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Sistemas Adaptativos Complexos: lingua(gem) e Aprendizagem

RESENHA

William Alfred Pickering – PAIVA, V.L.M.O.; NASCIMENTO, M. (orgs.) (2009). Sistemas Adaptativos Complexos: lingua(gem) e Aprendizagem* * Resenha de William Alfred Pickering. FATEC, Piracicaba (SP), Brasil. willpickering@yahoo.com . Campinas: Pontes, 2011.

William Alfred Pickering

Os artigos desta coletânea, escritos por estudiosos brasileiros, examinam tópicos relacionados à língua(gem) com base na teoria da complexidade. Originalmente publicado em 2009 pela Faculdade de Letras da UFMG, o livro foi reeditado em 2011, pela Pontes, em um formato atraente. Oito dos onze artigos se inserem na área dos estudos de linguística aplicada e abrangem vários temas; os outros três tratam de questões teóricas sobre complexidade, linguagem e a relação entre os dois. Os organizadores estudam a abordagem da complexidade aplicada à linguística há mais de dez anos. O que há em comum entre os vários autores desta coletânea é a aplicação da perspectiva da complexidade ao estudo da linguagem, aprendizagem e ensino; mas cada autor a aplica a partir de distintos conceitos teóricos e metodológicos provenientes dos campos da linguística aplicada e da educação.

A expressão "teoria da complexidade" é usada para descrever uma abordagem científica e filosófica dos fenômenos naturais, o que inclui uma variedade de ideias associadas a distintas designações, como a teoria dos sistemas complexos, a teoria do caos, a teoria da auto-organização e a sinergética. A diversidade terminológica e teórica nesta área de estudo deve-se ao fato de que a abordagem, ou perspectiva, da complexidade surgiu, nos anos 40 e 50, simultaneamente em disciplinas diferentes, inclusive na biologia, na física e nas ciências da computação. Hoje é uma abordagem multidisciplinar que é aplicada não somente às ciências exatas, mas também às ciências biológicas, bem como à economia, sociologia, antropologia e linguística. Atualmente, no campo dos estudos da linguagem, a teoria da complexidade tem na linguística aplicada o seu mais aprimorado desenvolvimento.

Embora Roman Jakobson, na década de 1960, ao fazer referência a alguns dos primeiros teóricos da complexidade, tenha argumentado que a linguagem humana é um sistema "auto-dirigido" (self-steering) ou "teleonômico" (JAKOBSON, 1990, p. 474, 483), a perspectiva da complexidade só começou a ser desenvolvida na linguística nos anos 80 (cf. a revisão da literatura em KE, 2004, p. 26 et seq.). Em 2006 e 2008, números especiais dos periódicos Applied Linguistics (2006) e The Modern Language Journal (2008) foram dedicados ao tema da complexidade e aprendizagem e uso de línguas. Talvez o tratamento mais abrangente da teoria da complexidade na linguística aplicada seja o livro Complex Systems in Applied Linguistics, de Diane Larsen-Freeman e Lynne Cameron (2008). Em 2009, alguns importantes linguistas e estudiosos de outros campos elaboraram o trabalho intitulado "Language Is a Complex Adaptive System: Position Paper" (BECKNER et al., 2009), que apresenta uma visão da complexidade da linguagem como alternativa às teorias gerativas de gramática e aquisição. O trabalho fez parte de um número especial do periódico Language Learning (2009), dedicado ao tema da linguagem como sistema complexo. A perspectiva da complexidade também é utilizada na linguística gerativa (por exemplo, LIGHTFOOT, 1999, p. 253 et seq.). No Brasil, as pesquisas sobre complexidade em linguística são desenvolvidas principalmente pelos autores da coletânea em questão (cf. a revisão da literatura em MARTINS e BRAGA, 2007) e discutidas no evento sobre linguagem e complexidade que, em 2011, aconteceu na UNICAMP. O empenho em curso nessa linha de pesquisa coloca a abordagem da complexidade como legítima tendência teórica na linguística geral, e particularmente na linguística aplicada.

Em síntese, a teoria da complexidade trata de sistemas complexos (LARSEN-FREEMAN e CAMERON, 2008); um sistema (em oposição a um mero conjunto ou coleção) constitui um grupo de elementos inter-relacionados de modo a compor uma unidade ou totalidade. Sistemas complexos são compostos de elementos heterogêneos em constante interação entre si (esses próprios elementos também podem ser sistemas complexos). Além disso, tais sistemas encontram-se em constante mudança e, por essa razão, são caracterizados como dinâmicos. Sistemas complexos são, também, não-lineares1 1 "Não-linearidade é um termo matemático referindo-se a mudanças que não são proporcionais ao input" (LARSEN-FREEMAN e CAMERON, 2008, p. 31). As traduções de publicações em língua inglesa citadas na presente resenha são feitas pelo autor. ; de um modo geral, isso significa que são imprevisíveis. Causas relativamente pequenas (ou aparentemente insignificantes) podem produzir grandes efeitos, e grandes causas podem produzir efeitos insignificantes. Um sistema complexo se mantém em um estado dinâmico (ainda que relativamente estável) caracterizado como estado "distante do equilíbrio termodinâmico", e tal estado é constantemente instanciado através da importação, ou entrada, de energia do ambiente ao seu redor. Exemplos típicos desses sistemas são um furacão, uma colônia de formigas, o sistema imunológico em organismos multicelulares e a World Wide Web. Alguns sistemas, além de serem complexos, são também adaptativos, ou seja, capazes de manter a si mesmos ajustando-se às mudanças que ocorrem em seus ambientes. Os organismos biológicos e as comunidades humanas são exemplos de sistemas desse tipo. Outro conceito importante na teoria da complexidade é o de atrator, que pode ser caracterizado como um entre vários estados estáveis possíveis em que um sistema tende a se estabilizar por certo intervalo temporal indeterminado. Perturbações provenientes do exterior do sistema podem forçá-lo a mover-se de um atrator para outro, ou mesmo desintegrar tal sistema. Finalmente, a emergência constitui "o surgimento, no interior de um sistema complexo, de um novo estado que se caracteriza por apresentar um nível de organização mais elevado do que o estado anterior"; tal alteração de organização é descrita como auto-organizada, "uma vez que são as propriedades dinâmicas do sistema que levam tal alteração a acontecer, e não uma força organizadora externa" (LARSEN-FREEMAN e CAMERON, 2008, p. 58-59). De acordo com os argumentos dos autores na coletânea, múltiplos aspectos da linguagem, bem como da aprendizagem e ensino de línguas, possuem as características de sistemas complexos.

Os três primeiros artigos do livro são de natureza teórica e não lidam diretamente com tópicos em linguística aplicada. Já a Introdução, intitulada "As condições iniciais", apresenta as experiências pessoais que levaram os organizadores a um interesse pela teoria da complexidade, o intercâmbio de ideias entre os dois, que começou em 2000, e os projetos acadêmicos que se seguiram e que resultaram na produção da coletânea. O primeiro artigo, "Complexidade: conceitos, origens, afiliações e evoluções", de Roberval Araújo de Oliveira, contém uma discussão sobre a etimologia dos termos "caos" e "complexidade" e assinala alguns precursores da teoria da complexidade na literatura de ficção científica. Oliveira também sumariza duas posições divergentes entre os teóricos contemporâneos do caos, no que diz respeito à função interdisciplinar da teoria: a abordagem "otimista", que afirma o potencial da teoria para integrar e unificar as várias disciplinas científicas em um único novo paradigma teórico, e a abordagem "conservadora", que sustenta que a teoria da complexidade é um meio pelo qual as ciências humanas (soft sciences) podem tornar-se ciências exatas (hard sciences), mas que afirma, ao mesmo tempo, que o estudo de fenômenos em diversas disciplinas é tão diferente que impede a sonhada unificação.

O segundo artigo na coletânea é "Análise multissistêmica da sentença matriz", de Ataliba T. de Castilho, linguista conhecido por seus volumosos e importantes trabalhos sobre o português do Brasil. Neste artigo, o autor apresenta um esboço de sua teoria "multissistêmica" de gramática, exemplificando-a por meio de análise de sentenças matrizes no português brasileiro. Castilho também argumenta que a abordagem estatizante e dedutiva da "ciência clássica" não foi muito bem sucedida em explicar a linguagem falada, e deve ser complementada pela abordagem da complexidade, capaz de explicar a mudança contínua, a imprevisibilidade e a adaptabilidade, que são características das variedades falada e escrita das línguas. Em "Linguagem como um sistema complexo: interfases e interfaces", Milton do Nascimento, um dos organizadores da coletânea, adota a definição chomskiana de linguagem do Programa Minimalista e propõe que o princípio da recursividade, aplicado não somente a sentenças, mas a todo tipo de texto, pode ser entendido de forma a permitir que a linguagem seja caracterizada como um sistema adaptativo complexo.

Os outros oito artigos tratam de temas relacionados à linguística aplicada, quatro deles abordando aspectos de interação e aprendizagem mediados por computador. Em "Ambiente virtual de aprendizagem e diário de bordo: sistemas adaptativos complexos", Valeska Virgínia Soares Souza apresenta uma análise, com base no método de "textografia" de Swales (1998), do conteúdo das mensagens postadas por estudantes e professores em dois diferentes ambientes virtuais de aprendizagem (AVAs). Souza argumenta que os dois AVAs (neste caso, as interfaces amplamente utilizadas Teleduc e Moodle) e os chamados diários de bordo (um elemento de AVAs, em que os estudantes podem fazer comentários sobre o curso), possuem as características principais de sistemas adaptativos complexos definidos por Holland (1995) (agregação de agentes, não-linearidade, fluxos e redes, diversidade, marcas que – entre outras funções – delimitam as fronteiras do sistema, modelos internos, blocos constituintes (cf. p.96)). O artigo "Caos/complexidade na interação humana", de Erik Fleischer, é um estudo da utilização de um fórum de discussão on-line, ao longo de um período de aproximadamente três anos e meio, por um grupo de professores de inglês como segunda língua nos Estados Unidos. Através de métodos estatísticos, o autor consegue determinar tendências gerais (principalmente declínios) no número de usuários, na quantidade de mensagens postadas, na frequência da introdução de novos tópicos e no número de respostas aos tópicos introduzidos. Ele conclui que o fluxo de e-mails no fórum on-line mostra características de um sistema caótico, inclusive a fractalidade: "os mesmos padrões e tendências podem ser observados no nível do período estudado como um todo, no nível mensal e no nível semanal"; além disso, as tendências estatísticas representam atratores que "conferem ao sistema como um todo – embora não a cada elemento componente tomado isoladamente – um grau de previsibilidade." (p. 91).

No artigo "A entropia sócio-interativa e a sala de aula de (formação de professores de) língua estrangeira: reflexões sobre um sistema complexo", Rafael Vetromille-Castro argumenta que "grupos de aprendizagem", sejam presenciais ou on-line, são sistemas complexos. Com base na crítica de Morin e Le Moigne (2000) à "ciência clássica", o autor argumenta que o estudo de grupos de aprendizagem exige uma perspectiva de complexidade e, por isso, não pode ser conduzido de modo frutífero a partir dos "três pilares do pensamento clássico" (ordem, separabilidade e razão). Isto porque (i) a aprendizagem não segue uma sequência de fases ordenadas, (ii) os diferentes elementos do processo de aprendizagem não podem ser observados separadamente e (iii) é insuficiente um método científico (ou seja, uma racionalidade) que não aborda, ou opta por ignorar, as características distintas dos aprendizes, suas interações uns com os outros e as especificidades dos contextos em que sua aprendizagem se realiza. O autor também expõe seu conceito de "entropia sócio-interativa". Segundo Vetromille-Castro, o conceito de entropia é utilizado de uma maneira específica em vários campos de ciência: "Embora cada um trate de determinada especificidade, todas têm como fundamentos centrais a perda de energia e o aumento de desordem e da dispersão" (p.123). Em termos de seu intercâmbio energético com o meio ambiente, sistemas complexos são considerados sistemas abertos, em que "há a possibilidade de que a energia externa seja integrada, compensando a energia dissipada, combatendo a desordem e desacelerando a entropia" (p.124). De acordo com o autor, grupos de aprendizagem, como todos os sistemas abertos, exigem um influxo constante de energia para substituir o constante e inevitável aumento de entropia, e no caso de grupos de aprendizagem esse influxo é proveniente das interações dos indivíduos que compõem o sistema.

Por sua vez, "A presença cognitiva em comunidades de aprendizagem on-line", de Junia de Carvalho Fidelis Braga, apresenta uma interpretação, em termos de sistemas complexos, da "presença cognitiva" ("a capacidade de se construir significado por meio de comunicação sustentada", p. 134), um dos elementos do modelo de Garrison, Anderson e Archer (2000, 2001) de "Comunidades de Busca de Conhecimento" on-line. A autora ilustra as quatro fases da presença cognitiva (reconhecimento de um problema; exploração; construção colaborativa de significado; resolução) com dados de um curso universitário on-line para professores de ensino de segunda língua. Ela argumenta que a presença cognitiva exibe características de sistemas complexos, como controle distribuído, interação dinâmica de diversos elementos e auto-organização.

Em seguida, em "A emergência de dinâmicas complexas em aulas on-line e face a face", Antônio Carlos Soares Martins mostra como um curso de escrita acadêmica para aprendizes de inglês (com componentes presenciais e on-line) pode ser entendido como um sistema complexo. Martins faz uso da abordagem teórica de Davis e Simmt (2003), que propõem cinco condições pelas quais "comunidades de aprendizagem (compreendidas como sistemas complexos) possam surgir e manter sua coerência em contextos dinâmicos" (p. 149). Cada uma das cinco condições (diversidade interna, redundância, controle distribuído, "restrições possibilitadoras" e interação local) é ilustrada com comentários de alunos que participaram do curso.

Já o artigo "O conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) na perspectiva da teoria da complexidade e do caos: uma releitura", por Valdir Silva, expõe o argumento de que o conceito de Vygotsky de "zona de desenvolvimento proximal" (ZDP) pode ser entendido como um sistema complexo. De acordo com Silva, a ZDP é um sistema aberto, dinâmico, recursivo e não-linear. Assim, a aprendizagem na ZDP é descrita como "sempre em um estado sensível às condições iniciais, desencadeadas por fatores internos ou externos do sujeito e que em seus desdobramentos futuros terá como marca a imprevisibilidade de seus resultados"; e também como um processo "em que a 'quantidade' de conhecimentos assimiláveis não é estritamente proporcional à capacidade preexistente aos estímulos para o aprendizado" (p. 183).

Uma das organizadoras da coletânea, Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva, que tem escrito com frequência sobre aprendizagem sob a perspectiva da complexidade, é autora do artigo "Caos, complexidade e aquisição de segunda língua". Nele, Paiva argumenta que a aquisição da segunda língua possui diversas características dos sistemas complexos ou caóticos2 2 "A teoria do caos é o estudo de sistemas que passam por atratores caóticos. A teoria da complexidade incorpora os sistemas caóticos e a teoria do caos ao lado do estudo de sistemas não caóticos" (LARSEN-FREEMAN e CAMERON, 2008, p. 57). : as tendências gerais são, por um lado, previsíveis, mas os resultados específicos não o são – por exemplo, sabemos que os alunos aprenderão uma segunda língua de modo mais efetivo se eles tiverem a chance de usar o idioma em situações reais, mas não podemos prever exatamente em que medida essa aprendizagem irá ocorrer; as causas não são diretamente proporcionais aos seus efeitos – um determinado tipo de experiência com a aprendizagem de segunda língua pode ajudar alguns alunos, mas dificultar o aprendizado de outros. Sistemas complexos, como a aprendizagem de línguas, expressam processos que ocorrem na "beira do caos", ou seja, em algum estado entre estagnação e desordem – este estado dinâmico representa um desafio para os alunos, que respondem de modo imprevisível; sistemas complexos podem adaptar-se a seu ambiente, passando de um para outro estado, e assim muitas vezes entram em estados estáveis preferidos (atratores) – da mesma maneira, o estudante de línguas pode entrar em "etapas" estáveis de aprendizagem, as quais, no entanto, não ocorrem de acordo com um padrão fixo e previsível. Todos estes conceitos são ilustrados por narrativas de um aprendiz de segunda língua.

No artigo "Identidade e aprendizagem de inglês pela ótica da complexidade", Liliane Assis Sade argumenta que a identidade social pode ser interpretada como um sistema complexo, e mostra como a reconstrução da identidade do aprendiz de segunda língua pode ser entendida em termos de complexidade. A autora argumenta que a participação do indivíduo em várias "comunidades de prática" (WENGER, 1998) resulta em múltiplos "eus", que se integram para compor um sistema, o "eu social" do indivíduo. Para Sade, os vários "eus" têm as mesmas propriedades do "eu social" como um todo, e assim ela propõe o termo "identidade fractalizada" (em contraste intencional com a noção de "identidade fragmentada") para descrever a identidade social que emerge da interação de vários elementos. Em seguida, a autora analisa a narrativa de um universitário, mostrando como as suas experiências variadas ("não-lineares") na aprendizagem de inglês, dentro e fora do contexto escolar, estão inter-relacionadas com o surgimento de suas diversas "identidades fractais", que incluem aluno, filho, trabalhador, amante do rock, garçom, e professor de inglês.

O último artigo na coletânea, "O processo de desenvolvimento da competência linguística em inglês na perspectiva da complexidade", de Rita de Cássia Augusto, traça as alterações, durante mais de um ano e meio, na competência de um indivíduo (no caso, uma professora de escola pública brasileira com vinte anos de experiência no ensino de inglês) que participou de um curso para professores de inglês. Os contextos do desenvolvimento de segunda língua da professora foram analisados de uma perspectiva macro (fatores positivos e negativos no contexto sócio-cultural), bem como de um ponto de vista micro (motivação individual, ou "agência"). Períodos de estabilidade e fatores de mudança nestes contextos são identificados como atratores e perturbações no sistema complexo da competência do aprendiz. A autora observou que as medidas de precisão e fluência da professora diminuíram, a sua complexidade de vocabulário aumentou e depois voltou ao seu nível anterior, e a sua complexidade gramatical aumentou abruptamente nos últimos meses do curso. A autora conclui que "o desenvolvimento da competência linguística não ocorre de forma idêntica nos diferentes subsistemas linguísticos, não acontece de forma linear e não é um processo que se desenvolve em um crescendum, tendo um ponto de chegada definido" (p.246).

A aplicação da teoria da complexidade à aprendizagem de segunda língua e à sala de aula (presencial ou on-line) constitui uma área de investigação relativamente nova e, portanto, o interesse principal da coletânea deriva da originalidade do seu conteúdo. Para os autores, a abordagem da complexidade oferece ao menos a possibilidade de uma explicação para a aparente falta de regularidades bem definidas no processo de aprendizagem da segunda língua e para a conexão íntima entre este processo e os múltiplos e diversos fatores (linguísticos e não linguísticos) em constante mudança e agrupados sob a designação "contexto". Outra colaboração é a maneira pela qual vários conceitos teóricos estabelecidos (por exemplo, recursividade, competência, comunidade de aprendizagem, presença cognitiva, identidade social, ZDP) são reinterpretados em termos da teoria da complexidade. Além disso, alguns dos autores introduzem novos conceitos teóricos de valor potencial, como a "entropia sócio-interativa", de Vetromille-Castro, e a "identidade fractal", de Sade. Note-se, também, que, em quase todos os artigos, os argumentos dos autores são fundamentados em uma cuidadosa análise de dados empíricos, com base em extensas pesquisas anteriores.

A teoria da complexidade ainda não possui um conjunto de princípios únicos, unificados, claramente definidos e amplamente aceitos, e provavelmente por esta razão grande parte dos autores da coletânea se sente obrigada a resumir, em seus artigos, os conceitos básicos da abordagem. Infelizmente, isto traz certa repetitividade ao volume. Além disso, é provável que os leitores ainda não convencidos de que a abordagem da complexidade tem algo a oferecer à linguística aplicada sintam ainda mais dúvidas quando encontram, ao longo da coletânea, referências a grupos de discussão on-line, ambientes virtuais de aprendizagem, grupos de aprendizagem (presenciais e on-line), a presença cognitiva em comunidades de busca de conhecimento, ZDPs vygotskianas, a identidade social, a competência linguística, a aquisição de segunda língua, bem como a linguagem em si, todos concebidos como sistemas complexos. Podemos perguntar, por um lado, se a definição de sistema complexo é tão ampla que engloba praticamente qualquer coisa e, por outro, se talvez uma maior unidade subjacente possa ser encontrada nesta multiplicidade de sistemas propostos. Em resposta, pode-se notar que um dos princípios da teoria da complexidade é que os elementos de um sistema complexo podem ser, eles próprios, outros sistemas complexos (por exemplo, aprendizes de segunda língua podem ser vistos como sistemas complexos que compõem um sistema maior, o de um grupo de aprendizagem). A delimitação exata de todos estes sistemas relacionados à linguagem e uma clara explicação de suas inter-relações é um problema que deve ser abordado em futuras pesquisas. Como dizem Larsen-Freeman e Cameron: "o que temos a fazer, para que a teoria da complexidade seja capaz de ir além de seu papel metafórico ou como ponte [para uma nova perspectiva teórica], é desenvolver uma classificação específica da área; ou seja, devemos ser capazes de responder a [questões] usando critérios definidos para o próprio campo da linguística aplicada" (2008:15). De modo geral, os argumentos dos autores nesta coletânea são consistentes e, na maioria dos casos, exemplificados por pesquisa empírica. O volume representa admiráveis novos passos para um intrigante programa de pesquisa.

Recebido: 31/12/2011

Aceito: 23/06/2012

  • APPLIED LINGUISTICS (2006). Oxford: Oxford University, v. 27, no 4.
  • BECKNER, C.; BLYTHE, R.; BYBEE, J.; CHRISTIANSEN, M. H.; CROFT, W.; ELLIS, N. C.; HOLLAND, J.; KE, J.; LARSEN-FREEMAN, D.; SCHOENEMANN, T. (2009). Language is a complex adaptive system: position paper. Language Learning, v. 59, supplement 1, pp.1-26.
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  • WENGER, E. (1998). Communities of practice: learning, meaning, and identity Cambridge: Cambridge University.
  • *
    Resenha de William Alfred Pickering. FATEC, Piracicaba (SP), Brasil.
  • 1
    "Não-linearidade é um termo matemático referindo-se a mudanças que não são proporcionais ao
    input" (LARSEN-FREEMAN e CAMERON, 2008, p. 31). As traduções de publicações em língua inglesa citadas na presente resenha são feitas pelo autor.
  • 2
    "A teoria do caos é o estudo de sistemas que passam por atratores caóticos. A teoria da complexidade incorpora os sistemas caóticos e a teoria do caos ao lado do estudo de sistemas não caóticos" (LARSEN-FREEMAN e CAMERON, 2008, p. 57).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Dez 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2012
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