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Avaliação do grau de incapacidade em hanseníase: uma estratégia para sensibilização e capacitação da equipe de enfermagem

Resumos

Os principais problemas decorrentes da hanseníase são as incapacidades físicas. O presente estudo avaliou o grau de incapacidade dos pacientes em tratamento e em alta, em 11 municípios da 14ª Regional de Saúde do Paraná, ao mesmo tempo em que promoveu discussão e capacitou os profissionais de enfermagem das equipes locais. Verificou-se que 79,8% da população avaliada apresentava algum grau de incapacidade e que parte dos profissionais desconhecia a técnica de avaliação. Foi grande a porcentagem de pacientes com grau de incapacidade I e II, fato que corrobora o diagnóstico tardio dos casos. Destaca-se a necessidade de permanente processo de autocuidado, associado à poliquimioterapia e avaliação contínua dos casos novos e antigos para evitar as incapacidades físicas conseqüentes do agravo.

hanseníase; capacitação em serviço; enfermagem em saúde pública; equipe de enfermagem


The main problems caused by leprosy are physical incapacities. This study evaluated the level of patients' incapacity in treatment and in discharge in 11 municipal districts of the14th Regional of Health of Paraná, at the same time it promoted discussion and qualified nursing professionals of local teams. It was verified that 79.8% of the population evaluated presented some degree of incapacity and that some of the professionals ignored the evaluation technique. The percentage of patients with incapacity levels I and II was high, fact that corroborates the late diagnosis of cases. The need of a permanent self-care process associated to polichemotherapy and continuous evaluation of new and old cases in order to avoid the illness physical incapacities is highlighted.

leprosy; inservice training; public health nursing; nursing, team


Los principales problemas originados de la lepra son las inhabilidades. El actual estudio evaluó el grado de incapacidad de los pacientes en tratamiento y los que ya habían sido curados en 11 ciudades de la 14ª Regional de la Salud de Paraná, Brasil. Al mismo tiempo, promovió discusión y capacitación de los profesionales de enfermería de los equipos locales. Fue verificado que el 79,8% de la población evaluada presentó cierto grado de incapacidad y que los profesionales no conocían la técnica de evaluación. Era alto el porcentaje de pacientes con grado de incapacidad I e II, hecho que comprueba la diagnosis retrasada de los casos. Se destaca la necesidad de un proceso permanente de autocuidado, asociado a la poliquimioterapia y la evaluación continua de los casos nuevos y viejos para prevenir las inhabilidades consiguientes de la enfermedad.

lepra; capacitación en servicio; enfermería en salud pública; equipo de enfermería


ARTIGOS ORIGINAIS

Avaliação do grau de incapacidade em hanseníase: uma estratégia para sensibilização e capacitação da equipe de enfermagem

Reinaldo Antonio da Silva SobrinhoI; Thais Aidar de Freitas MathiasII; Eunice Alves GomesIII; Patrícia Barbosa LincolnIV

IProfessor, Mestre em enfermagem, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil, e-mail: reisobrinho@unioeste.com.br

IIDoutor em Saúde Pública, Professor da Universidade Estadual de Maringá, Brasil

IIIAssistente Social, Sanitarista da 14ª Regional de Saúde de Paranavaí, Brasil

IVEnfermeira do Programa Saúde da Família, da Prefeitura Municipal de Querência do Norte, Brasil

RESUMO

Os principais problemas decorrentes da hanseníase são as incapacidades físicas. O presente estudo avaliou o grau de incapacidade dos pacientes em tratamento e em alta, em 11 municípios da 14ª Regional de Saúde do Paraná, ao mesmo tempo em que promoveu discussão e capacitou os profissionais de enfermagem das equipes locais. Verificou-se que 79,8% da população avaliada apresentava algum grau de incapacidade e que parte dos profissionais desconhecia a técnica de avaliação. Foi grande a porcentagem de pacientes com grau de incapacidade I e II, fato que corrobora o diagnóstico tardio dos casos. Destaca-se a necessidade de permanente processo de autocuidado, associado à poliquimioterapia e avaliação contínua dos casos novos e antigos para evitar as incapacidades físicas conseqüentes do agravo.

Descritores: hanseníase; capacitação em serviço; enfermagem em saúde pública; equipe de enfermagem

INTRODUÇÃO

A hanseníase é moléstia infecto-contagiosa, causada pelo Mycobacterium leprae, com tropismo pelos nervos periféricos. O acometimento dos nervos é reconhecidamente capaz de conduzir a dano neural, alteração da função sensitiva e/ou motora(1). A condição de doença crônica da hanseníase é expressa pela localização intracelular obrigatória do bacilo no sistema mononuclear, esse a cada 12 a 21 dias faz divisão binária(2).

Um caso de hanseníase pode ser definido quando o indivíduo apresenta uma ou mais das seguintes características clínicas: lesão ou lesões de pele com alteração da sensibilidade, baciloscopia positiva ou acometimento de tronco nervoso com espessamento neural(3).

Considerando a distribuição espacial da hanseníase, descobriu-se tratar de agravo endêmico em países em desenvolvimento, correlacionado às condições socioeconômicas, culturais, de escolaridade, acesso a informações e essencialmente aos serviços de saúde. A doença é uma ameaça à vida individual e coletiva.

As características da hanseníase, como as deformidades, causavam temores entre as populações medievais(4). Desde aqueles tempos encontra-se registros de sinais da doença como nódulos, mutilação, mão em garra e queda de cabelo. A hanseníase, quando não diagnosticada e tratada oportunamente, acaba evoluindo para incapacidades e deformidades físicas, as quais levam à diminuição da capacidade de trabalho, limitação da vida social e problemas psicológicos(5). O grau de incapacidade é determinado a partir da avaliação neurológica dos olhos, mãos/pés e tem seu resultado expresso em valores que variam de 0 (zero) a II (dois)(6). A avaliação e registro das incapacidades são atividades primordiais para a educação e promoção do autocuidado, visando evitar a instalação de incapacidades pós-alta. O acometimento neural ocorre em todas as formas da hanseníase(1).

A capacitação da equipe de saúde na avaliação do grau de incapacidade deve ser direcionada, principalmente, a profissionais da rede básica de saúde, pois a proposta do Ministério da Saúde é subsidiar a descentralização do diagnóstico e tratamento para toda a rede básica(7).

Em estudo realizado em Buriticupu, MA, observou-se que a falta de pessoal qualificado para realizar a avaliação do grau de incapacidade causa dificuldades na atenção ao paciente, sugerindo necessidade de capacitação dos profissionais envolvidos no programa para a correta avaliação do grau de incapacidades físicas(8). Além disso, a aplicação de técnicas básicas para a prevenção das incapacidades é primordial nas unidades básicas de saúde, devido à sua ampla rede no território nacional, sendo importantes armas para o combate à principal causa do estigma social da doença(9). A ausência de capacitação técnica da equipe de saúde pode ser uma das causas de falhas na suspeição da hanseníase, no acompanhamento de efeitos adversos e na realização de exames complementares(10). Ademais, a aplicação das técnicas básicas é essencial também porque nem sempre os trabalhadores de saúde estão atentos para diagnosticar e avaliar o grau de incapacidade física, prevenindo, assim, as seqüelas da doença.

Outro fato que merece destaque é que, no Brasil, a hanseníase e suas complicações ainda são desafios para a saúde pública, visto que Estados como Mato Grosso, Tocantins e Espírito Santo apresentaram coeficiente de prevalência de 21,51, 18,60 e 4,90 casos(11) por 10000 habitantes respectivamente, em 2003. Embora o Estado do Paraná apresente prevalência de 2,34 casos por 10000 habitantes no mesmo período (inferior a Estados de outras Regiões), ainda não atingiu a meta de eliminação estipulada pela OMS, que é 1 caso para cada 10.000 habitantes. Além disso possui a maior prevalência entre os Estados da Região Sul, pois a prevalência no Rio Grande do Sul foi de 0,31 casos para 10000 habitantes e em Santa Catarina, 1,28 casos por 10000 habitantes para o ano 2003 e, quando se observa a prevalência por microrregiões, encontra-se altos percentuais como o da 14ª Regional de Saúde do Paraná, com 4,83 casos por 10000 habitantes(11).

Salienta-se que todas as formas clínicas da hanseníase podem causar incapacidades físicas e, conforme o Ministério da Saúde, todos os casos novos devem ser avaliados no início do tratamento e no momento da alta(9). As afirmações anteriores levaram à proposição do presente trabalho, além disso, a necessidade de classificação do grau de incapacidade física em função das deformidades que podem ser geradas pela hanseníase motivou a capacitação dos profissionais de enfermagem para que avaliem o grau de incapacidade em pacientes, inscritos e em alta do programa.

Nesse sentido foi objetivo deste estudo, avaliar o grau de incapacidade em pessoas inscritas, ou em alta, no Programa Nacional de Controle da Hanseníase do Ministério da Saúde, residentes em municípios da 14ª Regional de Saúde do Paraná, e utilizar essa atividade como estratégia para sensibilizar e capacitar os profissionais de enfermagem para intervir no processo de atenção à pessoa atingida pela hansenías,e com o propósito de prevenir incapacidades físicas e promover o autocuidado. Essa ação foi integradora das atividades de controle e eliminação da hanseníase, que foi proposta e coordenada pela Secretaria Estadual de Saúde do Paraná.

MÉTODO

A 14ª Regional de Saúde é uma das regiões político-administrativas da Secretaria Estadual de Saúde, PR, composta por 28 municípios, com aproximadamente 328 mil habitantes, com sede localizada na cidade de Paranavaí, PR. Essa cidade situa-se no noroeste do Paraná, a cerca de 540 km da capital do Estado, possuindo 78693 mil habitantes(12), com economia fundamentada na avicultura, mandiocultura e citricultura, constituindo pólo regional econômico e de saúde. A cidade possui dois hospitais, um presta serviços de alta complexidade, NIS central, dez unidades básicas de saúde (UBS), o Consórcio Regional de Especialidades, hemonúcleo, clínica de hemodiálise e radiológica e laboratórios de bioanálise.

Para a avaliação das incapacidades físicas e capacitação da equipe de saúde, foram escolhidos 11 municípios da 14ª Regional com maior taxa de detecção da hanseníase. O grau de incapacidade foi analisado segundo sexo, idade e situação de registro no programa.

A avaliação das funções neurais, complicações do paciente e as orientações de autocuidado bem como a classificação do grau de incapacidade física foram executadas de acordo com as normas do Ministério da Saúde(3), que utiliza os seguintes critérios: grau 0 (zero), quando não há comprometimento neural nos olhos, nas mãos ou pés; grau I (um), que corresponde à diminuição ou perda de sensibilidade e grau II (dois), que indica a presença de incapacidades e deformidades do tipo lagoftalmo, garras, reabsorção óssea, mãos e pés caídos, entre outros(9).

O trabalho de avaliação das pessoas quanto ao grau de incapacidade, em cada um dos 11 municípios, foi feito em conjunto com as equipes de saúde locais para sensibilização, treinamento e orientação na execução das atividades de prevenção de incapacidades, com intuito de reorientar as estratégias e modos de cuidar, tratar e acompanhar a saúde individual e coletiva(13).

Participaram, como organizadores da atividade e orientadores/treinadores, um representante da 14ª Regional de Saúde do Paraná, um enfermeiro docente do Curso de Enfermagem da Faculdade Intermunicipal do Noroeste do Paraná (Facinor), um auxiliar de enfermagem da Secretaria Municipal de Saúde de Loanda, PR, além da participação de alunos do curso de enfermagem da Facinor. Participaram como treinandos 13 enfermeiros e 20 auxiliares de enfermagem. As atividades foram executadas nos meses de novembro e dezembro de 2003.

As visitas foram agendadas em cada município e as equipes de enfermagem locais reuniram os pacientes para participarem da ação. A equipe avaliou, individualmente, cada paciente em seu município paranaense de origem, sendo de Inajá (11) pacientes, Loanda (19), Marilena (8), Paranavaí (18), Porto Rico (3), Querência do Norte (15), Santa Cruz de Monte Castelo (5), Santa Mônica (5), Santo Antônio do Caiuá (6), Tamboara (4) e de Terra Rica (5), num total de 99 pacientes.

A capacitação das equipes de enfermagem dos municípios foi realizada por meio da demonstração dos passos da avaliação de incapacidades nos pacientes. A intenção foi realizar a consulta com a presença dos profissionais locais dentro do consultório, pois assim ocorreria a integração do paciente com a equipe de trabalho e com os profissionais de enfermagem locais, identificando os problemas, indicando tratamento específico e reafirmando as responsabilidades desses para com os pacientes, incentivando-os a dar continuidade no tratamento. Procurou-se desvelar a técnica, as particularidades do roteiro de inspeção, o uso correto de instrumentos simples necessários para o procedimento, a sensibilização quanto à importância e necessidade da intervenção, procurando proporcionar conhecimento para a aquisição de habilidades mediante a atitude ao avaliar os pacientes no momento do diagnóstico, na alta e periodicamente após a alta. Tratou-se de estratégia pontual para capacitação dos profissionais, não podendo ser configurada como um processo de educação continuada devido à sua duração temporal(14).

O estudo foi submetido à aprovação do comitê de Ética da Universidade Estadual de Maringá, PR, respeitando-se as normas estabelecidas na Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Para tanto, foi solicitado o consentimento por escrito das pessoas evolvidas, após as devidas informações sobre a pesquisa.

RESULTADOS

Das 99 pessoas avaliadas, 66,7% eram do sexo masculino, 61,6% estavam em tratamento e 38,3% em alta do Programa Nacional de Controle da Hanseníase. A faixa de idade mais freqüente foi a de 50 anos e mais (52,5%), vindo em seguida a faixa de 20 a 49 anos, com 38,4% dos pacientes avaliados (Tabelas 1 e 2). A pessoa mais jovem tinha 10 anos e a mais idosa 87 anos de idade.

Em relação ao grau de incapacidade, 20,2% foram classificados com grau 0, 41,4% como grau I e 38,4% como grau II de incapacidade física. Estavam com grau máximo de incapacidade 34,4% das pessoas em tratamento e 44,7% das que já tinham obtido alta do programa (Tabela 1). Chamou atenção o fato de que, entre as 99 pessoas avaliadas, 86 (87%) ainda não haviam sido avaliadas anteriormente.

DISCUSSÃO

Neste trabalho, assim como descrito em outros estudos(10,15), foi encontrado percentual importante de casos acometendo pessoas em fase produtiva de vida e, a grande maioria (79,8%) apresentou grau de incapacidade I ou II (Tabela 2). Durante a realização da avaliação, observou-se, principalmente em pacientes em alta, número relevante de seqüelas em membros inferiores (dados não mostrados), especialmente nos pés, como ressecamentos, fissuras, garras, perdas extensas de sensibilidade, mal perfurante plantar, reabsorção, pé caído e mutilação. Essas informações indicam dificuldades do serviço na estratégia de controle da hanseníase e suas complicações na região estudada, demonstrando diagnóstico tardio dos casos, devido à presença de seqüelas incapacitantes(8).

Os resultados deste estudo são semelhantes àqueles encontrados em pesquisa realizada em Buriticupu, MA, onde foi concluído que, ao final do tratamento preconizado pelo Ministério da Saúde, a maioria dos casos não tinha sido avaliada(8).

Uma conduta que pode prevenir e até reverter seqüelas físicas é a avaliação de incapacidades no início do tratamento, pois, se o paciente apresentar nervos acometidos, os riscos de desenvolver incapacidades são maiores. Portanto, os programas de controle da hanseníase devem ser criteriosos na avaliação inicial(1).

Das 99 pessoas avaliadas, 5 tinham menos de 15 anos de idade (Tabela 2). O aparecimento de doentes jovens demonstra continuidade no processo de transmissão da doença, sendo essa uma variável que indica área com reservatórios não diagnosticados(5,10).

São registrados por ano no Brasil cerca de 3000 casos novos de hanseníase em crianças com até 14 anos de idade, no Estado do Paraná. No ano 2004, para cada 100 adultos diagnosticados quatro casos eram em crianças(16). A taxa de detecção entre menores de 15 anos, em estudo realizado no Vale do Jequitinhonha MG, foi de 2,12/10.000 habitantes em 1998, e 1,98/10.000 habitantes em 2002, considerada alta para a faixa etária. A taxa de detecção na população em menores de 15 anos, praticamente acompanha a detecção geral da doença(5).

Até 1920, o principal controle da hanseníase consistia em isolar os doentes da população sadia. Em 1926, o então Governador do Estado do Paraná assinou decreto para regulamentar o isolamento compulsório e o regulamento do Leprosário São Roque. Somente em 1957, no noroeste do Paraná, especificamente na cidade de Maringá, foi criado o primeiro ambulatório de atendimento ao hanseniano, que fazia parte da antiga Divisão Nacional da Lepra(17). Atualmente, a política nacional de controle da hanseníase prioriza como meta sua eliminação como um problema de saúde pública, sendo necessário diminuir a prevalência para um ou menos de um caso para cada grupo de 10.000 habitantes. Para que isso aconteça, é imprescindível a realização de diagnóstico precoce dos casos, evitando, assim, além da transmissão, as incapacidades físicas. É também prioridade a avaliação das incapacidades físicas, atenção especial ao diagnóstico de casos em menores de 14 anos e a capacitação dos trabalhadores de saúde, tomando como referência as necessidades de saúde das populações, objetivando a transformação das práticas profissionais(13).

O Programa Nacional de Controle da Hanseníase inclui várias ações fundamentais, entre elas a prevenção e a redução de danos físicos e a educação em saúde, sendo a sua programação de responsabilidade de todos os níveis: local, municipal, estadual e federal, devendo também ser fundamentado em indicadores epidemiológicos(3).

Quanto aos profissionais treinados, observou-se boa incorporação das informações, sensibilização ao problema e capacidade técnica para executarem os cuidados frente aos pacientes de suas áreas de abrangência, como é determinação do Ministério da Saúde na busca da atenção integral, tendo como estratégia a atenção básica(13).

A capacitação é um processo contínuo, no entanto, a rotatividade do pessoal de saúde com ênfase aos do Programa de Saúde da Família é agravante na continuidade da assistência ao paciente com hanseníase. Para suprir essa dificuldade, uma boa estratégia adotada pelo estado do Rio de Janeiro foi à capacitação de instrutores permanentes e de multiplicadores do conhecimento(7). É preciso destacar, ainda, que os profissionais que realizam cursos de especialização ou aperfeiçoamento passam a compreender com mais profundidade a importância do processo de educação permanente(18), que é estratégico para a educação e aprendizagem dos trabalhadores na organização do processo de trabalho na enfermagem(19).

Pode-se concluir que a avaliação e a prevenção das incapacidades físicas não podem ser ações dissociadas do tratamento poliquimioterápico, pois, essa ação, juntamente com outras intervenções específicas, mostram a magnitude do controle da hanseníase.

Durante a avaliação dos pacientes, juntamente com a equipe de enfermagem em cada município, observou-se que muitos profissionais desconheciam a técnica de avaliação e classificação do grau de incapacidade e a sua importância como estratégia de prevenção, fato evidenciado pela pouca quantidade de pacientes avaliados pelos serviços locais de saúde e o relevante número de seqüelados.

Foi detectado que um município ainda não havia descentralizado o diagnóstico e tratamento da hanseníase para as UBS, para isso usavam o centro de referência para atender seus pacientes. Semelhantemente, em quatro municípios pesquisados em Mato Grosso, em 1997, somente um realizava a avaliação do grau de incapacidade física e os pacientes que buscavam a assistência, em sua maioria, eram aqueles que já possuíam alguma seqüela da doença(15).

Diante disso, faz-se necessário um trabalho de educação permanente junto aos municípios, que é o espaço onde se concretiza a maior parte das ações de saúde e de trabalho das equipes de saúde(13), para promover discussões e verificar a adesão dos profissionais treinados para executar a avaliação e classificação do grau de incapacidade física de seus respectivos pacientes, como atividade de rotina. É fundamental a avaliação do grau de incapacidade dos casos novos através do exame dermatoneurológico, pois o paciente pode apresentar nervos periféricos afetados ou incapacidade física no momento do diagnóstico(1).

As atividades de promoção em saúde devem ser iniciadas no momento de inserção do paciente ao tratamento e todos os profissionais da equipe devem estar aptos a receber o portador de necessidades com uma visão global, holística, com linguagem esclarecedora e que reforce ou reformule seus conhecimentos. Nessa lógica, a enfermagem ocupa destaque indiscutível, já que a ela está destinado o cuidado holístico, que é o foco da enfermagem. O condicionante técnico, a realização de procedimentos e o cognitivo são parte do cuidar, mas esses não devem se constituir em mera tarefa ou serem prestados mecanicamente(20).

Ao realizar as atividades de avaliação do grau de incapacidade, cada passo deve ser meticulosamente informado, discutido e esclarecido ao paciente, pois o objetivo é que ele aprenda as técnicas simples de prevenção das incapacidades e que essas possam ser repetidas em casa diariamente, evitando, desse modo, as seqüelas. Agindo assim, o paciente passa a adquirir o conhecimento, a habilidade e o apoio profissional adequado, além do estímulo ao autocuidado. O processo de educação em saúde, destinado às pessoas portadoras de doenças crônicas, pode facilitar não apenas o aprendizado para promoção dos cuidados de saúde, mas também incentiva novas práticas de relacionamento social.

O modelo PRECEDE (Preceding, Reinforcing, Enabling Causes in Educational Diagnosis And Evaluation) aponta a complexidade do autocuidado que em um primeiro momento pode parecer simples. Esse modelo demonstra os fatores que facilitam ou impedem a realização adequada do autocuidado, pois, muitas vezes, esses são banalizados pelos profissionais de saúde(6).

O sucesso da estratégia de eliminação da hanseníase e de outras doenças transmissíveis consiste em equipar os serviços de saúde e, mais ainda, preparar os profissionais para transformar o quadro epidemiológico dessas doenças no país, proporcionando-lhes capacitação, utilizando técnicas de interação teoria-prática, ensino, serviço e comunidade como instrumento metodológico eficiente. E para isso é necessário a descentralização e disseminação da capacidade pedagógica por "dentro do serviço de saúde", isto é, entre os trabalhadores, gestores e formadores com o controle social em saúde-educação permanente em saúde(21).

Para que o Brasil consiga eliminar a doença como um problema de saúde pública, os serviços de saúde precisam de profissionais com capacidade de trabalhar em equipe, interagindo com pessoas e segmentos sociais, captando e processando informações por meio da comunicação, além de aplicar suas habilidades e competências no exercício diário do seu trabalho(6,22). Finalmente, para que o enfermeiro desenvolva treinamentos com a equipe de enfermagem, além da estratégia pedagógica, abordagem científica e técnica, outros determinantes contextuais são necessários, entre eles, a ética, a humanização.

AGRADECIMENTOS

À Coordenação Estadual e Regional de Controle e Eliminação da Hanseníase do Estado do Paraná e à ONG-NLR Nethelands Leprosy Relief - Amsterdan, Holanda.

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    Reinaldo Antonio da Silva SobrinhoI; Thais Aidar de Freitas MathiasII; Eunice Alves GomesIII; Patrícia Barbosa LincolnIV
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Recebido
      25 Set 2006
    • Aceito
      15 Set 2007
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