Resumos
A Mensageira "revista literária dedicada à mulher brasileira", lançada por Presciliana Duarte de Almeida (1867-1944), circulou em São Paulo, entre os anos de 1897 a 1900. Destinada à produção literária feminina, publicava também artigos que defendiam a emancipação das mulheres, reivindicando especialmente uma educação de qualidade. Em suas páginas figuravam nomes como os da escritora Júlia Lopes de Almeida (1862-1934) e da portuguesa Guiomar Torrezão (1844-1898), escritora e líder feminista.
revista A Mensageira; literatura; feminismo
A Mensageira "literary magazine dedicated to the Brazilian woman", introduced by Presciliana Duarte de Almeida (1867-1944), it was available in São Paulo, between the years of 1897 to 1900. Destined to the feminine literary production, it also published articles that defended the women's emancipation, especially demanding a quality education. In its pages appeared names like the writer Júlia Lopes de Almeida (1862-1934) and the Portuguese woman Guiomar Torrezão (1844-1898), writer and feminist leader.
A Mensageira; literature; feminism
EXPERIÊNCIAS EDITORIAIS FEMINISTAS
Revista "A Mensageira": alvorecer de uma nova era?
Magazine A Mensageira: dawn of a new age?
Rosana Cássia Kamita
Universidade Estadual de Londrina (UEL)
RESUMO
A Mensageira "revista literária dedicada à mulher brasileira", lançada por Presciliana Duarte de Almeida (1867-1944), circulou em São Paulo, entre os anos de 1897 a 1900. Destinada à produção literária feminina, publicava também artigos que defendiam a emancipação das mulheres, reivindicando especialmente uma educação de qualidade. Em suas páginas figuravam nomes como os da escritora Júlia Lopes de Almeida (1862-1934) e da portuguesa Guiomar Torrezão (1844-1898), escritora e líder feminista.
Palavras-chave: revista A Mensageira; literatura; feminismo.
ABSTRACT
A Mensageira "literary magazine dedicated to the Brazilian woman", introduced by Presciliana Duarte de Almeida (1867-1944), it was available in São Paulo, between the years of 1897 to 1900. Destined to the feminine literary production, it also published articles that defended the women's emancipation, especially demanding a quality education. In its pages appeared names like the writer Júlia Lopes de Almeida (1862-1934) and the Portuguese woman Guiomar Torrezão (1844-1898), writer and feminist leader.
Keywords:A Mensageira, literature, feminism.
A Mensageira, "revista literária dedicada à mulher brasileira", foi lançada em São Paulo pela escritora e feminista Presciliana Duarte de Almeida,1 1 Presciliana Duarte de Almeida (1867-1944). Escritora e feminista. Publicações: Rumorejos (1890); Sombras (1906); Vetiver (1939); Antologia Poética (1976 póst.). circulou entre os anos de 1897 e 1900, de início com periodicidade quinzenal e mensal a partir de 1899. Eram publicados textos em prosa e verso, com ênfase à produção literária feminina, e artigos nos quais se salientava a preocupação com a posição da mulher na sociedade e os preconceitos por elas enfrentados.
Não é uma publicação, como outras do período que destacavam assuntos como trabalhos manuais, moda, culinária, puericultura. A intenção era a de discutir questões relativas à emancipação da mulher, com a veiculação de textos literários, artigos que tratassem do tema, além dos editoriais com a reflexão crítica acerca da situação feminina. Para esse trabalho foi utilizada a edição fac-similar, em dois volumes, publicada pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.2 2 Agradeço à Profa. Dra. Zahidé Lupinacci Muzart o empréstimo dessa edição.
O valor de um periódico como esse pode ser melhor avaliado se for devidamente contextualizado na época em que foi divulgado. O século XIX foi marcado por muitas transformações, destacando-se a consolidação do capitalismo, o desenvolvimento da vida urbana, e o fortalecimento de ideais burgueses, responsáveis, em grande parte, pela organização familiar, incluindo-se aí os papéis atribuídos a cada membro da sociedade.
A partir da segunda metade do século XIX as mudanças se acentuaram, os avanços tecnológicos aportavam no Brasil vindos da Europa, o que incitou o desenvolvimento de alguns centros urbanos. O panorama já poderia ser considerado mais favorável à educação formal das mulheres. Através desses pequenos progressos, uma parcela limitada da população tornou-se alfabetizada. Em relação à mulher ela deveria receber uma educação voltada à sua vida familiar, ou seja, não receberia instrução que a levasse à autonomia crítica, mas a ênfase recairia sobre sua formação moral.
Se hoje a posição da mulher na sociedade se distancia cada vez mais do papel feminino exercido no século XIX é graças ao empenho de mulheres que viveram à frente de seu tempo, expondo-se às críticas e lutando para conquistar o espaço quase sempre bastante cerceado. Esse percurso em árido terreno fez com que as mulheres fossem pouco a pouco almejando ampliar sua atuação na sociedade, não se limitando à esfera doméstica: "No final do século XIX, algumas mulheres não mais queriam apenas respeito, tratamento favorável dentro da família ou direito à educação, mesmo educação universitária, mas sim o desenvolvimento pleno de todas as suas faculdades, dentro e fora do lar".3 3 June HAHNER, 1981,p. 81. Com todas as limitações intelectuais e sociais, houve escritoras brasileiras que superaram os obstáculos e escreveram. Torna-se importante, sem condescendência, reconhecer a dedicação e coragem das brasileiras que publicaram suas obras, fazendo prevalecer a vontade acima dos preconceitos que poderiam vir a sofrer. Não era fácil às escritoras insurgirem-se aos padrões impostos para o comportamento feminino, e mesmo após a publicação de suas obras, ainda haveria a opinião do público leitor e dos críticos literários da época: condescendência com censura embutida ou mesmo desestímulo preconceituoso em relação à iniciativa de algumas escritoras. Se a tentativa literária demonstrasse senso crítico ou se posicionasse em relação a temas que se distanciassem do espaço doméstico ou do sentimentalismo vazio, a crítica se tornava mais severa.
Outras mulheres também não perderam a oportunidade de denunciar a discriminação feminina, principalmente aquelas que tiveram condições de se instruírem, e se colocaram a serviço de uma causa social, objetivando tirar do marasmo, da ignorância e do servilismo a maioria das mulheres da época. A imprensa muito colaborou no sentido de superar preconceitos e garantir às mulheres uma participação mais ativa na sociedade brasileira do século XIX, como por exemplo: Jornal das Senhoras, Belo Sexo, A Família, A Mensageira, dentre outras publicações. No primeiro número de A Mensageira no texto intitulado "Entre amigas", Júlia Lopes de Almeida,4 4 Júlia Lopes de Almeida (1862-1934). Escritora, uma das mulheres de maior prestígio intelectual no Brasil em sua época. Colaborou com jornais de grande circulação e periódicos produzidos por mulheres. Publicou várias obras, dentre as quais: A família Medeiros (1892); A viúva Simões (1897); Eles e elas (1910); Era uma vez... (1917); Pássaro Tonto (1934). uma das principais colaboradoras da revista, reflete sobre o valor da iniciativa de Presciliana Duarte de Almeida:
Não é sem algum espanto que escrevo este artigo, para um jornal novo, e, de mulheres! É uma tentativa sem grandes fundamentos? Viverá pouco? Ficará? Só o tempo poderá responder a estas perguntas; entretanto, que fique, ou que passe no sopro ligeiro dos dias curtos, esta revista assignala um facto, digno de attenção de que o movimento feminista vae desenvolvendo a força de suas azas, no Brazil.5 5 ALMEIDA, n. I, v.1, p. 3.
A revista A Mensageira preocupava-se em defender uma educação de qualidade para as mulheres. A princípio os textos eram fundamentados em argumentos que de certa forma corroboravam com o preconceito em relação à mulher, ou seja, a educação feminina era defendida porque assim ela teria condições de exercer com maior competência seu papel de mãe e criar filhos que seriam melhores cidadãos. Em um segundo momento, no entanto, os argumentos pautavam-se na necessidade de uma educação à mulher que lhe permitisse participar do mercado de trabalho, ideal partilhado por muitas feministas da época, que consideravam esse o caminho para a autonomia feminina econômica e intelectual. Os excertos abaixo ilustram essas concepções, o primeiro pertence ao editorial "Falso encanto", escrito por Maria Emilia,6 6 Maria Emília Lemos, prosadora, assídua colaboradora de A Mensageira. o segundo, "Carta do Rio", foi escrito por Maria Clara da Cunha Santos:7 7 Maria Clara da Cunha Santos (1866-1911), poetisa e prosadora uma das principais colaboradoras da revista A Mensageira.
Pensem assim ou não, entretanto, queiram ou não queiram, a mulher instruida, forte, capaz de velar à cabeceira de um filho enfermo, auxiliando as prescrutações da sciencia; ou de repellir com energia as chalaças de qualquer imbecil, será a mulher do futuro, será a verdadeira companheira do homem, que sabe participar de todos os seus pensamentos e ajudal-o em todas as resoluções difficeis.8 8 LEMOS, v. I, n.2, p. 17.
A proposito da educação moral da mulher, escreveu Maria Amalia Vaz de Carvalho, no "Jornal do Comércio", um excellente artigo intitulado "A mulher do futuro". A illustre escriptora penitencia-se em publico e raso do seu antigo modo de pensar a proposito das profissões que as mulheres deviam adoptar.
Ate então Maria Amalia aconselhava e dizia em bonitos e bem lançados artigos que a mulher devia estudar e se instruir para embellesar a vida do seu companheiro de existencia, do eleito de su'alma, para se tornar a flor delicada do lar, centro de todo o carinho, para ser, em summa, o ideal e o unico pensamento do marido; hoje, mais pratica e mais positiva, ensinada, talvez, por grandes desillusões, ella aconselha o estudo como uma arma de combate; a profissão liberal como uma providencia immediata e mostra com elevado estylo e fortes analyses de factos incontestaveis a necessidade que a mulher tem de se preparar para a lucta, procurando pelo esforço próprio a sua independencia, a sua vida.
Ainda bem! Causava-me espanto o antigo modo de pensar da illustre escriptora relativo a esse ponto de magna importancia no momento actual. Hoje, que ella publicamente se mostra arrependida de seu modo de pensar poetico em demasia eu venho annunciar, com alegria, esse facto aos leitores desta revista.
Mais uma para o nosso lado!9 9 SANTOS, n.II, v.30, p. 120-121.
As escritoras que colaboraram com a revista tiveram a oportunidade de um meio de comunicação que lhes permitisse expressar seus anseios e expectativas e a literatura não se limitava a uma arte, mas projetava-se também como meio de reflexão, enquanto mulher e escritora. Era uma publicação "dedicada à mulher brasileira", o propósito era o de alertar as mulheres para seu estado de submissão, mostrar-lhes que era possível ambicionar uma participação mais efetiva na sociedade, deixar no passado a imagem de um ser frágil, incapaz de embates intelectuais, a passar tardes inteiras distraída com meadas de linhas e de quando em vez passar os olhos por poemas de Casimiro de Abreu ou verter algumas lágrimas ao terminar de ler o último capítulo de um folhetim. Esse era o estereótipo da mulher do século XIX, cumpria-se agora construir a imagem da mulher do futuro. Os trechos a seguir transcritos expressam as expectativas em relação à revista A Mensageira e o desejo de que publicações como essa colaborassem para uma nova perspectiva em relação à emancipação feminina, como é possível perceber pelos testemunhos de Anália Franco10 10 Anália Franco (1856-1919). Escritora, dedicou-se a intenso trabalho assistencial. e Guiomar Torrezão:11 11 Guiomar Delfina de Noronha Torrezão (1844-1898). Escritora portuguesa; líder feminista.
Realmente, o pensamento de encetar uma publicação, afim de pugnar pelos direitos e deveres da mulher brazileira, para tornal-a mais valida e mais forte, podendo, como o homem, resistir altiva, corajosa a todas as luctas e amarguras da vida, é uma idéa grandiosa e de magno alcance. Emtanto, essa idéa que tem feito tantos adeptos entre os grandes apostolos do bem, entre nós ainda não envolve uma solução efficaz, pelas multiplas difficuldades que tem a vencer.
A mulher brazileira, com algumas excepções, acostumada a não amar a leitura por julgal-a um elemento de perversidade, em razão da má educação que nos deram, parece não sentir a necessidade de uma distracção superior.
A vaidade e o desejo ardente de brilhar pelas graças exteriores, constituem a estreita ambição e o pensamento de muitas, que acreditam ser esta civilisação a ultima conquista do progresso humano. As consequencias d'isto são o enfraquecimento sensível das noções da responsabilidade e do dever, a tendencia decisiva para essa preguiça mental que nos quebranta e esterilisa. Conceber o bem não basta, é preciso fazel-o fructificar; eis a missão grandiosa da Mensageira, que deve ir pouco a pouco rasgando á mulher brazileira horizontes cada vez mais vastos, visto que o progresso reclama a educação universal e pede costumes novos.12 12 FRANCO, n.I, v.12, p. 178.
Felicito-a pela sua Mensageira, porta-estandarte do movimento feminista no Brazil, que me traz em cada numero que leio, com progressivo e affectivo interesse, um grande e consolador jubilo.
É digno da forte e opulenta raça, exuberante de seiva, dos Estados Unidos do Sul, a aspiração para uma nova era, susceptivel, creio eu, de imprimir á humanidade um novo e modelar feitio moral, mental e social, que vibra, como o cantico da aurora, preadivinhando o glorioso dia, nas colunas da Mensageira.
Saúdo-a pelo seu emprehendimento, que tão decisiva e benefica influencia deverá ter nos destinos da mulher brazileira e no vasto território da sua patria.13 13 TORREZÃO, n.I, v.15, p. 190.
Os ideais feministas de A Mensageira devem ser entendidos a partir do cenário sócio-político-econômico de fins do século XIX. Como Guiomar Torrezão salientou: "O feminismo é a causa mais intuitivamente logica e mais importante para o aperfeiçoamento e engrandecimento da humanidade, que o seculo XIX leva á solução do seculo XX".14 14 TORREZÃO, n.II, v.36, p. 239.
Notas
Copyright ã 2004 by Revista Estudos Feministas.
- ALMEIDA, Júlia Lopes de. Eles e Elas Rio de Janeiro:Francisco Alves, 1910.
- ___. Era uma vez.. Rio de Janeiro: Jacinto Ribeiro dos Santos, 1917.
- ___. A família Medeiros Rio de Janeiro: Empresa Nacional de Publicidade Editora, 1919.
- ___. Pássaro Tonto São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1934.
- ___. A viúva Simões Florianópolis: Ed. Mulheres/Edunisc, 1999.
- ALMEIDA, Presciliana Duarte de. (Diretora). A Mensageira: revista literária dedicada à mulher brazileira. Edição fac-similar. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado/Secretaria de Estado da Cultura, 1987. [Reprodução em livro, dois volumes, da Revista Literária publicada de 1897 a 1900, na cidade de São Paulo.]
- ___. Pirilampos e Rumorejos Rio de Janeiro: Tip. Lit. de Carlos Gaspar da Silva, 1890. [Pirilampos foi escrito por Maria Clara da Cunha Santos.]
- ___. Sombras São Paulo: Tipografia Brasil (Rothschild & Co.), 1906.
- ___. Vetiver São Paulo: Tipografia Cupolo, 1939.
- ___. Antologia Poética São Paulo: Conselho Estadual de Cultura, 1976.
- COELHO, Nelly Novaes. Dicionário crítico de escritoras brasileiras: 1711-2001. São Paulo: Escrituras, 2002.
- DEL PRIORE, Mary (org.). História das mulheres no Brasil São Paulo: Contexto, 2000.
- HAHNER, June E. A mulher brasileira e suas lutas sociais e políticas: 1850-1937. São Paulo: Brasiliense, 1981.
- LUCA, Leonora de. A Mensageira: uma revista de mulheres escritoras na modernização brasileira 1999. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Sociologia). Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Estadual de Campinas.
- SCHUMAHER, Schuma e BRAZIL, Érico Vital (Orgs.). Dicionário Mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
- SEVCENKO, Nicolau. Literatura como Missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República 2Ş ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
04 Maio 2005 -
Data do Fascículo
Dez 2004