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Accountability em listas abertas

L'accountability dans des listes ouvertes

Accountability for open lists

Resumos

O artigo discute criticamente a percepção, corrente em estudos sobre o sistema eleitoral brasileiro, de que a representação proporcional com listas abertas é um obstáculo à efetivação da accountability. Tal percepção está, em grande medida, baseada em visões equivocadas sobre a natureza do vínculo eleitoral no Brasil e o sentido da accountability, vista como uma relação entre o eleitor e seu candidato e não entre os constituintes e os representantes. O foco nas deficiências do sistema eleitoral, por outro lado, leva a ofuscar outros aspectos mais importantes para o aprimoramento da representação, relacionados à democratização da informação e ao fortalecimento da sociedade civil. Mesmo os problemas identificados nas listas abertas são melhor enfrentados com a ampliação do debate público e o fortalecimento da sociedade civil, que permitiria aos eleitores aproveitar de forma mais consistente as oportunidade de escolha que lhe são oferecidas, mais amplas do que em outros sistemas eleitorais.

representação política; accountability; sistemas eleitorais


L'article discute critiquement la perception, courante dans les études sur le système électoral brésilien, que la représentation proportionnelle avec des listes ouvertes, est un obstacle pour que l'accountability soit effective. Telle perception est, en grande mesure, basée sur des visions erronées sur la nature du lien électoral au Brésil et le sens de l'accountability, vue comme une relation entre l'électeur et son candidat au lieu d'une relation entre les constituants et les représentants. L'accent sur les lacunes du système électoral, d'autre part, mène à occulter d'autres aspects plus importants pour l'amélioration de la représentation, liés à la démocratisation de l'information et au renforcement de la société civile. Même les problèmes identifiés dans les listes ouvertes sont mieux affrontés avec l'élargissement du débat public et le renforcement de la société civile, qui permettrait aux électeurs de profiter de façon plus cohérente les opportunités de choix que leur sont offertes, plus larges que celles d'autres systèmes électoraux.

représentation politique; accountability; systèmes électoraux


This article engages in critical discussion of the perception, common in studies on the Brazilian electoral system, that proportional representation with open lists is an effective obstacle to accountability. Such a perception is, to a large extent, based on mistaken views of the character of electoral ties in Brazil and the sense of accountability, seen as a relationship between voters and their candidates rather than between constituencies and their representatives. A focus on the flaws in the electoral system, on the other hand, leads to obfuscation of other aspects that are more important for perfecting representation, related to the democratization of information and the strengthening of civil society. Problems identified on open lists are better confronted by widening public debate and strengthening civil society, which would enable voters to take a more consistent advantage of the opportunities for choice that are offered to them, wider than those that exist in other electoral systems.

political representation; accountability; electoral systems


ARTIGOS

Accountability em listas abertas

Accountability for open lists

L'accountability dans des listes ouvertes

Luis Felipe Miguel

RESUMO

O artigo discute criticamente a percepção, corrente em estudos sobre o sistema eleitoral brasileiro, de que a representação proporcional com listas abertas é um obstáculo à efetivação da accountability. Tal percepção está, em grande medida, baseada em visões equivocadas sobre a natureza do vínculo eleitoral no Brasil e o sentido da accountability, vista como uma relação entre o eleitor e seu candidato e não entre os constituintes e os representantes. O foco nas deficiências do sistema eleitoral, por outro lado, leva a ofuscar outros aspectos mais importantes para o aprimoramento da representação, relacionados à democratização da informação e ao fortalecimento da sociedade civil. Mesmo os problemas identificados nas listas abertas são melhor enfrentados com a ampliação do debate público e o fortalecimento da sociedade civil, que permitiria aos eleitores aproveitar de forma mais consistente as oportunidade de escolha que lhe são oferecidas, mais amplas do que em outros sistemas eleitorais.

Palavras-chave: representação política; accountability; sistemas eleitorais.

ABSTRACT

This article engages in critical discussion of the perception, common in studies on the Brazilian electoral system, that proportional representation with open lists is an effective obstacle to accountability. Such a perception is, to a large extent, based on mistaken views of the character of electoral ties in Brazil and the sense of accountability, seen as a relationship between voters and their candidates rather than between constituencies and their representatives. A focus on the flaws in the electoral system, on the other hand, leads to obfuscation of other aspects that are more important for perfecting representation, related to the democratization of information and the strengthening of civil society. Problems identified on open lists are better confronted by widening public debate and strengthening civil society, which would enable voters to take a more consistent advantage of the opportunities for choice that are offered to them, wider than those that exist in other electoral systems.

Keywords: political representation; accountability; electoral systems.

RESUME

L'article discute critiquement la perception, courante dans les études sur le système électoral brésilien, que la représentation proportionnelle avec des listes ouvertes, est un obstacle pour que l'accountability soit effective. Telle perception est, en grande mesure, basée sur des visions erronées sur la nature du lien électoral au Brésil et le sens de l'accountability, vue comme une relation entre l'électeur et son candidat au lieu d'une relation entre les constituants et les représentants. L'accent sur les lacunes du système électoral, d'autre part, mène à occulter d'autres aspects plus importants pour l'amélioration de la représentation, liés à la démocratisation de l'information et au renforcement de la société civile. Même les problèmes identifiés dans les listes ouvertes sont mieux affrontés avec l'élargissement du débat public et le renforcement de la société civile, qui permettrait aux électeurs de profiter de façon plus cohérente les opportunités de choix que leur sont offertes, plus larges que celles d'autres systèmes électoraux.

Mots-cles: représentation politique; accountability; systèmes électoraux.

I. INTRODUÇÃO

Sacudida por crises intermináveis, enredada em escândalos que apontam simultaneamente para a decadência das elites políticas e a ineficiência das instituições, a democracia brasileira vive um paradoxo1 1 Este artigo foi produzido dentro do projeto "Modelos alternativos de representação política", apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) com uma bolsa de Produtividade em Pesquisa. Agradeço a Aline Coutinho, então bolsista de Iniciação Científica do CNPq, que realizou a maior parte da revisão bibliográfica que resultou na primeira seção do texto e também leu e comentou versões anteriores. Também sou grato a Regina Dalcastagnè, a Carlos Machado e aos pareceristas anônimos da Revista de Sociologia e Política, pela leitura atenta, pelas críticas e pelas sugestões, que nem sempre acatei, seguramente por teimosia minha. . Por um lado, não há como negar vitalidade a um regime que atravessa sucessivos episódios críticos - o impeachment de Fernando Collor de Melo em 1992, os "anões do orçamento" em 1993, a compra de votos para a aprovação da emenda da reeleição em 1996, a privatização do Sistema Telebrás2 2 Telecomunicações Brasileiras S. A. "no limite da irresponsabilidade" em 1998, o "mensalão" em 2005, para lembrar apenas dos mais notórios - sem que as alternativas golpistas encontrem qualquer eco entre as forças sociais e políticas relevantes. Por outro, o desconforto com os vícios tão evidentes do sistema político brasileiro faz que a ele seja negado o rótulo (ambíguo, aliás) de "democracia consolidada"3 3 A crítica já "clássica" à idéia de democracia consolidada encontra-se em O'Donnell (1996). O argumento de que a capacidade de sobreviver a crises é a própria consolidação democrática é desenvolvido por Robert Dahl (1997, p. 39). .

Entre os vilões da democracia brasileira, um destaca-se: o sistema de representação proporcional com listas abertas. Seja a partir dos adeptos das listas fechadas, seja dos defensores de sistemas majoritários ou "mistos", a condenação das listas abertas é quase unânime4 4 A mudança do sistema eleitoral é, também, recorrente nas iniciativas legislativas voltadas à "reforma política" (SOARES & RENNÓ, 2006). . Elas destruiriam a unidade dos partidos, personalizariam a disputa política, tornariam demasiado complicado o processo decisório por parte do eleitor e, sobretudo, inviabilizariam a accountability vertical.

Termo que não encontra equivalente preciso em português - o que evidenciaria, segundo alguns, nosso insuperável atraso político (e. g. CAMPOS, 1990; CORBARI, 2004) -, a accountability seria o fio que manteria a esperança de vincular a seleção dos governantes pelo método eleitoral com o sentido normativo da democracia, o poder do povo. Ela envolve tanto a prestação de contas dos detentores de mandato aos seus constituintes quanto o veredicto popular sobre essa prestação de contas. Daria, aos eleitores comuns, instrumentos para controlar a ação dos representantes e, a estes, um forte incentivo para proteger os interesses de sua base eleitoral. Consistiria, portanto, no principal mecanismo para impedir que os representantes, uma vez escolhidos, tornassem-se independentes dos representados.

Introduzida por motivos que vão desde a grande extensão territorial dos estados nacionais até a profundidade dos conflitos de interesses em seu interior, a representação política gera complicadores à realização do ideal de soberania popular. Ela amplia a separação entre governantes e governados, uma vez que as decisões políticas são tomadas de fato por um pequeno grupo e não pela massa dos que serão submetidos a elas. Como resultado dessa especialização funcional, forma-se uma elite política distanciada da massa da população. O "princípio da rotação", crucial nas democracias da Antigüidade - governar e ser governado, alternadamente -, não se aplica, uma vez que o grupo governante tende a exercer permanentemente o poder. Isso leva à ruptura do vínculo entre a vontade dos representados e a vontade dos representantes, o que se deve tanto ao fato de que os governantes tendem a possuir características sociais distintas dos governados quanto a mecanismos intrínsecos à diferenciação funcional, que agem mesmo na ausência da desigualdade na origem social, conforme Michels (1982) tentou demonstrar já no início do século XX5 5 Em que pesem as simplificações, o determinismo e o tom demasiado peremptório, o livro de Michels fornece pistas valiosas para a compreensão de alguns dos problemas da representação política. .

Accountability é a resposta única que as instituições da democracia representativa dão para todos esses problemas. Isso se refere à chamada accountability horizontal, quer dizer, o controle que os poderes estabelecidos exercem uns sobre os outros, mas, sobretudo, à vertical, caracterizada pela necessidade que os representantes têm de prestar contas e submeter-se ao veredicto da população e cujo momento culminante é a eleição6 6 O conceito de accountability horizontal é desenvolvido por O'Donnell (1998; 1999). Peruzzotti e Smulovitz (2001) apresentam um tipo adicional de accountability, que denominam "social" e que seria exercida pela mídia e por organizações não governamentais. Falta a essa dimensão, porém, a capacidade de aplicação de sanções; suas advertências e denúncias ganham efetividade apenas quando sensibilizam algum dos poderes constituídos, em especial o Judiciário ( accountability horizontal) ou o eleitorado ( accountability vertical). A possibilidade de impor sanções é, em si, uma das dimensões constitutivas da accountability (SCHEDLER, 1999, p. 15). Julgo que é relevante entender o papel desempenhado pela mídia e pela Organizações Não Governamentais (ONGs) no funcionamento das democracias representativas contemporâneas, mas dar a elas o status de uma terceira dimensão da accountability é injustificado. . Dessa forma, a mediação eleitoral ocupa uma posição absolutamente central nas democracias representativas, efetivando a um só tempo os dois mecanismos fundamentais da representação política democrática, que são a autorização, pela qual o titular da soberania (o povo) delega capacidade decisória a um grupo de pessoas, e a própria accountability.

Se, ao português, como às outras línguas neolatinas, falta uma tradução precisa para accountability, resta-nos um vocábulo contíguo, "responsividade", que ainda não consta dos dicionários, mas encontra curso nos textos da Ciência Política. Mas accountability e "responsividade" (responsiveness, em inglês) correspondem a conceitos diversos7 7 Para a distinção accountability - "responsividade", ver Manin, Przeworski e Stokes (1999, p. 9-10). . A primeira diz respeito ao poder que os eleitores têm de impor sanções aos governantes, reelegendo quem exerce bem o mandato e destituindo quem apresenta um desempenho menos satisfatório - trata-se, portanto, de um mecanismo institucional, exercido pelo povo e vinculado à existência de eleições competitivas periódicas. A "responsividade", por sua vez, é a permeabilidade dos representantes à vontade dos representados, isto é, à disposição do governo para abraçar as políticas que os governados preferem.

Os conceitos sobrepõem-se, em parte, pois a sensibilidade dos representantes em relação às preferências dos constituintes ("responsividade") é em grande medida derivada do poder que estes dispõem sobre o futuro político daqueles (accountability). Trata-se, aliás, da primeira lição da Ciência Política: não confiar na boa vontade dos governantes, e sim gerar um sistema de controle sobre eles, tanto na forma da divisão de poderes quanto da realização de eleições periódicas. Mas a diferenciação entre os conceitos ganha sentido quando se tem em mente que existem formas de ampliar a "responsividade" sem passar pela accountability (por exemplo, ampliando a similaridade social entre o corpo de representantes e seus constituintes)8 8 Para uma discussão mais aprofundada, ver Miguel (2005). .

De qualquer maneira, a accountability toma o lugar, de acordo com a sabedoria convencional da Ciência Política, de um índice da democracia. Sua principal vantagem seria promover a vinculação entre representantes e representados sem cair no mandato imperativo: o representante não deve simplesmente decidir da forma que sua base gostaria, o que tornaria sem sentido o debate e a negociação no Parlamento; ele deve ser capaz de convencer os eleitores de que agiu certo, a posteriori. Obstaculizar a efetivação da accountability, impedindo o funcionamento desse elo entre eleitos e eleitores, significaria eliminar a possibilidade de edificar um regime democrático representativo digno deste nome. A condenação que pesa sobre a representação proporcional com listas abertas, assim, é grave.

No restante deste artigo, essa condenação será apresentada e criticada. A primeira seção sumariza a literatura, destacando os argumentos em favor da idéia de que as listas abertas constituem, em si mesmas, um impedimento à accountability vertical. Procuro sustentar que tais argumentos baseiam-se em uma compreensão equivocada do funcionamento da accountability e da natureza do vínculo eleitoral no Brasil. A segunda seção, usando parte da vasta literatura produzida nos países da Europa e da América do Norte, busca demonstrar que os fenômenos de alienação e desencanto com as instituições representativas são comuns a muitas democracias liberais contemporâneas, não podendo ser atribuídos a uma falha específica do sistema eleitoral brasileiro. A última seção desenvolve a tese de que a preocupação exclusiva ou central no sistema eleitoral bloqueia a apreensão de outras dimensões, mais relevantes, que iluminam os problemas de nossa democracia, como aquelas vinculadas ao controle da informação e à autonomia dos grupos sociais.

II. A NATUREZA DO VÍNCULO ELEITORAL EM LISTAS ABERTAS

As duas principais vertentes da acusação às listas abertas, no que se refere à accountability, estão presentes em textos de Jairo Nicolau e de Fabiano Santos, utilizados aqui na qualidade de "formulações exemplares"9 9 Não interessa, aqui, discutir a preferência de Nicolau, de Santos ou de qualquer outro autor por tal ou qual sistema eleitoral, até porque tais posições são em geral mais complexas e matizadas do que a reconstrução que delas farei, mas analisar textos que enunciam, de forma a meu ver exemplar, os argumentos contrários ao voto preferencial. . São, na verdade, duas faces de uma mesma moeda. Por um lado, o sistema eleitoral brasileiro é descrito como um empecilho para que o cidadão ou cidadã identifique quem é o seu representante. Por outro, ele tornaria mais difícil que o representante saiba quem foram seus eleitores.

Nicolau parte da percepção de que, uma vez que a escolha dos representantes, no Brasil, é personalizada - o voto é dado ao candidato -, "o acompanhamento da atividade de um parlamentar e a posterior decisão de reconduzi-lo ou não ao poder Legislativo também devem ser feitos de maneira personalizada" (NICOLAU, 2002, p. 225)10 10 Figueiredo e Limongi (2002) questionam a tese, amplamente difundida, de que o Brasil é um exemplo de voto pessoal, demonstrando a influência dos partidos na composição das listas, o peso da votação global das listas partidárias nas chances de vitória dos candidatos e as limitações da ação individual, não partidária, no Parlamento. Em relação à decisão do voto, no entanto, tudo o que têm a apresentar é a informação de que alguns surveys, em contraposição a outros, indicam que uma parcela significativa do eleitorado possui simpatia por algum partido ( idem, p. 310). O argumento de que os partidos são relevantes é merecedor de atenção do ponto de vista do sistema; do ponto de vista do eleitor, ainda é bem mais convincente a percepção de que a escolha é, sobretudo, personalizada. . Mas, logo ele conclui, a monitoração dos eleitos pelos constituintes é pouco eficaz por duas razões: "A primeira é que o número de eleitores que conseguem eleger os deputados nos quais votaram não é tão significativo; a segunda é que é reduzido o número de eleitores que se lembram em que eles votaram para a Câmara dos Deputados na eleição anterior" (idem, p. 227). Os problemas, assim, residiriam no "desperdício" de votos (muitos escolhem candidatos que não conseguem se eleger, outros declinam da escolha, optando pela legenda partidária, anulando ou votando em branco) e na fraca memória do eleitorado.

Uma exposição ainda mais radical desse último ponto é feita por Alberto Almeida. Segundo ele, "a primeira informação necessária para acompanhar e fiscalizar o trabalho de um representante, sem a qual nada mais pode ser feito, é esta: quem foi o nosso escolhido" (ALMEIDA, 2006, p. 35; sem grifos no original). Adiante, lista três medidas para solucionar o problema: aumentar a escolaridade, fechar as listas ou, como paliativo, caso o fechamento não seja possível, reduzir o número de candidatos (idem, p. 44). Trata-se, portanto, de ampliar o potencial cognitivo do eleitorado, por um lado; e, por outro, de reduzir as exigências cognitivas do sistema eleitoral11 11 O peso dessa sabedoria convencional na Ciência Política é tão grande que, mesmo após apresentar dados que mostram que a relação entre número de candidatos e nível de conhecimento do eleitorado "não é estatisticamente significativa", um autor descarta essa análise em favor de outra, com "uma variável similar, contudo mais simples", que indica que nos momentos iniciais da campanha a quantidade de candidatos influi negativamente no aprendizado do eleitor. E, assim, pode concluir em favor de medidas que reduzam o número de candidatos (RENNÓ, 2006, p. 61-4). .

Há um substrato à discussão, a percepção de que a accountability depende da clareza quanto à responsabilidade pelas decisões públicas (POWELL JR., 2000, p. 50-51). O foco das propostas, então, é a simplificação do jogo político - que passa pela redução do elenco de alternativas posto à disposição do eleitorado. O chamado "voto distrital" (eleição majoritária em circunscrições uninominais) é uma opção, pois nele cada partido lança um único candidato por distrito. A outra opção é o fechamento das listas, quando a escolha dos eleitores é despersonalizada e os atores significativos, do ponto de vista das responsabilidades políticas, são os partidos, não os candidatos ou parlamentares individuais. Jairo Nicolau (2003), assim como outros, demonstra simpatia por uma combinação dos dois modelos, o "sistema misto", de inspiração alemã, em que parte do Parlamento é eleita em circunscrições uninominais e o restante garante a proporcionalidade das representações, por meio de listas fechadas12 12 Embora o texto apresente-se como um mapeamento de diferentes propostas, é o sistema misto que aparece sob luz mais favorável, sendo considerado necessário para ampliar o vínculo entre representantes e representados (NICOLAU, 2003, p. 222). Em textos mais recentes, ele apresenta uma posição mais cautelosa, ponderando prós e contras da diferentes alternativas e evitando uma abordagem prescritiva (NICOLAU, 2006a; 2006b). .

A percepção de que o "desperdício" de votos, por parte dos eleitores, é um obstáculo à accountability está presente também em Abrucio (2003, p. 256) - que, todavia, descarta a adoção de um sistema majoritário. De maneira semelhante, Dulci (2003, p. 318-319) julga que o fechamento das listas ampliaria a accountability, que, no entanto, para ele é um atributo dos partidos, não dos parlamentares. Já para Tavares, o modelo brasileiro gera uma relação "direta, atomizada e não sancionável, entre o eleito e a multidão dos eleitores" (TAVARES, 1999, p. 19), havendo necessidade dos partidos para tornarem tal relação indireta (e, por conseqüência, concentrada e sancionável).

Cabe observar que a própria tese do "desperdício de votos" merece ser questionada. Se é possível dizer que as listas abertas promovem "uma migração eleitoral de natureza lotérica", como fez Lessa (1992, p. 35), não se deve ignorar que em sistemas de listas fechadas ou de voto majoritário o controle do eleitor sobre os resultados é ainda menor. Uma matemática elementar diz-nos que, quanto maior o número de opções, maior o número de derrotados e, portanto, maior (potencialmente) o desperdício de votos. Mas quanto mais reduzido o elenco de alternativas, maior a chance de que uma grande quantidade de eleitores não encontre uma opção de seu agrado - e, se não "desperdiça" seu voto, também não consegue manifestar adequadamente sua preferência, o que, do ponto de vista da qualidade da representação política, é pelo menos tão grave quanto.

A relação entre partidos fortes e accountability efetiva, à luz do caso brasileiro, é sustentada com um pouco mais de cuidado por Scott Mainwaring. Ele observa que, no Brasil, por uma série de motivos - entre os quais, com destaque, o sistema eleitoral - há uma baixa institucionalização do sistema de partidos, com conseqüências que julga danosas para as possibilidades de sobrevivência da democracia.

Na formulação mais taxativa, sua tese postula que "a responsabilização política dos representantes e do governo [...] se faz por meio dos partidos" (MAINWARING, 2001, p. 34). São dois os argumentos que a sustentam: (1) os líderes de partidos fortes cobram determinados comportamentos dos políticos, o que, o autor concede, não é propriamente um instrumento da accountability, mas "um mecanismo adicional de responsabili-zação" (idem, p. 384); (2) a percepção clássica, inspirada em Downs (1957), de que "os partidos proporcionam aos cidadãos um meio de entender quem é quem na política sem ter de ler as letras miúdas"; ou seja, "é mais fácil avaliar partidos do que pessoas, porque os primeiros são menos numerosos e suas posições políticas mais visíveis do que as de um político em separado" (ibidem).

Já a posição de Fabiano Santos, que corresponde à segunda vertente de crítica que aqui identifico, é um pouco mais complexa, uma vez que seu alvo é a tese que chama de "voto personalizado", pela qual, em um sistema eleitoral como o brasileiro, os parlamentares teriam fortes incentivos a pautar sua ação legislativa pela construção de uma imagem pública individual, em detrimento da imagem partidária. Ora, ele diz, "a teoria do voto personalizado não pode funcionar para o Brasil porque os deputados brasileiros não conhecem a sua verdadeira constituency eleitoral. Eles não possuem idéia aproximada de onde vieram os votos que contribuíram para sua eleição, por isso, não podem conhecer as preferências de seu eleitorado" (SANTOS, 2003, p. 42; ênfase suprimida). Isso se deve, em grande medida, ao fato de que a maior parte dos eleitos não fez uma votação pessoal suficiente para garantir sua vitória, dependendo do desempenho de outros candidatos da lista. Assim, teríamos "deputados em busca da accountability" (idem, p. 45), ativamente interessados em descobrir a quem devem representar, uma informação, porém, que sempre lhes escapa.

Na condenação às listas abertas, um papel importante parece ser desempenhado pela constatação de que o regime representativo, no Brasil, possui sérios vícios. Parece razoável, assim, olhar para o sistema eleitoral no momento em que se buscam culpados. Mas, em contextos diferentes, as listas abertas - e mesmo o voto único transferível, que radicaliza alguns de seus pretensos problemas - podem surgir como a promessa de um controle maior dos representantes por seus eleitores, ou seja, de mais accountability. Isso transparece tanto na literatura acadêmica (HIX, 2004) quanto em organizações que militam ou militavam por "reforma política" em seus países (como a Electoral Reform Society, no Reino Unido, ou a Citizens' Assembly on Electoral Reform, na Columbia Britânica canadense).

Talvez seja uma situação do tipo que descrevem tantos ditos populares: "cada um sabe onde lhe dói o calo" ou, então, "a grama é mais verde do outro lado da cerca". A vivência do sistema eleitoral permite identificar com mais clareza os seus problemas, ao passo que, vistos à distância, outros modelos parecem mais atraentes13 13 Há uma literatura que discute se as eleições seriam mesmo instrumentos efetivos de accountability, independentemente do sistema eleitoral. Afinal, os cidadãos podem ver o processo eleitoral mais como uma oportunidade de selecionar o tipo "certo" de governante do que de aplicar sanções aos escolhidos anteriormente (FEARON, 1999). E, por outro lado, a assimetria informacional entre representantes e representados é tamanha que qualquer controle torna-se ilusório (FEREJOHN, 1999). . Simpatizo com essa percepção - que, em última análise, leva à conclusão de que as soluções não se encontram nos sistemas eleitorais, que desenvolverei com um pouco mais de cuidado adiante. Por ora, o mais importante é perceber que as críticas aqui descritas partem de uma compreensão equivocada sobre o sentido da accountability e sobre a natureza do vínculo eleitoral no Brasil.

Uma ficção constitucional associada à democracia representativa faz que o compromisso do representante eleito não seja com aqueles que nele votaram, nem mesmo com os habitantes de seu distrito, mas com o povo na sua totalidade. Deputados, afinal, são representantes do povo, não de um punhado de eleitores, e é o interesse desse povo que deve presidir suas ações - como Burke já argumentava no famoso "Discurso aos eleitores de Bristol", de 1774 (BURKE, 1984). Assim, a accountability é uma relação que se estabelece entre os representantes e o conjunto dos eleitores. Não é porque um cidadão não elegeu seu candidato (ou não se lembra em quem votou) que ele não pode monitorar a atividade dos eleitos, que as prestações de contas destes eleitos não se dirigem também a ele ou que suas preferências não devem ser levadas em conta.

Esse é um ponto crucial. A relação de representação não se dá entre o eleitor e seu candidato, mas entre o conjunto de constituintes e seu representante eleito (ou o conjunto de seus representantes eleitos). Caso contrário, o cidadão cujo candidato fosse derrotado ficaria órfão de qualquer possibilidade de influência, pressão ou mesmo acompanhamento dos fóruns decisórios formais. Em última análise, não importa se votei em A ou B - se B foi o vitorioso, é a ele que devo monitorar e ele é, por motivos óbvios, quem me deve prestar contas por suas ações como representante.

É claro que a atividade de acompanhamento dos representantes é mais complexa em sistemas de representação proporcional com listas abertas. Quando as circunscrições são uninominais, o eleitor tem a possibilidade de impor sanções a um único parlamentar, portanto sua atenção concentra-se nele. Quando as listas são fechadas, é a ação dos partidos que importa. Mas, por outro lado, a redução da gama de alternativas à disposição do eleitorado, que tanto o chamado "voto distrital" quando as listas fechadas promovem, também produz entraves ao exercício da accountability. Quando monitora as ações dos políticos, o cidadão fá-lo de uma perspectiva engajada; a ele interessa perceber localizações no eixo esquerda-direita ou saber das posições em relação a questões específicas, que lhe são importantes. A redução das alternativas a ele submetidas compromete a realização da accountability, já que cresce a possibilidade de não haver nenhuma opção mais satisfatória. De nada adianta constatar que meu representante está mais à direita do que eu gostaria no espectro político, por exemplo, se não existem alternativas - e, em especial, alternativas eleitoralmente viáveis - à sua esquerda.

É um fenômeno que se verifica, por exemplo, nos Estados Unidos. Lá, de 1964 a 2004, a taxa de reeleição de deputados oscilou entre 85% e 98%, ficando acima dos 90% na maioria das eleições14 14 Dados disponíveis em Reelection Rates Over the Years (2008). . De fato, o sistema eleitoral é um dos fatores determinantes, com o voto majoritário em circunscrições uninominais tendendo a gerar uma baixa renovação das casas legislativas (MATLAND & STUDLAR, 2004). A excessiva estabilidade dos representantes é percebida como um indício de baixa accountability, faltando desafiantes que os obrigassem à adequada prestação de contas diante do eleitorado (CANON, 1990, p. 157-158).

De todo modo, o controle do cidadão sobre os representantes eleitos não depende de ter dado seu voto ao vencedor ou de lembrar-se em quem votou. Não é surpreendente que se demonstre, como fazem Almeida (2006) e outros, que o eleitorado tenha melhor memória de seu voto em sistemas majoritários ou de listas fechadas. O problema é julgar que isso se reflete na capacidade de acompanhar o trabalho dos representantes eleitos, o que não é necessariamente verdade. Do ponto de vista da accountability, o importante é que o eleitor tenha noção daquilo que seus representantes fizeram, não a lembrança de quem recebeu seu voto individual.

Da mesma forma, o parlamentar não precisa pautar sua ação pelas expectativas de seus eleitores específicos, uma vez que ele presta contas à totalidade dos votantes na próxima disputa. É evidente que, na dinâmica da geração das carreiras políticas, produzem-se compromissos com grupos específicos, que balizam a imagem pública dos candidatos às posições de liderança. Mas tais compromissos não implicam a ausência de "responsividade" em relação ao restante do eleitorado, nem dependem, para seu monitoramento, do voto ou da lembrança do voto desse ou daquele eleitor em especial.

Além disso, ao contrário do que afirma Santos, uma parcela seguramente majoritária dos deputados tem uma noção bastante clara de quem são seus eleitores. Como diz Nicolau, "o sistema de listas abertas estimula a criação, por parte dos candidatos, de lealdades extrapartidárias com clientelas específicas do eleitorado (bases territoriais, grupos profissionais, segmentos sociais)" (NICOLAU, 1996, p. 60)15 15 Para uma análise desses laços, ver Bezerra (1999). . O uso do termo "clientela", ao qual a literatura atribui uma nítida conotação pejorativa, permite ao autor afirmar, em outro local, que "a defesa de uma maior vinculação entre representado e representante exige a mudança de natureza do sistema representativo com adoção de um sistema misto" (NICOLAU, 2003, p. 222).

Fica em aberto, porém, por que se há de considerar que "aumentar a vinculação do representante com determinadas áreas geográficas" (idem, p. 223) é um propósito relevante, e por que as lealdades geradas no sistema de listas abertas, mas não aquelas surgidas em circunscrições uninominais ou por meio de listas fechadas, devem ser caracterizadas como "clientelas". Se o sistema de circunscrições uninominais garante a vinculação entre cada parlamentar e os habitantes de uma determinada base territorial, a representação proporcional - que não impede tal relação - também permite que se estabeleçam outras. Esse, aliás, é um argumento clássico em favor da representação proporcional, presente já em Stuart Mill (1995, p. 89). A autonomia do eleitor é ampliada, na medida em que ele pode decidir que tipo de pertencimento ou afinidade vai priorizar em sua decisão de voto: classe social, categoria profissional, filiação religiosa, grupo étnico ou mesmo local de moradia (a relação está longe de ser exaustiva).

São esses espaços sociais, nos quais o eleitor circula, que determinam também qual é a oferta política com a qual ele efetivamente se depara. O eleitor, em geral, não tem à sua frente as centenas ou mesmo milhares de opções que as diversas listas abrigam, mas um subconjunto reduzido de candidatos que fazem campanha em seu bairro, em sua igreja ou em seu local de trabalho - isto é, se os políticos brasileiros cultivam bases eleitorais diferenciadas, como observou Ames (1995; 2000), isso se reflete em uma oferta menor para cada fatia do eleitorado16 16 Para uma análise da dinâmica sob o ponto de vista do eleitor, ver Figueiredo e Aldé (2005). . Dessa forma, a dinâmica da competição eleitoral termina produzindo um sistema menos exigente, do ponto de vista cognitivo, do que o modelo abstrato sugere.

Nas críticas às listas abertas, a compreensão da dinâmica do vínculo eleitoral é enviesada, também, pelo fato de que tanto Nicolau quanto Santos trabalham com um modelo estilizado, no qual existem os eleitores, de um lado, e os políticos, no outro; o único elemento intermediário permitido é o partido (que, no caso brasileiro, como se sabe, está enfraquecido). No entanto, a relação entre os cidadãos e seus representantes é, em grande parte, mediada por sindicatos, associações profissionais, movimentos sociais, igrejas e outras organizações da sociedade civil, sem falar nas redes estruturadas de clientela. O monitoramento da atuação parlamentar, assim, é feito por organizações ou grupos informais vinculados a interesses sociais específicos, que entregam a seu círculo de adeptos e simpatizantes um julgamento sintético, que contribui para as decisões individuais de voto. O exemplo mais conhecido, com abrangência nacional, talvez seja o DIAP (Departamento Intersindical de Análise Parlamentar), que costuma atribuir notas aos deputados (e também aos senadores) de acordo com sua atuação favorável ou contrária aos interesses dos trabalhadores.

Se o eleitorado é percebido como atomizado e os mecanismos de mediação e monitoração são ignorados, o vínculo eleitoral será débil, não importa qual o sistema eleitoral adotado. Quando esse modelo simplificado é deixado de lado, emerge a importância do fortalecimento desses "corpos intermediários", uma tarefa que - conforme pretendo argumentar adiante - não se resolve nos termos de uma reforma do sistema eleitoral.

III. CRISE DA DEMOCRACIA, CRISE DA REPRESENTAÇÃO

O foco nos defeitos do sistema eleitoral brasileiro também gera uma ilusão - a de que os problemas de nossa democracia têm origem na representação proporcional ou, em particular, nas listas abertas. No entanto, fenômenos assemelhados aparecem em muitos outros países, até mesmos naqueles cujas democracias são consideradas mais consolidadas. Nossas crises muitas vezes parecem-nos mais profundas, mais insolúveis ou então mais caricatas, o que talvez se deva ao pendor nacional pela chanchada, mas também é fruto da proximidade com que as vivemos. A partir dos anos 1990, não custa lembrar, nos países desenvolvidos do hemisfério norte ruíram sistemas partidários inteiros, como ocorreu na Itália; graves escândalos de corrupção afetaram o núcleo do poder na Espanha, na França, na Alemanha e no Japão; a alienação política, traduzida em desinteresse, desinformação e abstenção eleitoral, alcançou níveis inéditos, mais visivelmente nos Estados Unidos, mas de forma bem acentuada também em muitos outros países.

Há o que se pode chamar de uma crise de credibilidade da representação política, definível como sendo o fato de que, cada vez mais, os cidadãos não se sentem representados pelas instituições representativas17 17 Há quem prefira falar em "reconfiguração" da representação política, evitando o uso da palavra "crise" ( e. g. GURZA LAVALLE & ARAUJO, 2006). Mas as transformações dos mecanismos representativos hoje em curso, por mais que os reconfigurem, indicam a crise de suas formas estabelecidas, frustrando expectativas dos agentes. Prefiro o termo "crise" por julgar que "reconfiguração" possui ressonâncias teleológicas, como se o resultado do processo pudesse ser antecipado. . Os indícios da crise são vários, começando pelo declínio consistente do comparecimento eleitoral, a partir da década de 1960. Na América do Norte, na Europa ocidental, no mundo pós-comunista ou na América Latina, onde quer que existam eleições periódicas, em democracias novas ou antigas, seja qual for o sistema eleitoral, com voto obrigatório ou facultativo, a tendência geral é que uma parcela menor de adultos escolha um candidato a cada eleição18 18 A fonte mais acessível de dados sobre comparecimento eleitoral em todo o mundo é o relatório Voter turnout from 1945 to date: a global report on political participation, do Institute for Democracy and Electoral Assistance (IDEA). . É possível especular que a ausência de participação eleitoral indica alta satisfação com os outputs do sistema, conforme sugeriu Lipset (1963, p. 227), mas tal conclusão, além de contraintuitiva, choca-se com outros conjuntos de evidências.

O aumento na abstenção eleitoral convive com o declínio das lealdades partidárias. Tidos como os veículos por excelência da participação política, os partidos parecem cada vez menos capazes de garantir a adesão do público, o que potencializa a percepção de que há indiferença em relação às opções em jogo. O fenômeno foi estudado com detalhe nos Estados Unidos (WATTENBERG, 1998), mas é perceptível também na Europa ocidental. Além disso, os resultados dos surveys revelam a queda na confiança das instituições e a generalização da idéia de que o povo possui baixíssimo poder de influência nas decisões públicas.

Embora o tema seja, naturalmente, alvo de controvérsia na literatura, são convincentes as evidências que demonstram uma crescente insatisfação com os mecanismos representativos - os volumes organizados por Nye Jr., Zelikow e King (1997), Norris (1999) e Pharr e Putnam (2000) servem de bom sumário dos dados e da discussão. A ampliação dessa insatisfação é menos ou mais acelerada nas diversas democracias eleitorais, mas está presente em toda a parte. Nem o sistema de governo, nem o regime eleitoral parecem ser variáveis de primeira grandeza na explicação das diferenças de amplitude do fenômeno (KLINGEMANN, 1999; PUTNAM, PHARR & DALTON, 2000).

Em suma, é generalizada a sensação da impermeabilidade da democracia representativa à expressão da vontade popular. As cartilhas do bom-mocismo cívico, que muitas vezes recebem um verniz acadêmico da Ciência Política, condenam tal postura. É moralmente errado descrer do potencial do voto e da participação política eleitoral como instrumentos de transformação social e soberania coletiva. Acusa-se, então, o individualismo contemporâneo, a erosão das comunidades, o declínio do "capital social" ou, com mais freqüência, os meios de comunicação de massa, que difundiriam uma visão cínica da política e negariam espaço à noção de bem comum (CAPPELLA & JAMIESON, 1997; FALLOWS, 1997)19 19 Para um balanço da literatura, ver Miguel (2008). .

No entanto, a defesa do poder emancipador do voto parece resumir-se a uma questão de fé. A análise do funcionamento das democracias concorrenciais mostra que o desencanto possui razões bem sólidas para existir. Grupos privilegiados estão em condição de direcionar fortemente a tomada de decisões públicas, intervindo tanto no momento eleitoral quanto na deliberação parlamentar, graças ao controle seja dos recursos materiais, seja da informação. Um veredicto que aponte o fracasso das instituições atuais em realizar promessas fundamentais da democracia, como a igualdade política entre os cidadãos e a soberania popular, não pode ser acusado de irrealista.

De maneira esquemática, é possível perceber duas manifestações dessa crise da representação política. Uma é a ativação popular, que busca impulsionar demandas por intermédio de mecanismos extraeleitorais. Percebida nos países desenvolvidos a partir do final do da década de 1960, a mobilização de setores antes pouco presentes na arena política fez acender vários sinais amarelos no establishment, desembocando em um relato, muito difundido, sobre a "ingovernabilidade" da democracia. De acordo com o famoso relatório para a Comissão Trilateral, escrito por Michel Crozier, Samuel Huntington e Joji Watanuki (1975), as democracias estavam tornando-se "ingovernáveis", por motivos intrínsecos ao próprio método democrático, que teria levado à destruição de todas as hierarquias sociais, à ampliação das demandas de todos os setores da população, à geração de uma "cultura da contestação" e também à hiperpolitização da sociedade.

O problema central é que "as demandas crescem", levadas pela ativação de mais e mais setores e pela espiral ascendente de expectativas, que a prosperidade do período posterior à II Guerra Mundial gerou, "enquanto a capacidade de resposta do governo democrático está estagnada", uma vez que o declínio das hierarquias corrói o controle social e reduz a efetividade da ação estatal (idem, p. 9).

Identificadas as raízes da crise, que são o excesso de demandas e o declínio da autoridade, a solução torna-se lógica: menos demandas e mais autoridade. O que significa duplamente menos democracia, posição cuja formulação expressa encontra-se no capítulo de Huntington (1975, p. 114). Um primeiro passo é o reforço das hierarquias, com o reconhecimento que a posse de competências especiais é também um critério legítimo para o exercício do poder. O segundo é o incremento da apatia política.

À ativação popular dos anos 1960 e 1970, seguiu-se um refluxo, o que, ao menos em parte, representou o triunfo do modelo proposto por Huntington e seus colegas. O resultado, porém, foi um descrédito generalizado, traduzido em apatia - a segunda das duas manifestações da crise da representação política. É possível dizer que a erosão da adesão confiante no sistema político, que deveria existir casos os mecanismos representativos funcionassem a contento, manifesta-se tanto na forma de mobilização extraeleitoral quanto de apatia.

De fato, enquanto alguns, como o próprio Huntington (1994), saudavam a "terceira onda" da democracia, com a queda das ditaduras militares no Sul da Europa e na América do Sul, seguida pelo colapso do comunismo, outros observavam que as instituições da democracia eleitoral desfrutavam de legitimidade decrescente nos próprios países centrais. Na formulação precisa de Robert Dahl (2000), tratava-se de um "paradoxo democrático": cidadãos apegados às normas democráticas, mas descrentes das instituições que deveriam efetivá-las. Há uma forte concordância quanto ao valor da democracia, na qualidade de autogoverno popular, mas os cidadãos não se sentem representados, isto é, estão enfraquecidos os laços que idealmente deveriam ligar os eleitores comuns aos parlamentares, candidatos, partidos e, de forma mais genérica, aos poderes constitucionais.

Um conjunto de estudos enfocou o fenômeno sob diferentes aspectos, perguntando "por que as pessoas não acreditam [mais] no governo" (NYE JR., ZELIKOW & KING, 1997), "o que está incomodando os países da Trilateral" (PHARR & PUTNAM, 2000) e as razões da emergência desses "cidadãos críticos" (NORRIS, 1999). Embora existam diferenças de perspectiva e os culpados variem - a mídia, o declínio do capital social, o perfeccionismo dos cidadãos -, o quadro geral é congruente. Em todo o mundo, a tendência é que os mecanismos representativos sejam cada vez mais mal avaliados pela população, que se julga afastada do cenário político.

Na verdade, a crítica faz-se em nome de um modelo ideal que já não existe em lugar algum do mundo, se é que algum dia realmente existiu. Nele, os partidos são os protagonistas absolutos do jogo político, que organizam de maneira a dotá-lo de completa legibilidade por parte dos cidadãos comuns. Seja por idealismo de seus líderes, seja por simples autointeresse, voltado à conquista do poder, os partidos produzem programas que balizam as opções políticas - e, o que é mais importante, esforçam-se para implementar tais programas. Todas as funções listadas nos manuais de Ciência Política são cumpridas pelos partidos: eles são os mediadores necessários da relação entre líderes políticos e eleitores; exprimem as reivindicações da base, mas também canalizam essa expressão, dentro dos mecanismos institucionais; agregam demandas de diferentes segmentos sociais, formulando um projeto amplo capaz de integrá-las, e organizam o jogo político, produzindo aquela legibilidade referida antes.

É o modelo da "democracia de partidos", cuja crise já foi identificada por mais de um autor. Como se lê em um texto que, aliás, busca desafiar a sabedoria convencional sobre o sistema partidário brasileiro, mesmo nos países de democracia consolidada, "os papéis desempenhados pelos partidos deixaram de ter a centralidade de outrora, ou esses papéis foram, de fato, substituídos por outros" (KINZO, 2004, p. 36).

Um dos relatos mais influentes sobre essa crise, o de Bernard Manin, dá ênfase ao papel dos meios de comunicação, que proporcionam novas formas de interação entre cidadãos comuns, Estado e líderes políticos: a democracia de partidos estaria dando lugar a uma nova "democracia de audiência", na qual a mídia ocupa uma posição central. Segundo ele, "os canais de comunicação política afetam a natureza da relação representativa: através do rádio e da televisão, os candidatos voltam a poder se comunicar diretamente [sic] com seus constituintes, sem a mediação de uma rede partidária. A era dos ativistas políticos e dos homens de partido acabou. Além disso, a televisão confere saliência e vividez particulares à individualidade dos candidatos" (MANIN, 1997, p. 220; minha tradução).

Na verdade, não se trata de uma comunicação direta, já que passa pela mediação da própria mídia. Mas permanece a constatação de que ela supre funções que antes pertenciam aos partidos. Para chegar aos eleitores, para fazer-se conhecido e fazer conhecer sua mensagem, o candidato hoje pode quase prescindir da máquina partidária, desde que tenha suficiente presença nos meios eletrônicos. Os partidos, por sua vez, assim como outras organizações coletivas, necessitam eleger "rostos" para tornarem-se conhecidos do público, já que, diante da televisão, não passam de abstrações, sem a necessária ancoragem imagética. Tal fato, aliás, não é desprovido de conseqüências para as formas de organização política (ver, por exemplo, Gitlin (1980)).

Os partidos perdem espaço para a mídia também no que se refere à sua função expressiva. Indivíduos ou mesmo grupos recorrem aos meios de comunicação de massa para denunciar injustiças ou reclamar que determinadas necessidades não estão sendo supridas - ligam para o telejornal local ou para o programa popular de rádio, não para o vereador ou para o diretório partidário, para reclamar que sua rua não foi asfaltada ou que faltam médicos no posto de saúde20 20 Esse ponto é ressaltado, entre outros, por Lima (2001). . Em países periféricos, algumas dessas demandas são satisfeitas pela própria mídia, que oferece a particulares recursos que a rede de proteção social do Estado não fornece (basta pensar nas "Portas da Esperança" e em programas similares). Não se trata de julgar que a mídia esteja "substituindo" o Estado; ela está aproveitando o vácuo da ação estatal.

Por outro lado, em sua função de elaboração de projetos de políticas públicas, os partidos sofrem a crescente concorrência de outros organismos especializados, como as organizações não governamentais. Resta aos partidos a agregação dos diferentes interesses ou demandas setoriais em um projeto coletivo de pretensões universalizadoras. Mas, na ausência de suas outras prerrogativas, eles cumprem mal essa tarefa. A decadência dos partidos gera um sistema que sabe articular interesses, mas não agregá-los, o que é apontado como um dos mais graves problemas das democracias eleitorais atuais (FIORINA, 1980).

Há um último elemento que pode ser acrescentado: o estreitamento do leque de alternativas políticas. O comunismo ruiu e, em um mesmo movimento, partidos socialistas e socialdemocratas passaram a defender - e implementar, quando no poder - políticas cada vez mais próximas de seus adversários da direita. A força das lealdades políticas certamente decai, à medida que essa similaridade torna-se mais evidente. Afinal, a manutenção do apoio a um ou outro partido deve-se a fatores de ordem emocional, a tradições, a pressões de grupo, mas também à identificação com uma determinada visão de mundo, distintiva. Sem a diferenciação programática clara, é natural que a opção política seja questão de personalidades, ampliando a volatilidade eleitoral.

Não resta dúvida de que a representação proporcional em listas abertas contribui para a personalização da disputa política e é um obstáculo à consolidação dos partidos - ainda que mecanismos internos aos próprios partidos possam minimizar o peso de tal obstáculo (SAMUELS, 1997). Mas a mudança do sistema eleitoral não resolve o problema, cujas raízes encontram-se em modificações de mais longo alcance nas condições da disputa política nas sociedades contemporâneas. Quer dizer, foram as alterações no ambiente em que se desenrola o jogo político que reduziram, em todo o mundo, o peso dos partidos, e o ajuste do sistema eleitoral é um remédio fraco para fazer frente a elas.

IV. PARA ALÉM DA ENGENHARIA ELEITORAL

- Qual é a ação mais importante para uma democracia perfeita?

- Mudar o sofá. Não dá pra mudar muitas outras coisas. Então, muda-se o sofá.

(Millôr Fernandes, "Entrevista breve com o democrata perfeito")

A ênfase nos problemas do sistema eleitoral, que concentra - sob diferentes perspectivas - as atenções nos debates sobre a chamada "reforma política", dá a entender que o principal ponto de estrangulamento da democracia brasileira está na mecânica que transforma votos em cadeiras no Parlamento ou na vinculação entre os políticos e seus partidos. Não pretendo pôr em questão que medidas para conter o transbordamento do poder econômico para a arena eleitoral ou destinadas a recompor a proporcionalidade da representação das unidades da federação tenham relevância; ou que outras, como as voltadas à redução artificial do número de grupos presentes no poder Legislativo (a cláusula de barreira), venham a ter efeitos na dinâmica política brasileira. Mas, por si só, as medidas são insuficientes para recuperar os instrumentos representativos, se essa recuperação é entendida como sendo a ampliação da "responsividade" dos eleitos em relação ao conjunto dos eleitores. Como na sátira de Millôr Fernandes (2006, p. 40), colocada em epígrafe a esta seção, dá-se atenção ao acessório, sabendo que é difícil mudar aquilo que é central.

Pierre Rosanvallon observa, com razão, que o trabalho de representação não se resume à transposição, para o plano político, de traços presentes na sociedade civil. "Ele consiste também em uma tarefa de conhecimento e de decifração. Daí a impossibilidade de circunscrevê-lo ao campo das técnicas eleitorais" (ROSANVALLON, 1998, p. 361). "Conhecimento" e "decifração", porém, ainda dão a idéia de um universo prévio a ser apreendido e, então, reproduzido. A representação política não se limita a isso, na medida em que ela participa também do próprio processo de constituição dos interesses e identidades a serem conhecidos e decifrados.

Assim, julgo que a recuperação dos mecanismos representativos depende de uma compreensão ampliada do sentido da própria representação, capaz de contemplar as questões ligadas à formação da agenda, ao acesso aos meios de comunicação de massa e às esferas de produção de interesses coletivos21 21 Este e os próximos parágrafos retomam, sintetizam e reelaboram discussão anterior (MIGUEL, 2003). . A visão predominante da representação política, centrada na autorização por intermédio do voto, limita-se àquilo que Bachrach e Baratz (1962) chamavam de "primeira dimensão", positiva, do exercício do poder. Subjacente a ela está a presunção, própria do pensamento liberal, de que a formação das preferências dá-se na esfera privada, entrando no processo político como dada (ELSTER, 1997). O problema, portanto, resume-se a fazer que tais preferências expressem-se da forma mais transparente e sejam agregadas de maneira a produzir um governo que combine apoio social e capacidade decisória.

Nesse modelo, cabe às organizações da sociedade civil o papel (importante, mas limitado) de promover os interesses comuns de seus membros, por meio de ações próprias ou de contatos com o mundo político, quando são lidas pela perspectiva dos "grupos de pressão". Já os meios de comunicação devem prover os cidadãos de informação suficiente e correta, para que eles situem-se no cenário político e possam fazer suas escolhas de forma segura. O pluralismo da mídia, assim, possui apenas valor instrumental: a concorrência mercantil faz que os desvios sejam punidos e garante o fornecimento de informação correta para o público22 22 Para uma discussão, ver Miguel (2004). .

A substituição da noção de "comunicação" pela de "informação", que transparece de maneira ainda mais plena em estudos como os de Rennó (2006), vincula-se a uma percepção estereotipada do processo político em geral (e eleitoral em particular), cara à perspectiva da escolha racional. Se as preferências do eleitor são entendidas como dadas, o importante é que ele tenha clareza sobre as opções que o mercado político oferece-lhe, para assim decidir de forma correta. A "informação" - sobre o comportamento pretérito dos candidatos e as expectativas presentes que eles geram - é, assim, o ambiente no qual um eleitor "fixo" (quanto às suas ambições, anseios, vontades etc.) situa-se.

Uma compreensão mais ampla da representação política exige a ruptura com esses modelos. Em especial, exige o entendimento de que a tomada de decisões por parte dos representantes, nos espaços a eles reservados, e o posterior veredicto dos constituintes são apenas as etapas finais de um processo que possui ao menos dois outros momentos cruciais: a determinação da agenda, com o debate público que se segue, e a formação das preferências. É aí que os meios de comunicação de massa e a sociedade civil ganham posição de destaque.

Nas últimas décadas, a pesquisa sobre mídia e política, área fronteiriça na qual dialogam comunicólogos e cientistas políticos, acumulou uma grande quantidade de dados e alguma reflexão sobre a influência dos meios de comunicação de massa nas eleições, no comportamento parlamentar e no governo. É possível denunciar, uma vez mais, o sistema eleitoral brasileiro, observando que a fragilidade dos partidos e o personalismo "aumentam o papel da televisão nas campanhas eleitorais" (MAINWARING, 2001, p. 72). Mas a singularização da situação brasileira é abusiva; o peso dos meios eletrônicos, em especial da televisão, é significativo em todas as democracias eleitorais, mesmo aqueles que contam com sistemas partidários considerados fortes.

Deixando de lado a influência da mídia na formação do capital político ou na condução das campanhas eleitorais, o foco aqui é a determinação da agenda. Decidir o que vai compor a pauta de assuntos submetidos a debate e decisão, bem como quais serão as alternativas consideradas, é um dos pontos centrais da luta política. Porém, esse é um processo que transcende os espaços formais de tomada de decisão. Os grupos de interesse disputam a inclusão ou exclusão de temas na agenda, o que envolve diferentes formas de pressão ou convencimento sobre representantes eleitos e sobre a "opinião pública". Os meios de comunicação ocupam, aí, uma posição central, como a ampla literatura sobre agenda-setting (definição de agenda) vem demonstrando há mais de 30 anos. Afinal, a mídia é o principal canal de difusão de informação nas sociedades contemporâneas; se a inclusão de uma determinada questão na agenda pública depende da visibilidade dada a ela, a mídia não pode ser deixada de lado.

A elaboração da agenda, assim, é um momento fundamental do debate público; boa parte da discussão envolve a composição e hierarquização da agenda. Os grupos em disputa procuram dar destaque a determinados problemas - ou, ao contrário, impedir sua tematização. Mas apresentar uma questão é insuficiente, se não for possível "enquadrá-la", isto é, difundir uma narrativa que identifique sua origem, seus elementos, seus desdobramentos, as possíveis respostas. Às vezes, a capacidade de incluir o tema na agenda não leva à possibilidade de disputar a determinação de um enquadramento: a violência, por exemplo, chama a atenção para um problema, mas deslegitima os grupos que a promovem como interlocutores públicos (GAMSON & MEYER, 1996, p. 287-289).

Resumindo: a representação política não se limita à capacidade de tomar decisões em nome de outros, que autorizaram tal poder por intermédio das eleições. Há um elemento representativo também no debate público, que forma a agenda e determina os enquadramentos em disputa - já que o envolvimento direto de todos nesse debate é inviável, tanto ou mais que a participação na decisão. Esse debate ocorre, é certo, no Parlamento; mas também em espaços menos formalizados, em particular nos meios de comunicação. Na verdade, quando as disputas políticas ocorrem predominantemente no ambiente criado pelos meios de comunicação de massa (MIGUEL, 2002; GOMES, 2004) e quando o progresso da carreira política depende, em grande medida, da visibilidade midiática, são grandes os incentivos para que o debate parlamentar ecoe aquele que se desenrola na mídia.

O aperfeiçoamento da representação - e, por conseguinte, da própria democracia - passa então pela ampliação da representatividade da mídia, de maneira a levá-la a reproduzir melhor a pluralidade de posições presentes na sociedade. Não se trata, simplesmente, de dar espaço às diferentes opções existentes no campo político, a fim de que o eleitor forme sua decisão, caso em que um modelo de "direito de antena" aos partidos políticos, como o existente no Brasil (os horários partidário e eleitoral no rádio e televisão), indicaria a solução. Trata-se de garantir pluralismo em um debate público que ocorre de forma permanente, um pluralismo que falta aos meios de comunicação brasileiros - que, para além de sua concorrência mercantil, tendem a apresentar visões de mundo similares e a simpatizar com os mesmos interesses (KUCINSKI, 1998).

Para não deixar dúvidas, convém esclarecer que, quando se fala em "pluralismo" da mídia, a palavra pode referir-se a três aspectos diferentes. Há o pluralismo empresarial, necessário à disputa no mercado, que no Brasil é débil, dada a existência de um conglomerado de comunicação ainda hegemônico (a Rede Globo), secundado por um punhado de grandes empresas. Há o pluralismo político, importante para permitir que os consumidores de informação tenham acesso aos discursos dos diferentes agrupamentos políticos em disputa. E há o pluralismo social, para dar visibilidade às diferentes visões de mundo, vinculadas a diferentes posições na sociedade, isto é, um pluralismo de "perspectivas sociais", no sentido que Iris Marion Young (2000) dá à expressão.

Os meios de comunicação registram mal a pluralidade de posições políticas e de perspectivas sociais, por uma série de razões, que vão desde a pressão de seus controladores e anunciantes até a homogeneidade de origem e de formação de seus profissionais. Mais do que qualquer característica do sistema eleitoral, é o ambiente comunicacional que compromete a capacidade de controle dos representados, na medida em que leituras do mundo político sob perspectivas próximas às suas, em muitos casos, não estão disponíveis.

Acrescem-se a isso fatores vinculados à própria dinâmica do campo político, que, como anotou Pierre Bourdieu, privilegia uma linguagem dominante que "destrói, ao desacreditá-lo, o discurso político espontâneo dos dominados: não lhes deixa outra opção que não o silêncio ou a linguagem emprestada, cuja lógica não é mais a do uso popular, sem ser a do uso culto, linguagem enguiçada, onde as 'palavras elevadas' estão presentes apenas para assinalar a dignidade da intenção expressiva e que, nada podendo transmitir de verdadeiro, de real, de 'sentido', priva aquele que a fala da experiência mesma que julga exprimir" (BOURDIEU, 1979, p. 538; grifos no original; minha tradução).

Não existem soluções mágicas para a democratização da comunicação, que enfrenta ainda problemas políticos óbvios para impor-se como tema de destaque na agenda pública. As dificuldades, porém, não eliminam o fato de que é uma questão central para o aperfeiçoamento da democracia, aproximando-a do sentido normativo original de "governo do povo". O ponto mais importante é dissociar capacidade de prover informações - isto é, do usufruto da liberdade de expressão como liberdade positiva - da posse do poder econômico, por meio de instrumentos diversos, que incluem a reserva de tempo na mídia comercial para que movimentos sociais e organizações da sociedade civil veiculem suas posições, o incentivo ao jornalismo, rádio e televisão comunitários e o financiamento público para estimular a expressão de grupos desprivilegiados.

A difusão de diferentes perspectivas, por meio da democratização da comunicação, não tem impacto apenas na inclusão de vozes no debate público. Ela está estreitamente relacionada à formação das preferências, já que a produção das identidades coletivas, ainda que possua base estrutural, vincula-se à identificação com tais ou quais dos discursos presentes na esfera pública. A geração ou o fortalecimento de espaços autônomos de produção de preferências por parte dos grupos subalternos caminha junto à ampliação da visibilidade de suas perspectivas.

O que se coloca, aqui, é o entendimento de que grupos sociais dominados possuem menor capital econômico e cultural, ficando em situação desvantajosa para produzir suas próprias preferências. Estão como que condenados a abraçar "preferências adaptativas", limitando-se a escolher uma das alternativas já colocadas, sem a capacidade de introduzir novas opções (SUNSTEIN, 1991, p. 19-24; KNIGHT & JOHNSON, 1997, p. 298). É necessário promover a vitalidade dos espaços em que esses grupos possam definir os seus próprios interesses que, depois, serão representados nos fóruns políticos gerais, inclusive no Parlamento. Nancy Fraser propõe a expressão "contrapúblicos subalternos, para assinalar que são arenas discursivas paralelas em que membros de grupos sociais subordinados inventam e difundem contradiscursos para formular interpretações opositivas de suas identidades, interesses e necessidades" (FRASER, 1992, p. 123; grifos no original; minha tradução).

Assim, os problemas da representação política são deslocados do processo eleitoral e do Parlamento para os espaços de discussão pública, em particular a mídia, e para a sociedade civil. Não há possibilidade de uma representação política mais adequada sem a ampliação da pluralidade de perspectivas sociais nos discursos disponíveis ao público, que formam a base para o engajamento político, e sem a presença de uma sociedade civil desenvolvida, na medida em que tal sociedade civil é a própria base da prática da cidadania ativa e dos contrapúblicos mencionados por Fraser.

V. CONCLUSÕES

Este artigo buscou demonstrar que a condenação ao sistema eleitoral de representação proporcional com listas abertas, freqüente entre cientistas políticos que se dedicam a estudar o Brasil, está, em grande medida, baseada em três equívocos: (1) a adoção, expressa ou implícita, de um modelo normativo cuja vigência esgotou-se mesmo nos países que nos servem de modelo, a "democracia de partidos"; (2) a percepção de que a accountability é um laço que une representantes a seus eleitores, não ao "eleitorado" como abstração e coletividade; e (3) a percepção de que os parlamentares brasileiros não têm clareza sobre a composição de suas bases eleitorais. Mais ainda, o foco nas deficiências, reais ou pretendidas, do nosso sistema eleitoral leva a obnubilar outros fatores mais importantes, que explicam o fracasso das instituições representativas em promover a democracia como governo do povo.

Como qualquer outro sistema eleitoral, a representação proporcional com listas abertas possui pontos positivos e pontos negativos. Conforme Maurice Duverger demonstrou há mais de meio século, sistemas de representação proporcional em geral tendem a fragmentar a composição do Parlamento, dificultando a formação das maiorias que dariam sustentação ao governo (DUVERGER, 1987). As listas abertas, por sua vez, são um fator a mais para a personalização das disputas políticas; e o grande número de candidatos torna o processo mais complexo, exigindo mais dos eleitores.

Por outro lado, listas fechadas e votação majoritária reduzem o elenco de alternativas à disposição do eleitorado, diminuindo também a accountability potencial. Além disso, concentram poderes nas mãos das direções partidárias, em detrimento dos cidadãos comuns. A fragmentação na composição do Parlamento significa a presença (potencial) de mais correntes de opinião nas arenas decisórias; e a ausência de maiorias automáticas pode implicar que os governos devam ampliar o consenso social para a aprovação de suas políticas.

Se o objetivo de uma transformação nos mecanismos de representação é aprimorar a expressão da vontade popular e o controle dos constituintes sobre os eleitos, o foco no sistema eleitoral mostra-se excessivamente redutor. Mesmo os problemas identificados nas listas abertas são melhor enfrentados com a ampliação do debate público e o fortalecimento da sociedade civil, que permitiriam aos eleitores aproveitar de forma mais consistente as oportunidades de escolha, mais amplas do que em outros sistemas eleitorais, que lhes são oferecidas.

Pode-se afirmar que o caminho indicado neste artigo é irrealista. Há mais de dez anos o Brasil debate-se com o tema da reforma do sistema eleitoral, sem conseguir alcançar uma solução; que dirá a democratização da comunicação, um tema tabu para políticos que dependem da mídia na busca por visibilidade, ou o "empoderamento" dos grupos sociais subalternos, por meio do fortalecimento de sua organização autônoma. Talvez seja irrealista a própria democracia. Mas é ela - no sentido de governo do povo, de igualdade política, de autonomia coletiva -, não outro regime, que guia a esperança de uma sociedade justa, em que a dominação seja superada.

OUTRA FONTE

Recebido em 3 de maio de 2008.

Aprovado em 12 de fevereiro de 2009.

Luis Felipe Miguel (lfelipemiguel@uol.com.br) é Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Professor da Universidade de Brasília (UnB).

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  • 1
    Este artigo foi produzido dentro do projeto "Modelos alternativos de representação política", apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) com uma bolsa de Produtividade em Pesquisa. Agradeço a Aline Coutinho, então bolsista de Iniciação Científica do CNPq, que realizou a maior parte da revisão bibliográfica que resultou na primeira seção do texto e também leu e comentou versões anteriores. Também sou grato a Regina Dalcastagnè, a Carlos Machado e aos pareceristas anônimos da
    Revista de Sociologia e Política, pela leitura atenta, pelas críticas e pelas sugestões, que nem sempre acatei, seguramente por teimosia minha.
  • 2
    Telecomunicações Brasileiras S. A.
  • 3
    A crítica já "clássica" à idéia de democracia consolidada encontra-se em O'Donnell (1996). O argumento de que a capacidade de sobreviver a crises
    é a própria consolidação democrática é desenvolvido por Robert Dahl (1997, p. 39).
  • 4
    A mudança do sistema eleitoral é, também, recorrente nas iniciativas legislativas voltadas à "reforma política" (SOARES & RENNÓ, 2006).
  • 5
    Em que pesem as simplificações, o determinismo e o tom demasiado peremptório, o livro de Michels fornece pistas valiosas para a compreensão de alguns dos problemas da representação política.
  • 6
    O conceito de
    accountability horizontal é desenvolvido por O'Donnell (1998; 1999). Peruzzotti e Smulovitz (2001) apresentam um tipo adicional de
    accountability, que denominam "social" e que seria exercida pela mídia e por organizações não governamentais. Falta a essa dimensão, porém, a capacidade de aplicação de sanções; suas advertências e denúncias ganham efetividade apenas quando sensibilizam algum dos poderes constituídos, em especial o Judiciário (
    accountability horizontal) ou o eleitorado (
    accountability vertical). A possibilidade de impor sanções é, em si, uma das dimensões constitutivas da
    accountability (SCHEDLER, 1999, p. 15). Julgo que é relevante entender o papel desempenhado pela mídia e pela Organizações Não Governamentais (ONGs) no funcionamento das democracias representativas contemporâneas, mas dar a elas o
    status de uma terceira dimensão da
    accountability é injustificado.
  • 7
    Para a distinção
    accountability - "responsividade", ver Manin, Przeworski e Stokes (1999, p. 9-10).
  • 8
    Para uma discussão mais aprofundada, ver Miguel (2005).
  • 9
    Não interessa, aqui, discutir a preferência de Nicolau, de Santos ou de qualquer outro autor por tal ou qual sistema eleitoral, até porque tais posições são em geral mais complexas e matizadas do que a reconstrução que delas farei, mas analisar textos que enunciam, de forma a meu ver exemplar, os argumentos contrários ao voto preferencial.
  • 10
    Figueiredo e Limongi (2002) questionam a tese, amplamente difundida, de que o Brasil é um exemplo de voto pessoal, demonstrando a influência dos partidos na composição das listas, o peso da votação global das listas partidárias nas chances de vitória dos candidatos e as limitações da ação individual, não partidária, no Parlamento. Em relação à decisão do voto, no entanto, tudo o que têm a apresentar é a informação de que alguns
    surveys, em contraposição a outros, indicam que uma parcela significativa do eleitorado possui simpatia por algum partido (
    idem, p. 310). O argumento de que os partidos são relevantes é merecedor de atenção do ponto de vista do sistema; do ponto de vista do eleitor, ainda é bem mais convincente a percepção de que a escolha é, sobretudo, personalizada.
  • 11
    O peso dessa sabedoria convencional na Ciência Política é tão grande que, mesmo após apresentar dados que mostram que a relação entre número de candidatos e nível de conhecimento do eleitorado "não é estatisticamente significativa", um autor descarta essa análise em favor de outra, com "uma variável similar, contudo mais simples", que indica que
    nos momentos iniciais da campanha a quantidade de candidatos influi negativamente no aprendizado do eleitor. E, assim, pode concluir em favor de medidas que reduzam o número de candidatos (RENNÓ, 2006, p. 61-4).
  • 12
    Embora o texto apresente-se como um mapeamento de diferentes propostas, é o sistema misto que aparece sob luz mais favorável, sendo considerado necessário para ampliar o vínculo entre representantes e representados (NICOLAU, 2003, p. 222). Em textos mais recentes, ele apresenta uma posição mais cautelosa, ponderando prós e contras da diferentes alternativas e evitando uma abordagem prescritiva (NICOLAU, 2006a; 2006b).
  • 13
    Há uma literatura que discute se as eleições seriam mesmo instrumentos efetivos de
    accountability, independentemente do sistema eleitoral. Afinal, os cidadãos podem ver o processo eleitoral mais como uma oportunidade de selecionar o tipo "certo" de governante do que de aplicar sanções aos escolhidos anteriormente (FEARON, 1999). E, por outro lado, a assimetria informacional entre representantes e representados é tamanha que qualquer controle torna-se ilusório (FEREJOHN, 1999).
  • 14
    Dados disponíveis em
    Reelection Rates Over the Years (2008).
  • 15
    Para uma análise desses laços, ver Bezerra (1999).
  • 16
    Para uma análise da dinâmica sob o ponto de vista do eleitor, ver Figueiredo e Aldé (2005).
  • 17
    Há quem prefira falar em "reconfiguração" da representação política, evitando o uso da palavra "crise" (
    e.
    g. GURZA LAVALLE & ARAUJO, 2006). Mas as transformações dos mecanismos representativos hoje em curso, por mais que os
    reconfigurem, indicam a
    crise de suas formas estabelecidas, frustrando expectativas dos agentes. Prefiro o termo "crise" por julgar que "reconfiguração" possui ressonâncias teleológicas, como se o resultado do processo pudesse ser antecipado.
  • 18
    A fonte mais acessível de dados sobre comparecimento eleitoral em todo o mundo é o relatório
    Voter turnout from 1945 to date: a global report on political participation, do Institute for Democracy and Electoral Assistance (IDEA).
  • 19
    Para um balanço da literatura, ver Miguel (2008).
  • 20
    Esse ponto é ressaltado, entre outros, por Lima (2001).
  • 21
    Este e os próximos parágrafos retomam, sintetizam e reelaboram discussão anterior (MIGUEL, 2003).
  • 22
    Para uma discussão, ver Miguel (2004).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Nov 2010
    • Data do Fascículo
      Out 2010

    Histórico

    • Recebido
      03 Maio 2008
    • Aceito
      12 Fev 2009
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