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Causas externas de mortalidade em mulheres grávidas e puérperas

Causas externas de mortalidad en mujeres embarazadas y puérperas

Resumo

Objetivo

Descrever as mortes por acidentes, suicídios e homicídios entre gestantes e puérperas.

Métodos

Estudo retrospectivo de 169 óbitos (108 de gestantes e 61 puérperas) no estado de Pernambuco entre os anos de 2006 e 2014 com uso da fonte de dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM).

Resultados

Homicídios foram o principal tipo de violência em gestantes (34,9%) e puérperas (23,1%). Os óbitos ocorreram na faixa etária de 20 a 49 anos (n = 122; 72,2%), em mulheres de raça/cor não branca (n = 141; 83,4%) e sem companheiro (n = 129; 76,3%).

Conclusão

A investigação dos óbitos por causas externas durante o período gravídico-puerperal fornece informações úteis para a implementação de estratégias de prevenção da violência.

Causas externas; Gestantes; Violência contra a mulher; Mortalidade materna; Estatísticas vitais; Período pós-parto

Resumen

Objetivo

Describir las muertes por accidentes, suicidios y homicidios entre mujeres embarazadas o puérperas.

Métodos

Se trata de un estudio retrospectivo sobre 169 defunciones (108 de mujeres embarazadas y 61 de puérperas) en el estado de Pernambuco, Brasil, para los años 2006 y 2014, cuya fuente de datos fue el Sistema de Información sobre Mortalidad (SIM).

Resultados

Los homicidios fueron el principal tipo de violencia para con las mujeres embarazadas (34,9%) y las puérperas (23,1%). Las muertes sucedieron en el grupo de edad de 20 a 49 años (n = 122; 72,2%), entre mujeres de raza/color no blancas (n = 141; 83,4%) y sin pareja estable (n = 129; 76,3%).

Conclusión

La investigación de las muertes por causas externas durante el período embarazo-puerperal proporciona información útil para la implementación de estrategias de prevención de la violencia.

External causes; Mujeres embarazadas; Violencia contra la mujer; Mortalidad materna; Estadísticas vitals; Periodo Posparto

Abstract

Objective

To describe deaths due to accidents, suicides and homicide among pregnant or puerperal women.

Methods

This was a retrospective study on 169 deaths (108 of pregnant women and 61 of puerperal women) in the state of Pernambuco, Brazil, covering the years 2006 and 2014, for which the data source was the Mortality Information System (SIM).

Results

Homicides were the main type of violence for pregnant women (34.9%) and puerperal women (23.1%). The deaths occurred in the age group of 20-49 years (n = 122; 72,2%), among women of nonwhite race/color (n = 141; 83,4%) and with no companion (n = 129; 76,3%).

Conclusion

Investigating deaths due to external causes during the pregnancy-puerperal period provides information that is useful for implementation of violence prevention strategies.

External causes; Pregnant women; Violence against women; Maternal mortality; Vital statistics; Postpartum period

Introdução

A morte materna é considerada um indicador importante da qualidade do atendimento à saúde da mulher e das realidades sociais de um país.(11. Lamba A, Agarwal S, Dutta AK. A cross sectional study to assess the pattern of maternal mortality in a tertiary level government hospital of a city in north India. Int J Reprod Contracept Obstet Gynecol. 2016;5(1):220–3.) Tem relação próxima com determinantes socioculturais e biológicos, especialmente em relação às desigualdades de gênero.(22. Bazile J, Rigodon J, Berman L, Boulanger VM, Maistrellis E, Kausiwa P et al. Intergenerational impacts of maternal mortality: qualitative findings from rural Malawi. Reprod Health. 2015 May;12(S1 Suppl 1):S1.)

A definição de morte materna da Organização Mundial da Saúde (OMS) é a morte de uma mulher durante a gravidez ou em período de 42 dias após o final da gravidez, independente da duração ou local da gravidez, por qualquer causa relacionada ou agravada por medidas tomadas em relação à mulher, exceto causas acidentais ou incidentais.(33. World Health Organization (WHO). Trends in maternal mortality: 1990 to 2013. Geneva: WHO; 2014.) Outra definição, do Grupo de Estudo de Mortalidade Materna, define a morte relacionada à gravidez como a morte de uma mulher por qualquer causa durante a gravidez ou até um ano após a gravidez.(44. Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Pregnancy Mortality Surveillance System. Georgia: CDC; 2016.)

Essas definições permitem identificar as mortes maternas com base apenas em suas causas, como diretas ou indiretas.(33. World Health Organization (WHO). Trends in maternal mortality: 1990 to 2013. Geneva: WHO; 2014.) As mortes diretas estão relacionadas a complicações na gravidez, parto e após o nascimento do bebê. Incluem intervenções, omissões ou tratamento incorreto, ou eventos resultantes de qualquer um destes itens.(55. Montgomery AL, Ram U, Kumar R, Jha P; Million Death Study Collaborators. Maternal mortality in India: causes and healthcare service use based on a nationally representative survey. PLoS One. 20149(1):e83331.) As mortes indiretas estão relacionadas a doenças preexistentes ou que se desenvolveram durante a gravidez, mas não por causas obstétricas diretas, embora possam ter se agravado pelos efeitos fisiológicos da gravidez.(66. Thornton C, Schmied V, Dennis CL, Barnett B, Dahlen HG. Maternal deaths in NSW (2000-2006) from nonmedical causes (suicide and trauma) in the first year following birth. BioMed Res Int. 2013;2013:623743.)

Portanto, todos os óbitos por causas externas durante o período gravídico-puerperal são excluídos da construção do indicador de mortalidade materna. Ou seja, os óbitos são classificados apenas como óbitos por lesões externas, sem qualquer referência à gravidez ou puerpério.(77. Alves MM, Alves SV, Antunes MB, Santos DL. External causes and maternal mortality: proposal for classification. Rev Saude Publica. 2013;47(2):283–91.) Essas mortes incluem lesões causadas por acidentes de carro, afogamento, envenenamento ou quedas, além de violência, como agressões, homicídios, suicídio e abuso sexual.(88. Neves AC, Mascarenhas MD, Silva MM, Malta DC. Perfil das vítimas de violências e acidentes atendidas em serviços de urgência e emergência do Sistema Único de Saúde em capitais brasileiras – 2011. Epidemiol Serv Saude. 2013;22(4):587–96.)

Para compreender e conhecer os determinantes da violência e acidentes, e a extensão desses eventos, é necessária uma análise sistemática dos dados sobre a morbimortalidade por causas externas.(99. de Melo CM, Bevilacqua PD, Barletto M. Produção da informação sobre mortalidade por causas externas: sentidos e significados no preenchimento da declaração de óbito. Ciênc Saude Colet. 2013;18(5):1225–34.) Entretanto, pela complexidade envolvida em averiguar a natureza exata de acidentes e eventos violentos, sua classificação sempre tem certo grau de imprecisão.(1010. Salazar E, Buitrago C, Molina F, Alzate CA. Tendencia de la mortalidad por causas externas en mujeres gestantes puérperas y su relación con factores socioeconómicos en Colombia, 1998-2010. Rev Panam Salud Publica. 2015;37(4-5):225–31.)

Por esse motivo, a relação entre morte materna e causas externas é desconhecida e raramente investigada por meio de sistemas de vigilância de óbitos maternos no Brasil, o que piora o nível de subnotificação, pois essas causas são classificadas como não obstétricas e automaticamente eliminadas da construção do indicador oficial de mortalidade materna.(77. Alves MM, Alves SV, Antunes MB, Santos DL. External causes and maternal mortality: proposal for classification. Rev Saude Publica. 2013;47(2):283–91.)

A inclusão dessas mortes em dados oficiais permitirá caracterizar e averiguar a relevância e tendências desses óbitos e fornecer informações para o desenvolvimento de estratégias e orientações para políticas públicas, com o objetivo de reduzir e prevenir esses agravos. O objetivo deste estudo foi descrever os óbitos por causas externas (acidentes, suicídios e homicídios) entre gestantes e puérperas no estado de Pernambuco (Brasil), no período de 2006 a 2014.

Métodos

Estudo retrospectivo realizado no estado de Pernambuco entre os anos de 2006 a 2014. A fonte de dados foi o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). A população do estudo incluiu gestantes ou puérperas que morreram por causas externas (acidentes, suicídios e homicídios).

Para classificar as causas de morte, foi utilizado o capítulo XX da 10ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID),(1111. Organização Mundial da Saúde (OMS). Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – CID-10. 10 ed. São Paulo: EDUSP; 2000.) que lista as causas externas divididas de acordo com as circunstâncias das mortes, a saber: acidentes de transporte (V01-V99), suicídios (X60-X84) e homicídios (X85-Y09). Do total de óbitos ocorridos nos anos de 2006 a 2014 (n = 207); 39 mortes relacionadas a outras causas externas foram excluídas da análise (Exposição a forças mecânicas inanimadas (W20-W49) - 1; Acidente com afogamento e submersão (W65-W84) - 4; Exposição à corrente elétrica, radiação e temperatura ambiente e pressão extremas - (W85-W99) - 6; Exposição acidental a outros fatores e não especificados (X58-X59) - 2; Evento de intenção não determinada (Y10-Y34) - 22; Quedas (W00-W19) - 3; Outros acidentes de transporte terrestre (V80-V89) - 1).

Foram analisadas as seguintes variáveis: faixa etária, raça/cor: branca (branca e asiática) ou não branca (negra e parda), situação conjugal: sem parceiro (solteira, viúva ou separada) ou com parceiro (casada ou união estável), local da ocorrência (domicílio, estabelecimento de saúde ou ambiente público), prestação de assistência médica e necropsia. As variáveis de ocupação profissional e grau de escolaridade não foram analisadas pela falta de registro dessas informações: n = 63 (37,3%) e n = 54 (31,9%), respectivamente.

O programa EpiInfo, versão 7, foi usado para a análise descritiva dos dados. Utilizou-se estatística descritiva com distribuição de frequência. Para análise das variáveis categóricas, foi utilizado o software R, versão 3.3.2.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (CAEE: 46848515.9.0000.5201).

Resultados

Foram estudados 169 óbitos, dos quais 108 (63,9%) eram do grupo de gestantes e 61 (36,1%) do grupo de puérperas. A tabela 1 mostra que os maiores percentuais de óbito foram por homicídio, ambos durante a gravidez n = 59 (34,9%) e puerpério n = 39 (23,1%).

Tabela 1
Causas externas de óbito entre gestantes e puérperas

A tabela 2 mostra a ocorrência da maioria dos óbitos na faixa etária de 20 a 49 anos (n = 122; 72,2%), em mulheres de raça/cor não branca (n = 141; 83,4%) e sem parceiro (n = 129; 76,3 %). Em relação à localização da ocorrência, óbitos por acidentes foram mais frequentes em ambientes públicos, representando 21 óbitos (12,4%) entre gestantes e 7 (4,1%) entre puérperas. Mortes por suicídio ocorreram principalmente nos estabelecimentos de saúde durante a gravidez (n = 6; 3,6%) e durante o puerpério (n = 4; 2,4%). Mortes por homicídio ocorreram predominantemente em ambientes públicos (n = 24; 14,2%) e no domicílio (n = 18; 10,7%) em gestantes e puérperas, respectivamente.

Tabela 2
Dados sociodemográficos, localização e características dos óbitos de gestantes e puérperas

Dos 169 óbitos analisados, 103 mulheres (60,9%) não receberam atendimento médico no momento da morte, principalmente em casos de homicídio, dos quais 39 (23,1%) eram gestantes e 32 (18,9%) eram puérperas. Em 131 óbitos (77,5%) foi realizada a necropsia, dentre os quais n = 50 (29,6%) para homicídios durante a gestação (Tabela 2).

A tabela 3 mostra as principais causas básicas de morte no capítulo de causas externas. As maiores proporções de morte em gestantes e puérperas foram pelas seguintes causas: ocupante do veículo em acidente de trânsito (n = 42; 84,0%), lesão por ferimento por arma de fogo (n = 55; 56,1%) e lesão causada por objeto cortante, penetrante ou contundente (n = 32; 32,7%). Em gestantes, os acidentes de trânsito (n = 32; 64,0%) e ferimentos por arma de fogo (n = 33; 33,7%) foram as principais causas de morte. Em puérperas, as principais causas de óbito foram ferimentos por arma de fogo (n = 22; 22,4%) e lesão causada por objeto cortante, penetrante ou contundente (n = 11; 11,2%) (Tabela 3).

Tabela 3
Descrição das causas básicas de morte em gestantes e puérperas

Discussão

Os resultados deste estudo mostraram os homicídios como a principal causa de morte violenta entre mulheres grávidas e puérperas. O suicídio foi a causa mais frequente entre gestantes. Antes do início dos anos 90, havia pouca pesquisa sobre homicídios ou suicídios durante e após a gravidez.(1212. Shadigian E, Bauer ST. Pregnancy-associated death: a qualitative systematic review of homicide and suicide. Obstet Gynecol Surv. 2005;60(3):183–90.) Entretanto, hoje em dia há evidências substanciais de que homicídios e suicídios são causas de morte comumente associadas à gravidez.(1313. Stöckl H, Devries K, Rotstein A, Abrahams N, Campbell J, Watts C, et al. The global prevalence of intimate partner homicide: a systematic review. Lancet. 2013;382(9895):859–65.,1414. Wallace ME, Hoyert D, Williams C, Mendola P. Pregnancy-associated homicide and suicide in 37 US states with enhanced pregnancy surveillance. Am J Obstet Gynecol. 2016;215(3):364.e1–10.) O número de homicídios e suicídios relatados na literatura permitem formular hipóteses sobre a prevalência e etiologia da morte associada à gravidez. Portanto, é pertinente enfatizar a importância desses óbitos para a preservação da saúde, segurança e bem-estar de mulheres e crianças.(1212. Shadigian E, Bauer ST. Pregnancy-associated death: a qualitative systematic review of homicide and suicide. Obstet Gynecol Surv. 2005;60(3):183–90.)

Uma pesquisa realizada na Colômbia também identificou o envolvimento de mulheres grávidas em mais de metade das mortes por causas violentas e acidentes.(1010. Salazar E, Buitrago C, Molina F, Alzate CA. Tendencia de la mortalidad por causas externas en mujeres gestantes puérperas y su relación con factores socioeconómicos en Colombia, 1998-2010. Rev Panam Salud Publica. 2015;37(4-5):225–31.) Portanto, incluir episódios de violência como parte das investigações de rotina nos serviços de saúde, especialmente durante o período pré-natal, pode favorecer a identificação precoce de casos de violência, diminuindo assim o número de mortes por causas externas.(1515. Sgobero JK, Monteschio LV, Zurita RC, Oliveira RR, Mathias TA. Violência física por parceiro íntimo na gestação: prevalência e alguns fatores associados. Aquichan. 2015;15(3):339–50.)

Os resultados do presente estudo mostram que óbitos por causas externas foram mais prevalentes entre mulheres na faixa etária de 20-49 anos, raça/cor não branca e sem parceiro. Fatores sociodemográficos podem ter contribuído para maior ocorrência de óbitos nesse grupo populacional. Esses achados estão de acordo com os de outros estudos.(1212. Shadigian E, Bauer ST. Pregnancy-associated death: a qualitative systematic review of homicide and suicide. Obstet Gynecol Surv. 2005;60(3):183–90.,1616. Silva MA, Cabral Filho JE, Amorim MM, Falbo Neto GH. Mulheres vítimas de homicídio em Recife, Pernambuco, Brasil, 2009/2010: um estudo descritivo. Cad Saude Publica. 2013;29(2):391–6.,1717. Koch AR, Rosenberg D, Geller SE; Illinois Department of Public Health Maternal Mortality Review Committee Working Group. Higher risk of homicide among pregnant and postpartum females aged 10-29 years in Illinois, 2002-201. Obstet Gynecol. 2016;128(3):440–6.) Um estudo realizado no Recife (PE) com mulheres vítimas de homicídio identificou que 75% delas tinham entre 20 e 49 anos e a maioria era parda/negra e solteira.(1616. Silva MA, Cabral Filho JE, Amorim MM, Falbo Neto GH. Mulheres vítimas de homicídio em Recife, Pernambuco, Brasil, 2009/2010: um estudo descritivo. Cad Saude Publica. 2013;29(2):391–6.) Uma pesquisa realizada em 37 estados dos EUA sobre homicídio e suicídio associados à gravidez, observou maior frequência de homicídios em mulheres negras e jovens, enquanto os suicídios foram mais comuns entre mulheres brancas e mais velhas.(1313. Stöckl H, Devries K, Rotstein A, Abrahams N, Campbell J, Watts C, et al. The global prevalence of intimate partner homicide: a systematic review. Lancet. 2013;382(9895):859–65.) Em pesquisa desenvolvida para analisar a associação de gravidez ou pós-parto com risco extremo de homicídio entre mulheres em Illinois (EUA), o perfil das vítimas foi identificado como feminino, de 20 a 29 anos de idade, negras e solteiras. Gestantes e puérperas com idade entre 10 e 29 anos tiveram o dobro do risco de homicídio comparado com as não grávidas ou puérperas (risco relativo 2,20 [IC 95% 1,70-2,85]).(1717. Koch AR, Rosenberg D, Geller SE; Illinois Department of Public Health Maternal Mortality Review Committee Working Group. Higher risk of homicide among pregnant and postpartum females aged 10-29 years in Illinois, 2002-201. Obstet Gynecol. 2016;128(3):440–6.)

Os ambientes públicos foram o principal local de ocorrência de eventos acidentais e violentos. Esse resultado chama a atenção para a violência envolvida nestes eventos, que não permite a possibilidade de sobrevivência da vítima. Um estudo com o objetivo de identificar o número de homicídios por arma de fogo em uma capital paulista constatou que apenas uma pequena parcela das vítimas femininas de ferimentos por arma de fogo ocorridos em ambientes públicos sobreviveu à agressão. Um terço das mulheres que inicialmente sobreviveram, morreram no hospital.(1818. Trindade RF, Costa FA, Silva PP, Caminiti GB, Santos CB. Mapa dos homicídios por arma de fogo: perfil das vítimas e das agressões. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(5):748–55.)

A necropsia não foi realizada em todos os casos de morte por causas externas entre gestantes e puérperas. Este procedimento é indicado para informações mais precisas sobre causas de mortes naturais e violentas.(77. Alves MM, Alves SV, Antunes MB, Santos DL. External causes and maternal mortality: proposal for classification. Rev Saude Publica. 2013;47(2):283–91.) Um estudo que descreveu os dados incompletos dos registros de óbito por causas externas no SIM no estado de Pernambuco indicou alta incompletude da variável necropsia.(77. Alves MM, Alves SV, Antunes MB, Santos DL. External causes and maternal mortality: proposal for classification. Rev Saude Publica. 2013;47(2):283–91.) O Instituto Médico Legal (IML) é o órgão oficial que realiza necropsias em casos de morte por causas externas a fim de elucidar as causas que originaram o evento. Para qualquer morte resultante e/ou suspeita de causa externa, o preenchimento da Declaração de Óbito (DO) deve ser feito por um legista ou perito do IML após necropsia corporal, ou por um especialista designado, caso a localidade não tenha uma agência do IML.(1919. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação de Saúde. Manual para preenchimento da declaração de óbito. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2011. [Série A - Normas e Manuais Técnicos].,2020. Vivian-Taylor J, Roberts CL, Chen JS, Ford JB. Motor vehicle accidents during pregnancy: a population-based study. BJOG. 2012;119(4):499–503.) O estado de Pernambuco possui três agências do IML com profissionais capacitados para receber os corpos e realizar a necropsia. Portanto, a elevada proporção de incompletude da variável necropsia deixa dúvidas sobre a possível negligência no preenchimento da variável na DO pelos profissionais do IML, ou de parte dos óbitos por causas externas não terem sido encaminhados para o IML.(77. Alves MM, Alves SV, Antunes MB, Santos DL. External causes and maternal mortality: proposal for classification. Rev Saude Publica. 2013;47(2):283–91.)

Entre as causas de morte, os acidentes de trânsito se destacaram entre as causas acidentais de mortes externas. Em países desenvolvidos, esse tipo de acidente é responsável por até 80% dos casos de lesão durante a gravidez.(2020. Vivian-Taylor J, Roberts CL, Chen JS, Ford JB. Motor vehicle accidents during pregnancy: a population-based study. BJOG. 2012;119(4):499–503.) Quando ocorrem acidentes de trânsito durante a gestação, geralmente estão associados a maior risco de complicações obstétricas, como ruptura prematura das membranas, descolamento de placenta, parto prematuro, aborto, ruptura uterina e morte fetal e/ou materna.(2121. Woldeyes WS, Amenu D, Segni H. Uterine rupture in pregnancy following fall from a motorcycle: a horrid accident in pregnancy. Case Report Obstet Gynecol. 2015; Article ID 715180.)

Acidentes causados por motocicletas também foram responsáveis por grande parte das mortes em gestantes e puérperas. Em estudo semelhante realizado na Nigéria, mais de 83% das hospitalizações por acidentes com veículos automotores durante a gravidez envolveram uma motocicleta.(2222. Njoku OI, Joannes UO, Christian MC, Azubike OK. Trauma during pregnancy in a Nigerian setting: patterns of presentation and pregnancy outcome. Int J Crit Illn Inj Sci. 2013;3(4):269–73.)

Para diminuir o número de casos de acidentes e consequentemente a taxa de mortalidade, é necessário maior investimento para manter a segurança no trânsito, com inspeções e vigilância mais eficientes, combinadas com campanhas educativas que sensibilizem os motoristas a respeitar as leis de trânsito.(2323. Dirlik M, Bostancıoğlu BÇ, Elbek T, Korkmaz B, Çallak Kallem F, Gün B. Features of the traffic accidents happened in the province of Aydın between 2005 and 2011. Ulus Travma Acil Cerrahi Derg. 2014;20(5):353–8.)

Entre os óbitos por suicídio, o principal método utilizado foi a autointoxicação por exposição a drogas e pesticidas, um dado consistente com o descrito na literatura.(2424. Mojibian M, Mirhoseini H, Asadpour M, Pourrashidi Boshrabadi A, Hosseinpoor S, Rezahosseini O, et al. Frequency of Suicidal Thoughts and Attempt in Pregnant Women Referred to Four Hospitals of Yazd City, Iran in 2011. J Sci Technol. 2014;4(1):31–8.) Historicamente, a gravidez tem sido considerada um fator que previne o suicídio.(2525. Builes-Correa MV, Anderson-Gómez MT, Ramírez-Zapata A, Arbeláez BE. Suicidio en mujeres gestantes: vivencias y redes de apoyo para las familias que les sobreviven. Rev Fac Nac Salud Pública. 2014;32(3):332–9.) Entretanto, vários autores afirmaram que pensamentos sobre a morte e comportamento suicida tendem a aumentar durante a gravidez.(2626. Zangeneh M, Veisi F, Ebrahimi B. Frequency of attempted suicide methods and the fetal outcomes in pregnant women in Kermanshah. J Womens Health Care. 2014;3(4):164.

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-2828. Okada MM, Hoga LA, Borges AL, Albuquerque RS, Belli MA. Domestic violence against pregnant women. Acta Paul Enferm. 2015;28(3):270–4.)

Gravidez não planejada e violência perpetrada por parceiros íntimos são as causas mais comuns de tentativas de suicídio, porque tendem a aumentar significativamente os sintomas de depressão.(2424. Mojibian M, Mirhoseini H, Asadpour M, Pourrashidi Boshrabadi A, Hosseinpoor S, Rezahosseini O, et al. Frequency of Suicidal Thoughts and Attempt in Pregnant Women Referred to Four Hospitals of Yazd City, Iran in 2011. J Sci Technol. 2014;4(1):31–8.,2929. Mahenge B, Likindikoki S, Stöckl H, Mbwambo J. Intimate partner violence during pregnancy and associated mental health symptoms among pregnant women in Tanzania: a cross-sectional study. BJOG. 2013 ;120(8):940–6.) Nesse sentido, a família, os serviços de saúde, os grupos religiosos e a comunidade, entre outros grupos, são parte indispensável da rede de apoio e podem contribuir para diminuir o risco de suicídio.(2525. Builes-Correa MV, Anderson-Gómez MT, Ramírez-Zapata A, Arbeláez BE. Suicidio en mujeres gestantes: vivencias y redes de apoyo para las familias que les sobreviven. Rev Fac Nac Salud Pública. 2014;32(3):332–9.)

A análise dos óbitos por homicídio demonstra que as feridas por arma de fogo foram a principal causa de morte no período puerperal. O homicídio é uma causa importante e muitas vezes não relatada, de mortalidade materna.(3030. McFarlane J, Campbell JC, Sharps P, Watson K. Abuse during pregnancy and femicide: urgent implications for women’s health. Obstet Gynecol. 2002;100(1):27–36.) Em estudo realizado no Brasil, quase 70% das mortes entre mulheres em idade fértil foram causadas por armas de fogo.(1616. Silva MA, Cabral Filho JE, Amorim MM, Falbo Neto GH. Mulheres vítimas de homicídio em Recife, Pernambuco, Brasil, 2009/2010: um estudo descritivo. Cad Saude Publica. 2013;29(2):391–6.) Na maioria dos casos, essas mortes também estão associadas à violência perpetrada por parceiros íntimos e com frequência incluem situações de violência sexual.(3131. Osnaya-Moreno H, Zaragoza Salas TA, Escoto Gomez JA, Mondragon Chimal MA, Torres Castaneda ML, Jimenez Flores M. Gunshot wound to the pregnant uterus: case report. Rev Bras Ginecol Obstet. 2013. 2013;35(9):.427-31.) Uma revisão da prevalência global de homicídios por parceiros íntimos mostrou que nos EUA, cerca de 45% dos homicídios contra mulheres foram cometidos por parceiro íntimo. No Reino Unido, essa proporção é de 54% e na África do Sul, de 50%.(1313. Stöckl H, Devries K, Rotstein A, Abrahams N, Campbell J, Watts C, et al. The global prevalence of intimate partner homicide: a systematic review. Lancet. 2013;382(9895):859–65.)

Conclusão

Os resultados do presente estudo mostram a ocorrência de óbitos principalmente entre mulheres de 20 a 49 anos, geralmente não brancas e sem parceiro. O homicídio foi a principal causa de violência contra mulheres grávidas e puérperas. O suicídio foi mais prevalente entre as puérperas, e os acidentes foram mais prevalentes entre as gestantes. Investigar óbitos por causas externas durante o período gravídico-puerperal fornece informações úteis que complementam as estratégias de prevenção da violência para esse grupo populacional.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jul 2018
  • Data do Fascículo
    Mar-Apr 2018

Histórico

  • Recebido
    20 Fev 2018
  • Aceito
    3 Maio 2018
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