Acessibilidade / Reportar erro

Violência e profilaxia: os preventórios paulistas para filhos de portadores de hanseníase

Resumos

Esse artigo analisa como que a prática do isolamento compulsório dos pacientes de hanseníase no Estado de São Paulo contribuiu para que o estigma da hanseníase atingisse pessoas que nunca portaram a doença, como foi o caso das crianças sadias filhas de portadores de hanseníase. Discute como que os ideais eugênicos contribuíram para a formação de uma postura médica que, mesmo a revelia dos progressos científicos e das recomendações internacionais, perpetuaram medidas de discriminação e segregação dessas crianças. Demonstra como estas acabaram por se tornar portadoras de um "estigma congênito" que as acompanharia por toda a vida e como isto resultou na diminuição de possibilidades de vida, obrigando-as a esconder sua situação de internas ou egressas de Preventório se quisessem competir em igualdade de condições quando da procura de emprego ou no estabelecimento de relações sociais. Analisa ainda a vida dentro dos Preventórios, a separação da família e o quotidiano de centenas de vidas moldadas dentro de estruturas de controle, nas quais a violência e o arbítrio se faziam em nome de uma visão distorcida de profilaxia.

estigmatização; marginalidade; hanseníase; preventórios; políticas de saúde


This work analyses how the compulsory isolation practice of Hansen's disease patients in the State of São Paulo has contributed for the Hansen's stigma affecting people that never had the disease - the case of healthy children of Hansen's disease carriers. The present article discusses how eugenic ideals have contributed for the formation of a medical posture that even despite scientific advances and international recommendations has perpetuated discriminatory and segregational measures against these children. The paper shows how such children ended up by carrying life long "inborn stigma" that has resulted in the hindering of their life possibilities that made them hide their former condition of interns or egresses of preventive centers to compete in society under equal conditions for jobs and the establishment of social relations. It also analyses the life in the preventive centers, separation from the family and the daily life of hundreds of lives shaped within control structures where violence and arbitrariness were practiced in the name of a distorted view of prophylaxis.

stigmatization; marginality; hansen's disease; preventive centers; health policies


ARTIGOS

Violência e profilaxia: os preventórios paulistas para filhos de portadores de hanseníase* * Realizado com base em um dos capítulos da Tese de Doutorado "Da Maldição Divina a exclusão social: um estudo da Hanseníase em São Paulo". FFLCH/USP, 1995.

Yara Nogueira Monteiro

Mestre em História Social pela FFLCH/USP, Doutora em História Social pela FFLCH/USP, Pesquisadora Científica do Instituto de Saúde

RESUMO

Esse artigo analisa como que a prática do isolamento compulsório dos pacientes de hanseníase no Estado de São Paulo contribuiu para que o estigma da hanseníase atingisse pessoas que nunca portaram a doença, como foi o caso das crianças sadias filhas de portadores de hanseníase. Discute como que os ideais eugênicos contribuíram para a formação de uma postura médica que, mesmo a revelia dos progressos científicos e das recomendações internacionais, perpetuaram medidas de discriminação e segregação dessas crianças. Demonstra como estas acabaram por se tornar portadoras de um "estigma congênito" que as acompanharia por toda a vida e como isto resultou na diminuição de possibilidades de vida, obrigando-as a esconder sua situação de internas ou egressas de Preventório se quisessem competir em igualdade de condições quando da procura de emprego ou no estabelecimento de relações sociais. Analisa ainda a vida dentro dos Preventórios, a separação da família e o quotidiano de centenas de vidas moldadas dentro de estruturas de controle, nas quais a violência e o arbítrio se faziam em nome de uma visão distorcida de profilaxia.

Palavras-chave: estigmatização, marginalidade, hanseníase, preventórios, políticas de saúde

SUMMARY

This work analyses how the compulsory isolation practice of Hansen's disease patients in the State of São Paulo has contributed for the Hansen's stigma affecting people that never had the disease - the case of healthy children of Hansen's disease carriers. The present article discusses how eugenic ideals have contributed for the formation of a medical posture that even despite scientific advances and international recommendations has perpetuated discriminatory and segregational measures against these children. The paper shows how such children ended up by carrying life long "inborn stigma" that has resulted in the hindering of their life possibilities that made them hide their former condition of interns or egresses of preventive centers to compete in society under equal conditions for jobs and the establishment of social relations. It also analyses the life in the preventive centers, separation from the family and the daily life of hundreds of lives shaped within control structures where violence and arbitrariness were practiced in the name of a distorted view of prophylaxis.

Key works: stigmatization; marginality; hansen's disease; preventive centers; health policies

Texto completo disponível apenas em PDF.

Full text available only in PDF format.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALBUQUERQUE, J.A. Guillon: instituição e poder: a análise concreta das relações de poder nas instituições. 2ª.ed., Rio de Janeiro, Graal, 1986.

ARAUJO, H.C. Das relações entre as crianças internadas nos preventórios e seus pais, isolados ou não. Rev. Bras. Leprol.(1):10, 1942.

ATA da 235ª. Sessão Ordinária da Sociedade Paulista de Leprologia. Rev. Bras. Leprol., (1/4):23, 1955.

BARBOSA, R. Higiene escolar. In: Anais Congresso Médico Brasileiro, 9° São Paulo, 1925. Anais, vol 3, 1925.

BARROS, H. A creche Santa Terezinha no biênio 1941-1942. Rev. Bras. Leprol., 11:, 1943.

GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação de Identidade deteriorada.4ª. ed. Rio de Janeiro, Ed. Guanabara, 1988.

GOMIDE, L.R.S. Órfãos de pais vivos: a lepra e as instituições preventoriais no Brasil: estigmas, preconceitos, segregação. São Paulo, 1991. [Dissertação de Mestrado, FFLCH-USP]

LEMOS, F. Um problema de eugenia. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 10 de novembro de 1939.

MONTEIRO, Y.N. Da maldição divina a exclusão social: um estudo da hanseníase em São Paulo. São Paulo, 1995. [Tese de Doutoramento, FFLCH/USP]

REGULAMENTO interno dos preventórios. São Paulo, 1928.

SALOMÃO, A. Dados epidemiológicos sobre 725 crianças filhas de hansenianos fichadas no Preventório de São Tarcísio em treze anos de funcionamento. In: V Congresso Internacional de Lepra, 5o, 1948. Memória.

SCHECHTMAN, A. Psiquiatria e infância: um estudo histórico sobre o desenvolvimento da psiquiatria infantil no Brasil. Rio de Janeiro, 1981. [Dissertação de Mestrado -UERJ]

SOUZA ARAUJO, H.C. A lepra: estudos realizados em 40 países. Rio de Janeiro, Tipografia Osvaldo Cruz, 1929.

SOUZA CAMPOS, N. & BECHELLI, L. M. Organização e funcionamento de preventórios. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1948.

TIBIRIÇÁ, A.T.R. Como eu vejo o problema da lepra: e como me veem os que o querem manter. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1948.

Recebido em: 12/7/97

Aprovado em: 10/2/98

  • ALBUQUERQUE, J.A. Guillon: instituição e poder: a análise concreta das relações de poder nas instituições. 2Ş.ed., Rio de Janeiro, Graal, 1986.
  • ARAUJO, H.C. Das relações entre as crianças internadas nos preventórios e seus pais, isolados ou não. Rev. Bras. Leprol(1):10, 1942.
  • ATA da 235Ş. Sessão Ordinária da Sociedade Paulista de Leprologia. Rev. Bras. Leprol., (1/4):23, 1955.
  • BARBOSA, R. Higiene escolar. In: Anais Congresso Médico Brasileiro, 9° São Paulo, 1925. Anais, vol 3, 1925.
  • BARROS, H. A creche Santa Terezinha no biênio 1941-1942. Rev. Bras. Leprol., 11:, 1943.
  • GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação de Identidade deteriorada.4Ş. ed. Rio de Janeiro, Ed. Guanabara, 1988.
  • GOMIDE, L.R.S. Órfãos de pais vivos: a lepra e as instituições preventoriais no Brasil: estigmas, preconceitos, segregação. São Paulo, 1991. [Dissertação de Mestrado, FFLCH-USP]
  • LEMOS, F. Um problema de eugenia. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 10 de novembro de 1939.
  • MONTEIRO, Y.N. Da maldição divina a exclusão social: um estudo da hanseníase em São Paulo. São Paulo, 1995. [Tese de Doutoramento, FFLCH/USP]
  • REGULAMENTO interno dos preventórios. São Paulo, 1928.
  • SALOMÃO, A. Dados epidemiológicos sobre 725 crianças filhas de hansenianos fichadas no Preventório de São Tarcísio em treze anos de funcionamento. In: V Congresso Internacional de Lepra, 5o, 1948. Memória.
  • SCHECHTMAN, A. Psiquiatria e infância: um estudo histórico sobre o desenvolvimento da psiquiatria infantil no Brasil. Rio de Janeiro, 1981. [Dissertação de Mestrado -UERJ]
  • SOUZA ARAUJO, H.C. A lepra: estudos realizados em 40 países. Rio de Janeiro, Tipografia Osvaldo Cruz, 1929.
  • SOUZA CAMPOS, N. & BECHELLI, L. M. Organização e funcionamento de preventórios. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1948.
  • TIBIRIÇÁ, A.T.R. Como eu vejo o problema da lepra: e como me veem os que o querem manter. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1948.
  • *
    Realizado com base em um dos capítulos da Tese de Doutorado "Da Maldição Divina a exclusão social: um estudo da Hanseníase em São Paulo". FFLCH/USP, 1995.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Jun 2008
    • Data do Fascículo
      Jul 1998

    Histórico

    • Aceito
      10 Fev 1998
    • Recebido
      12 Jul 1997
    Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. Av. dr. Arnaldo, 715, Prédio da Biblioteca, 2º andar sala 2, 01246-904 São Paulo - SP - Brasil, Tel./Fax: +55 11 3061-7880 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: saudesoc@usp.br