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No que consiste a monitorização neurológica à beira do leito?

À BEIRA DO LEITO

EMERGÊNCIA E MEDICINA INTENSIVA

No que consiste a monitorização neurológica à beira do leito?

Ioannis M. Liontakis

A monitorização do paciente neurológico grave na UTI consiste em identificar, por meio do exame físico e dos equipamentos monitores invasivos sinais, que indiquem hipertensão intracraniana e diminuição de perfusão cerebral, que se não forem revertidas levam à morte cerebral.

A pressão intracraniana normal é 4 mmHg. Em situações de injúria cerebral como trauma ou isquemia, a maioria dos autores aceita como limite superior de pressão o valor de 20 mmHg. Valores acima disto podem levar a edemas com herniação, que é a protrusão de tecido cerebral através das tendas cerebrais (dobras de membrana de dura-mater que servem de sustentação ao parênquima cerebral). A herniação comprime tecidos e vasos adjacentes, podendo interromper a circulação local, levando à necrose. O tronco é área particularmente nobre, por regular a pressão, temperatura e freqüências respiratória e cardíaca e por conter o sistema reticular ativador ascendente, que regula o despertar e a capacidade de interação com o meio ambiente. É fundamental no paciente em coma determinar o grau de sofrimento do tronco.

A monitorização se inicia por um exame neurológico sucinto no qual se avaliam sinais que indicam compressão do tronco ou dos nervos cranianos adjacentes ao mesmo. Avaliamos o tamanho e a simetria das pupilas, bem como a sua reação à luz, que permitem inferir sobre compressões do terceiro e quarto nervos. Pupilas dilatadas e arreativas indicam lesão bilateral do tronco. Assimetria (anisocoria) indica lesão unilateral de tronco por herniação de porção do lobo temporal (uncus). A presença de posturas motoras anômalas decorticação (flexão de membros superiores e extensão de membros inferiores) e descerebração (extensão de membros superiores e inferiores) indica progressiva lesão de tronco. Estes sinais aparecem tardiamente, sendo insuficientes para permitir bons resultados.

A pressão intracraniana (PIC) pode ser medida diretamente por meio da introdução intracerebral de cateteres permeados com fluido ou de fibra óptica ligados a transdutor que permita medidas contínuas da PIC. O cateter permeado com fluido é barato e sensível, sendo colocado no ventrículo lateral, o que permite lenta drenagem de líquor, se a PIC for alta. Pode ser recalibrado. Apresenta alto índice de infecção, variando na literatura entre 7% e 40%. O cateter de fibra óptica pode ser deixado em parênquima ou ventrículo lateral, sendo sensível, porém mais caro e não permitindo drenagem de líquor nem recalibração. Os cateteres de PIC devem ser usados por no máximo cinco dias, sendo trocados se necessário.

O cateter no trauma de crânio está indicado se a tomografia computadorizada (TC) de crânio for alterada (presença de hematoma, contusão, edema ou compressão de cisternas basais) ou se a TC for normal e tivermos a presença de dois de três sinais propedêuticos (idade acima de 40 anos, PA sistólica < 90 mmHg ou postura motora anômala).

A PIC deve ser mantida abaixo de 20 mmHg por meio de sedação com propofol ou dormonid associados a fentanyl, hiperventilação leve (pCO2 em torno de 35 mmHg), uso de manitol (0,25-1,0 gr/kg) em bolus. Medidas adicionais como hiperventilação entre 30-50 mmHg ou sedação com barbitúricos solicitam o uso de monitorização metabólica.

A mensuração contínua da saturação de oxigênio por meio de cateter inserido na veia jugular, mantido na altura do bulbo, permite avaliar situações de isquemia em grande porção do hemisfério escolhido. Saturações abaixo de 55% indicam que o tecido está ávido por oxigênio, indicando isquemia de causa global (hipóxia, hipotensão ou anemia) ou cerebral (herniação).

A limitação do método é que, às vezes, fatores regionais podem ser ignorados (vasoespasmo, isquemia de pequeno segmento cerebral, contusão focal). Um monitor do tipo Vigilance produzido pela Edwards é necessário. O cateter tem diâmetro 4F (muito fino), sendo fixado com cuidado. Deve ser trocado após cinco dias.

A mensuração da tensão de oxigênio por meio de cateter intraparenquimatoso avalia a saturação da hemoglobina tecidual (valor normal de 40 mmHg), sendo necessário um monitor multimodal (Neurotrend produzido pela Camino). É um método sensível, podemos usar mais de um cateter em áreas íntegras e lesadas para comparação. É um excelente método para isquemia regional (AVCi, vasoespasmo, contusões pequenas). Pode ser usado no intra-operatório de cirurgia de aneurisma com clipagem temporária.

A microdiálise é um método que consiste na passagem intraparenquimatosa de um cateter de fino diâmetro (0,6 mm), que permite que seja infundida continuamente uma solução de ringer lactato, reabsorvida pelo próprio cateter. O líquido permite a coleta de lactato, piruvato, glicerol, glicose e glutamato. Uma relação lactato/piruvato aumentada (valor normal 23 +/- 4) indica isquemia tecidual.

Portanto, a avaliação do doente neurológico crítico se dá por exame neurológico associado a medidas de pressão e metabólicas.

Referências

1. De Georgia MA, Deongaokar A. Multimodal monitoring in the neurological intensive care unit. Neurologist 2005;11(1):45-54.

2. Vincent JL, Berré J. Primer on medical management of severe brain injury. Crit Care Med 2005;33(6):1392-9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Out 2005
  • Data do Fascículo
    Out 2005
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