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Percepção de enfermeiros sobre condições de trabalho em setor de emergência de um hospital

Percepción de enfermeros sobre condiciones de trabajo en el sector de emergencia de un hospital

Resumos

OBJETIVO: Conhecer as condições de trabalho na emergência do Hospital da Restauração, a partir da percepção de enfermeiros que trabalham nesse setor. MÉTODOS: Estudo de caso, que utilizou a abordagem qualitativa e quantitativa, com triangulação de métodos. A coleta de dados foi feita por meio de entrevista aberta, questionários fechados e observação. Foram entrevistados 23 enfermeiros. Empregou-se, na análise dos dados, a Condensação de Significados e o programa Excel versão 2003. RESULTADOS: A quantidade excessiva de pacientes e a falta de segurança para o desenvolvimento do trabalho foram os itens mais criticados pelos entrevistados, e confirmados pela observação. Do grupo pesquisado, 47,8% trabalhavam na emergência há mais de 16 anos consecutivos, sendo a maioria na faixa etária de 41 a 50 anos e do sexo feminino. CONCLUSÃO: Predominou uma percepção de condições precárias de trabalho, salários insatisfatórios, ambiente insalubre e inseguro, levando a um sentimento de desmotivação que influi na qualidade da assistência.

Hospitais de emergência; Enfermagem em emergência; Condições de trabalho


OBJETIVO: Conocer las condiciones de trabajo en el sector de emergencia del Hospital de la Restauración, a partir de la percepción de enfermeros que trabajan en ese sector. MÉTODOS: Estudio de caso, que utilizó el abordaje cualitativo y cuantitativo, con triangulación de métodos. La recolección de datos fue hecha por medio de entrevista abierta, preguntas cerrados y observación. Fueron entrevistados 23 enfermeros. Se empleó, en el análisis de los datos, la Condensación de Significados y el programa Excel versión 2003. RESULTADOS: La cantidad excesiva de pacientes y la falta de seguridad para el desarrollo del trabajo fueron los ítems más criticados por los entrevistados, y confirmados por la observación. Del grupo investigado, 47,8% trabajaban en el sector de emergencia hace más de 16 años consecutivos, estando la mayoría en el intervalo de edad de 41 a 50 años y del sexo femenino. CONCLUSIÓN: Predominó una percepción de condiciones precarias de trabajo, salarios insatisfactorios, ambiente insalubre e inseguro, llevando a un sentimiento de desmotivación que influye en la calidad de la asistencia.

Hospitales de emergencia; Enfermería en emergencia; Condiciones de trabajo


OBJECTIVE: To determine the working conditions in the emergency sector in the Hospital da Restauracao, from the perception of nurses working in that sector. METHODS: A case study, which used a qualitative and quantitative approach, with triangulation of methods. Data collection was done through open interviews, closed questionnaires and observation. 23 nurses were interviewed. To analyze the data was used the condensation of meanings and the program Excel-version 2003. RESULTS: High number of patients and lack of security for the development of the work were the items most criticized by those interviewed, and confirmed by observation. From the studied group, 47.8% worked in emergency for more than 16 consecutive years, most of them female in the age range of 41 to 50 years. CONCLUSION: The prevailing perceptions were: poor working conditions, unsatisfactory wages, unhealthy and insecure environment, leading to a feeling of discouragement that influences the quality of care.

Emergency hospitals; Emergency service nursing; Working conditions


ARTIGO ORIGINAL

Percepção de enfermeiros sobre condições de trabalho em setor de emergência de um hospital* * Trabalho realizado no Hospital da Restauração da Secretaria de Estado da Saúde de Pernambuco, Recife, (PE), Brasil.

Percepción de enfermeros sobre condiciones de trabajo en el sector de emergencia de un hospital

Betise Mery Alencar Sousa Macau FurtadoI; José Luiz Correia de Araújo JúniorII

IPós-graduanda (Doutorado) em Saúde Pública do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva - NESC/CPqAm/FIOCRUZ, Recife, Brasil. Professora Assistente da Faculdade de Enfermagem da Universidade de Pernambuco - UPE - Recife (PE), Brasil. Enfermeira da emergência do Hospital da Restauração. Recife (PE), Brasil

IIDoutor em Saúde Pública. Professor do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva - NESC/CPqAm/FIOCRUZ e da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Pernambuco - UPE - Recife (PE), Brasil

Autor Correspondente Autor Correspondente: Betise Mery Alencar Sousa Macau Furtado R. Dês. Célio de Castro Montenegro, 32/1101 - Monteiro Recife (PE), Brasil - CEP: 52070-008 E-mail: betisemery@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Conhecer as condições de trabalho na emergência do Hospital da Restauração, a partir da percepção de enfermeiros que trabalham nesse setor.

MÉTODOS: Estudo de caso, que utilizou a abordagem qualitativa e quantitativa, com triangulação de métodos. A coleta de dados foi feita por meio de entrevista aberta, questionários fechados e observação. Foram entrevistados 23 enfermeiros. Empregou-se, na análise dos dados, a Condensação de Significados e o programa Excel versão 2003.

RESULTADOS: A quantidade excessiva de pacientes e a falta de segurança para o desenvolvimento do trabalho foram os itens mais criticados pelos entrevistados, e confirmados pela observação. Do grupo pesquisado, 47,8% trabalhavam na emergência há mais de 16 anos consecutivos, sendo a maioria na faixa etária de 41 a 50 anos e do sexo feminino.

CONCLUSÃO: Predominou uma percepção de condições precárias de trabalho, salários insatisfatórios, ambiente insalubre e inseguro, levando a um sentimento de desmotivação que influi na qualidade da assistência.

Descritores: Hospitais de emergência; Enfermagem em emergência; Condições de trabalho

RESUMEN

OBJETIVO: Conocer las condiciones de trabajo en el sector de emergencia del Hospital de la Restauración, a partir de la percepción de enfermeros que trabajan en ese sector.

MÉTODOS: Estudio de caso, que utilizó el abordaje cualitativo y cuantitativo, con triangulación de métodos. La recolección de datos fue hecha por medio de entrevista abierta, preguntas cerrados y observación. Fueron entrevistados 23 enfermeros. Se empleó, en el análisis de los datos, la Condensación de Significados y el programa Excel versión 2003.

RESULTADOS: La cantidad excesiva de pacientes y la falta de seguridad para el desarrollo del trabajo fueron los ítems más criticados por los entrevistados, y confirmados por la observación. Del grupo investigado, 47,8% trabajaban en el sector de emergencia hace más de 16 años consecutivos, estando la mayoría en el intervalo de edad de 41 a 50 años y del sexo femenino.

CONCLUSIÓN: Predominó una percepción de condiciones precarias de trabajo, salarios insatisfactorios, ambiente insalubre e inseguro, llevando a un sentimiento de desmotivación que influye en la calidad de la asistencia.

Descriptores: Hospitales de emergencia; Enfermería en emergencia; Condiciones de trabajo

INTRODUÇÃO

O processo de trabalho num setor de emergência de uma hospital é definido(1) como a possibilidade diária e ininterrupta de ter como objeto de trabalho uma pessoa gravemente doente, que precisa de cuidados imediatos e que corre risco de vida. É um serviço que funciona as 24 horas do dia e, por ser público, atende de maneira universal e integral a todos que o procuram, gratuitamente(2).

Para que o processo de trabalho possa acontecer, são necessárias condições adequadas que incluem desde o ambiente, o pessoal, ao material necessário para o desempenho das atividades(3-4). O processo de trabalho de enfermagem segue a divisão do trabalho baseada no modo operatório, em que o enfermeiro utiliza seu saber como instrumental ideológico de poder. Essa divisão técnica caminha no mesmo sentido da divisão social do trabalho(4-5); é, portanto, um trabalho fracionado e fragmentado.

As funções do enfermeiro de emergência vão desde a escuta da história do paciente, exame físico, execução de tratamento, orientação aos doentes, à coordenação da equipe de enfermagem(6), aliando conhecimento científico e capacidade de liderança, agilidade e raciocínio rápido e a necessidade de manter a tranqüilidade(7).

Encontram-se lotados na Emergência do Hospital da Restauração 71 enfermeiros. Em cada plantão de 12 horas, fazem parte da escala de trabalho, em média, oito enfermeiros, 46 auxiliares/técnicos de enfermagem e 30 a 40 médicos nas diversas especialidades.

Por fazer parte dessa realidade e diante da necessidade da presença constante do enfermeiro junto à clientela dentro dos serviços de saúde, da indiscutível essencialidade do seu trabalho, do custo da sua formação profissional, do processo de trabalho dentro do setor de emergência e, ainda, considerando as condições em que esse profissional desenvolve as sua funções, como também que no Brasil existem estudos que tratam do trabalho do enfermeiro nas emergências, os quais enfatizam perfil, gestão(6-9) e estresse(10-11) no sentido de sofrimento psíquico, e que poucos são os relativos às condições específicas do trabalho do enfermeiro nas emergências(12), é que a autora sentiu a necessidade de realizar esta pesquisa, com o objetivo de conhecer as condições de trabalho na Emergência do Hospital da Restauração, a partir da percepção de enfermeiros que trabalham nesse setor.

MÉTODOS

O estudo foi realizado no setor de emergência do Hospital da Restauração (HR), da Secretaria de Estado de Pernambuco, caracterizado como a principal unidade de referência pública no atendimento a pacientes politraumatizados. Dispõe de 480 leitos e atende, diariamente, cerca de 400 pacientes. Utilizou-se a abordagem qualitativa e quantitativa através do estudo de caso(13-14). A abordagem qualitativa através desse tipo de estudo se adapta bem para essa pesquisa, porque esse método possui como objeto uma unidade que se avalia aprofundadamente, se desenvolve no ambiente natural, é rico em dados descritivos, tem um plano aberto e flexível, verifica como o problema estudado se manifesta nas interações cotidianas e se preocupa em retratar a perspectiva dos participantes(15).

Foram adotados para a coleta de dados a entrevista aberta, por entender que a mesma possibilitaria um entendimento em profundidade sobre o tema(13); um questionário composto de perguntas abertas e fechadas, para captar, de forma pontual, alguns resultados e a observação direta, com o propósito de se ter uma outra dimensão sobre o problema estudado(13-16), para uma triangulação metodológica(14,17-18), com vistas a maior validade dos achados. Na entrevista aberta, foi utilizado um roteiro(13) com questões abordadas sobre: os momentos de trabalho do enfermeiro dentro do setor de emergência; as atividades por ele desenvolvidas durante o seu horário de trabalho; as condições em que essas atividades eram desenvolvidas; os fatores responsáveis pela insatisfação no trabalho. Cada entrevista durou cerca de uma hora.

Procurou-se, de forma sistemática, observar o trabalho de um dos profissionais em cada plantão, dentre os que participaram das entrevistas, escolhido de forma aleatória, totalizando sete enfermeiros, nos horários diurno e noturno. Foi observada a maneira como o enfermeiro se organiza e conduz o plantão; o ambiente de trabalho; as atividades que desenvolve e a relação com outros atores (pacientes, familiares, outros profissionais), sendo anotadas todas as observações em um diário de campo e utilizado um roteiro preestabelecido, durando, em média, cada observação de quatro a cinco horas. O questionário foi composto por variáveis sociodemográficas (sexo, estado civil, idade, tempo de formado, titularidade, quantidade e tipo de outros vínculos de trabalho, regime de trabalho e renda total percebida), com o objetivo de descrever o perfil do enfermeiro, e com questões relativas às condições de trabalho na emergência: a qualidade do ambiente para o profissional desenvolver o seu trabalho; a quantidade e qualidade dos equipamentos e insumos; a quantidade de profissionais; o apoio aos serviços pelos meios diagnósticos e terapêuticos, o gerenciamento e a organização do trabalho.

Para seleção dos entrevistados, inicialmente, foi providenciado, com a gerência de pessoas da Instituição, a relação dos 71 enfermeiros lotados na Emergência. Foram selecionados os profissionais com mais de cinco anos de trabalho no setor, considerando ser um período suficiente para melhor conhecimento do serviço, chegando-se ao total de 28. Desse grupo foram excluídos os que se encontravam de férias (2), licença (1) e os que se encontravam ocupando cargos de chefia (2); restaram 23 enfermeiros, sendo todos entrevistados. Tanto as entrevistas como as observações foram realizadas pela pesquisadora no período de setembro a dezembro de 2007, após autorização dos entrevistados. As entrevistas abertas foram gravadas em meio eletrônico e posteriormente transcritas.

Para a sistematização e análise dos dados das entrevistas abertas, tomou-se como referência a Condensação de Significados de Kvale(19). Nesse tipo de análise, as passagens da entrevista que se relacionam a uma questão específica do estudo são cotadas e condensadas num quadro constituído pelas unidades naturais dos significados das respostas dos sujeitos, na coluna da esquerda, e os temas centrais relacionados a esses, que são categorias conceituais, na coluna da direita; segue-se, abaixo de ambas, a descrição essencial da questão relacionada ao estudo, conforme demonstrado nos Quadros 1 e 2. Para garantir o anonimato dos sujeitos entrevistados e citados, foram utilizados códigos de identificação. Os dados obtidos a partir da aplicação dos questionários sobre as condições de trabalho no setor de emergência foram processados e analisados no programa Excel, versão 2003 e apresentados na forma de tabelas. Os resultados da observação foram consolidados e descritos seguindo as categorias definidas no roteiro para essa finalidade. Optou-se por entrevistar todos os enfermeiros da amostra, embora com saturação de algumas questões, na expectativa de encontrar respostas distintas, mesmo nas últimas entrevistas. A análise dos dados permitiu recombinar as evidências quantitativas e qualitativas, confrontando-as com a teoria, com o objetivo de procurar a convergência dos resultados, de forma mais consistente(14,17-18).



Este estudo foi desenvolvido em conformidade com as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas que envolvem seres humanos, aprovadas pelo Conselho Nacional de Saúde, através da Resolução nº 196/96. Faz parte do projeto de doutorado desenvolvido pela pesquisadora, intitulado O trabalho do enfermeiro em emergência: a representação social, o comprometimento, a satisfação e as condições de trabalho. No caso do Hospital da Restauração, foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães/Fundação Oswaldo Cruz e recebeu o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAEE) com Nº 0045.0.095.000-07. Todos os participantes da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Os resultados apresentados na Tabela 1, referentes à caracterização do perfil dos enfermeiros estudados, mostram que a maioria dos 23 profissionais entrevistados era do sexo feminino (91,3%); a faixa etária de 46 a 50 anos registrou a maior freqüência (26,1%), com uma média de idade de 41 anos. O estado civil predominante (60,9%) foi o casado. Verificou-se que 47,87% dos entrevistados tinham entre 11 e 20 anos de formados e 87% com especialização ou residência. Trabalhar na Emergência foi escolha pessoal de 65,2% do grupo. 47,8% já trabalhavam na Emergência há mais de16 anos consecutivos, sendo um profissional com período superior a 26 anos. Todos trabalhavam em escala de dois plantões por semana, de 12 horas cada, diurno ou noturno. 73,9% informaram ter outro vínculo empregatício; 52,2% outro vínculo público e 13% em outra emergência. O salário variou de R$ 2.000,00 a R$10.000,00, com uma média de R$ 3.739,00 .

Os resultados obtidos a partir do questionário fechado (Tabela 2) mostram que quanto à qualidade do ambiente para a realização do trabalho, 39,1% e 34,8% indicaram conceito Ruim para o conforto e limpeza, respectivamente. Na variável equipamentos e insumos o conceito predominante foi Regular em todos os itens, com exceção da quantidade de materiais, que obteve conceito Bom (56,5%). Em relação à quantidade de profissionais na Emergência, os médicos obtiveram 50% de conceito Bom, o enfermeiro 36,4% de Regular e 27,3% de Ruim. O pessoal auxiliar ocupou uma posição equilibrada entre Bom, Regular e Ruim. Em relação aos meios diagnósticos e terapêuticos, o pior conceito ficou com o serviço de imagem, com 40,9% de Ruim. Quanto ao gerenciamento e organização do trabalho, o pior conceito foi para a segurança, com 56,5% Ruim, seguido do número de atendimentos por turno (43,5%).

Em relação aos resultados das entrevistas abertas, foi considerado que a equipe de auxiliares de enfermagem era insuficiente para o grau de complexidade dos atendimentos e a freqüência dos cuidados prestados. Ressaltaram-se, também, a falta de equipamentos, a baixa qualidade dos materiais adquiridos pelo serviço e a inexistência de treinamento dos enfermeiros para o manuseio adequado dos equipamentos, como pode ser percebido nas passagens a seguir:

[...] é um caos total, porque não se concebe você entrar para começar a trabalhar e se deparar com uma Emergência superlotada, falta de profissionais em todas as categorias e especialidades de categoria, [..] falta treinamento para o pessoal de enfermagem, para os enfermeiros, falta assistência psicológica para ele entender que não é a pessoa dele que está sendo agredida (Enfermeiro IV)

Um dos temas que mais recebeu críticas do grupo foi a segurança do hospital, considerada por praticamente todos os enfermeiros como bastante falha.

A segurança no trabalho é uma coisa que é completamente extinta aqui dentro, não sei se é como uma rotina dos hospitais abertos, de uma maneira geral, mas aqui a gente sabe que a gente está muito receptiva a qualquer hora a um marginal. Já fui vitima, alguns anos atrás, o marginal entrou aqui para acabar de matar um policial e me pegou praticamente de refém [...], fora isso, as agressões dos próprios acompanhantes no contexto da situação de você não poder atender todo mundo na mesma hora [...] (Enfermeiro II)

Em relação ao material de uso para a realização dos procedimentos, foi considerado por alguns entrevistados que o não planejamento das atividades gera uma completa desordem no andamento do serviço, o que leva à perda de tempo e de recursos. Pode-se observar essa realidade na seguinte fala:

[...] às vezes falta material num setor porque alguém deixou de pegar na farmácia, a farmácia deixou de pegar no depósito e assim vai e você vai se desgastando com isso, a gente anda demais procurando coisas que já deveriam estar lá, e isso é um desgaste [...] (Enfermeiro IV).

Quanto à demanda de pacientes do setor de emergência, os entrevistados queixaram-se do descontrole da quantidade de pacientes que recorrem ao serviço:

Existe um dimensionamento de pacientes maior do que a estrutura é capaz de suportar, tanto estrutura física, como estrutura pessoal [...] É um equívoco aumentar o número de pessoas, adianta organizar a questão da quantidade de pacientes. A gente não tem um ambiente saudável para os profissionais, muito menos para os pacientes. É inadmissível que você tenha que passar uma sonda vesical num paciente no corredor na frente de homem e mulher, quem passa [...] (Enfermeiro IV)

Os enfermeiros ressaltaram, ainda, a discriminação que estão sofrendo nos últimos anos, relacionada aos aumentos de salários diferenciados entre os profissionais de saúde dentro da instituição. Isso pode ser visto através do relato:

Não foi sempre assim não, nós já passamos momentos que realmente tinha um tipo de tratamento diferenciado, mas que você conseguia conquistar um espaço e que via aquela coisa da equipe querendo que você conquistasse [...]. Existia a possibilidade de você brigar junto, de respeitar e querer para você também igual (Enfermeiro IV).

[...] o salário, ele não é um salário justo para o trabalho que é desenvolvido aqui dentro, uma vez que você tem que ter dois ou três empregos para sobreviver e a Emergência do HR ela não lhe dá chance de ter mais empregos porque ela consome muito [...] (Enfermeiro XVII).

Outro ponto importante a chamar a atenção foi a questão da dificuldade dos enfermeiros que trabalham com o ensino, uma vez que o hospital é classificado como de ensino e essa prática vai sempre existir.

[...] a gente tem até vergonha de passar para os estudantes acadêmicos, que isso é a realidade nossa. [...] porque a gente está ensinando aqui uma coisa totalmente errada, é lógico que isso ai não é saúde, tem dia aqui que a gente não tem condições nenhuma de desenvolver um trabalho digno [...], é tudo errado (Enfermeiro XVI).

Dentre o grupo pesquisado, houve poucas pessoas a expressarem o desejo de sair da Emergência. Acham que, na verdade, nunca irão sair; além do apego pessoal, sentem que a hora de tomar uma decisão já passou. A maioria do grupo acredita que, apesar de tudo, ainda resta a esperança de que, um dia o setor de emergência possa melhorar. Provavelmente é essa a razão da permanência no setor por tantos anos.

A partir da observação direta do trabalho do enfermeiro, pôde-se constatar que esse profissional não consegue desenvolver um trabalho seqüenciado, pela excessiva demanda e pelas solicitações constantes, tanto por parte dos auxiliares, dos pacientes, como dos outros profissionais, o que demonstra, claramente, a insuficiência desse profissional e a falta de planejamento no desempenho do seu papel. O local de trabalho é insalubre, não existe espaço adequado para a realização dos procedimentos com privacidade, nem para o profissional, nem para os pacientes, os quais ocupam todos os lugares destinados à circulação, sem distinção de especialidades ou diagnósticos e, muitas vezes, independendo da gravidade dos casos.

DISCUSSÃO

Algumas características dos enfermeiros entrevistados coincidiram com o encontrado em outros trabalhos, tais como sexo(20) e idade(21), embora os resultados desses estudos nem sempre se refiram a serviço de emergência.

Um dos temas abordados pelos entrevistados que causa maior insatisfação em relação às condições de trabalho é a questão da demanda excessiva de pacientes, o que gera sobrecarga física e emocional nos profissionais. O aumento de pessoal não é considerado como a solução para o problema, mas sim, o re-ordenamento da demanda. Os resultados obtidos neste estudo, quantitativos (questionários) e qualitativos (entrevistas e observação), inclinam-se para a mesma direção, ou seja, a insatisfação dos enfermeiros relativa à alta demanda de pacientes, o que também é ratificado por alguns estudos(21-23).

Outro problema que causa sérias conseqüências ao atendimento à população, como também alto nível de tensão aos enfermeiros, é a ausência de treinamentos de forma regular para esses profissionais, dificultando a eficiência e agilidade nas atuações frente às vítimas de trauma e emergências clinicas que chegam á unidade. Uma grande preocupação que fica a esse respeito é que esse não é um problema exclusivo desse hospital, mas parece ser um problema de ordem mais geral, de acordo com estudo pesquisado(7), que considera os treinamentos na área de emergência, no Brasil, ainda incipientes.

As condições de trabalho relacionadas ao ambiente, na emergência estudada, foram consideradas de regular para ruim pelos resultados dos questionários, o que foi comprovado durante a observação do trabalho desses profissionais e confirmado pelas declarações durante as entrevistas. O local de trabalho é considerado inadequado para a realização de uma assistência digna, com respeito ao ser humano e que permita a estabilização e tratamento dos pacientes atendidos, desde a disponibilidade de materiais, a insalubridade do local, o acúmulo de pacientes em todos os espaços, o que prejudica a realização de procedimentos e a garantia da privacidade dos pacientes. Esse quadro contribui para o esgotamento físico e emocional dos profissionais, situação essa decorrente do ambiente de trabalho e não gerada por problemas decorrentes dos profissionais. Esse fato é igualmente destacado por alguns autores(10-11,21-23).

Vale a pena salientar que, além do ambiente impróprio à prestação da assistência, os enfermeiros ainda sofrem agressões físicas e verbais. A hostilidade que o indivíduo encontra no ambiente da Emergência pode ser entendida como o acirramento de manifestações relacionadas à evolução da cultura hospitalar clássica de isolamento; à atitude impessoal, apoiada no tecnicismo ou cientificismo médico positivista; aos mecanismos de defesa, dadas as condições ultrajantes de trabalho; assim como a reação às condições de miserabilidade e violência social(21-23).

Praticamente, todos os profissionais entrevistados tinham mais de um vínculo, o que, evidentemente, gera maior carga de cansaço e desgaste. Uma autora(24) considera que a multiplicidade de vínculos, por opção ou por necessidade, acarreta condições diversas de trabalho, desgaste físico, emocional e falta de tempo para o lazer.

As condições precárias de trabalho na enfermagem são um problema de longa data, já tendo sido reconhecido desde a década de 1980, pela Associação Brasileira de Enfermagem(8), quando ocorreu uma evasão significativa dos estudantes das universidades e o abandono da profissão. Em países como os Estados Unidos da América, Canadá, Alemanha, Inglaterra e Escócia, os enfermeiros demonstram a preocupação em relação às condições de trabalho(20) e apontam o desgaste físico, a baixa remuneração, o desprestígio social como fatores associados a essas condições, que vêm refletindo negativamente na qualidade da assistência prestada à clientela, fato demonstrado também no presente trabalho.

Os resultados deste estudo diferem de outros trabalhos(8,23) quanto ao desejo de profissionais em abandonar a profissão. Não foi observada nos entrevistados a firme determinação de deixar a profissão ou o hospital. Houve desabafos sobre a decepção da situação em que o hospital se encontra, e apenas um profissional se mostrou claramente desejoso de sair do setor. Ao contrário, o que chama atenção é a permanência por muito tempo dos enfermeiros nesse setor de Emergência, mesmo considerando as condições de trabalho oferecidas. Esse apego pode representar uma forma de minimizar o sofrimento(3).

CONCLUSÃO

A partir da realidade descrita neste estudo, torna-se claro como os enfermeiros da Emergência do Hospital da Restauração percebem as condições de trabalho a que estão submetidos, o que tem levado a desmotivação, insegurança e baixo rendimento. Espera-se que a divulgação destes resultados possam estimular os gestores a definirem um plano de desenvolvimento para o referido setor do hospital selecionado, considerando a sua importância e a essencialidade do trabalho do enfermeiro dentro desse serviço.

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  • Autor Correspondente:
    Betise Mery Alencar Sousa Macau Furtado
    R. Dês. Célio de Castro Montenegro, 32/1101 - Monteiro
    Recife (PE), Brasil - CEP: 52070-008
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    Trabalho realizado no Hospital da Restauração da Secretaria de Estado da Saúde de Pernambuco, Recife, (PE), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Maio 2010
    • Data do Fascículo
      Abr 2010
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