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A dor e o desafio da interdisciplinaridade no cuidado à criança

Resumos

Tendo em vista as múltiplas dimensões que envolvem o fenômeno da dor da criança e do adolescente com câncer, este trabalho objetivou apresentar reflexão sobre a prática interdisciplinar como recurso para o cuidado dessa clientela. Foram enfocados aspectos relativos à necessidade dessa prática no contexto explicitado e os desafios para sua implementação. Essas reflexões trazem subsídios que permitem reconhecer que a articulação dos diversos saberes, em torno de um projeto comum, é essencial para que sejam contempladas as múltiplas dimensões que compõem o cuidado à criança e ao adolescente com câncer, em situações de dor. Todavia, é necessário que essas articulações não sejam somente teóricas, mas construídas pelos profissionais envolvidos.

dor; neoplasias; criança; adolescente; equipe de assistência ao paciente


In the light of the multiple dimensions involving the phenomenon of pain in children and adolescents with cancer, this study aimed to present a reflection on interdisciplinary practice as a healthcare resource for these patients. The study focused on the aspects related to the need for this practice in the aforementioned context and the challenges of its implementation. These reflections support the acknowledgement that the articulation among several aspects of knowledge in a common project is essential to contemplate the multiple dimensions that compose healthcare forchildren and adolescents with cancer in pain situations. However, these articulations should not only be theoretical, but also built by the professionals involved in this practice.

pain; neoplasms; child; adolescent; patient care team


Teniendo en consideración múltiples dimensiones que involucran el fenómeno dolor en el niño y adolescente con cáncer, este trabajo tuvo por objetivo presentar una reflexión sobre la práctica interdisciplinaria como un recurso para el cuidado de estos clientes. Serán enfocados aspectos relacionados con la necesidad de esa práctica dentro de un contexto explicito y los retos para su implementación. Esas reflexiones brindan subsidios que permiten reconocer que la articulación de los diversos conocimientos en torno a un proyecto común es esencial para ue sean consideradas sus múltiples dimensiones, las que componen el cuidado al niño y al adolescente con cáncer en situaciones de dolor. Es necesario que esas articulaciones no sean apenas teóricas, sino también construidas por los profesionales involucrados.

dolor; neoplasias; niño; adolescente; grupo de atención al paciente


ARTIGO TEÓRICO

A dor e o desafio da interdisciplinaridade no cuidado à criança

Maria José MenossiI; Regina Aparecida Garcia de LimaII; Adriana Katia CorrêaIII

IEnfermeira, Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Brasil; Doutoranda, e-mail: mjmenossi@uol.com.br

IIProfessor Associado, e-mail: limare@eerp.usp.br

III Professor Doutor, e-mail: adricor@eerp.usp.br. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Brasil

RESUMO

Tendo em vista as múltiplas dimensões que envolvem o fenômeno da dor da criança e do adolescente com câncer, este trabalho objetivou apresentar reflexão sobre a prática interdisciplinar como recurso para o cuidado dessa clientela. Foram enfocados aspectos relativos à necessidade dessa prática no contexto explicitado e os desafios para sua implementação. Essas reflexões trazem subsídios que permitem reconhecer que a articulação dos diversos saberes, em torno de um projeto comum, é essencial para que sejam contempladas as múltiplas dimensões que compõem o cuidado à criança e ao adolescente com câncer, em situações de dor. Todavia, é necessário que essas articulações não sejam somente teóricas, mas construídas pelos profissionais envolvidos.

Descritores: dor; neoplasias; criança; adolescente; equipe de assistência ao paciente

A DOR NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE COM CÂNCER

O câncer é um problema de saúde, com largas variações geográficas em sua incidência. Dados apresentados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), referindo-se a estudos epidemiológicos, indicam que em um milhão de crianças com idade entre 0-14 anos, aproximadamente 130 desenvolvem câncer a cada ano, sendo que são estimados 7 mil casos novos anualmente. Nos países desenvolvidos, o câncer é a principal causa de morte por doença em crianças de 01 a 14 anos. Aproximadamente 67% dessas crianças podem ser curadas se o diagnóstico for precoce e a doença adequadamente tratada, embora a cura dependa do tipo específico de câncer. Nos países em desenvolvimento, no entanto, a doença geralmente está avançada na época do diagnóstico e a terapêutica curativa freqüentemente não é possível, sendo a ênfase do tratamento dirigida aos cuidados paliativos(1).

A maioria dos registros de câncer, no Brasil, tem seus dados apresentados por categorias de idade com intervalos de cinco anos e por localização primária do tumor, formato esse que se mostra inadequado para a área infantil, já que, exceto pelos tumores do Sistema Nervoso Central (SNC), os tumores da criança são classificados por tipo cito ou histopatológico e não pela topografia do tumor primário. Além disso, há significativas variações nas taxas específicas por idade, ano a ano, sendo que muitos padrões demográficos infantis podem não se expressar, utilizando intervalos de tempo tão longos(2).

Estudos realizados em centros específicos para o tratamento da dor em países desenvolvidos indicam que todas as crianças com câncer experienciam dor relacionada 'a sua doença ou ao tratamento e mais de 70% delas, em algum momento, apresentam dor severa. Embora exista a preocupação com o alívio da dor, ela freqüentemente não é reconhecida ou, quando reconhecida, pode ser tratada de modo inadequado, mesmo com recursos suficientes disponíveis(1).

A dor foi definida pela Associação Internacional para Estudos da Dor (IASP) como "uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada com lesões teciduais reais ou potenciais ou descrita em termos de tais lesões"(1).

Cada indivíduo utiliza o termo dor relacionando-o a experiências traumáticas vivenciadas. Ela é sempre subjetiva, uma sensação em uma parte ou partes do corpo, mas é sempre desagradável e, conseqüentemente, uma experiência emocional(1,3).

Cada indivíduo vivencia a experiência dolorosa de uma forma, levando-se em conta vários fatores: a história de vida do indivíduo, seu contexto sócio-cultural, tipo de personalidade e situação do momento. Expressar a dor ou negá-la será conseqüência dessas peculiaridades(4-5). Na situação dolorosa, portanto, além dos componentes orgânico-funcionais, estão presentes também outros de ordem social, cultural, bem como aqueles de natureza íntima relacionados ao modo como cada indivíduo, em sua singularidade, vivencia essa situação específica.

Considerando todos esses fatores envolvidos na experiência dolorosa, podemos perceber que o atendimento à dor não é uma tarefa fácil e quando falamos em dor oncológica em crianças e adolescentes, esses aspectos se tornam ainda mais presentes(3).

Esta visão ampliada da dor foi advogada por Dra. Cicely Saunders, ao atribuir um significado não apenas físico à dor do câncer, mas também emocional, social e espiritual, associados às dimensões de dor financeira, interpessoal, mental, dor da família e da equipe de saúde. Argumenta, ainda, que a linguagem humana é limitada e falha para descrever as inúmeras possibilidades e paradoxos inerentes ao impacto que a dor gera no comportamento do paciente, familiares e profissionais de saúde na evolução da doença, mas o termo "dor total" pode ser utilizado didaticamente para nos sensibilizar quanto às mais variadas fontes que podem ser relacionadas à dor no câncer(6).

Nesse sentido, além de aspectos objetivos que devem ser avaliados, é necessária a compreensão de outros dados contextuais que envolvem o paciente com câncer para a realização de uma avaliação que possa traçar as diretrizes para abordagens terapêuticas eficientes.

Em crianças e adolescentes com câncer, a dor pode ser causada pelo próprio tumor (que pode estar afetando tecidos moles, ossos, vísceras, sistema nervoso central ou sistema nervoso periférico, incluindo compressão da medula espinhal), pelo tratamento do tumor (dor pós-operatória, dermatite induzida pela radioterapia, gastrite por vômitos repetitivos, cefaléia persistente pós-punção lombar, alterações ósseas induzidas por corticóides, neuropatia de origem medicamentosa, infecções, mucosite), pelos procedimentos (punções venosas, punção lombar, biópsia de medula óssea) além de fatores incidentais como traumatismos e dores comuns na infância(1,7-9), além de ser potencializada pelo medo, ansiedade e incerteza.

Tendo em vista as múltiplas dimensões que envolvem a dor da criança e do adolescente com câncer, o desafio de construir uma prática interdisciplinar mostra-se fundamental. Cabe considerar que essa construção é relevante no atual contexto de saúde, uma vez que a construção do cuidado integral é um dos princípios fundamentais do Sistema Único de Saúde, tanto no que se refere à organização integrada dos serviços, em seus distintos níveis de atenção, como à perspectiva de compreender o homem como sujeito cujas dimensões biológica, psicológica, social, cultural articulam-se, não sendo possível separa-las com limites estanques e rígidos.

Nesse contexto, a prática interdisciplinar mostra-se como recurso que pode permitir a construção da integralidade em saúde, especificamente, neste estudo, a construção do cuidado integral à criança e ao adolescente com câncer em situação dolorosa.

Dessa forma, o objetivo deste estudo é apresentar uma reflexão sobre a prática interdisciplinar como recurso para o cuidado dessa clientela. Tal reflexão é parte de outro estudo(10) que teve como objetivo descrever e analisar as vivências de profissionais de saúde no cuidado à criança e ao adolescente com câncer, em situação de dor, durante o processo de hospitalização, na perspectiva da complexidade.

A CONSTRUÇÃO DE UM CUIDADO INTERDISCIPLINAR À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE EM SITUAÇÕES DE DOR NA PERSPECTIVA DO PENSAMENTO COMPLEXO

Com o objetivo de refletir teoricamente sobre a construção do cuidado integral à criança e ao adolescente com câncer, em situação de dor, buscamos fundamentação em algumas idéias acerca do Pensamento Complexo conforme enfocado por Edgar Morin(11-12).

Edgard Morin, nascido na França, em 1921, reconhecido mundialmente nos meios acadêmicos e científicos como um dos pensadores mais importantes da atualidade, tem se dedicado, entre outros temas, à investigação e sistematização de uma epistemologia da complexidade. O autor desenvolve a idéia da necessidade de um modo de pensamento complexo para a construção de um conhecimento multidimensional, em consonância com a complexidade da realidade. Propõe uma reforma no pensamento, no sentido de integrar a humanidade e o cosmos, em uma visão que não seja reducionista, mas totalizadora, considerando as qualidades das partes e do todo simultaneamente, bem como as suas relações(13).

Assim, consideramos a problemática da dor da criança e do adolescente com câncer um fenômeno complexo, cuja compreensão necessita do olhar para as múltiplas dimensões que o compõe e, é este o desafio proposto pelo Paradigma da Complexidade "dar conta dos caracteres multidimensionais de toda realidade estudada"(12).

A construção do cuidado interdisciplinar à criança e ao adolescente com câncer em situação de dor envolve considerar a articulação de ações e saberes diferenciados dos profissionais atuantes no processo de trabalho em saúde e a dinâmica dos processos grupais que comporta também questões de ordem subjetiva.

O processo de trabalho em saúde apesar de organizado a partir da prática de distintos profissionais, é marcado pela determinação de ações, que, muitas vezes, mantém a lógica da fragmentação da criança e do adolescente a serem cuidados. A dimensão humana integral se perde em meio à desarticulação das chamadas dimensões biológica, psicológica e social. Cada uma dessas dimensões acaba sendo considerada como foco de um único profissional atuando em ações isoladas em momentos não concomitantes.

Isso também reflete a compreensão do processo saúde doença na lógica biologicista e, mesmo que tal compreensão seja ampliada para uma perspectiva integral, por exemplo, por novos processos formativos dos profissionais, nem sempre isso se traduzirá em ações cotidianas marcadas por um olhar ampliado. A dificuldade é transformar em ação coletiva conhecimentos já acumulados.

Concordamos que o estabelecimento de uma efetiva comunicação interdisciplinar não é somente uma questão de articulações teóricas, mas de articulação dos sujeitos envolvidos nessa prática(14).

Do que foi até então exposto, cabe considerar a necessidade de articulação de saberes e de construção de um projeto comum entre os profissionais.

Na perspectiva da complexidade, Edgar Morin propõe um método de articulação circular entre os diversos campos de saber, ressaltando a necessidade de contextualização do conhecimento, tanto físico quanto biológico, numa cultura, sociedade, história e humanidade. Cria-se assim a possibilidade de um circuito de comunicação entre as ciências, da qual poderá surgir a ciência transdisciplinar, por uma "circulação reflexiva", uma vez que o antropossocial remete ao biológico, que remete ao físico, que remete ao antropossocial(12,15).

Nesse sentido, é apontada a necessidade de uma reforma do pensamento que propicie a religação dos saberes, ressaltando a importância de um pensamento que compreenda que tanto o conhecimento do todo depende do conhecimento das partes, quanto o conhecimento das partes depende do conhecimento do todo; que possa reconhecer e examinar os fenômenos multidimensionais, sem isolar cada uma de suas dimensões de forma mutiladora e que possa respeitar a diferença ao mesmo tempo em que reconhece a unicidade: "É preciso substituir um pensamento que isola e separa por um pensamento que distingue e une. É preciso substituir um pensamento disjuntivo e redutor por um pensamento do complexo, no sentido originário do termo complexus: o que é tecido junto"(16).

Alguns autores(14,16-17) têm enfatizado a importância de superar o excessivo encastelamento das disciplinas, buscando modos alternativos de disciplinaridade que possam proporcionar múltiplos olhares aos problemas atuais.

Mais que uma questão conceitual dos termos inter-multi-poli-transdisciplinaridade, a noção de cooperação é essencial, isto é de construção de um projeto comum(16). Ou seja, pensando no que "é tecido junto", evidencia-se uma vez mais a necessidade de articulação de todos os profissionais envolvidos no atendimento às situações de dor da criança e do adolescente com câncer para que essa unidade de cuidado seja viabilizada por meio de um projeto comum, construído conjuntamente.

Nessa noção de projeto comum, as especialidades não são desconsideradas, mas cria-se a possibilidade de sua integração em torno de um campo comum. Neste caso, o cuidado à dor da criança e adolescente com câncer, envolve a articulação entre diferentes categorias profissionais (médico, enfermeiro, auxiliar e técnico de enfermagem, psicólogo, nutricionista, assistente social, fisioterapeuta) e entre profissionais de diferentes especialidades da mesma categoria profissional (pediatra, oncologista, cirurgião, neurologista e anestesiologista).

Retomando a questão da interdisciplinaridade, na perspectiva de construção de um projeto comum, cabe assinalar aqui a noção de visão compartilhada. Nessa concepção os indivíduos embora possuindo visões particulares a respeito de uma realidade mais ampla, compartilham a responsabilidade pelo todo e não apenas pela sua parte. O surgimento de visões compartilhadas é um processo demorado, exigindo conversas constantes nas quais haja abertura e disposição de se combinar uma diversidade de idéias, emergindo novas possibilidades de ação conjunta(18). Essa idéia coaduna com o princípio hologramático proposto por Edgar Morin(11-12).

Para exemplificá-la o autor também utiliza a metáfora do holograma, que mesmo dividido, cada parte mostra a imagem intacta do todo. Assim, se uma fotografia for cortada, cada parte somente mostrará um pedaço da imagem, mas se um holograma for dividido em diversas partes, cada uma delas mostrará a imagem do todo, embora de um ponto de vista diferente. Cada "pedaço" componente do holograma fornece um ângulo diferente da mesma imagem(18).

Para a concretização de uma proposta de trabalho pautada em um eixo interdisciplinar, emerge a noção de estratégia. Essa noção é oposta a de programa. Enquanto em um programa é pré-determinada uma seqüência de ações, cujo funcionamento depende de circunstâncias que permitem o seu cumprimento, a estratégia leva em consideração o inesperado, o novo, no sentido de modificar ou enriquecer sua ação. Dessa forma, se as circunstâncias são adversas o programa fracassa, uma estratégia, ao contrário, aproveita-se das novas circunstâncias para construir novos cenários(11).

Cabe ainda ressaltar que construir a interdisciplinaridade na perspectiva até aqui apontada, tendo em vista a articulação dos sujeitos, implica também em lidar com a complexidade das relações humanas que se desenvolvem na situação de trabalho grupal. Ao mesmo tempo em que o trabalho grupal pode ter significativo potencial criativo, é possível a emergência de processos que impedem a troca saudável de modos de pensar, ser e agir.

Os processos obstrutivos nos sistemas sociais, grupos e instituições relacionam-se, dentre outros aspectos, com a idéia de que o homem não apenas se agrupa para a defesa dos perigos naturais ou para garantia de sobrevivência, mas também para instrumentalizar o seu poder e domínio sobre os outros homens(19).

Assim, quando não são considerados os objetivos comuns, o sentido ampliado de estar junto com o outro em prol, no caso, do cuidado integral à criança e ao adolescente com câncer em situação de dor é inviabilizada a construção de um projeto coletivo.

Um projeto comum também demanda a necessidade de comprometimento da instituição no sentido de propiciar condições para a atuação interdisciplinar, criando espaços que promovam o diálogo entre os profissionais.

Dessa forma é necessário o investimento na constituição de equipes que tenham condições de compreender a complexidade que envolve o cuidado à criança e ao adolescente com câncer em situações de dor, não somente do ponto de vista teórico, mas no próprio processo do cuidado, ou seja, é preciso garantir a integralidade das ações durante todas as fases desse processo, por meio da articulação dos profissionais envolvidos, em cada momento: na avaliação da melhor terapêutica a ser instituída, considerando os diferentes componentes presentes na dor da clientela em questão, na avaliação da eficácia das ações implementadas e na indicação de modificações e introdução de novas ações.

Para que isso ocorra é essencial que haja uma valorização do trabalho coletivo por todos os membros da equipe, o que não significa negar as suas dificuldades, considerando a permanente interferência de questões de ordem interpessoal e social, já que as pessoas sempre se apresentam a partir de suas próprias idéias, valores, formação e espaços sociais.

Essas dificuldades implicam em conflitos que podem ser trabalhados no sentido de possibilitar a criação coletiva, ou negados, impossibilitando mudanças na organização do cuidado ou até mesmo a geração de um clima de trabalho insustentável. Isso revela que o trabalho em equipe tem que ser permanente construído e cuidado pelos próprios profissionais. Além disso, há de se considerar que lidar com o cuidado da criança e do adolescente com câncer em situação dolorosa pode trazer ao profissional sentimentos de angústia e impotência, tendo em vista a convivência cotidiana com os limites da existência humana. Assim, é fundamental a criação de uma estrutura de apoio para o cuidado com a própria equipe.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme aponta a OMS(1), atualmente a prioridade no cuidado de crianças e adolescentes com câncer em situações de dor diz respeito a aplicação do conhecimento já produzido na prática clínica. Para atingir esse objetivo, acreditamos que mais uma vez evidencia-se a necessidade de uma prática interdisciplinar.

Considerando a complexidade presente nos domínios da ação dos profissionais no cuidado à criança e ao adolescente com câncer, em situações de dor, repensar esse cuidado em uma visão global e integradora que permita a aplicação na prática clínica dos conhecimentos já produzidos, envolve o desenvolvimento de uma estratégia que, pautada na articulação dos diversos saberes dos profissionais envolvidos nesse cuidado, possa ser construída levando-se em conta o contexto em que esse se desenvolve e ser reconstruída a cada cenário novo ou imprevisto.

À primeira vista a construção da interdisciplinaridade para a prática do cuidado integral à criança e ao adolescente com câncer em situação dolorosa pode parecer uma utopia. Todavia, "... utopias costumam ser associadas a coisas impossíveis de se realizar, ou a desejos vãos. Por outro lado (...) são essenciais para alimentar a imaginação no caminho para a elaboração de projetos. Todos os seres humanos deveriam ter utopias, no sentido de serem capazes de imaginar um mundo que funcionasse de um modo mais adequado. Não o mundo pessoal de cada um de nós, mas a sociedade humana em sentido amplo"(20).

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Ago 2008
  • Data do Fascículo
    Jun 2008

Histórico

  • Recebido
    23 Abr 2007
  • Aceito
    28 Mar 2008
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