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Tromboprofilaxia venosa em pacientes clínicos: análise de sua aplicação

Resumos

OBJETIVO: A tromboprofilaxia de rotina, a despeito de sua efetividade estar bem estabelecida e o tromboembolismo venoso ser uma condição potencialmente evitável, não se apresenta completamente consolidada na prática clínica. Os objetivos do presente estudo são: 1. Determinar a frequência da utilização da tromboprofilaxia e presença dos fatores de risco para tromboembolismo; 2. Verificar a adequação de sua utilização em pacientes clínicos internados, assumindo como parâmetro uma diretriz nacional estabelecida. MÉTODOS: Estudo retrospectivo transversal envolvendo pacientes internados por doenças clínicas em uma enfermaria geral de adultos de um hospital universitário. A análise foi baseada em diretriz definida. RESULTADOS: Foram incluídos 146 pacientes para análise. Destes, 94,5% possuíam pelo menos um fator de risco para tromboembolismo venoso. Em 130 (89%) pacientes havia indicação para uso de heparina profilática, sendo que em 73,3% dos casos estava prescrito algum tipo de heparina. Quanto à adequação da profilaxia, 53,4% das prescrições estavam corretas em relação à indicação e à dose da profilaxia; 24% apresentavam dose ou frequência incorretas; 19,2% não tinham prescrição de profilaxia, apesar de ela ser indicada; e em cinco casos (3,4%) o fármaco foi prescrito, apesar de não haver indicação. CONCLUSÃO: Existe subutilização da tromboprofilaxia nesta população, com inadequada dose prescrita em 50% dos casos. Portanto, estudos e intervenções futuros devem incluir um programa educacional que se inicie desde o atendimento em pronto-socorro, sendo essencial para aproximar a evidência à prática clínica.

Fatores de risco; Fidelidade a diretrizes; Heparina; Profilaxia; Tromboembolismo venoso


OBJECTIVE: Routine thromboprophylaxis, despite its well-known effectiveness and the fact that venous thromboembolism is a potentially avoidable condition, is not fully established in clinical practice. The objectives of the present study were to determine how often thromboprophylaxis is used and the presence of thromboembolism risk factors, and to verify the appropriateness of its use in medical inpatients, assuming a long-standing national guideline as a parameter. METHODS: This was a retrospective cross-sectional study, involving inpatients with medical conditions in the adult general ward of a university hospital. The review was based on a defined guideline. RESULTS: 146 patients were included in the review. At least one risk factor for venous thromboembolism was found in 94.5%. In 130 (89%) patients, prophylactic heparin was indicated, and some kind of heparin was prescribed in 73.3%. Regarding the adequacy of prophylaxis, 53.4% of prescriptions were correct regarding prophylaxis indication and dose; 24% had incorrect dose or frequency of use; 19.2% had no prophylaxis prescription, although it was indicated; and in five cases (3.4%), the drugwas prescribed, even though itwas not indicated. CONCLUSION: Thromboprophylaxis is underused in this population, and an inappropriate dose was prescribed in 50% of cases. Therefore, future studies and interventions should include an educational program started from the emergency department care, an essential step to bring evidence closer to clinical practice.

Risk factors; Guideline adherence; Heparin; Prophylaxis; Venous thromboembolism


ARTIGO ORIGINAL

Tromboprofilaxia venosa em pacientes clínicos: análise de sua aplicação* * Trabalho realizado no Departamento de Medicina Intensiva e Núcleo de Epidemiologia Clínica da Faculdade de Medicina de Marília. Marília, SP, Brasil.

Venous thromboprophylaxis in medical patients: an application review

Mariana Nassif KerbauyI; Fabio Ynoe de MoraesII; Lucila Nassif KerbauyIII; Lucieni de Oliveira ConternoIV; Silene El-FakhouriV

IDepartamento de Clínica Médica, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo (EPM/UNIFESP), São Paulo, SP, Brasil

IIDepartamento de Radioterapia, Centro de Oncologia, Hospital Sírio-Libanês, São Paulo, SP, Brasil

IIIDepartamento de Hematologia e Hemoterapia, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP, Brasil

IVNúcleo de Epidemiologia Clínica, Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA), Marília, SP, Brasil

VDisciplina de Medicina Intensiva, FAMEMA, Marília, SP, Brasil

Autor para correspondência Autor para correspondência: Fabio Ynoe de Moraes Rua Cubatão, 1001, Vila Mariana São Paulo, SP, 04013-043, Brasil E-mail: fymoraes@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: A tromboprofilaxia de rotina, a despeito de sua efetividade estar bem estabelecida e o tromboembolismo venoso ser uma condição potencialmente evitável, não se apresenta completamente consolidada na prática clínica. Os objetivos do presente estudo são: 1. Determinar a frequência da utilização da tromboprofilaxia e presença dos fatores de risco para tromboembolismo; 2. Verificar a adequação de sua utilização em pacientes clínicos internados, assumindo como parâmetro uma diretriz nacional estabelecida.

MÉTODOS: Estudo retrospectivo transversal envolvendo pacientes internados por doenças clínicas em uma enfermaria geral de adultos de um hospital universitário. A análise foi baseada em diretriz definida.

RESULTADOS: Foram incluídos 146 pacientes para análise. Destes, 94,5% possuíam pelo menos um fator de risco para tromboembolismo venoso. Em 130 (89%) pacientes havia indicação para uso de heparina profilática, sendo que em 73,3% dos casos estava prescrito algum tipo de heparina. Quanto à adequação da profilaxia, 53,4% das prescrições estavam corretas em relação à indicação e à dose da profilaxia; 24% apresentavam dose ou frequência incorretas; 19,2% não tinham prescrição de profilaxia, apesar de ela ser indicada; e em cinco casos (3,4%) o fármaco foi prescrito, apesar de não haver indicação.

CONCLUSÃO: Existe subutilização da tromboprofilaxia nesta população, com inadequada dose prescrita em 50% dos casos. Portanto, estudos e intervenções futuros devem incluir um programa educacional que se inicie desde o atendimento em pronto-socorro, sendo essencial para aproximar a evidência à prática clínica.

Palavras-chave: Fatores de risco; Fidelidade a diretrizes; Heparina; Profilaxia; Tromboembolismo venoso

ABSTRACT

OBJECTIVE: Routine thromboprophylaxis, despite its well-known effectiveness and the fact that venous thromboembolism is a potentially avoidable condition, is not fully established in clinical practice. The objectives of the present study were to determine how often thromboprophylaxis is used and the presence of thromboembolism risk factors, and to verify the appropriateness of its use in medical inpatients, assuming a long-standing national guideline as a parameter.

METHODS: This was a retrospective cross-sectional study, involving inpatients with medical conditions in the adult general ward of a university hospital. The review was based on a defined guideline.

RESULTS: 146 patients were included in the review. At least one risk factor for venous thromboembolism was found in 94.5%. In 130 (89%) patients, prophylactic heparin was indicated, and some kind of heparin was prescribed in 73.3%. Regarding the adequacy of prophylaxis, 53.4% of prescriptions were correct regarding prophylaxis indication and dose; 24% had incorrect dose or frequency of use; 19.2% had no prophylaxis prescription, although it was indicated; and in five cases (3.4%), the drugwas prescribed, even though itwas not indicated.

CONCLUSION: Thromboprophylaxis is underused in this population, and an inappropriate dose was prescribed in 50% of cases. Therefore, future studies and interventions should include an educational program started from the emergency department care, an essential step to bring evidence closer to clinical practice.

Keywords: Risk factors; Guideline adherence; Heparin; Prophylaxis; Venous thromboembolism

Introdução

Otromboembolismo venoso (TEV) éum grupo de doenças que inclui a trombose venosa profunda (TVP), a trombose associada a cateter venoso central, tromboses em locais distintos, e a sua forma mais grave, o tromboembolismo pulmonar (TEP), sendo causa de morbimortalidade potencialmente evitável1-4.

A internação por doença aguda não cirúrgica está associada a um aumento de oito vezes do risco de TEV, o que representa, aproximadamente, 25% de todos os eventos atribuídos a esta condição5. Além disso, estudos pós-morte demonstram que aproximadamente 10% das causas de morte dos pacientes internados são decorrentes de embolia pulmonar6. Assim, presume-se que exista suspeita clínica em menor proporção, haja vista que em parte dos casos de TEP a sintomatologia é frustra6,7.

A maioria dos estudos sobre tromboprofilaxia em populações clínicas foi dedicada aos pacientes de alto risco para o evento tromboembólico. Recentemente, estudos e diretrizes vieram normatizar e promover a tromboprofilaxia nos pacientes de médio e baixo risco5,8-11. Nesse contexto, alguns autores11,12 demonstraram intervenções capazes de reduzir de forma marcante o risco de TEV para os pacientes clínicos. Assim, observa-se atualmente o esforço de diretrizes em apresentar recomendações de tromboprofilaxia para diversos grupos de pacientes internados13-16.

Para a estratificação de risco de TEV, consideram-se inicialmente a idade do paciente, o grau de mobilidade e as comorbidades. Indivíduos com 40 anos ou mais, com mobilidade reduzida e pelo menos um fator de risco adicional (dentre os seguintes: acidente vascular encefálico (AVC), câncer, cateteres centrais e Swan-Ganz, doença inflamatória intestinal, doença respiratória grave, doença reumatológica aguda, gravidez e pós-parto, história prévia de TEV, infarto agudo do miocárdio (IAM), insuficiência cardíaca congestiva (ICC) classe III ou IV, infecção (exceto torácica), insuficiência arterial, internação em unidade de terapia intensiva, obesidade, paresia/paralisia MMII, quimio/hormonioterapia, reposição hormonal, síndrome nefrótica, trombofilia) para TEV devem ser considerados de risco. Na ausência de contraindicações, a profilaxia está indicada. Para indivíduos com menos de 40 anos existem diretrizes específicas a serem seguidas4,10.

Entretanto, apesar dos benefícios estarem bem comprovados, a tromboprofilaxia de rotina para pacientes clínicos com fatores de risco continua tendo pouca inserção na prática médica cotidiana17,18. Existe uma falta de aderência às recomendações dos consensos e diretrizes, e as principais razões são: 1. Falta de uma avaliação sistemática dos fatores de risco para TEV e as contraindicações para uso de heparinas;17,19 2. Falta da consciência do risco de TEV, provavelmente favorecida pela diversidade entre os pacientes; 3. Dificuldade de definição de fatores de risco e indicação de tromboprofilaxiaeaexistência de diversas diretrizes, resultando em indicações imprecisas e não claras para tromboprofilaxia11. Este estudo tem como hipótese que a profilaxia para TEV é subutilizada.

Os objetivos deste trabalho foram avaliar retrospectivamente pacientes clínicos em risco de TEV internados em hospital geral, definir a proporção de pacientes clínicos em risco de TEV que recebem profilaxia e avaliar a adequação da utilização desta. Para tanto, utilizamos a Diretriz Brasileira para Tromboembolismo Venoso: Profilaxia em Pacientes Clínicos10, publicação de livre acesso para o público em geral, baseada na realidade local e ratificada por diversas sociedades médicas e pelo Conselho Federal de Medicina, com o objetivo de conciliar informações da área médica e padronizar condutas que auxiliem o raciocínio e o processo de tomada de decisão.

Métodos

Este estudo foi conduzido em 2009 e incluiu 187 pacientes adultos de uma enfermaria de clínica médica do Hospital das Clínicas (HC I), hospital de referência na atenção à saúde nos níveis secundário e terciário para 62 municípios e que assiste um grupo populacional estimado em 1,2 milhão de habitantes, localizado na cidade de Marília (SP).

A amostra do estudo foi não probabilística por conveniência. As análises foram realizadas através do exame do prontuário médico, sendo que a identificação dos pacientes foi totalmente preservada durante a verificação desses prontuários. O período da pesquisa foi de 12 meses (janeiro a dezembro de 2009), baseado na seleção de todas as internações nos 10 primeiros dias de quatro meses não consecutivos (janeiro, abril, agosto e dezembro de 2009). Os pacientes foram estudados em meses não consecutivos, a fim de se obter maior representatividade dos médicos envolvidos na assistência, já que se trata de um hospital-escola em que há revezamento de médicos responsáveis pela enfermaria, e uma maior variedade de doenças clínicas, em decorrência de variações sazonais.

A coleta de dados deu-se com base em instrumento específico, que consiste em uma adaptação da Diretriz Brasileira para Tromboembolismo Venoso: Profilaxia em Pacientes Clínicos10. Acessamos sistematicamente os dados uma única vez por dois examinadores independentes.

Foram realizadas análise clínico-demográfica (sexo, data de nascimento, data de internação, diagnóstico principal e secundário) e uma avaliação do risco, indicação e utilização da profilaxia para TEV, análise da tromboprofilaxia usada após 48horas de internação na enfermaria de clínica médica e mudanças na prescrição até o término do período de internação.

O critério de inclusão ao estudo consistiu em estar internado na enfermaria de clínica médica, e os critérios de exclusão foram: apresentar internação com estadia menor do que 48 horas, ter sido submetido à cirurgia na semana que antecedeu ainternação, estar emuso dealgumtipo de antico-agulante oral e apresentar o diagnóstico de TEV na admissão.

O desfecho primário do estudo foi avaliar a adequação da profilaxia venosa baseada nas recomendações da Diretriz Brasileira para Profilaxia de TEV em Pacientes Clínicos.

Consideraram-se indicações obrigatórias de tromboprofilaxia venosa: idade maior ou igual a 40 anos e mobilidade reduzida, associada a pelo menos um fator de risco, na ausência de contraindicações para heparina.

As doses consideradas corretas para tromboprofilaxia foram baseadas em cenários clínicos de acordo com as recomendações da Diretriz Brasileira para Profilaxia de TEV em Pacientes Clínicos e estão apresentadas resumidamente na tabela 1. Qualquer outra dose de heparina ou indicação não contidas nas recomendações foram consideradas inadequadas, tais como: a) casos sem prescrição da profilaxia e que necessitavam desta; b) casos com prescrição da profilaxia e sem necessidade da droga; c) casos com prescrição da

profilaxia com dose ou frequência inadequadas (não concordantes com as expostas pela diretriz). O HC I não apresentava programa formal de incentivo à profilaxia para TEV em pacientes clínicos na época da realização do presente estudo. Este foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA) em 22/02/2010, com protocolo nº 050/10.

Os dados foram analisados de forma descritiva e inferencial. Utilizaram-se medidas de tendência central (média) e de dispersão (desvio padrão) para resumir as variáveis numéricas. Variáveis categóricas (profilaxia indicada/não indicada; em uso de profilaxia/sem uso de profilaxia; dose correta de profilaxia/dose não correta; mudou a profilaxia durante internação/não mudou a profilaxia; corrigiu a profilaxia/não corrigiu a profilaxia) foram comparadas pelo teste de Qui-Quadrado. Os intervalos de confiança foram calculados com probabilidade de 95%, e para rejeição da hipótese nula (Ho) considerou-se valor de p menor que 0,05 (para cálculo de força de associação).

Resultados

Foram avaliados 146 pacientes neste estudo (fig. 1). As características gerais dos pacientes e do estudo estão apresentadas na tabela 2.


Em 130 (89%) pacientes havia indicação para uso de heparina profilática; destes, em 107 (73,3%) pacientes havia prescrição de algum tipo de heparina, sendo que 77 (71,9%) utilizaram HNF e 30 (28,1%), a HBPM. Dos que utilizaram heparina não fracionada, 52 (67,5%) utilizaram a dose 5000U de 12/12 horas e 25 (32,4%), de 8/8 horas, e dos que fizeram uso da heparina de baixo peso molecular, em nove (30%) estavam prescritos 40 mg 1 vez ao dia, em 10 (33,3%), a dose era 60 mg de 12 em 12 horas, e em 11 pacientes (36,6%), havia outras doses. Em nenhum paciente foi utilizada a profilaxia mecânica para TEV. Dos pacientes em uso de heparina (não fracionada ou baixo peso molecular), notou-se a mudança de posologia em 27 (25,2%) casos, sendo que a adequação só ocorreu em cinco (4,6%) casos em que havia prescrição de algum tipo de heparina (n = 107).

Quanto à adequação da profilaxia, atestou-se que 78/146 (53,4%) prescrições estavam corretas com relação à indicação e dose da profilaxia, 35 (24%) apresentavam doses ou frequência incorretas, 28 (19,2%) não tinham prescrição de profilaxia, apesar de a mesma ser indicada, e em cinco casos (3,4%) o fármaco foi prescrito, apesar de não haver indicação.

Em relação às variáveis estudadas, a frequência de prescrição de tromboprofilaxia foi maior nos pacientes em que havia indicação formal para o seu uso em relação àqueles em que não havia indicação ou esta estava contraindicada (78,5% versus 31,3%, respectivamente, x2 = 16,22; p < 0,001). Dentre os pacientes que tiveram uma mudança no esquema de profilaxia, houve uma frequência maior para a correção com adequação do esquema de profilaxia proposto em relação a não adequação (80% versus 20%, respectivamente, x2 = 15,9; p < 0,001).

Em relação à prescrição da posologia correta de tromboprofilaxia, não houve diferença estatisticamente significativa entre as frequências para quando a profilaxia estava ou não indicada (36,3% versus 40%, respectivamente, x2 = 1,14; p=0,284). O mesmo ocorreuquandosecomparou a mudança do esquema de profilaxia durante a evolução clínica (dose ou fármaco) para quando a profilaxia estava ou não indicada (19,8% versus 12,5%, respectivamente, x2 = 0,49; p = 0,481).

Discussão

O presente estudo avaliou a situação da profilaxia de TEV após a divulgação da Diretriz Brasileira de Tromboprofilaxia em Pacientes Clínicos10.

Ao avaliar fatores de risco para TEV, identificamos que estes são muito frequentes (94,5%), como já havia sido observado em outros estudos, como o IMPROVE, registro multicêntrico envolvendo 15.156 pacientes20, e o estudo observacional ENDORSE, que incluiu 68.183 pacientes e demonstrou que mais da metade dos pacientes internados por causas cirúrgicas ou clínicas tinham risco para TEV21, o que alerta a população médica sobre a atenção que deve ser dada a este tema. No nosso caso, credita-se essa alta frequência ao fato de o estudo ter sido efetuado em um hospital terciário, em que há um grande volume de casos clínicos de alta complexidade.

Quanto ao uso da tromboprofilaxia venosa, observou-se uma taxa maior em comparação a outros estudos22-27, porém ainda sendo subutilizada. Podemos supor um maior uso da tromboprofilaxia em função de o estudo ter sido realizado após a divulgação da Diretriz Brasileira de Tromboprofilaxia em Pacientes Clínicos10 e também por ter sido conduzido em hospital-escola, com programa formal de residência médica em clínica médica. Entretanto, estudos realizados até o presente momento são controversos quanto à maior utilização ou não da tromboprofilaxia em hospitais-escola. Chopard et al.28 não encontraram diferença entre hospitais com ou sem residência médica, e Anderson et al.29 mostraram que a profilaxia é mais empregada em hospitais-escola.

Porém, apesar da profilaxia para TEV ter sido mais utilizada no presente estudo, apenas 53,4% das prescrições estavam corretas com relação à indicação e dose da profilaxia; por outro lado, 24% apresentavam dose ou frequência incorretas. Podemos tentar explicar essa baixa taxa de acerto na prescrição com relação ao proposto na referida diretriz brasileira em razão da complexidade em se estabelecerem posologia ou frequência por condição clínica, tornando, assim, as indicações muito individualizadas. Esses dados nos alertam para a necessidade de divulgação de protocolos com orientações sucintas e gerais sobre a correta utilização da tromboprofilaxia, pois muitas vezes doses inadequadas são ineficazes em seu objetivo de diminuir o TEV.

Além disso, notamos que em nenhum caso utilizou-se profilaxia mecânica para TEV, que vem ganhando força como proteção independente para evitar sangramentos e óbito em pacientes clínicos em risco30. Notamos também uma frequência maior do uso de HNF, o que pode representar política local hospitalar ou maior facilidade pelos profissionais envolvidos em utilizá-la.

Nesse contexto, Rocha et al.31 já haviam descrito que, além de a profilaxia em pacientes clínicos ser subutilizada, quando empregada frequentemente, não adere às recomendações dos consensos e diretrizes e ocorre o uso de doses subótimas das heparinas.

Nossos achados também sugerem que, quando realizada uma mudança no esquema posológico da profilaxia, houve uma maior frequência de adequação da dose, o que pode estar relacionado à vasta gama de material para pesquisa e à troca de informações entre os envolvidos nos cuidados dos pacientes clínicos.

O fato de o Hospital de Clínicas de Marília não possuir um programa formal ou diretriz estabelecida para a tromboprofilaxia pode ter contribuído para a subutilização e inadequação dasprescrições.Umaumento no uso da profilaxia de 29% para 52% após a introdução de estratégias educacionais foi relatado por Anderson et al.32, assim como Conterno et al.33 mostraram que a elaboração e a implementação da diretriz para Pneumonia Adquirida na Comunidade promoveram a otimização da escolha terapêutica.

Os principais fatores para a subutilização da profilaxia venosa foram: 1. Falta de uma avaliação sistemática dos fatores de risco para TEV e as contraindicações para uso de heparinas;17,19 2. Falta de consciência do risco de TEV, provavelmente favorecida pela diversidade entre os pacientes; 3. Dificuldade de definição de fatores de risco e indicação de tromboprofilaxia e a existência de diversas diretrizes, resultando em indicações imprecisas e não claras para tromboprofilaxia11. Assim, é evidente que políticas de incentivo e sistematização da avaliação de pacientes internados são necessárias.

Acreditamos ser de extrema necessidade a elaboração de um programa educacional e de assistência com avaliação sistemática dos pacientes internados no setor de clínica médica, sendo que a definição dos casos de risco para profilaxia deve ser iniciada já no pronto-socorro, seguindo um fluxograma pré-estabelecido em que constem dados clínicos e epidemiológicos, pesquisa ativa por fatores de risco e reavaliações frequentes.

Também devemos enfatizar e instruir a atualização médica, incentivando a leitura de periódicos e palestras educativas em que se explorem os riscos, complicações e eventos fatais ligados ao TEV. A elaboração, implementação e disseminação das Diretrizes para Tromboprofilaxia Venosa devem ser incentivadas, levando-se em consideração as características locais.

Para tanto, sugerimos uma triagem inicial com modelos semelhantes ao proposto pela diretriz brasileira para todos os pacientes clínicos no pronto-socorro ou enfermaria clínica, seguida da utilização de esquemas pré-estabelecidos para tromboprofilaxia venosa, de acordo com as recomendações clínicas (tabela 1), diminuindo, assim, o risco de inadequações.

Também devemos salientar que, por ser transversal retrospectivo, o atual estudo apresenta limitações metodológicas. Portanto, sugerimos que estudos prospectivos complementares sejam futuramente desenvolvidos.

Conclusão

Existe subutilizaçãoda profilaxiapara TEV na população estudada. A adequação da prescrição (dose e frequência) precisa ser melhorada. A ocorrência de tromboprofilaxia venosa não indica que a mesma está sendo utilizada de forma correta. É importante a divulgação no meio médico das diretrizes para orientação dos profissionais quanto à maneira correta de se indicar e prescrever a profilaxia para TEV. Para tanto, um programa educacional que se inicie desde o atendimento em pronto-socorro é essencial, a fim de aproximar a evidência à prática clínica.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Recebido em 12 de setembro de 2012

Aceito em 4 de novembro de 2012

On-line em 13 de maio de 2013

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  • Autor para correspondência:
    Fabio Ynoe de Moraes
    Rua Cubatão, 1001, Vila Mariana
    São Paulo, SP, 04013-043, Brasil
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado no Departamento de Medicina Intensiva e Núcleo de Epidemiologia Clínica da Faculdade de Medicina de Marília. Marília, SP, Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      12 Set 2012
    • Aceito
      04 Nov 2012
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