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O Mercosul e os interesses do Brasil

TEXTOS

O Mercosul e os interesses do Brasil

Paulo Nogueira Batista

RESUMO

O Brasil é, fundamentalmente, um global trader com interesses muito diversificados e natural preferência por um sistema multilateral de comércio. O interesse do Brasil em uma inserção na economia mundial vai além do comércio de mercadorias; diz respeito, principalmente , a acesso aos recursos finaceiros e à tecnologia, normalmente só encontrados em países desenvolvidos. Por todas essas razões, a integração regional não pode ser senão um complemento limitado à área de bens no quadro de uma inserção brasileira mais ampla no cenário mundial. De qualquer modo, a integração regional não deve se circunscrever ao Mercosul, mas incluir todos os nossos vizinhos da América do Sul, como previsto na iniciativa brasileira de constituição de uma Área de Livre Comércio Sul Americana — ALCSA. O Mercosul, como uma zona de livre comércio em seu estágio final de conformação, pode ser visto como fator mais significativo na notável expansão das exportações brasileiras para seus parceiros. Contudo, a conversão do Mercosul em união aduaneira deverá ser conduzida com cuidado, a fim de evitar que sua tarifa externa comum se transforme em restrição indevida da capacidade do Brasil de formular e executar políticas comerciais e industriais requeridas por seus objetivos de desenvolvimento.

ABSTRACT

Brazil is, fundamentally, a global trader with very diversified interests and a natural inclination for a multilateral trading system. Brazil's interest in the world economy goes beyond trade in goods; it has to do mainly with access to financial resosurces and technology, to things which normally can only be found in developed countries. Regional integration cannot be for all those reasons but a complement restricted to goods to Brazil insertion in the wider world economic framework. In any case, for Brazil it cannot be limited to Mercosul and must include all our neighbours in South America, as already proposed by the Brazil through the so-called ALCSA initiative for a South American Free Trade Area. Mercosul, as a free trade area in the final stages of formation, may be seen as the most significant factor in the remarkable expansion of Brazilian exports to its partners. However, Mercosul's conversion into a customs avoid that its common external tariff may become a hindrance to Brazil's ability to formulate and conduct trade and industrial policies most suitable to its development needs.

Muito do que aqui será apresentado, não representa qualquer novidade. Não será demais, entretanto, recordar alguns conceitos, o contexto mundial e a experiência brasileira de desenvolvimento, para podermos fazer uma avaliação objetiva da relevância para nosso país dos processos de integração econômica regional.

Uma política de desenvolvimento supõe a existência, ao menos implícita de um projeto econômico nacional, ainda que imprecisos os seus contornos; e a capacidade de definir, minimamente, o que o país se considera em condições de produzir, a médio e longo prazos, com capitais próprios ou estrangeiros; com tecnologia nacional ou importada. Em outras palavras, a aptidão para estimar o grau de inserção desejável na economia mundial para que a economia nacional opere não só em condições otimizadas de competitividade mas também com segurança de abastecimento, mormente em áreas estratégicas.

A retomada do desenvolvimento exigirá, portanto, apreciação cuidadosa das vantagens comparativas nacionais, quer de caráter estático, como os recurso naturais, quer de natureza dinâmica a exemplo de capital, capacidade empresarial, aptidão da força de trabalho e nível tecnológico, entre outros.

Por mais eficiente que seja uma empresa, sua capacidade de competição, no país como no exterior, dependerá, em última análise, do entorno nacional em que opera, da capacidade sistêmica de competição do país, em termos de estabilidade macroeconômica, política cambial, infra-estrutura de comunicações, de transportes, de educação, sistema financeiro e nível de qualificação de mão-de-obra. Não basta que a empresa seja competitiva, é preciso que o país também o seja. Requerem-se ações governamentais para a criação da moldura adequada para o desenvolvimento da empresa nacional e, conseqüentemente, sua projeção externa.

A forma mais comum de intervenção governamental em favor do desenvolvimento é a proteção contra produtos similares importados na fronteira, dificultando sua entrada ou onerando-os de forma crescente, segundo o grau de elaboração. Tal procedimento foi adotado no processo de desenvolvimento dos grandes países do Primeiro Mundo, exceto pela Inglaterra, em sua condição de pioneira devido à revolução industrial. Naquele pais, para a implantação do capitalismo industrial, a mão visível do Estado atuou decisivamente por meio da legislação necessária à criação de um mercado livre de trabalho, que respondesse apenas às forças da oferta e da procura.

O Brasil lançou mão, largamente, da proteção tarifária e não-tarifária na sua política de industrialização pela substituição de importações. Desta forma, incentivou o investidor estrangeiro a pular o muro tarifário e produzir aqui o que antes exportava diretamente para o Brasil. Passou a adotar, em seguida, política para atrair o capital estrangeiro, não só no que concerne à produção em nosso território, mas também para exportação. Assim o Brasil constituir-se-ia, no mundo, em um dos países mais abertos ao investimento direto estrangeiro, como eloqüentemente atestado por sua importância no percentual do PIB nacional.

O outro grande instrumento de desenvolvimento industrial no Brasil foi a política de compras e encomendas governamentais de bens e serviços, através das grandes empresas do Estado na área energética, como petróleo e eletricidade, e no setor de comunicações. Essa política, combinada à instituição de mecanismos — a exemplo do BNDE — de financiamento de longo prazo, em condições concessionais, é o que ensejaria o aparecimento e o fortalecimento de grande número de empresas privadas nacionais na área de projetos, de construção e de fabricação.

Recorremos a praticamente tudo, embora nem sempre de forma muito organizada: intervenção planejadora, reguladora ou empresarial do Estado, incentivos fiscais e creditícios, capitais externos de risco e de empréstimo, exclusividade para a empresa privada nacional. Uma atitude de firmeza estratégica e de flexibilidade tática. A pedra de toque da política industrial perseguida pelo país seria, em última análise, a reserva do mercado nacional, mediante proteção na fronteira, por barreiras tarifárias e não-tarifárias.

A proteção que deveria ter sido setorial e temporária acabaria, contudo, generalizada e perene, desestimulando ganhos de produtividade capazes de tornar a indústria nascente apta a andar com as próprias pernas. Uma postura paternalista que não preparou o país para a defesa, em bases mais sofisticadas, da indústria já estabelecida em condições competitivas, mediante a montagem de um sistema de salvaguardas comerciais contra a concorrência externa desleal, principalmente o dumping.

Na política nacional de industrialização, uma grande falha terá sido a falta de estímulo à pesquisa tecnológica. Ficamos, em essência, restritos a adquirir capacidade de fabricação, sem lograr o domínio da tecnologia de processo ou de produto. O próprio modelo horizontal e fragmentado de engenharia que se implantou no país seria não só conseqüência, mas a causa, dessas deficiências no tocante à capacidade tecnológica.

Faltou também a visão da importância estratégica de uma melhor distribuição da renda na consolidação do desenvolvimento nacional. Falta grave, que penalizou a grande parcela da massa trabalhadora ainda não incorporada à economia como efetivos consumidores. Não entenderam, nossas classes dirigentes, que melhores salários não são incompatíveis com aumento de produtividade e que isso é, em essência, o que cria o mercado de consumo de massas. Ignoraram a boa lição de Henry Ford que, no início do século, dobrou a remuneração de seus operários para que pudessem se transformar em consumidores dos automóveis que produziam.

Inserção comercial do Brasil no mundo

Hoje, em nosso país, o que se constata é a inexistência de uma política articulada, em termos industriais ou comerciais. O que existe, ou persiste, é a ideologia neoliberal de desarmamento comercial unilateral — a denominada inserção competitiva no mundo —, para a qual se empenhou o Governo Collor. Um processo que privilegiou a importação de produtos de consumo sofisticados sem gerar aumento correspondente de nossas exportações e à custa da industrialização e do emprego, como se incrementos de produtividade pudessem ser avaliados, empresa por empresa, pela economia de mão-de-obra.

Para nos modernizar, não seguimos o exemplo do que de fato se pratica no Primeiro Mundo e alegadamente pretendemos adotar como modelo. Lá, a abertura dos mercados se fez com a observância de três princípios básicos:

  • obtenção de contrapartidas equivalentes dos parceiros comerciais;

  • admissão de cláusulas de salvaguarda contra concorrência desleal ou capaz de desorganizar mercados;

  • gradual redução das barreiras tarifárias, processo que se estendeu por quatro décadas de sucessivas rodadas multilaterais de negociação no âmbito do GATT, das quais encerrou-se, em Marrakech a oitava.

Para nos inserirmos no mundo, abrimos nosso mercado abrupta e unilateralmente sem levar na devida conta que as trocas comerciais entre Nações são cada vez mais reguladas, seja informalmente pelas práticas comerciais restritivas das multinacionais, seja formalmente por influência dos próprios governos dos países mais desenvolvidos, livres agora dos constrangimentos políticos dos tempos da guerra-fria mas, ao mesmo tempo, com menores possibilidades de subsidiar suas empresas, sob o argumento de necessidades de defesa nacional.

Passamos a ver o desenvolvimento brasileiro como uma função do comércio exterior. A ver o baixo valor relativo das importações brasileiras — um pouco menos de 6% do PIB — como indicativo de uma política de objetivos autárquicos, de fechamento do mercado e, sob essa ótica neoliberal, como fator restritivo, por excelência, do desenvolvimento.

Não se considerou nessa avaliação que a introversão é habitual em países de dimensões continentais. Nos Estados Unidos, maior economia e maior mercado importador do mundo, as importações só recentemente alcançaram 9% do respectivo PIB. Nem se considerou, por outro lado, que o aumento do grau de introspecção da economia brasileira não resultou da política de substituição de importações, nem de propósitos de auto-suficiência que talvez nunca tenhamos de fato perseguido, mesmo em setores estratégicos. É, aliás, o que se pode depreender da dependência aceita em matéria de importação de petróleo e empréstimos externos a taxas flutuantes; estas sim são as causas originárias e principais da crise econômica que ainda hoje vivemos. Não se observou, tampouco, que a acentuada introversão na década perdida se deveu essencialmente à estratégia de renegociação da dívida externa, imposta pelos organismos financeiros internacionais, estratégia pela qual, para poder assegurar o serviço da dívida reescalonada, nos vimos na contingência de gerar saldos comerciais por medidas diretas ou indiretas de contração das importações decorrentes das políticas recessivas de ajuste.

Á verdade é que, salvo no caso de países com mercados internos exíguos, sem economia de escala, não existiria entre crescimento econômico e comércio exterior uma necessária relação de dependência. No Japão, sem dúvida o melhor exemplo de êxito econômico nesta segunda metade do século, as exportações e as importações representam apenas 10% e 8% respectivamente do seu PIB, percentuais não muito discrepantes dos verificados no Brasil.

Não haveria, portanto, porque nos condenarmos a um modelo de export-led growth, de desenvolvimento típico de países menores como os do sudeste asiático, nos quais as exportações funcionam como o motor do crescimento econômico. Somos, com muito maior probabilidade, um caso de growth-led exports, ou seja, modelo em que o crescimento econômico interno é que gera o crescimento das exportações. É de se esperar que não continuemos a ser, como resultado dos esquemas de renegociação da dívida externa, exemplo do que chamaria de modelo de recession-led exports, isto é, de exportações induzidas pela contração da demanda interna e em que a recuperação desta acabe por comprometer a capacidade de exportar.

Características do comércio exterior brasileiro

Nosso intercâmbio é bastante diversificado geograficamente. Em 1993, nossas exportações distribuíram-se de maneira equilibrada: 27% dirigidas à Europa Ocidental; 24% à América do Norte; 21% à América do Sul; e 16% à Ásia. Diversificado, também, em termos de composição da pauta exportadora: 61% de manufaturas e 14% de semimanufaturas, num total de 75% de bens industriais. Tudo isso com substanciais saldos em virtualmente todos os mercados. Um comércio de global trader de país de interesses diversificados que só podem, em princípio, ser adequadamente atendidos em um sistema de comércio multilateral, não-discriminatório. Muito diferente, portanto, do comércio exterior do México, que depende do mercado norte-americano em mais de 2/3 das exportações e importações totais e cuja decantada expansão se vem fazendo com monumentais e sucessivos déficits comerciais, equivalentes a cerca de 8% de seu PIB, financiados por crescente e arriscado endividamento externo.

Nenhum produto, considerado de forma isolada, representa, hoje, mais de 6% do total das exportações brasileiras. O café, líder inconteste durante tantas décadas, que chegou a significar 2/3 de nossa pauta, está hoje num modesto 6° lugar, com menos de 3% do total geral. A diversificação da pauta exportadora é, entretanto, ainda insatisfatória pois os primeiros 25 produtos somam quase 54% do total. Existem, além disso, produtos importantes, com exportações superiores a US$ l bilhão, sujeitos excessivamente a um único mercado. Mais de 80% da soja exportada vai para os países da União Européia; 69% dos nossos calçados dirigem-se a um único mercado, o dos Estados Unidos; 53% do fumo e 52% do suco de laranja são vendidos à ex-CEE.

Nas exportações destinadas a Europa Ocidental e Japão predominam as matérias-primas e os semimanufaturados, que somam, respectivamente, cerca de 70% e 82% do total. As manufaturas já são significativas no mercado norte-americano, onde atingem 60% e prevalecem claramente no intercâmbio com a América do Sul, constituindo mais de 76% das exportações brasileiras. O comércio brasileiro com os países sul-americanos tem características típicas de intercâmbio Norte-Sul, de troca de produtos industriais por matérias-primas, ou seja, de comércio intersetorial, pois quase 70% do que compramos são produtos básicos. No caso do Mercosul, já há indícios de comércio mais sofisticado, de natureza intra-setorial, como ocorre entre o Brasil e a Argentina no tocante a veículos.

O Brasil e o Mercosul

Enquanto a industrialização brasileira restringiu-se a substituir importações e a faze-lo com forte apoio, em muitos casos, do capital estrangeiro, os instrumentos de que o Brasil lançou mão para promover seu desenvolvimento industrial não sofreu contestação internacional. Esta só viria a manifestar-se quando nossas exportações de manufaturas se tornaram competitivas com a indústria dos países desenvolvidos, nos respectivos mercados ou em terceiros países. A contestação internacional passaria a ser verificada mais recentemente, também em termos de pressões para a abertura de nosso próprio mercado, o que se expressaria não só através de ameaças de sanções comerciais mas, ainda, do condicionamento da renegociação da dívida externa. Essas pressões se manifestam em especial com relação a produtos de alta tecnologia, áreas nas quais os países detentores do know-how relutam em reconhecer o direito de países como o Brasil de criar uma capacidade nacional de produção, ainda que destinada ao mercado interno.

Deparamo-nos, portanto, com um quadro de crescentes dificuldades internacionais, que decorre da decisão dos países desenvolvidos de proteger não só suas manufaturas tradicionais, as sunset industries, mas, em especial, suas sunrise industries em setores de ponta. Caminham esses países, cada vez mais, para políticas restritivas de exportação de tecnologia, através da invocação de razões de segurança internacional e de demandas excessivas de proteção de direitos de propriedade intelectual, gerando, em contradição com o discurso neoliberal, situações de efetivas reservas do mercado nacional em favor, desta feita, da empresa estrangeira.

Nesse contexto, até que ponto a associação com outros países em blocos regionais — como Mercosul ou ALCSA — pode nos fortalecer e constituir resposta a esse desafio, facilitando o alargamento e o aprofundamento do processo nacional de desenvolvimento e de industrialização?

Embora a formação de blocos regionais tenha como principal objetivo a obtenção de maior escala de produção, na prática, a integração regional — dependendo de sua profundidade – pode até tornar mais difícil uma política industrial. Na integração, o preço da ampliação do mercado é a perda de liberdade de manobra nacional. A adoção de uma tarifa externa comum torna muito mais complexa a missão, por si mesma espinhosa em nível nacional, de utilização da política de comércio exterior como componente básico de política industrial e de política econômica externa, para, por exemplo, atrair capitais e tecnologia.

A não ser que exista forte consenso entre os parceiros na integração regional sobre a conveniência de ações concertadas para promoção da industrialização — o que exige parceria muito equilibrada entre países que tenham condições de fazer frente a pressões externas —, o desenvolvimento industrial dentro da zona integrada passa a depender praticamente apenas da operação das forças da oferta e da procura, das mãos invisíveis do mercado. E pouco provável, portanto, que se possa produzir espontaneamente uma integração regional entre países em vias de desenvolvimento, carentes de capitais e de tecnologia e sem empresas nacionais de grande porte.

Em tal quadro, a decisão sobre industrialização tenderá a ficar, principalmente, nas mãos invisíveis das transnacionais, passando a depender virtualmente das respectivas estratégias de global sourcing dentro da própria empresa multinacional para onde se transfere, por assim dizer, a competição que antes se travava entre as nações. E o que normalmente ocorrerá. Em hipótese ainda menos favorável, essa autonomia de decisão das transnacionais poderá acabar limitada pelos governos dos países em que as mesmas têm sede, à medida que estes as induzam a utilizar fatores domésticos de produção, em particular a mão-de-obra, ainda que a custos mais elevados.

O crescente interesse nos países desenvolvidos pelo tema dos direitos dos trabalhadores nos países em desenvolvimento é uma das mais recentes indicações da tendência das grandes potências econômicas a privilegiar os respectivos níveis de emprego, em nome do combate ao que chamam de dumping social dos países do Terceiro Mundo em vias de industrialização. É o que acaba de ocorrer nas discussões sobre aprovação do NAFTA no Congresso dos Estados Unidos, não obstante a motivação principal do acordo para o governo americano haver sido a criação de empregos no México, como forma de conter o maciço fluxo migratório daquele país para os EUA. É o que já se constata também na preparação da agenda da recém-criada Organização Mundial de Comércio, juntamente com a tendência à invocação da defesa do meio ambiente como pretexto para restringir as exportações dos países em desenvolvimento, vistos, em sua pobreza e nas suas taxas de expansão demográfica, como a maior ameaça ao equilíbrio ecológico do planeta.

Como se verifica na Europa Ocidental, mesmo em processo de integração econômica entre países em estágio mais avançado de desenvolvimento, em circunstâncias mais propícias, não tem sido fácil promover políticas comuns de industrialização. O setor aeronáutico é exceção honrosa. Está sendo conduzido com bastante êxito por um pequeno grupo de países líderes da União Européia, fora, pois, do quadro estritamente comunitário. O Air Bus JÁ conquistou 25% de um mercado antes inteiramente dominado pela Boeing e pela McDonald-Douglas. Isto requereu grande determinação para superar a vigorosa contestação dos EUA aos instrumentos de promoção a que recorreram os governos europeus. Após quatro décadas, parece, no conjunto, ter sido mais fácil à CEE armar uma política agrícola comum marcadamente protecionista do que articular uma política industrial comunitária e competitiva.

Tudo indica que será difícil definir políticas industriais no contexto do Mercosul, à medida que este se converta numa união aduaneira. Entre outras, pela razão adicional de se tratar de processo de integração excepcionalmente assimétrico, em que os ganhos de escala favorecem enormemente os nossos parceiros e, em razão disso, ao invés de partilharem conosco as dificuldades da implantação de política comum de industrialização, possam se deixar tentar pela perspectiva da semi-industrialização, ou seja, de que se convertam, como montadores e com pouca agregação de valor, em fornecedores de manufaturas ao Brasil, em plataforma de reexportação.

A integração comercial profunda com nossos vizinhos do Cone Sul é, na sua concepção original, um subproduto da política neoliberal de abertura feia abertura, através da qual se terá buscado, talvez primordialmente, aprofundar e congelar em pacto internacional a liberalização unilateralmente realizada e, portanto, mais facilmente revogável. Não havia muito espaço nesse conceito para cogitações de políticas industrial, nacional ou comunitária.

Nas negociações relativas à Tarifa Externa Comum, iniciadas posteriormente ao impeachment de Collor, os interesses das indústrias já estabelecidas no Brasil, inclusive de capital estrangeiro, acabariam por se manifestar. Reivindicariam prazos mais dilatados para aplicação das alíquotas comuns, em nível máximo previsto de 20% e, mesmo nos casos em que menos de 20% seria aceitável, a elevação correspondente das tarifas baixíssimas praticadas por nossos parceiros em produtos manufaturados.

Vale dizer, já no Governo Itamar Franco, passamos a pleitear, por um período adicional para setores mais sofisticados, a alíquota de 35% que é o máximo previsto na abertura unilateral efetuada pelo Governo Collor. A expectativa é poder proporcionar, por esse período adicional, margens mais efetivas de preferência em relação a fornecedores extrazona e, ao mesmo tempo, a preservação não só de nossa capacidade manufatureira mas também de seu potencial de diversificação futura.

Por essa e por outras razoes é que começam a surgir nos nossos três parceiros, na União Industrial Argentina como na Câmara da Indústria do Uruguai, por parte do Presidente do Paraguai e do Ministro da Economia da Argentina, dúvidas quanto à conveniência de se por em vigor a união aduaneira no prazo previsto no Tratado de Assunção. Ou seja, a inclinação a prosseguir apenas com a conformação definitiva da área de Livre Comércio, em cujo contexto gostariam, naturalmente, de continuar a se beneficiar no Brasil das margens de preferências substancialmente mais altas do que aquelas que nos concedem.

Completar em menos de quatro anos uma área de livre comércio já constituiria, inegavelmente, por si só, um grande resultado, de resto um recorde mundial. Entretanto, se não pudermos ir além, será imprescindível contar, em matéria de certificação de origem, com definições bem mais precisas do que as aplicadas até agora no chamado período de transição, bem como dispositivos que nos protejam contra a erosão, por atos unilaterais, das preferências acordadas em bases percentuais.

De qualquer modo, o Mercosul como originariamente projetado, isto é, um mercado comum, só poderia ser levado a cabo mediante um processo de consultas mais aberto, envolvendo todos os segmentos da sociedade brasileira. Embora alegadamente baseado na restauração dos regimes democráticos no Cone Sul, sua fase inicial de implantação revela um enorme déficit democrático, sobretudo se levadas em conta a profundidade e a extensão dos compromissos contidos no Tratado de Assunção, no qual se vislumbravam instituições de caráter supranacional. Chama a atenção, por outro lado, a natureza estritamente mercantil da concepção, sem qualquer referência a aspectos sociais, de consideração imperativa num processo de integração com a amplitude inicialmente prevista.

Também causa surpresa a falta de apreciação realista dos fatores institucionais tais como a estrutura federativa do Brasil, obstáculo virtualmente intransponível à realização de um mercado único. Como esperar que o Brasil pudesse reorientar todo o seu sistema econômico, ajustar sua própria Constituição ao Mercosul, em troca tão somente de um melhor acesso ao mercado de três países cujas importações totais do mundo não chegam a alcançar sequer 2% do PIB brasileiro? Tamanha ausência de objetividade só se pode de fato entender pelo desejo de utilizar o Mercosul como instrumento adicional de alinhamento brasileiro ao modelo neoliberal recomendado pelos organismos financeiros internacionais e já praticado pelos três outros parceiros no empreendimento.

Com uma dose de realismo muito maior do que existiu à época do Tratado de Assunção, já admitiram, contudo, os Presidentes dos quatro países, na sua reunião realizada em Colônia, em janeiro do corrente ano, que não teremos em 1995 um Mercado Comum. Já se aceitou também que não vigorará uma União Aduaneira perfeita em termos de cobertura de produtos, ou dos diversos instrumentos reguladores de comércio que modernamente são indispensáveis à caracterização de uma União Aduaneira, entre as quais, além da tarifa externa comum, a uniformização das legislações aduaneiras e as normas de defesa contra a concorrência desleal.

Tudo isso considerado, o que teremos no Mercosul, em 1° de janeiro de 1995, possivelmente se aproximará mais de uma união tarifária do que de uma união aduaneira propriamente dita. Determinados produtos muito significativos por seu valor de comércio e conteúdo tecnológico só serão regidos pela Tarifa Externa Comum a partir de 2001 e, em alguns casos, a partir de 2006. São circunstâncias que exigirão a aplicação de um rígido sistema de controle de origem com relação a todos os produtos, até mesmo àqueles já sujeitos, desde 1995, a uma tarifa aduaneira comum.

Os resultados do Mercosul

De fato, as exportações brasileiras para os parceiros no Mercosul aumentaram consideravelmente em importância nos últimos três anos, desde 1991, quando foi assinado o Tratado de Assunção. Cresceram de 2,3 para US$ 5,4 bilhões em 1993, passando, em termos percentuais, de 7.3% para 13.9% do total, em ritmo nitidamente superior às exportações destinadas ao resto do mundo. No período, acumulamos excepcionais superávits. Em 1992, no intercâmbio com os países do Mercosul as importações não chegaram, em valor, a 60% das exportações, um desequilíbrio difícil de ser mantido.

A que se deve esse extraordinário aumento de nossas vendas? Às preferências tarifárias obtidas pela gradual conformação da Zona de Livre Comércio? Ao aumento da propensão a importar da economia de nossos parceiros? Ao maior realismo, até agora pelo menos, de nossa política cambial? Ou à maior competitividade e ou à maior capacidade de marketing das empresas brasileiras? Ou ainda, quem sabe, à existência de excedentes exportáveis gerados pela retração da demanda no Brasil?

Os entusiastas do Mercosul responderão que o aumento se deve às preferências; os céticos, ao câmbio mais realista adotado até agora pelo Brasil; os moderados, à competitividade das nossas empresas. Os realistas, com uma visão mais global e macroeconômica, dirão, provavelmente com razão, que foi a combinação de todos esses fatores.

Incluindo-me entre os realistas, considero que a existência de uma política governamental de criação de uma área de livre comércio no Cone Sul poderá ter sido, isoladamente, o principal fator no desenvolvimento do intercâmbio sub-regional. Esse resultado não pode, contudo, ser interpretado como indicativo de que o Mercosul deva ser necessariamente convertido, a qualquer preço, em uma união aduaneira à qual passe a se subordinar a inserção econômica internacional do Brasil. Á política comercial brasileira não se esgota no Mercosul nem pode ser conduzida através do mesmo, passando a depender do consentimento de países cuja natural inclinação é manter exclusivas as preferências de que gozam no mercado brasileiro.

Pelas dimensões reduzidas do mercado que efetivamente os três países nos oferecem, mas também porque deles não podemos esperar nem aportes de capitais nem aportes de tecnologia, o Brasil dificilmente poderá excluir de sua estratégia outros acordos de integração ou se satisfazer com o Mercosul como plataforma para a sua inserção internacional. A concentração inicial de esforços na constituição do Mercosul como mercado comum já nos atrasou na exploração de outras opções, limitando de forma inconveniente nossa agenda sul-americana.

Área de Livre Comércio Sul-Americana – ALCSA

As importações totais de Argentina, Paraguai e Uruguai, de todas as origens, somam US$ 18 bilhões, constituindo menos do que o Brasil importa sozinho e apenas metade das importações globais dos restantes países sul-americanos. No entanto, a esses países, o Brasil fornece apenas 7% do que os mesmos compram no exterior, proporção que se eleva a 25% no caso do Mercosul. É indiscutível, portanto, que já estamos nos aproximando, como média, antes mesmo do início da União Aduaneira, de um ponto de saturação na penetração que conseguimos. Em alguns setores, como o de veículos, chegamos a fornecer 40% do que a Argentina importa do mundo.

Há, conseqüentemente, mais espaço para crescer no mercado importador dos demais países sul-americanos. É importante, por isso, prestarmos mais atenção a esses parceiros, aprofundando as preferências aladianas de que já dispomos, desenvolvendo uma política de livre comércio que nos permita concorrer em condições preferenciais com fornecedores asiáticos, norte-americanos e europeus em produtos industriais. É importante ainda que nos defendamos do impacto discriminatório das preferências que nesses mercados está procurando obter o México, através da ALADI, como uma espécie de ponta de lança de investimentos estrangeiros a serem feitos em seu território em função do próprio NAFTA.

É por todas essas razões que surgiu a idéia de ALCSA – Área de Livre Comércio Sul-Americana, iniciativa que o Brasil, pela palavra do Presidente Itamar Franco, lançou em Santiago do Chile no final do ano passado, para ser conformada ao longo de dez anos, entre 1995 a 2005.

Os resultados logrados no Mercosul com os mecanismos de desgravação automática, gradual e linear nos anima a querer estender à América do Sul, como um todo, a mesma fórmula de liberalização comerciai. Desejamos aplicá-la, porém, de modo qualificado, ou seja, num horizonte temporal mais realista e a apenas 80% do intercâmbio de bens. Através da lista de exceções, pretendemos resguardar os produtos sensíveis não só do Brasil e de seus parceiros na ALCSA, mas também de nossos sócios no Mercosul. Queremos negociar os acordos constitutivos da ALCSA no foro da ALADI, fazendo daquela Associação uma espécie de GATT regional e recorrendo ao esquema normativo aladiano como espinha dorsal da ALCSA.

A América do Sul, nosso ambiente geográfico, na realidade, é a única área em que, fazendo bom uso do quadro institucional da ALADI, poderemos ter a possibilidade de concorrer em condições preferenciais com parceiros extrazona. Isso só será viável, no entanto, se estivermos dispostos a importar mais de nossos vizinhos. Não há, a longo prazo, esquema de integração que se sustente sem razoável equilíbrio nas correntes de intercâmbio. Por esta razão, e levando em conta as peculiaridades de suas estruturas econômicas e de comércio exterior, admitimos a possibilidade de nossos parceiros desgravarem em ritmo mais lento do que aquele no qual nós mesmos estamos preparados para fazê-lo.

A ALCSA e o Mercosul são processos a serem conduzidos pelo Brasil de forma independente, todavia estes se complementam e se reforçam, ao se desenvolverem paralelamente, com velocidade e profundidade distintas. Como se fez na Europa Ocidental, o Brasil propõe, na América do Sul, uma integração a duas velocidades e com geometria variável.

Integração sul-americana e NAFTA

O aprofundamento do Mercosul e a implementação da ALCSA ocorrerão no quadro confuso de tendências conflitantes em um mundo política e economicamente mais em desordem do que em ordem. Por um lado, blocos comerciais regionais, mais fechados do que abertos e de qualquer modo discriminatórios com relação a terceiros; por outro, com a conclusão da Rodada Uruguai e a transformação do GATT numa Organização Mundial de Comércio, o reforço do sistema multilateral de comércio. Ao mesmo tempo, um renascimento do protecionismo no Primeiro Mundo acirrado em geral pelo desemprego e, em particular, pela perda de competitividade dos EUA no comércio mundial face ao Japão, aos tigres asiáticos e à própria Europa Ocidental. Esta, por sua vez, além de assediada pela competitividade asiática, perturba-se igualmente pelo imperativo político e econômico de absorver os produtos e/ou as migrações de uma Europa Oriental que necessita urgentemente estabilizar-se; em reforço das tendências entrópicas e de dispersão, a conformação por motivos mais geopolíticos do que comerciais de uma área de livre comércio na América do Norte.

O principal efeito da incorporação do México ao NAFTA pode não ser, de forma imediata o de deslocamento de exportações sul-americanas para o mercado norte-americano ou mexicano ou de desvio de investimentos para o México; com maior probabilidade, o seu impacto principal poderá ser o de desestabilizar a precária solidariedade latino-americana. Esta construiu-se, em boa parte, mais como um mecanismo compensatório de um compreensível mais criticado desinteresse norte-americano pelos problemas econômicos da América Latina do que pela motivação de desenvolver efetivos laços de cooperação entre os países latino-americanos. Isto é o que evidência o retrospecto da antiga ALALC e, até há bem pouco, da própria ALADI. É irônico, contudo, que no momento em que começam a tomar corpo os processo sub-regionais de integração sejam os mesmos submetidos a esse impacto desestabilizador que decorre das infundadas expectativas geradas pela constituição do NAFTA.

Embora seja um acordo estritamente comercial e de concessões recíprocas, o NAFTA vem sendo entendido na América Latina como um programa de ajuda externa, uma espécie de Plano Marshall regional. O renascimento do pan-americanismo da boa vizinhança. Como uma âncora num mundo agressivo e de incertezas, em que as classes dirigentes latino-americanas se sentem virtualmente órfãs.

O que se constata, em conseqüência, é uma forte propensão na América do Sul a seguir o exemplo do México, como se isso fosse não só viável mas também conveniente; propensão que parece ignorar, na maior parte das situações, as dificuldades objetivas que terão para compor seus interesses comerciais concretos com os dos EUA; propensão que não leva em conta as limitações de ordem política e econômica daquele país, decorrentes das suas responsabilidades mundiais e, conseqüentemente, restritivas de sua liberdade de atuação no plano regional; finalmente, propensão que desconsidera as fortes motivações geopolíticas e geo-econômicas dos EUA com relação ao México, as razões principais da aceitação deste país no NAFTA.

A idéia de uma special relationship com os EUA — a despeito dos inevitáveis custos em termos de soberania nacional — exerce poderosa imantação no continente, em grau suficiente para perturbar o aprofundamento dos esforços sub-regionais de integração — o Grupo Andino e o Mercosul — através dos quais vinha se vitalizando, no marco jurídico da ALADI, a solidariedade sul-americana.

Refletindo uma expectativa pouco realista de acesso ao NAFTA, os países da ALADI não se dispõem sequer a cobrar do México, que deseja manter seus privilégios na Associação, a obrigação prevista no seu Tratado constitutivo — o de Montevidéu, 1980 — de estender automaticamente a todos os seus membros as preferências outorgadas por aquele país a seus parceiros no NAFTA. Com hesitação, pleiteam apenas o reconhecimento do direito a compensações pelos efeitos corrosivos do NAFTA nas margens de preferência negociadas com o México no quadro da ALADI.

O que as lideranças políticas sul-americanas podem estar desejando, particularmente naqueles países com dificuldades de balanço de pagamentos, é, quem sabe, o mesmo tipo de cobertura política e financeira que Washington estaria disposta a conceder ao México no quadro do NAFTA, do que é exemplo o safety net de US$ 6 bilhões recentemente estabelecido pelo governo norte-americano para socorrer o peso mexicano. Ou seja, mais do que aumento, a longo prazo e sob condição de reciprocidade, do acesso ao mercado norte-americano de bens, o que essas lideranças buscam é aval dos EUA para um maior acesso, no imediato, ao mercado financeiro internacional e, em particular, a garantia de poder recorrer, em caso de crise cambial, a um lender of last ressort.

Seria evidentemente preferível que, no relacionamento com o NAFTA ou com os EUA se observasse um enfoque seqüencial, sem precipitações; ordenamento que permitisse, primeiro, a consolidação dos movimentos de integração sul-americana. Criar-se-iam, assim, melhores condições para avaliar a viabilidade e os benefícios de uma integração hemisférica e, sobretudo, para uma eventual negociação, em conjunto, de uma zona continental de livre comercio, se esta não for objetivo apenas retórico e constitua, de fato, em disposição dos EUA.

A despeito dos acenos norte-americanos no tocante à eventual área de livre comercio continental, não é de se prever, entretanto, que haja em Washington, no momento, interesse em ações concretas ou imediatas capazes nessa direção, suscetíveis, portanto, de frustrar os processos sub-regionais de integração. Para os EUA, trata-se agora, sobretudo, de digerir o acordo com o México. Assim, não é provável que vá além do Chile a aguardada lista norte-americana de países a serem admitidos como pré-candidatos à negociação de livre comércio com os Estados Unidos. O Chile, aliás, dentre os países na região é aquele que já tem a casa em ordem, segundo os critérios dos organismos financeiros internacionais, o único que não participa de processos de integração sub-regional.

Não é impossível, entretanto, que a referida lista acabe bem maior do que a esperara, abrangendo países de outras regiões, descaracterizando o viés estritamente hemisférico que se vem atribuindo na América Latina à política norte-americana de acordos de livre comércio. Austrália e Cingapura são, por exemplo, candidatos.

Conclusões

A inserção do Brasil na economia mundial não se dá apenas pela via do comércio, em termos de acesso a mercados de bens; requer também, e talvez principalmente, acesso ao mercado de capitais e de tecnologia, o que, normalmente, só é encontrado no mundo desenvolvido.

De qualquer modo, mesmo no plano do comércio de bens, o Brasil é um global trader com interesses muito diversificados e com clara preferência por um sistema de comércio multilateral e nao-discriminatório.

O Mercosul, como área de livre comércio em formação, já produziu excelentes resultados comerciais. E projeto que continua, portanto, a merecer alta prioridade. Devemos reconhecer, contudo, não ser suficiente para o Brasil como plataforma de inserção regional e muito menos mundial.

A conformação do Mercosul como mercado comum é um projeto a ser realizado a longo prazo; o governo brasileiro, agora, tenta consolidá-lo como União Aduaneira.

A transformação do Mercosul em União Aduaneira terá de ser feita, entretanto, de forma a não se criar um obstáculo à preservação dos níveis atuais de industrialização brasileira nem à sua necessária expansão futura, em termos não só quantitativos, mas também qualitativos. E desde que não implique cerceamento indevido da capacidade negociadora do Brasil no terreno comercial, em particular na América do Sul.

O Mercosul deve, necessariamente, ser complementado com a ALCSA, numa estratégia diversificada, a duas velocidades e geometria variável de integração comercial com os demais países da América do Sul.

Algumas reflexões de ordem geral

O diagnóstico de nossas dificuldades de relacionamento externo não deve ser um exercício que nos leve à estéril postura de recriminação ou a custosas tentativas de reabertura de dossiers — mal ou bem — já ultrapassados. Deve, isso sim, nos levar, futuramente, a uma avaliação mais realista e, necessariamente mais positiva, a respeito das nossas possibilidades como Nação. Deve nos conduzir, em suma, à reconquista da auto-estima, essencial a uma correta postura frente ao mundo.

Com essa nova postura, devemos considerar a relevância de esquemas de integração sub-regional ou regional na política brasileira de comércio exterior e o papel desta no projeto de desenvolvimento econômico do país.

Perdemos sim, ao longo dos últimos anos, algumas batalhas importantes em razão da aceitação, sem maiores cuidados, de excessiva dependência, por exemplo, do petróleo importado e de empréstimos externos a taxas flutuantes de juros. Estamos muito longe, porém, de haver perdido a guerra do pleno desenvolvimento. O fundamental é não aceitarmos passivamente a receita do pessimismo e da resignação com um status de pequeno país, verdadeiramente incompatível com a grandeza de nosso povo; que recuperemos, em uma palavra, o sentimento da dignidade nacional.

A realização desse destino de grandeza passa indefectivelmente pelo resgate da imensa dívida nacional de justiça social, a grande arrumação da casa, de que precisamos. Pela eliminação da pobreza e da miséria. Por empregos e salários condignos que façam de cada trabalhador brasileiro um sócio dessa grandeza nacional, como consumidor e cidadão. Pela criação de um forte mercado interno que será a verdadeira plataforma da nossa inserção no mercado internacional.

O desenvolvimento só é de fato viável e merecedor do nome se for socialmente sustentável.

A implantação definitiva da democracia é essencial para que o país possa se inserir com segurança na economia mundial: para que possa, inclusive, cogitar de processos mais profundos de integração com países vizinhos. A soberania brasileira só poderá ser exercida, em sua plenitude — sobretudo para se autolimitar — se tiver a legitimidade decorrente do pleno exercício pelo povo brasileiro de seu direito à autodeterminação. Ou seja, pela eleição de autoridades autenticamente representativas da vontade nacional, em condições, por isso mesmo, de defender, efetivamente o interesse nacional, que não pode ser outro senão o bem-estar do povo brasileiro.

Paulo Nogueira Batista é diplomata, representante do Brasil junto à Associação Latino-Americana da Integração (Aladi) e membro da Área de Assuntos Internacionais do IEA.

Palestra feita pelo autor em 25 de abril de 1994 no IEA.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 2005
  • Data do Fascículo
    Ago 1994
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