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IMPACTO DO MANEJO CONVENCIONAL SOBRE PROPRIEDADES FÍSICAS E SUBSTÂNCIAS HÚMICAS DE SOLOS SOB CERRADO

IMPACT OF CONVENTIONAL MANAGEMENT UPON BOTH PHYSICAL PROPERTIES AND HUMIC SUBSTANCES OF SOILS UNDER CERRADO

Resumos

A utilização do manejo convencional em solos sob cerrado tem acarretado modificações nas suas propriedades, bem como no comportamento e qualidade da sua matéria orgânica. O objetivo desta pesquisa foi investigar o impacto do manejo convencional nas propriedades físicas e no conteúdo e qualidade de substâncias húmicas de um Latossolo Vermelho-Amarelo, originalmente sob cerrado. O estudo foi realizado em uma propriedade agrícola no município de São Desidério-BA. Foram avaliadas quatro áreas sob diferentes períodos de uso e uma sob cerrado nativo. Os tempos de uso foram de um, dois, três e seis anos, sendo que a área estudada após seis anos passou por um período de três anos de pousio. O sistema de preparo do solo utilizado foi o tradicional da região, que consiste no uso de duas passadas de grade pesada aradora e duas de grade niveladora. Também foram realizadas, na ocasião de cada plantio, uma adubação com N-P-K + micronutrientes e calagens com base em resultados de análise de solo. As áreas foram cultivadas com milho e soja em sistema de rotação. Verificou-se que o manejo adotado não foi sustentável, pois já nos primeiros três anos de uso agrícola, ocorreu grande deterioração das propriedades físicas do solo, como densidade, porosidade e conteúdo de água disponível. O processo de humificação e a qualidade da matéria orgânica foram influenciados pela aplicação de calcário e pela rotação de culturas (milho/soja) e, ainda, que o sistema de manejo utilizado mostrou-se mais benéfico para o processo de estabilização das substâncias húmicas do que para as propriedades físicas dos solos estudados.

manejo de solo; substâncias húmicas; cerrados; Latossolo Vermelho-Amarelo


The utilization of intensive conventional management system on soils under cerrado biome has caused modification in their properties, as well as, in the behavior and quality of the organic matter. The objective of this research was to evaluate the impact of conventional soil management practices upon physical properties, contents and qualities of humic substances of a Red-Yellow Oxisol, formerly, under cerrado (savana-like) natural vegetation. The study was accomplished on an private agricultural property in the municipal district of São Desidério-BA. They were appraised four areas under different length of times of agricultural use and one area under native cerrado (savana-like). The length of time under agriculture use was one, two, three and six years, and after six years the studied area was left uncultivated for a period of three years. The soil has been prepared under traditional systems which consists of plowing the land twice with heavy disks followed by twice grading. It was also applied, during the seedling time, N-P-K fertilizer plus micronutrients and lime according to soil analysis. The areas have been cultivated with corn and soybeans in a rotation system. It was observed that the adopted management system was not sustainable, because, at the first three years under cultivation occurred a great deterioration of physical properties such as soil density, porosity and available water contents. The humification process and the quality of the organic matter were influenced by both utilization of lime and by the rotation system (corn/soybeans). The used system was more benefic for the process of stabilization of the humic substances than for the physical properties of the studied soils.

soil management; soil humic substances; cerrado biome; Red-Yellow Oxisol


IMPACTO DO MANEJO CONVENCIONAL SOBRE PROPRIEDADES FÍSICAS E SUBSTÂNCIAS HÚMICAS DE SOLOS SOB CERRADO

IMPACT OF CONVENTIONAL MANAGEMENT UPON BOTH PHYSICAL PROPERTIES AND HUMIC SUBSTANCES OF SOILS UNDER CERRADO

Tony Jarbas Ferreira Cunha1 1 Engenheiro Agrônomo, Pesquisador da Embrapa Solos, Rua Jardim Botânico 1024, 22460-000, Rio de Janeiro, RJ. E-mail: tony@cnps.embrapa.br. Autor para correspondência. José Ronaldo Macedo1 1 Engenheiro Agrônomo, Pesquisador da Embrapa Solos, Rua Jardim Botânico 1024, 22460-000, Rio de Janeiro, RJ. E-mail: tony@cnps.embrapa.br. Autor para correspondência. Lucedino Paixão Ribeiro2 1 Engenheiro Agrônomo, Pesquisador da Embrapa Solos, Rua Jardim Botânico 1024, 22460-000, Rio de Janeiro, RJ. E-mail: tony@cnps.embrapa.br. Autor para correspondência. Francesco Palmieri1 1 Engenheiro Agrônomo, Pesquisador da Embrapa Solos, Rua Jardim Botânico 1024, 22460-000, Rio de Janeiro, RJ. E-mail: tony@cnps.embrapa.br. Autor para correspondência. Pedro Luiz de Freitas1 1 Engenheiro Agrônomo, Pesquisador da Embrapa Solos, Rua Jardim Botânico 1024, 22460-000, Rio de Janeiro, RJ. E-mail: tony@cnps.embrapa.br. Autor para correspondência. Ariomar de Castro Aguiar3 1 Engenheiro Agrônomo, Pesquisador da Embrapa Solos, Rua Jardim Botânico 1024, 22460-000, Rio de Janeiro, RJ. E-mail: tony@cnps.embrapa.br. Autor para correspondência.

RESUMO

A utilização do manejo convencional em solos sob cerrado tem acarretado modificações nas suas propriedades, bem como no comportamento e qualidade da sua matéria orgânica. O objetivo desta pesquisa foi investigar o impacto do manejo convencional nas propriedades físicas e no conteúdo e qualidade de substâncias húmicas de um Latossolo Vermelho-Amarelo, originalmente sob cerrado. O estudo foi realizado em uma propriedade agrícola no município de São Desidério-BA. Foram avaliadas quatro áreas sob diferentes períodos de uso e uma sob cerrado nativo. Os tempos de uso foram de um, dois, três e seis anos, sendo que a área estudada após seis anos passou por um período de três anos de pousio. O sistema de preparo do solo utilizado foi o tradicional da região, que consiste no uso de duas passadas de grade pesada aradora e duas de grade niveladora. Também foram realizadas, na ocasião de cada plantio, uma adubação com N-P-K + micronutrientes e calagens com base em resultados de análise de solo. As áreas foram cultivadas com milho e soja em sistema de rotação. Verificou-se que o manejo adotado não foi sustentável, pois já nos primeiros três anos de uso agrícola, ocorreu grande deterioração das propriedades físicas do solo, como densidade, porosidade e conteúdo de água disponível. O processo de humificação e a qualidade da matéria orgânica foram influenciados pela aplicação de calcário e pela rotação de culturas (milho/soja) e, ainda, que o sistema de manejo utilizado mostrou-se mais benéfico para o processo de estabilização das substâncias húmicas do que para as propriedades físicas dos solos estudados.

Palavras-chave: manejo de solo, substâncias húmicas, cerrados, Latossolo Vermelho-Amarelo.

SUMMARY

The utilization of intensive conventional management system on soils under cerrado biome has caused modification in their properties, as well as, in the behavior and quality of the organic matter. The objective of this research was to evaluate the impact of conventional soil management practices upon physical properties, contents and qualities of humic substances of a Red-Yellow Oxisol, formerly, under cerrado (savana-like) natural vegetation. The study was accomplished on an private agricultural property in the municipal district of São Desidério-BA. They were appraised four areas under different length of times of agricultural use and one area under native cerrado (savana-like). The length of time under agriculture use was one, two, three and six years, and after six years the studied area was left uncultivated for a period of three years. The soil has been prepared under traditional systems which consists of plowing the land twice with heavy disks followed by twice grading. It was also applied, during the seedling time, N-P-K fertilizer plus micronutrients and lime according to soil analysis. The areas have been cultivated with corn and soybeans in a rotation system. It was observed that the adopted management system was not sustainable, because, at the first three years under cultivation occurred a great deterioration of physical properties such as soil density, porosity and available water contents. The humification process and the quality of the organic matter were influenced by both utilization of lime and by the rotation system (corn/soybeans). The used system was more benefic for the process of stabilization of the humic substances than for the physical properties of the studied soils.

Key words: soil management, soil humic substances, cerrado biome, Red-Yellow Oxisol.

INTRODUÇÃO

Quando o homem altera o equilíbrio do ecossistema, ocorre mudanças na dinâmica da matéria orgânica e os efeitos dessa perturbação são, geralmente, negativos para as propriedades físicas, químicas e biológicas dos solos. Quando manejada, a fração orgânica não apresenta a mesma estabilidade das frações minerais. Sob uso agrícola, a utilização intensiva da terra com sistemas de cultivos inadequados tem contribuído para a degradação das características físicas, químicas e biológicas do solo. Particularmente, a diminuição da estabilidade de agregados naturais; o aumento da densidade e a diminuição da macroporosidade, tamanho de agregados e da taxa de infiltração de água, além de redução no complexo de cargas e na atividade biológica têm sido demonstrados (SOUZA & COGO, 1978; MACHADO et al., 1981; ROOSE et al., 1993; SILVA & MIELNICZUK, 1997). Essa degradação da qualidade do solo está diretamente relacionada à diminuição do teor de matéria orgânica e à compactação pelo tráfego (DALLA ROSA, 1981; BLANCANEAUX et al., 1993).

Com a abertura de novas áreas agrícolas na região central do Brasil, os solos sob vegetação de cerrados foram rapidamente incorporados ao processo produtivo. No oeste baiano, esses solos somam, aproximadamente, cinco milhões de hectares passíveis de serem cultivados. A cobertura pedológica predominante é constituída por solos de textura arenosa e média, excessivamente drenados e com capacidade de troca de cátions (CTC) menor que 5cmolc/kg-1. Nessas condições, 80% da CTC pode ser atribuída à participação da matéria orgânica, refletindo, dessa forma, a importância desse componente no processo produtivo. A condição edafo-ambiental existente favorece a agricultura intensiva com a utilização de discos (grade pesada e arado), complementada com a utilização de subsoladores e escarificadores, necessários para "quebrar" os impedimentos físicos (FREITAS, 1992). Apesar do crescente número de trabalhos versando sobre a matéria orgânica do solo, o conhecimento é ainda incipiente, principalmente no que se refere à sua influência em processos de estruturação e de retenção de cátions em latossolos da região sob vegetação de Cerrados (FREITAS et al., 1998a). Acredita-se que o conhecimento do comportamento de substâncias húmicas de solos sob cerrados possa conduzir ao entendimento dos processos de evolução e degradação desses solos, bem como subsidiar os sistemas de manejo conservacionistas a serem aplicados aos mesmos.

Considerando-se que a dinâmica do processo de humificação da matéria orgânica dos solos está diretamente relacionada à sua evolução superficial e condicionada pelo manejo, o presente trabalho teve como objetivo verificar o impacto do manejo convencional nas propriedades físicas e no conteúdo e qualidade das substâncias húmicas num Latossolo Vermelho-Amarelo, originalmente sob cerrado.

MATERIAL E MÉTODOS

O estudo foi realizado em uma propriedade rural localizada no município de São Desidério, região de domínio da vegetação de Cerrado, no Oeste Baiano. O clima é classificado como Aw da classificação de Köppen, com temperaturas médias anuais de 24ºC, e precipitação média anual de 1.200 mm, distribuídos entre os meses de novembro e março, tendo, também, um período seco bem definido entre abril e setembro.

Foram selecionadas cinco parcelas em áreas com características morfopedológicas semelhantes em um Latossolo Vermelho-Amarelo A, moderado, textura média, incluindo áreas com vegetação nativa de Cerrado e cultivadas com soja e milho em rotação por diferentes períodos de cultivo e de pousio, após desmatamento manual com queimada. Os tratamentos selecionados foram: Tn – solo em área em condição de vegetação nativa, considerada testemunha; T1 - solo com 1 ano de cultivo de soja; T2 - solo com 2 anos de cultivo (soja-milho); T3 - solo com 3 anos de cultivo (soja-milho-soja); e, Tp - solo com 1 ano de cultivo (soja) após 2 anos de cultivo e 3 anos de pousio não manejado (vegetação espontânea).

Nas áreas cultivadas com soja e milho, o preparo do solo constituiu de duas gradagens com grade aradora e duas, com grade niveladora. Na ocasião de cada plantio, foi efetuada uma adubação N-P-K + micronutrientes, com base na análise do solo. As calagens foram realizadas dois meses antes do plantio das culturas, em cada ano, utilizando-se 3t/ha de calcário calcítico.

Em cada parcela, foi descrito um perfil de solo, em locais selecionados, com a mesma posição topográfica de chapada. A descrição pedológica dos perfis foi baseada em LEMOS & SANTOS (1984). A amostragem foi realizada nos horizontes identificados durante a descrição, e as análises foram feitas nos laboratórios da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola – EBDA, em Barreiras, BA.

A granulometria do solo foi determinada pelo método da pipeta adaptado (EMBRAPA, 1998), e a densidade de partículas, pelo método do balão volumétrico com álcool etílico (EMBRAPA, 1998). A densidade do solo e a curva de retenção de água foram determinados em amostras indeformadas, coletadas em anéis volumétricos de 100cm3, verticalmente no centro dos horizontes diagnosticados. A curva de retenção de água no solo foi determinada submetendo as amostras, após saturação, a tensões de 0,01; 0,03; 0,1; e, 1,5MPa, pelo aparelho extrator de Richards (EMBRAPA, 1998) para determinação da umidade e da disponibilidade de água no solo. A disponibilidade de água no solo foi calculada como sendo a umidade retida entre as tensões de 0,1MPa e 1,5MPa por horizonte diagnóstico, sendo posteriormente ajustada para os intervalos de profundidade, através do somatório da lâmina de água (em mm/cm) para cada intervalo de 20cm, segundo a fórmula:

A distribuição de tamanho de poros (DTP) foi determinada a partir da curva de retenção de água no solo, em função do diâmetro equivalente (de) com base em FREITAS & BLANCANEAUX (1994), utilizado a classificação proposta por FREITAS et al. (1998b), como segue:

microporosidade ou porosidade textural (de < 0,2 mm);

mesoporosidade ou porosidade estrutural argilosa (0,2 < de < 9 mm);

macroporosidade ou porosidade estrutural (de > 9 mm).

Os atributos morfoestruturais foram avaliados no campo, utilizando-se a metodologia do perfil cultural conforme descrito em FREITAS et al (1998b).

As substâncias húmicas foram fracionadas em ácidos fúlvicos livres (AFL), ácidos fúlvicos (AF), ácidos húmicos (AH) e huminas (HU). O fracionamento foi realizado conforme os princípios do método de DABIN (1971), cujo protocolo é o seguinte: os AFL foram extraídos com ácido fosfórico 2mol/

-1; AF e AH, com solução de pirofosfato de sódio 0,1mol/-1 e, posteriormente, com solução de hidróxido de sódio 0,1mol/-1, ambos numa relação solo/extrator de 1:20; o tratamento do extrato com ácido sulfúrico 1mol/-1 permitiu separar os AF, que permaneceram em solução, dos AH, que precipitaram. As HU corresponderam ao resíduo no tubo de centrífuga, pois não são solúveis em ácidos ou bases. Devido à baixa quantidade, os resíduos vegetais leves (RVL) foram obtidos por diferença entre o teor de carbono orgânico total e o carbono correspondente à soma das frações anteriormente descrita. O teor de carbono orgânico em cada fração foi determinado por oxidação sulfocrômica, conforme (EMBRAPA, 1998)

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Propriedades morfoestruturais

Todos os perfis foram classificados como Latossolo Vermelho-Amarelo álico A moderado textura média fase cerrado relevo plano e apresentaram seqüência de horizontes A ou Ap, AB e Bw. O perfil sob cerrado nativo (Tn) apresentou um horizonte orgânico (Oo) de dois centímetros de espessura, formado por uma serrapilheira de detritos vegetais pouco decompostos. Devido ao preparo do solo necessário para o cultivo, o horizonte Oo da mata nativa foi queimado e/ou incorporado ao horizonte A subjacente, ajudando na formação do horizonte Ap nos perfis cultivados. Os horizontes superficiais e subsuperficiais não apresentaram grandes variações com relação às suas cores e espessuras.

As principais modificações morfológicas resultantes do cultivo contínuo do solo são relacionadas à transição e estrutura dos horizontes superficiais. A transição passou de gradual, no horizonte A2 do perfil sob mata nativa, para clara, no horizonte Ap dos perfis cultivados. No que concerne à estrutura, o horizonte superficial do perfil Tn apresentou uma estrutura forte pequena granular, enquanto no Ap do T1 apresentou estrutura fraca pequena granular e blocos subangulares, indicando que o desmatamento e o cultivo exerceram efeito imediato no grau de estruturação do solo. Nos perfis T2, T3 e Tp, verificou-se que o cultivo proporcionou ligeira melhora, com o passar dos anos, no grau de estruturação do solo, em relação ao perfil T1, o que, provavelmente, pode ser atribuído ao sistema radicular fasciculado do milho.

Em todos os perfis cultivados, os horizontes superficiais apresentaram-se ligeiramente duros a duros, enquanto o perfil sob cerrado nativo, apresentou consistência solta a macia.

Propriedades físicas

Granulometria: em todas as áreas ocorreu um predomínio da fração areia fina em todos os perfis, com valores que variaram de 511 a 633g/kg-1 (Tabela 1). Os teores totais de areia (areia fina + areia grossa) variaram entre 703 e 851g/kg-1, o que indica uma fragilidade do sistema como um todo. Os teores de argila foram, por conseqüência, muito baixos, variando entre 115g/kg-1, nos horizontes superficiais, a 243g/kg-1 nos subsuperficiais. Foi observada uma tendência de acumulação de argila no horizonte A2 do perfil Tn. Os perfis T3 e Tp apresentaram os menores teores de argila, sendo que o segundo apresentou as menores relações areia fina/areia grossa, o que deve afetar suas propriedades físicas. Sob o ponto de vista da manutenção do conteúdo da matéria orgânica, o baixo teor de argila observado nos perfis é bastante desfavorável (DUCHAUFOUR, 1977).

Com relação ao tempo de cultivo, ocorreu um incremento da fração argila nos horizontes dos perfis T1 e T2, ocorrendo, posteriormente, uma redistribuição nos valores do perfil (T3) em relação ao sob mata (Tabela 1). Esse fato, pode ser devido à dispersão da argila provocada pelo preparo do solo, que age promovendo a degradação dos teores de matéria orgânica e, conseqüentemente, desagregando a estrutura do solo, tendo em vista que os perfis ocupam a mesma posição topográfica de chapada, ou mais provavelmente pelo uso de calcário em quantidades elevadas (caso da área estudada), que pode promover, neste caso, a dispersão da argila, conforme demonstrado por JUCKSCH et al (1986).

Densidade do solo: ocorreu uma tendência de aumento da densidade do solo nos horizontes superficiais e subsuperficiais, nos perfis cultivados T1, T2 e T3, (Tabela 2), a qual, provavelmente, foi decorrente da ação de implementos agrícolas utilizados (arados e grades), seja pulverizando os horizontes superficiais e aumentando a densidade de acomodação do solo, seja promovendo a compactação mecânica dos horizontes subsuperficiais (pé de grade/arado). No perfil T3 e Tp, esse efeito é igualmente importante, mantidas as proporções e considerando o efeito da textura mais arenosa. Pereira et al. (1994) também verificaram em um Latossolo Vermelho-Escuro, que, após dez anos de cultivo, a densidade do solo variou de 0,88Mgm-3 a 1,03Mgm-3 (variação de 0,15Mgm-3), demonstrando o efeito do manejo intensivo do solo, adensando os horizontes superficiais e causando possíveis limitações ao desenvolvimento de plantas (KIEHL, 1979) e ao crescimento de raízes.

Verificou-se também um aumento dos valores de densidade do solo abaixo do horizonte AB nos perfis T2 e T3, demonstrando que a transmissão da pressão de compactação ocorreu primeiro nos horizontes superficiais, para, em seguida, ser transmitida para os horizontes inferiores. Segundo KER et al. (1996), o uso intensivo do solo normalmente induz à compactação com redução da porosidade total e dos microporos, diminuindo, assim, a capacidade de adsorção e retenção de água. No entanto, neste trabalho observou-se que em solos arenosos e de textura média ocorreu um aumento da profundidade da camada compactada com o tempo de cultivo. Segundo COSTA (1985); COSTA & JUCKSCH (1992); KER et al. (1992), citados por KER et al. (1996), os Latossolos da região dos cerrados, utilizados intensivamente na produção de soja, milho e feijão degradam-se fisicamente com o tempo de uso. Pode-se verificar também que os valores de densidade do solo diminuíram quando se comparou os perfis Tp e T3, considerando sua similaridade em textura. Isso, provavelmente, deve-se à ação mecânica exercida pelas raízes das plantas que colonizaram o solo durante o pousio no perfil Tp.

Porosidade: a porosidade total não foi alterada até o segundo ano de plantio (T2), quando comparado à mata (Tn). Entretanto, a partir do terceiro ano (T3), verificou-se uma sensível diminuição nos valores da porosidade total, atingindo perda de até 7% (Tabela 2). Esses dados confirmam os resultados obtidos por PREVEDELLO (1996), em que o uso inadequado do solo afetou a porosidade, tendo como conseqüências a redução no armazenamento, disponibilidade e transporte da solução e do ar do solo, os quais não só dependem da porosidade total, mas também, e principalmente, de como o espaço total é distribuído por tamanho.

O comportamento da porosidade foi semelhante ao da densidade do solo, pois após o período de pousio (Tp), os valores de porosidade retornaram aos valores aproximados do perfil sob mata (Tn) (Tabela 2 ), já que esses parâmetros estão direta e inversamente correlacionados.

Os valores de distribuição do tamanho dos poros obtidos para três classes de porosidade consideradas (Tabela 3) mostram a predominância de macroporos (de > 9mm), característica de solos de textura arenosa, os quais variaram entre 25,2 e 35,4% do volume total do solo, o que não constitui restrição à aeração e ao movimento de água no solo (FREITAS et al., 1998b). Os microporos (de < 0,2mm) variaram entre 5,6 e 10,4%, aumentando em profundidade em todos os perfis estudados, com volumes relativamente menores em T3 e Tp. Em se analisando os perfis cultivados, em relação a Tn, verifica-se um aumento da microporosidade com os anos de cultivo (T1 e T2). Da mesma forma, observa-se um decréscimo da macroporosidade. Um incremento na macroporosidade, como efeito do período de três anos de pousio (perfil Tp), pode ser verificado quando comparado com o perfil T3. Já a variação observada na mesoporosidade (0,2 < de < 9mm) vai refletir na disponibilidade de água no solo, uma vez que é determinada entre a capacidade de campo e o ponto de murcha permanente.

As alterações na distribuição dos teores de poros permitiu detectar a degradação da estrutura do solo decorrente do manejo inadequado praticado (Tabela 3). Confirma-se a redução, tanto da porosidade total, como das frações relativas aos micro, meso e, principalmente, macroporos no 3º ano de cultivo. Os macroporos variaram de 29,7% a 35,4% no tratamento Tn, reduzindo para valores entre 25,3% e 31,4% no tratamento T3. Analisando, ainda, o perfil Tp, observa-se a tendência da porosidade (micro, meso, macro e total) de retornar aos valores próximos aos do perfil Tn, devido, provavelmente, à ação mecânica exercida pelas raízes das plantas.

Curva de retenção de umidade: os dados de retenção de umidade em diversas tensões mostram que ocorreu um aumento dos teores de água retida nas baixas tensões (0,01 e 0,03MPa) nos perfis T1 e T2 em relação ao perfil Tn (Tabela 2). Esse fato pode ser conseqüência do aumento de microporos, sem, no entanto, alterar os valores de porosidade total. Além disso, o acréscimo nos teores de umidade acompanham, inversamente, os valores de densidade global, indicando que, o que está ocorrendo, não é uma alteração no volume total do solo, mas sim nas relações entre micro e macroporos.

A partir do terceiro ano de cultivo (T3), verificou-se uma redução dos teores de água retida nas baixas tensões em relação ao perfil sob mata (Tn), que foi provocado pela diminuição da porosidade total (Tabela 2). Esses resultados confirmam as afirmativas de PREVEDELLO (1996) e KER et al. (1996), em que a redução da porosidade afeta a retenção de umidade dos solos, sendo conseqüência direta do manejo inadequado. Neste estudo, o nível crítico ocorreu após o terceiro ano de cultivo. Depois do período de pousio, os valores de umidade à baixas tensões retornaram a valores próximos ao perfil sob cerrado nativo, acompanhando a reestruturação física do solo.

Porém, em relação à capacidade de retenção de umidade a altas tensões, os valores de retenção permaneceram praticamente inalterados, pois a retenção de umidade, nessas tensões, está mais relacionada à textura do solo e superfície específica dos minerais do solo, confirmando os resultados obtidos por SALTER & WILLIAMS (1965) e PETERSEN et al. (1968).

Disponibilidade de água: observa-se através da figura 1, que o solo em questão apresenta uma baixa retenção de água disponível para as plantas em toda profundidade dos perfis estudados, segundo a classificação dada por USDA (1953), apresentando quantidades de água disponível no solo abaixo de 69 mm/cm. Verificou-se, ainda, que nos tratamentos Tn a T3 as quantidades de água disponível (AD) situaram-se na faixa de 8,0 a 10,0mm/20cm, ocorrendo uma exceção no tratamento Tp, no qual o valor cai para 4,5mm/20cm. Em seguida, as curvas mostram uma tendência de queda progressiva da água disponível, em função da profundidade, até atingir valores entre 3,0 e 5,0mm/20cm, já na última faixa de profundidade. Essa queda se deve, principalmente, à diminuição dos teores de matéria orgânica total no perfil, que, segundo Miller & Donahue (1990), apud KER et al. (1996), é de suma importância na retenção de água, a qual não é compensada pelo incremento dos teores de argila.


É importante salientar que a A.D. é o volume máximo de água disponível retida no solo para as culturas entre as tensões de 0,1 e 1,5MPa, e que, segundo RESENDE (1994), o nível de esgotamento permissível da água disponível do solo varia em função de diversos fatores, entre eles o tipo de solo, e, para se manter a máxima produção de grãos, o nível de esgotamento deve se situar entre 50 e 60%. Associado a esse conceito, se for considerado uma evapotranspiração potencial (ETp) de 5,0mm/dia para a região de Barreiras, percebe-se que para as culturas de milho e soja, a disponibilidade hídrica é suficiente para suprir as necessidades dessas culturas por apenas dois dias sem irrigação; reforçando assim, a importância de se desenvolver sistemas de manejo sustentáveis que preservem e/ou aumentem os teores de matéria orgânica total. Nesse caso, o problema de disponibilidade de água agrava-se nas profundidades maiores do que 20cm, pois os níveis de A.D. são menores do que 7,0mm/20cm e estão abaixo da zona radicular das culturas utilizadas na Região, demonstrando que nem em profundidade haverá reserva de água disponível para as plantas.

No perfil Tp, observou-se redução no estoque de AD, isto é, somente o período de três anos de pousio não foi suficiente para levar o solo à sua condição de equilíbrio natural (Tn). Aparentemente, esse solo atingiu um novo estado estável, abaixo da condição de cerrado nativo, o qual levou muitos anos para ser alcançado. Como a variável hídrica é um parâmetro real e integrado do comportamento dos efeitos do preparo do solo, tempo de cultivo, teor de carbono orgânico e grau de compactação, pode-se afirmar que os solos sob cultivo degradaram-se muito rapidamente, em termos físicos e de conteúdo de carbono orgânico, e que o período de pousio não foi suficiente para sua recuperação, evidenciando que a atividade agrícola não está sendo manejada de forma adequada e sustentável.

Fracionamento e caracterização da matéria orgânica

As condições climáticas da área estudada caracterizam-se por uma reduzida amplitude térmica entre o dia e a noite, e entre o inverno e o verão. Os índices pluviométricos são da ordem de 1.200 mm/ano e concentram-se num curto período chuvoso, contrastrando com estações secas e bem definidas. O período chuvoso coincide com os dias longos e quentes do verão, quando a atividade microbiana é intensa, tornando rápida a decomposição dos restos vegetais. O período seco coincide com os dias mais curtos e frios do inverno, tornando o processo de humificação mais lento, devido à baixa atividade biológica nesse período.

Observou-se uma alta taxa de humificação (taxa de extração elevada em relação aos teores totais de carbono), pois as quantidades de matéria "leve" são baixas, possivelmente, devido ao efeito das calagens que favoreceram o aumento dos teores de cálcio, com conseqüente aumento da atividade dos microorganismos, principalmente no período chuvoso. Em nenhuma das situações (perfis), foi observado significativo acúmulo de matéria orgânica, comparativamente à condição de cerrado nativo.

Os produtos resultantes da humificação acumularam-se e distribuíram-se nos perfis, indicando a existência de uma imobilização ou biodegradação imediata dos precussores húmicos (substâncias hidrossolúveis, mais precisamente ácidos alifáticos e fenólicos) nos primeiros centímetros superficiais, que, dessa forma, não podem migrar muito em profundidade. De modo geral, constatou-se um aumento progressivo dos ácidos fúlvicos livres, em profundidade, em todos os perfis. Fato também constatado em outras circunstâncias por VOLKOFF et al. (1978) e CUNHA (1992).

Através dos resultados obtidos com o fracionamento das substãncias húmicas (Tabela 4), verificou-se que as diferentes frações variaram umas em relação às outras. Comparados os teores de matéria orgânica entre os perfis sob cultivo e o solo sob vegetação natural, observaram-se menores teores orgânicos nos primeiros centímetros nos solos cultivados. Acredita-se que essa menor quantidade esteja relacionada com a degradação da cobertura vegetal (desmatamentos e queimadas) e aos reduzidos aportes orgânicos, haja vista que esses solos estão sob a influência dos mesmos fatores climáticos (temperatura e precipitação).

Das frações húmicas, a humina representou a maior parte do carbono. Possivelmente, essa humina constitui-se de humina de insolubilização e herdada (DUCHAUFOUR, 1977), o que deve resultar da transformação moderada de alguns compostos insolúveis (lignina), que, segundo DUCHAUFOUR (1973), é estabilizada e protegida contra a biodegradação, já que em região de clima contrastado, os compostos húmicos sofrem uma maturação e uma polimerização que lhes rende resistência aos processos de renovação (VOLKOFF et al. 1978). BOISSEZON (1973), citado por SANTA-ISABEL (1988), atribui essa estabilidade à insolubilização dessa humina, que, possivelmente, esteja sendo favorecida pelos óxidos de ferro presentes.

O estudo das substâncias húmicas evidenciou uma dinâmica orgânica muito particular: quando se comparou os solos sob cultivo com o solo sob vegetação natural, observou-se sempre uma tendência de aumento da humina e ácidos fúlvicos ligados; observaram-se, também, uma estabilização dos ácidos fúlvicos livres e uma diminuição dos ácidos húmicos ao longo dos perfis. Quando se comparou os dados do fracionamento orgânico entre os solos sob cultivo, observou-se que houve, sempre, uma tendência de aumento dos ácidos fúlvicos ligados e uma ligeira diminuição dos ácidos húmicos quando se passou de 1 ano para 3 anos de uso agrícola. No Tp, observaram-se um aumento dos ácidos húmicos e uma diminuição da humina.

Esses comportamentos, possivelmente, poderiam estar ligados a dois fatores: adição de calcário, que favorece o aumento dos teores de cálcio e a atividade microbiana (DUCHAUFOUR, 1977), o que aceleraria o processo de humificação da matéria orgânica, com conseqüente liberação dos ácidos hidrossolúveis e formação dos ácidos fúlvicos livres, explicando, assim, o aumento destes. Por outro lado, a rotação de culturas, associada aos contrastes climáticos, favoreceria a polimerização dos ácidos húmicos em humina, explicando, dessa forma, a diminuição dos ácidos húmicos e o aumento da humina.

É bastante conhecido o fato de que as substâncias húmicas menos polimerizadas e mais ácidas podem interagir com os argilominerais e formar complexos metálicos, solúveis e insolúveis (DUCHAUFOUR & LELONG, 1967; SCHINITZER & KHAN, 1972; VOLKOFF et al. 1984; KOTTO SAME et al. 1989/90). Entretanto, estas frações menos polimerizadas (ácidos fúlvicos), são as frações húmicas que apresentam o maior volume de cargas elétricas, portanto maior capacidade de troca de cátions. Por outro lado, as frações mais polimerizadas (ácidos húmicos e humina), apesar de atuarem como agente estabilizador da estrutura, apresentam dentre as frações húmicas, um menor volume de cargas elétricas, logo, uma menor capacidade de troca de cátions (KAEMMERER et al. 1996).

Considerando-se que os teores de argila e matéria orgânica são muito baixos, resultando em solos com baixa capacidade de troca de cátions, o uso de um sistema de manejo mais racional (cultivo mínimo, plantio direto, rotação de culturas, etc) poderia favorecer um processo de humificação menos intenso, no qual se teriam, em quantidades equivalentes, substâncias húmicas menos polimerizadas para a obtenção de uma maior quantidade de cargas elétricas; e outras mais polimerizadas que pudessem favorecer a formação e estabilização de unidades estruturais e, dessa forma, maximizar a retenção de água, a manutenção do conteúdo de carbono orgânico e o aumento da produtividade das culturas.

CONCLUSÕES

O sistema de manejo convencional provocou mudanças nas propriedades edáficas estudadas, acarretando restrições ao sistema já no terceiro ano de uso agrícola. As propriedades físicas de densidade do solo, porosidade e água disponível foram fortemente influenciadas pelo sistema de manejo.

O tempo de pousio de três anos não foi suficiente para recompor ao sistema as características edáficas observadas no perfil sob vegetação de cerrado nativo, principalmente, em termos de conteúdo e qualidade da matéria orgânica, e conteúdo de água disponível.

O sistema de manejo estudado, com o tempo de uso, favoreceu o aumento de ácidos fúlvicos e de humina e uma diminuição de ácidos húmicos.

2 Professor, Doutor do Departamento de Geoquímica e Meio Ambiente da Universidade Federal da Bahia, IGG, Salvador, Ba.

3 Pesquisador da Empresa Baiana de Pesquisa Agropecuária, EBDA, Barreiras, BA.

Recebido para publicação em 08.01.99. Aprovado em 03.05.00

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  • 1
    Engenheiro Agrônomo, Pesquisador da Embrapa Solos, Rua Jardim Botânico 1024, 22460-000, Rio de Janeiro, RJ. E-mail:
    tony@cnps.embrapa.br. Autor para correspondência.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Jun 2005
    • Data do Fascículo
      Fev 2001

    Histórico

    • Aceito
      03 Maio 2000
    • Recebido
      08 Jan 1999
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