada animal.

Normalizou-se a distribuição de bactérias captadas, assumindo-se que fígado, pulmão e baço, acrescidos do sangue (bactérias remanescentes na corrente sangüínea), respondem pela totalidade da captação (100%).

As análises estatísticas visaram a comparação do comportamento dos grupos e subgrupos de animais, no que se refere à captação de bactérias marcadas com Tc-99m pelo fígado, pulmão e baço ou auto-implante, bem como do remanescente bacteriano na corrente sangüínea. O teste t de Student foi aplicado a pares de grupos e subgrupos de animais.8 O nível de significância considerado foi de 5%.

RESULTADOS

A tabela 1 mostra a análise descritiva da distribuição de Escherichia coli nos órgãos do SMF, bem como o remanescente bacteriano na corrente sangüínea.

A análise comparativa entre animais jovens e adultos em cada grupo não mostrou diferenças no percentual de captação de bactérias nos órgãos do SMF e no sangue. A comparação entre os grupos mostrou que tanto os ratos jovens quanto os adultos esplenectomizados apresentaram maior remanescente bacteriano no sangue (p=0,0257 e p=0,0002, respectivamente) do que os animais do Grupo-Controle. Na comparação entre grupos, mesmo quando se consideram todos os animais de cada grupo, sem distinção de faixa etária, ocorreu maior percentual de captação de bactérias no sangue dos ratos esplenectomizados do que nos do Grupo-Controle. (Tabela 2)

DISCUSSÃO

A importância do baço na remoção de bactérias encapsuladas do sangue (Streptococcus pneumoniae - 50% a 90% de todas as infeções e 60% das formas fatais de IFPE -, Haemophilus influenzae tipo B e Neisseria meningitidis) já foi extensivamente estudada e atualmente já é aceita.1,2,9-12 Esse efeito imunoprotetor tem sido testado em diversas pesquisas experimentais, mediante exposição a bactérias, especialmente em estudos de mortalidade e capacidade depuradora. Tais trabalhos apresentam grande diversidade de modelos, sob múltiplos aspectos: espécie e idade dos animais, espécie bacteriana inoculada, via de inoculação, intervalo de tempo decorrido desde a realização da esplenectomia total, bem como dos métodos de avaliação.

O estudo da fagocitose de bactérias entre os diversos órgãos do SMF constitui um modelo experimental aparentemente adequado para verificação da eficácia de depuração sangüínea em animais esplenectomizados. Acredita-se que a depuração de bactérias possa constituir um método mais complexo que a depuração de substâncias coloidais, fornecendo indícios mais seguros da atividade fagocitária dos órgãos do SMF.2,13

Utilizou-se a linhagem selvagem de Escherichia coli AB1157, por ser a bactéria gram-negativa mais bem estudada e por fazer parte da flora intestinal normal, em humanos. É importante ressaltar que a E. coli é responsável por cerca de 12% dos casos de IFPE.2 As bactérias gram-negativas são também os principais agentes etiológicos de infecções em pacientes esplenectomizados idosos e debilitados por doenças crônicas. Para estudo da resposta à inoculação de bactérias gram-negativas, a via intravenosa parece mimetizar melhor a situação clínica, visto que a sepse provocada por essas bactérias é proveniente do sistema digestório e não respiratório.

Diversos radiofármacos - carbono, gálio, hidrogênio, rênio, tecnécio, dentre outros - vêm sendo utilizados para marcação de diferentes estruturas biológicas. O tecnécio destaca-se por suas características físico-químicas e biológicas, e por permitir um método de marcação simples, embora meticuloso, efetivo, rápido, de fácil avaliação e de baixo custo.7 Uma de suas inúmeras aplicações é a possibilidade de verificação do comportamento biológico, em animais de experimentação, em resposta à inoculação de bactérias. A marcação de bactérias com essa técnica permite a obtenção de um complexo bactéria-Tc-99m estável por mais de 24 horas, indicando forte ligação dos átomos de Tc-99m com componentes celulares bacterianos e possibilitando percentual de marcação de bactérias quase sempre superior a 95%, o que propicia fidedignidade ao experimento.7

A literatura mostra que mais de 90% das bactérias são depuradas da corrente sangüínea nos primeiros cinco minutos, após sua inoculação.11,12 Todavia, aguardou-se 20 minutos, após a inoculação intravenosa de suspensão bacteriana contendo E. coli marcada com Tc-99m, para permitir que o maior número possível de bactérias pudesse ser fagocitada pelos órgãos do SMF, antes de provocar a morte dos animais.

Fígado, pulmão e baço ou auto-implante esplênico contêm mais de 95% da quantidade total de macrófagos do sistema mononuclear fagocitário.11,13 Como a mensuração da captação bacteriana nos demais órgãos do SMF - placas de Peyer, medula óssea e linfonodos - não é, rotineiramente, factível, realizou-se a mensuração da captação nos órgãos principais, acrescidos do remanescente bacteriano no sangue.

O fígado é o maior órgão do SMF e, como esperado, foi o que mais captou as bactérias. Comparando animais jovens e adultos, dentro de cada grupo, não se encontraram diferenças significativas na fagocitose de bactérias nos ratos dos dois grupos. A evidência de que a asplenia se relaciona a menor depuração sangüínea de bactérias é ratificada pela ocorrência de maior remanescente bacteriano no sangue em animais esplenectomizados, em comparação com os do Grupo-Controle, independentemente da faixa etária e do sexo.

O baço é responsável por 25% a 30% da depuração sangüínea realizada pelo SMF.3,13 Tais estudos, realizados em sua maioria com substâncias coloidais, não foram comprovados pelos resultados do presente trabalho, conduzido com bactérias. A participação dos órgãos do SMF na fagocitose de bactérias difere da verificada com substâncias coloidais. Enquanto para estas, o baço apresente o segundo maior índice fagocitário dentre esses órgãos, seguido pelo pulmão (cerca de 5% a 10% da atividade fagocitária), com bactérias essa relação torna-se inversa.4,11-13 Em ambas as situações, o fígado, talvez por apresentar maior massa, é o órgão com maior participação na depuração sangüínea, tanto de colóide quanto de bactérias. Não são conhecidas as razões para esse comportamento diferente na fagocitose de substâncias coloidais e de bactérias. Possivelmente, por apresentar essa importante ação fagocitária na remoção de bactérias, o pulmão constitua o órgão mais comprometido com complicações infecciosas em pacientes esplenectomizados. Esse achado talvez possa contribuir para a elucidação do mecanismo que torna a pneumonia a causa mais comum de sepse em pacientes asplênicos.

SILVA e PETROIANU (2000) mostraram haver aumento da captação pulmonar em ratos adultos inoculados por via intravenosa com E. coli após esplenectomias parciais.14 SHENNIB et al. (1983) verificaram a supressão transitória da fagocitose de pneumococos por macrófagos pulmonares em ratos jovens esplenectomizados. Entretanto, quando havia fragmentos esplênicos na cavidade abdominal isso não ocorreu.15 Esses resultados podem sugerir que, com menor massa esplênica funcionante, após esplenectomias parciais ou subtotais, os macrófagos alveolares experimentam alguma mudança em sua atividade fagocitária na tentativa de suprir uma eventual diminuição do índice fagocitário esplênico.

Nas condições do presente estudo, os resultados mostram que ocorre alguma falha na adaptação do SMF à ausência do baço, ratificando a necessidade de desenvolvimento de técnicas cirúrgicas alternativas para utilização em pacientes em que haja necessidade de remoção do baço.

A indicação para esplenectomia total, tanto no trauma quando em diversas enfermidades, está nitidamente decrescendo. Quando a ressecção total do baço é necessária, o auto-implante esplênico heterotópico parece constituir a única alternativa para a preservação de tecido esplênico. Estudos clínicos e experimentais têm mostrado que, após um período de necrose, desenvolve-se um tecido esplênico viável, com características estruturais similares às do baço e com preservação, ao menos parcial, da função esplênica imune.2,15

CONCLUSÃO

Pode ter ocorrido alguma falha no sistema mononuclear fagocitário em sua adaptação à ausência do baço e ratifica a necessidade de desenvolvimento de técnicas cirúrgicas alternativas à esplenectomia total para emprego em pacientes em que seja necessária a remoção esplênica.

Marques RG, Petroianu A, Oliveira MBN, Bernardo Filho M. Relevance of splenic tissue preservation to bactéria phagocytosis. Acta Cir Bras [serial online] 2002 Nov-Dec;17(6). Available from URL: http://www.scielo.br/acb.

ABSTRACT: OBJECTIVE: Being the major lymphoid organ of human body, spleen performs critical immunological functions such as bacteria depuration from bloodstream and precocious antibody production against various antigenic particles. Spleen, liver and lung accounts for more than 95% of phagocytic activity in humans. METHODS: We used intravenous inoculation of Escherichia coli AB1157 in Wistar rats in order to evaluate this function. Young and adult rats of both sexes were submitted to total splenectomy and compared to animals not submitted to any surgical procedure. Sixteen weeks later, rats of both groups were challenged with a suspension of E. coli labeled with Tc-99m, and, after twenty minutes, they were killed. Liver, lung, spleen and a blood clot sample were removed for radioactivity determination. The statistical study was performed with Student's t test. RESULTS: There were no significant differences in the radioactivity uptake obtained from young and adult splenectomized rats. However, these rats were associated with higher levels of blood counts than animals of the control group (p<0.0001) due to a larger bacteria remnant in the bloodstream. CONCLUSION: This finding suggests that some failure in mononuclear phagocytic system occurs in spleen absence adaptation, ratifying the necessity of development of alternative surgical techniques to total splenectomy in patients requiring spleen removal.

KEY WORDS: Spleen. Splenectomy. Technetium-99m. Escherichia coli. Phagocytosis.

Conflito de interesse: nenhum

Fonte de financiamento: nenhuma

Endereço para correspondência:

Ruy Garcia Marques

Rua Clóvis Salgado, 280/104

22795-230 Rio de Janeiro - RJ

Fax: (21) 2437-4478

rmarques@uerj.br

Data do recebimento: 02/09/2002

Data da revisão: 25/09/2002

Data da aprovação: 04/10/2002

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  • 1
    . Trabalho realizado no Laboratório de Cirurgia Experimental - Faculdade de Ciências Médicas - UERJ.
    2
    . Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia Geral da Faculdade de Ciências Médicas - UERJ; Coordenador do Laboratório de Cirurgia Experimental - FCM - UERJ; Mestre em Cirurgia Gastroenterológica - UFF; Doutor em Técnica Operatória e Cirurgia Experimental - UFMG.
    3
    . Professor Titular do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina - UFMG; Docente-Livre em Técnica Operatória e Cirurgia Experimental da Escola Paulista de Medicina - UNIFESP; Docente-Livre em Gastroenterologia Cirúrgica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP; Doutor em Fisiologia e Farmacologia - UFMG; Pesquisador IA do CNPq.
    4
    . Bióloga do Laboratório de Radiofarmácia do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes - UERJ; Mestre em Biociências Nucleares - UERJ.
    5
    . Professor Titular do Departamento de Biofísica e Biometria do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes - UERJ; Chefe do Laboratório de Radiofarmácia - IBRAG - UERJ; Doutor em Biofísica - UFRJ.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Set 2003
    • Data do Fascículo
      2002

    Histórico

    • Aceito
      04 Out 2002
    • Revisado
      25 Set 2002
    • Recebido
      02 Set 2002
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