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O controle do câncer no Brasil na primeira metade do século XX

Resumos

Discute as ações públicas para o controle do câncer no país, entre a década de 1920 e o final dos anos 1940. Trata da criação da Inspetoria de Profilaxia da Lepra e das Doenças Venéreas, no âmbito do Departamento Nacional de Saúde Pública, primeira ação pública relacionada à doença. Embora de pouco alcance, seu surgimento permite a compreensão do campo profissional, relacionado à doença, existente à época. Observa o papel da difusão da eletrocirurgia na ampliação do interesse médico pelo câncer e na criação do Centro de Cancerologia do Distrito Federal. Discute a criação e a primeira década de atuação do Serviço Nacional de Câncer, aproximando seu perfil inicial das questões que nortearam sua trajetória.

história da saúde pública; história da medicina; controle do câncer; história das doenças; Brasil


The article discusses public efforts to control cancer in Brazil from the 1920s to the close of the 1940s. It examines the process which brought about creation of the Inspectorship to Combat Leprosy, Venereal Diseases, and Cancer within the National Department of Public Health. Creation of the Inspectorship was the first public action to target cancer and, while it was not far-reaching, its emergence enables us to understand the professional field of cancer at that time. The text also points to the role played by the diffusion of electrosurgery in expanding medical interest about cancer and in the founding of the Cancerology Center in the Federal District. It discusses the establishment and first decade of activities of the National Cancer Service, endeavoring to link the Service's initial profile with the issues that guided its history.

history of public health; history of medicine; cancer control; history of disease; Brazil


ANÁLISE

O controle do câncer no Brasil na primeira metade do século XX

Luiz Antonio Teixeira

Pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz/ Fundação Oswaldo Cruz. Av. Brasil, 4036/403 21040-361- Rio de Janeiro - RJ - Brasil. teixeira@coc.fiocruz.br

RESUMO

Discute as ações públicas para o controle do câncer no país, entre a década de 1920 e o final dos anos 1940. Trata da criação da Inspetoria de Profilaxia da Lepra e das Doenças Venéreas, no âmbito do Departamento Nacional de Saúde Pública, primeira ação pública relacionada à doença. Embora de pouco alcance, seu surgimento permite a compreensão do campo profissional, relacionado à doença, existente à época. Observa o papel da difusão da eletrocirurgia na ampliação do interesse médico pelo câncer e na criação do Centro de Cancerologia do Distrito Federal. Discute a criação e a primeira década de atuação do Serviço Nacional de Câncer, aproximando seu perfil inicial das questões que nortearam sua trajetória.

Palavras-chave: história da saúde pública, história da medicina, controle do câncer; história das doenças; Brasil.

Em seu clássico trabalho sobre a história do combate ao câncer na França, Patrice Pinell (1992) observa que, na virada do século XIX para o XX, se opera uma transformação em relação à percepção social da doença. Num contexto de aumento de sua incidência, em virtude do envelhecimento da população, começam a surgir instituições estatais e filantrópicas relacionadas aos cuidados com os doentes, sociedades médicas dedicadas à doença, hospitais especializados e centros de pesquisa. Até então considerado raro e excepcional, o câncer passa a ser visto como um problema cada vez mais presente, verdadeira ameaça à sociedade por sua grande incidência e letalidade. A transformação observada por Pinell não se reduz à França, se aplicando também aos EUA e outros países europeus, que se empenharam na criação de instituições semelhantes. Além disso, a dinâmica do mundo científico, com seus encontros e publicações, se encarregaria de globalizar essas preocupações.

Em pouco tempo, a inquietação em relação ao câncer teria alguns ecos entre nossos médicos. Primeiramente com o surgimento de trabalhos de perfil epidemiológico, que buscavam mostrar que a doença era um mal do mundo moderno e em pouco tempo também deveria chegar ao Brasil (Teixeira, no prelo). No início dos anos 1920, essas preocupações uniram filantropia e iniciativa estatal em projetos de criação de espaços específicos para o tratamento de doentes e das primeiras ações do poder público relacionadas ao câncer, que visavam a levar à população informações sobre prevenção e a ampliar o conhecimento sobre sua incidência no país. Mas, a despeito do recuo temporal dessas iniciativas, por quase toda a primeira metade do século XX as ações governamentais em relação à doença seriam esparsas e descontínuas, na maioria das vezes respostas a iniciativas pessoais ou de grupos profissionais que buscavam transformá-lo em objeto de atenção da saúde pública. Apenas nos últimos anos da década de 1940 essa situação começaria a se transformar, com o progressivo desenvolvimento do Serviço Nacional do Câncer (SNC) e de seu Instituto de Câncer.

O período analisado nas páginas seguintes traz à luz a atuação de grupos de especialistas e algumas de suas lideranças, no processo de formatação de uma política de controle do câncer no país. Procuro mostrar como esses profissionais - de início os dermatologistas, em seguida os cirurgiões, circundados por patologistas e epidemiologistas - foram os responsáveis pela conformação das ações contra o câncer nesse período e, em grande medida, pelos rumos das políticas voltadas para a doença no período subsequente.

Dermatologia, câncer e saúde pública

Nos últimos anos da década de 1910, opera-se uma importante transformação em relação ao controle do câncer na Europa e nos EUA. Ela diz respeito à intensificação da utilização da radioterapia como terapêutica específica para a doença. Surgida no final do século XIX a partir das descobertas no campo da química efetuadas pelo casal Curie, essa terapia por algum tempo foi vista com reservas pelos médicos e utilizada em pequena escala, associada, principalmente, a problemas dermatológicos ou a ações paliativas de redução de tumores inoperáveis. Na década de 1920, o maior domínio da nova tecnologia possibilitou a ampliação de sua utilização, transformando-a em opção a cirurgias ou terapêutica indicada em casos específicos (Pinell, 1992; Pickstone, 2007).

O Brasil não ficaria indiferente a esse contexto. No final dos anos 1910, a radioterapia começa a atrair a atenção de alguns médicos, em particular dos dermatologistas que trabalhavam com câncer de pele. A ligação entre cancerologia e dermatologia estaria na base do estabelecimento de uma inspetoria relacionada ao controle do câncer, no âmbito da primeira organização de saúde pública de caráter nacional criada no país.

O desenvolvimento da dermatologia como área de pesquisa, no Brasil, data do início do século XX, momento em que a articulação das pesquisas dermatológicas com as emergentes áreas da medicina experimental, como a microbiologia e a medicina tropical, aproximavam-na dos polos mais dinâmicos da pesquisa biomédica brasileira, estabelecidos nos institutos de pesquisa do Rio de Janeiro e São Paulo.1 1 Refiro-me ao Instituto Bacteriológico de São Paulo, Instituto Pasteur de São Paulo e Instituto Soroterápico Federal, hoje Fundação Oswaldo Cruz. Em 1906, o ingresso do dermatologista Fernando Terra nos quadros da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro deu início à renovação do ensino e da pesquisa nesse campo. A partir de 1912, com a fundação da Sociedade Brasileira de Dermatologia e Sifilografia, também por Fernando Terra, a comunidade de dermatologistas fortaleceria seu processo de institucionalização criando novas publicações, eventos científicos e espaços institucionais, que enredaram diversos grupos de pesquisa de diferentes estados (Carrara, 1996).

Personagem central nesse contexto foi o médico Eduardo Rabello, autoridade reconhecida no campo da dermatologia e da sifilografia e principal responsável pela transformação do câncer em problema de saúde pública.2 2 Eduardo Rabello foi chefe do Serviço de Doenças da Pele e Sífilis, da Policlínica de Botafogo, professor da cátedra de Dermatologia e Sifilografia da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e um dos fundadores e secretário da Sociedade Brasileira de Dermatologia e Sifilografia em seus primeiros anos, vindo a ocupar sua presidência em 1925 (Rabello, 1974). Em 1914, quando ocupava o cargo de secretário da Sociedade Brasileira de Dermatologia e Sifilografia, Rabello foi comissionado pela Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP) para uma viagem à Europa, para estudar medidas de combate à sífilis lá adotadas. Em Paris, se interessou pela radioterapia e de volta ao Brasil sugeriu, à congregação da faculdade, a criação de um instituto para o tratamento radiológico do câncer e para a formação profissional nesse campo. Em 1919 conseguiu seu intento fundando, junto com Fernando Terra, o Instituto de Radiologia da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, anexo à clínica dermatológica que dirigiam. Instalava-se, pela primeira vez no Brasil, um serviço público totalmente direcionado ao atendimento de acometidos por câncer (Costa Junior, 1921;).

Como enfermaria da Santa Casa e clínica da Faculdade de Medicina, o Instituto de Radiologia dedicava-se principalmente aos tratamentos e à formação nessa área. Em menos de dois anos de atuação, nele já se havia efetuado tratamento radiológico em mais de 300 doentes, não se atendo apenas a cânceres dermatológicos. Cânceres do tubo digestivo, da face, dos seios e do colo do útero foram seus principais objetos (Costa Junior, 1921). Além de suas atividades cotidianas, o Instituto teve importante atuação na facilitação de tratamentos e pesquisas clínicas, ao ceder suas instalações e aparelhagens para médicos interessados na nova tecnologia.3 3 O melhor exemplo dessa atividade diz respeito às pesquisas e atividades terapêuticas desenvolvidas pelo médico A. Aguinaga, do Serviço de Ginecologia do Hospital São Francisco de Assis. Ele foi um dos pioneiros, no Brasil, na utilização da radioterapia no tratamento de câncer de colo do útero. Além disso, efetuou diversas pesquisas sobre o assunto e ainda em 1925 publicou um livro sobre o tema. Todo o seu trabalho tinha como base a utilização das aparelhagens do Instituto de Radiologia (Aguinaga, 1925).

Embora o Instituto de Radiologia tenha sido criado no âmbito da expansão da dermatologia na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, de maneira semelhante ao ocorrido na Inglaterra, no início do século XX (Pickstone, 2007) a dermatologia brasileira progressivamente se restringiria às ações contra os cânceres cutâneos. No entanto, no período de fundação do Instituto, ela seria o elemento central na integração da doença às atividades da saúde pública. Vejamos como se deu esse processo.

No final dos anos 1910, o Brasil ingressou num processo de reforma sanitária que visava a expandir geograficamente o raio de ação dos serviços de saúde da União e inserir, no escopo de suas atividades, programas direcionados às doenças endêmicas, até então negligenciadas. A criação do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), em substituição à antiga Diretoria Geral de Saúde Pública, em novembro de 1919, foi o marco central desse processo. O novo departamento tinha abrangência nacional e incluía campos de atuação que a saúde pública brasileira ainda não abarcava - como a higiene industrial e alimentar. No que tange à profilaxia de doenças específicas, foram criadas duas diferentes inspetorias, uma para o controle da tuberculose - de ação restrita ao Distrito Federal - e outra englobando o controle das doenças venéreas, lepra e câncer (Brasil, 31 dez. 1923).

A Inspetoria de Profilaxia da Lepra e das Doenças Venéreas deveria estabelecer estatísticas sobre óbitos de câncer, possibilitando um conhecimento mais apurado acerca dos níveis de incidência da doença. A possibilidade de ser um mal contagioso levou seus criadores a incluir, entre suas atividades, a desinfecção nos domicílios onde tivesse havido óbito de câncer (Sanglard, 2008). Também eram previstas a gratuidade dos exames de laboratório necessários aos diagnósticos e a organização de uma campanha educativa contra a doença, realizada por meio de folhetos, conferências e exposições educativas. Por fim, o regulamento que criou a Inspetoria assinalava que ela poderia, em conjunto com a filantropia, fundar institutos de câncer com fins terapêuticos e experimentais (Brasil, 31 dez. 1923).

A inclusão do câncer como objeto de ação da Inspetoria merece ser explicada, pois no final da década de 1910 as principais preocupações da saúde pública se relacionavam ao campo das endemias rurais de maior incidência, como a malária e as verminoses. Em relação às doenças urbanas, as inquietações estavam direcionadas à tuberculose e à sífilis e, em menor medida, à lepra, males que no entender de muitos médicos eram a fonte da degeneração de nossa população e principais obstáculos ao desenvolvimento do país. Ao câncer não era dada similar importância, pois até então ele não se configurava com doença de índices expressivos. Além disso, não parecia ter caráter hereditário, de modo que colocasse o país em risco pela degeneração de sua população (Teixeira, no prelo).

O fio que ligava essas doenças ao câncer e as tornava especialmente preocupantes para a saúde pública, na reforma de 1919, era a crença no seu alto potencial de propagação. A tuberculose, por sua forte incidência nas áreas de aglomeração e pobreza, era o principal problema de saúde pública. A sífilis era sabidamente de transmissão sexual e acreditava-se que estava em franca expansão. Já a lepra era considerada contagiosa, embora não se conhecesse seu mecanismo de transmissão. À época, muitos médicos acreditavam que o câncer deveria ter uma forma de transmissão semelhante à lepra e, como as estatísticas elaboradas tanto no Brasil como no exterior pareciam mostrar a constante ampliação dos seus índices, tornava-se necessário um maior acompanhamento na tentativa de ações que evitassem sua possível disseminação (Rabello, 1922).

O outro aspecto que relacionava sífilis, lepra e câncer, determinando sua aproximação em uma única inspetoria, foi a especialidade médica a elas relacionada. A lepra e a sífilis, em virtude de suas manifestações cutâneas, eram doenças estudadas nas cadeiras de dermatologia das faculdades de medicina. Ambas receberam especial atenção dos dermatologistas, o que deu origem a comunidades de especialistas com alto grau de institucionalização (Carrara, 1996; Cunha, 2005). Os sifilógrafos e posteriormente os leprólogos tinham grande reputação acadêmica, participando ativamente dos congressos internacionais e publicando nos principais periódicos relacionados a essas doenças. Num contexto em que o interesse dos dermatologistas pelo câncer vinha se ampliando, em virtude do desenvolvimento da radioterapia, não surpreende o fato de a doença vir a fazer parte da inspetoria que congregaria os principais objetos de atenção dos dermatologistas.

Também é necessário assinalar a importância da ação pessoal de Eduardo Rabello na criação da Inspetoria. Como vimos, ele era detentor de grande prestígio no campo da dermatologia e da sifilografia. Além disso, mantinha ótimo relacionamento com o grupo de médicos que formatou a reforma da saúde pública, possivelmente sendo corresponsável por essa empreitada (Sanglard, 2008; Teixeira, no prelo). A inclusão do câncer entre as doenças contempladas pela Inspetoria enfeixava, em uma mesma seção do Departamento de Saúde Pública, todas as disciplinas contempladas no seu campo profissional e lhe possibilitava atuar sobre as doenças mais importantes de sua especialidade (Teixeira, no prelo).

Por fim, a vinculação do câncer à Inspetoria de Profilaxia da Lepra e das Doenças Venéreas se relacionou a um projeto para a saúde pública que contava com a atuação da filantropia no patrocínio a hospitais e centros de pesquisa. A partir de 1921 o médico Carlos Chagas, responsável pelo projeto de criação e primeiro diretor do DNSP, começou, junto com Eduardo Rabello, a negociar com o industrial e filantropo Guilherme Guinle o financiamento para a construção e instalação de um grande hospital antivenéreo no Rio de Janeiro - trata-se do Hospital Gaffreé e Guinle, inaugurado no bairro da Tijuca em 1929 (Sanglard, 2008). No ano seguinte, Guilherme Guinle se propôs a financiar a construção do primeiro hospital de câncer no Distrito Federal, mas apesar de ter se empenhado por mais de dez anos, o projeto não chegou a bom termo, extinguindo-se sem a construção do hospital. Seguindo as proposições de Sanglard, acreditamos que a possibilidade de Chagas contar com a iniciativa filantrópica dos Guinle, como aliada na estruturação de um setor da saúde pública, foi fundamental na eleição do câncer como problema médico digno de maior intervenção estatal.

Por toda a sua existência, a ação da Inspetoria foi bastante tímida em relação ao câncer, limitando-se à padronização dos atestados de óbitos, com o objetivo de obter dados mais confiáveis para as estatísticas4 4 O desinteresse da Inspetoria pelo câncer foi tamanho que, a partir de 1927, até o nome da doença deixaria de ser usado em suas comunicações oficiais, fazendo-se a instituição conhecida apenas por sua ação em relação à lepra e às doenças venéreas. (Teixeira, no prelo). Embora sua criação marque o ingresso do câncer no rol de preocupações da saúde pública, sua fraca atuação em relação à doença mostra que essa inserção se fez de modo bastante peculiar. Nesse processo, o interesse profissional dos dermatologistas em um campo de atuação em vias de ampliação era a força que unia o câncer às outras doenças que eram objeto da Inspetoria. Por outro lado, a capacidade de conhecer e controlar a transmissão de uma doença possivelmente contagiosa e de contar com a filantropia na criação de uma instituição para o tratamento dos acometidos era o limite das ações pretendidas pela saúde pública.

Ampliando as perspectivas

Apesar da ineficiência da ação da Inspetoria, durante a década de 1920 as preocupações médicas com o câncer se ampliariam bastante, dando origem a diversas iniciativas. Em 1922 foi fundado, na capital do estado de Minas Gerais, o Instituto do Radium de Belo Horizonte, que funcionava em associação com a Faculdade de Medicina do estado. Em 1929 outra instituição do mesmo perfil foi inaugurada em São Paulo. O Instituto Dr. Arnaldo era mantido por uma instituição filantrópica e funcionava nas instalações do Hospital Central da Santa Casa da Misericórdia de São Paulo (Teixeira, Fonseca, 2007). Ainda nequele ano viria à luz, no Rio de Janeiro, o que acredito ter sido o primeiro encontro científico brasileiro de câncer. Elaborado pela Academia Nacional de Medicina em parceria com a Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, a Semana do Câncer visava a colocar o câncer em maior evidência tanto para os médicos como para o público leigo. Essas iniciativas mostram que, no decorrer da década, o campo da cancerologia brasileira ampliou-se e tornou-se mais complexo, englobando um número maior de profissionais e dando origem a instituições diretamente ligadas ao controle da doença.

No início da década seguinte esse interesse alcançaria maior vitalidade. No campo das organizações sociais isso pode ser observado pelo surgimento das primeiras ligas contra a doença. Em 1934 o médico paulista Antonio Prudente criou a Liga Paulista de Combate ao Câncer; no mesmo ano, no Rio de Janeiro, foi criada, por Ugo Pinheiro Guimarães, a Liga Brasileira Contra o Câncer. Em 1936 o ginecologista Aristides Maltez criou a Liga Baiana Contra o Câncer. As três tinham o objetivo de angariar fundos para a construção de centros de diagnóstico e tratamento; as duas primeiras também objetivavam organizar campanhas educativas para a prevenção do câncer. Essas ligas pioneiras serviram como modelo para a criação de instituições similares, nas mais diversas regiões do país.

O Primeiro Congresso de Câncer, em novembro de 1935, seria o ponto alto desse processo. O evento era uma iniciativa da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, em comemoração ao seu cinquentenário, e, além de congregar os estudos que vinham sendo elaborados no país, visava a persuadir os responsáveis pela saúde pública da necessidade de criação de uma política de controle da doença. Além de sua importância para o campo médico, o evento teve o mérito de trazer à luz um novo projeto da saúde pública voltado para o câncer. Em sua primeira sessão, o sanitarista Barros Barreto, então diretor do Departamento Nacional de Saúde, do Ministério da Educação e Saúde Pública5 5 Em 1930 um golpe de Estado alçara o líder político e gaúcho Getúlio Vargas à Presidência da República. Já no primeiro ano de seu governo foi criado um ministério englobando saúde e educação. No período em que foi realizado o Congresso, o Ministério da Educação e Saúde Pública, sob a direção de Gustavo Capanema, começava a deslanchar e colocava em marcha uma política centralizadora que objetivava ampliar sua ação em relação a diversas doenças, inclusive o câncer. O Departamento Nacional de Saúde Pública era a seção responsável por todas as ações no campo da saúde. Sobre as concepções de saúde no período, ver Fonseca, 2007. , apresentou a diretriz ministerial em relação à doença. Seu discurso afirmava que a tarefa de controle do câncer deveria unir diversos grupos sociais, e não se resumir apenas à ação estatal. A iniciativa privada e a sociedade civil organizada em torno de ligas deveriam se incumbir da execução de uma grande campanha; ao Estado caberia organizar, dar as diretrizes, fiscalizar e colaborar com os fundos necessários para suprir as instituições existentes. O controle do câncer deveria ter como base a prevenção, efetuada a partir da educação sanitária, e os governos estaduais deveriam esforçar-se na criação de diversos postos de diagnóstico por todo o país e de postos de maior complexidade em alguns estados mais populosos. O governo central deveria se responsabilizar pela implantação de um centro de cancerologia no Distrito Federal, a ser montado a partir dos serviços já existentes em outras instituições, como a Santa Casa da Misericórdia e a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (Barreto, 1936). Seguindo a diretriz mais geral do Estado varguista em relação à saúde, a visão de Barreto limitava o papel do governo central ao planejamento, normatização e atuação suplementar em relação à iniciativa filantrópica. No entanto, reforçava a necessidade de ampliação das ações estaduais e filantrópicas para o controle da doença. Se até então a saúde pública havia se restringido à busca de dados epidemiológicos para melhor conhecimento do câncer, tratava-se agora de implantar, em consórcio com a iniciativa privada, uma rede de centros e hospitais direcionados ao seu controle. No entanto, essa proposta teria que esperar quase uma década para começar a ser implantada.

Câncer e cirurgia

Apesar do interesse que alguns dermatologistas apresentaram em relação ao câncer, desde o desenvolvimento da cirurgia moderna, no terceiro quartel do século XIX, a doença esteve intimamente ligada à ação dos cirurgiões, principais especialistas nas técnicas de ablação de tumores. Durante a década de 1920, essa vinculação teve como importante característica a valorização de uma técnica específica, a eletrocirurgia6 6 A eletrocauterização ou eletrocirurgia é uma técnica ainda hoje utilizada em diversas especialidades cirúrgicas. O procedimento se baseia na utilização de um bisturi elétrico, que transmite intenso calor aos tecidos. . Seriam os cirurgiões devotados a essa técnica operatória os principais próceres da cancerologia no período.

A eletrocirurgia havia despertado maior interesse dos médicos europeus no início do século XX, quando se imaginava que a energia transmitida pelo bisturi tinha efeitos terapêuticos (Pinell, 1992). Em pouco tempo essa ideia foi desacreditada, mas o procedimento permaneceu em diferentes cirurgias, principalmente em virtude do menor sangramento que proporcionava, por cauterizar os tecidos em contato com o bisturi. No Brasil, a técnica seria utilizada por diversos cirurgiões, inicialmente em retiradas de pequenos tumores cutâneos e em cirurgias de cânceres da boca. O médico Francisco Eiras, especialista em doenças da garganta da Policlínica de Botafogo, no Rio de Janeiro, foi o primeiro a elaborar comunicação sobre o tema na Academia Nacional de Medicina, em que apresentou os resultados de sua aplicação em diversos casos, conclamando os médicos brasileiros a se interessassem pela novidade (Eiras, 1927).

Caberia ao cirurgião gaúcho Mario Kroeff papel de destaque na divulgação da eletrocirurgia. Personagem central na história subsequente do controle do câncer no país - por sua atuação na criação de espaços relacionados ao tratamento da doença no Distrito Federal e na formatação de uma política nacional para o setor -, seu trabalho, ao mesmo tempo que popularizava e criava demanda para a nova técnica, favorecia a ampliação das preocupações sociais com o câncer. Esse reforço recíproco foi determinante na institucionalização das ações contra o câncer, nas décadas seguintes.

Em 1924, quando trabalhava na Inspetoria de Profilaxia da Lepra e das Doenças Venéreas, Kroeff foi comissionado para estudar na Europa as ações lá existentes contra a sífilis. Nessa viagem se interessou pela eletrocirurgia, utilizada por alguns médicos alemães contra cânceres e outros problemas dermatológicos. Quando retornou ao Brasil, trouxe consigo a aparelhagem necessária para se iniciar na nova técnica. A partir de 1927 ele passaria a utilizá-la em diversos tipos de câncer, na Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro. Diferentemente de seus colegas europeus, Kroeff procurou dar-lhe utilização mais ampla, empregando-a em várias modalidades da doença (Kroeff, 1971, p.203).

O trabalho de Kroeff ganharia maior reconhecimento em 1928, quando o cirurgião alemão Franz Keysser esteve no Rio de Janeiro. Keysser era chefe de um serviço cirúrgico em Berlim e havia obtido sucesso na construção de aparelhos de eletrocirurgia mais potentes. Então transformado em caixeiro viajante de seu novo equipamento, ele se aproximaria de Kroeff, efetuando algumas demonstrações na Santa Casa (Kroeff, 1947). O médico brasileiro, por sua vez, se interessaria ainda mais pela técnica que, renovada, com aparelhagem mais moderna, parecia prometer novos resultados. Depois de operar um grande número de pacientes utilizando a eletrocirurgia, ele publicou, em 1929, a tese Diatermo coagulação no tratamento do câncer, para o ingresso como livre docente na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (Kroeff, 1928).

Em pouco tempo outros cirurgiões também se interessariam pela nova utilização da eletrocirurgia. Entre eles destaca-se o médico Antônio Prudente. Impressionado com o trabalho de Keysser, Prudente foi para a Alemanha, em 1929, trabalhar como assistente de seu serviço de cirurgia. Lá permaneceu por dois anos, especializando-se, e quando retornou começou a utilizar a técnica em cirurgias. Assim como Kroeff, Prudente colocou seu interesse profissional a serviço do 'problema do câncer', passando a se dedicar à criação de instituições e políticas para o controle da doença em São Paulo.7 7 Prudente elaborou as primeiras propostas para a criação de uma política estadual para o controle da doença em São Paulo, em 1934. Como vimos, também foi o responsável pela criação da Associação Paulista Contra o Câncer. Graças a grandes campanhas de arrecadação de fundos, conseguiu fundar em 1953 o Hospital A.C. Camargo para o tratamento do câncer. Antonio Prudente por duas vezes ocupou o cargo de diretor do Serviço Nacional de Câncer do Ministério da Saúde (Teixeira, Fonseca, 2007).

O interesse pela eletrocirurgia se ampliaria ainda mais, na década de 1930, num processo que teve como pano de fundo a aproximação entre Brasil e Alemanha nos anos que precederam a Segunda Guerra Mundial e a ampliação da capacidade de ação de Mário Kroeff, com a chegada de Getúlio Vargas ao poder, em 1930.

Como vimos, em 1935 foi realizado no Rio o Primeiro Congresso de Câncer. Nesse encontro, tanto Kroeff como Antonio Prudente - que representava oficialmente o estado de São Paulo - apresentaram trabalhos relacionados à eletrocirurgia. O estudo de Prudente versava sobre sua utilização como técnica de reparação das cirurgias de câncer, discutindo os casos por ele tratados com a referida técnica. O de Kroeff era uma atualização de sua tese de livre docência e mostrava as possibilidades de utilização da eletrocirurgia nos mais diversos tipos de câncer. Ele apresentou ainda um segundo trabalho, que pode ser visto como proposta para o controle do câncer no país com a utilização da eletrocirurgia. Partindo do princípio de que a vastidão do território e as grandes dificuldades econômicas existentes no interior do país inviabilizariam uma campanha alicerçada em centros de cancerologia regionais, Kroeff (1936) propunha a capacitação dos médicos das regiões mais distantes para a primeira ação contra o câncer. Isso se faria pela divulgação da eletrocirurgia e habilitação dos médicos locais para seu emprego em casos simples. A utilização da técnica seria acrescida do incentivo às práticas de exames laboratoriais, que poderiam ser enviados pelo correio das regiões mais distantes aos centros maiores. Apenas nas maiores cidades do país seriam estabelecidos centros nos moldes dos institutos de câncer europeus, onde se empregariam diversas técnicas para o tratamento da doença.

Kroeff imaginava que a eletrocirurgia poderia definir uma estrutura de atuação médica diferenciada daquela posta em prática em diversos países desenvolvidos, em particular na França, onde os centros anticancerosos que utilizavam o tratamento radioterápico dominavam a cena (Pinell, 1992). Embora sua proposta tenha sido criticada por alguns médicos, que consideravam inadequado fazer com que os clínicos do interior efetuassem procedimentos que eles imaginavam necessitar de especialização cirúrgica, a ideia de um centro para a utilização da eletrocirurgia em pouco tempo se efetivaria.8 8 Os médicos Antonio Prudente, Roxo Nobre, Ugo Pinheiro Guimarães e Barros Barreto foram contrários às proposições de Kroeff. Entendiam que o principal era que a população das regiões mais distantes pudesse contar com médicos capazes de realizar o diagnóstico da doença, enviando o paciente para centros capazes de tratá-lo (conforme anais do Primeiro Congresso Brasileiro de Câncer, v.2, 1937).

Em 1936, Kroeff e a eletrocirurgia se tornariam foco de atenção para a mídia carioca. Naquele momento, o cirurgião alemão Franz Keysser voltava ao país, e o clima pró-germânico existente fez com que sua visita fosse tratada como grande acontecimento. O médico foi notícia em diversos jornais e chegou a ser condecorado pelo próprio Getúlio Vargas com a Ordem do Cruzeiro (Kroeff, 1947). Conforme mencionado, Keysser tinha desenvolvido novos aparelhos de eletrocirurgia e aperfeiçoado suas formas de utilização. Em 1931 escrevera o livro Die Elektrochirurgie, sobre a nova técnica, e, na busca por ampliação da influência científica alemã no continente, vinha visitando diversos países da América Latina, em missão oficial de seu país.

A visita do alemão virava os holofotes da mídia também em direção a Kroeff, já apontado pela imprensa como seu continuador. Poucos meses depois da visita de Keysser, o cirurgião gaúcho voltava a ser manchete na imprensa carioca por ocasião do lançamento de seu livro sobre a eletrocirurgia. Tratamento do câncer pela eletrocirurgia era uma obra de divulgação, baseada em sua tese de livre docência, que explanava diversos aspectos desse tipo de cirurgia e sua importância nos tratamentos de câncer. Tal qual a visita do alemão, o livro de Kroeff fez grande sucesso, sendo comentado em diversos jornais e merecendo muitos elogios da classe médica em seus periódicos (Kroeff, 1947).

O processo de valorização da eletrocirurgia navegava na contramão do que ocorria nos principais centros de medicina da Europa e dos EUA, onde, no período que antecedeu a Segunda Guerra Mundial, a radioterapia assumiu diferentes configurações em relação à organização dos profissionais do câncer (Pickestone, 2007). Submetida à ação dos cirurgiões - nos EUA - ou aplicada por profissionais de formação específica - em França e Inglaterra -, era cada vez mais utilizada como terapêutica no tratamento de diversos tipos de câncer. No Brasil, embora não houvesse discordâncias sobre o valor da radioterapia, a grande dificuldade de aquisição de rádio pela iniciativa privada e filantrópica e o desinteresse do Estado em financiá-lo favoreciam a valorização da cirurgia, em especial da eletrocirurgia, no tratamento da doença. Embora, na prática, poucos médicos utilizassem o procedimento e alguns criticassem veladamente o que chamavam de excessos na sua utilização, o interesse social em torno da novidade tecnológica, somado à firme atuação de seus principais divulgadores, potencializou o interesse pelo câncer e possibilitou o surgimento de novas instituições relacionadas ao tratamento da doença.9 9 Sobre as discussões acerca da eficácia da radioterapia e a utilização adequada da eletrocirurgia, ver as atas das discussões ocorridas no Primeiro Congresso Brasileiro de Câncer, em 1937.

A criação do Centro de Cancerologia do Distrito Federal, em 1937, seria a coroação dos esforços de Kroeff nesse sentido. Além do reconhecimento profissional que obteve, em virtude de sua atuação com a eletrocirurgia, a tomada do poder pelo gaúcho Getúlio Vargas, em 1930, ampliara consideravelmente sua capacidade de ação, pois mantinha ótima relação com seus conterrâneos que agora ocupavam cargos importantes no Executivo federal.10 10 Além da amizade de diversos políticos gaúchos que se aproximaram do poder no governo Vargas, Kroeff era próximo do próprio presidente, de cuja companhia partilhava em encontros sociais, além de visitas a sua residência (Kroeff, 1947). De posse dessa bagagem, Kroeff buscaria por todos os meios criar um serviço para o controle do câncer. Em 1931 conseguiu que o governo incluísse, no orçamento federal, uma verba especial para a construção de um pavilhão de cancerologia no Rio de Janeiro, que, embora tenha sido construído, acabou destinado para outro fim (Kroeff, 1947). Em 1936, depois de vários apelos ao Executivo federal, foram-lhe facultados novos recursos para construir um novo centro de cancerologia no Hospital Estácio de Sá11 11 Nas palavras de Kroeff (1971, p.203), "vale a pena explicar em que condições os poderes púbicos resolveram fundar o serviço: o ministro da Fazenda [Oswaldo Aranha] era meu amigo lá do Rio Grande. Viera com a Revolução de 30. Voltando-se para seus auxiliares, determinou: 'ponha na cauda do orçamento a verba de 150 contos, assim o Kroeff sossega'". , inaugurado em 1938. Contava com quarenta leitos, um ambulatório, salas de cirurgia, aparelhagem de radiodiagnóstico e radiologia.12 12 O cirurgião Alberto Coutinho, professor da Faculdade de Medicina e antigo colega de Kroeff na enfermaria da Santa Casa da Misericórdia, foi encarregado de chefiar a seção de cirurgia; Manoel de Abreu seria responsável pelo serviço de raios X; Sérgio de Barros Azevedo organizaria os estudos epidemiológicos sobre o câncer; Amadeu Fialho dirigiria o Laboratório de Anatomia Patológica; José Julio Velho da Silva seria o responsável pelos serviços clínicos; Frida Ruhemann, pelo corpo de enfermeiras; e caberia a Eduardo Vilela o serviço de radioterapia, criado posteriormente (Kroeff, 1947). Criado na órbita do Ministério da Educação e Saúde (MES), pouco depois de entrar em atividade foi transferido para os serviços de saúde da Prefeitura do Distrito Federal. Sua criação, muito mais do que uma diretriz do Estado para o controle do câncer, se configurou como atenção do governo varguista às demandas de Kroeff. O Centro de Cancerologia se caracterizava como um serviço médico especializado para o atendimento de doentes do Distrito Federal, de acordo com a perspectiva de ampliação das ações da medicina curativa de base urbana, valorizadas pela política de assistência médica do governo Vargas. No entanto, apesar de sua atuação geograficamente limitada e das dificuldades orçamentárias que por muitos anos restringiu suas atividades, ele seria o alicerce sobre o qual se construiu um serviço nacional de controle do câncer.

Um serviço nacional de câncer

O processo de criação de uma organização de âmbito nacional para o controle do câncer ocorreria tendo em vista as atividades postas em prática por Kroeff no Distrito Federal. Naquele momento, a saúde pública passava por um novo processo de transformações, em virtude da implantação de mais um período ditatorial - o Estado Novo. Em 1937, em razão de uma nova reforma, o então denominado Ministério da Educação e Saúde passou a enfatizar as ações verticais contra doenças específicas, caracterizadas como entraves ao desenvolvimento do país. Ainda em 1937 foram criados os primeiros serviços nacionais contra algumas doenças13 13 A partir da reforma ocorrida no início de 1937, o Ministério da Educação e Saúde Pública passou a denominar-se Ministério da Educação e Saúde e ampliou a centralização de suas atividades. Os primeiros serviços criados em seu âmbito foram o Serviço Nacional da Febre Amarela e o Serviço de Malária do Nordeste, ambos em colaboração com a Fundação Rockefeller, que já vinha atuando em ações de controle dessas doenças no país. Sobre a conformação e atuação da saúde pública na era Vargas, ver Fonseca, 2007. , e o próprio Kroeff postularia a criação de um serviço nacional direcionado ao câncer.

Figurando a profilaxia e o tratamento do câncer entre as capitais questões sanitárias do país, como o impaludismo, a lepra, a febre amarela, é imprescindível que esteja a sua frente um organismo centralizador do governo federal, destinado a estabelecer normas gerais de natureza teórica e prática, para orientar a campanha contra o câncer, promover a educação popular, formar técnicos, realizar cursos e extensão universitária, purgar pela obtenção dos custosos aparelhos fisioterápicos, raios X, rádio, etc., que, ao lado da cirurgia, constituem o recurso necessário à luta anticancerosa (Kroeff, 1947, p.115).

Em abril de 1941 uma nova reforma reorganizou o Departamento Nacional de Saúde, instaurando diversos serviços nacionais voltados para o controle de doenças que à época se mostravam prioritárias.14 14 O decreto-lei 3.171 (Brasil, 2 abr. 1941) reestruturou o Departamento Nacional de Saúde Pública, que passou a contar com as divisões de Organização Sanitária e de Organização Hospitalar; o Instituto Osvaldo Cruz e os Serviços nacionais de Lepra; de Tuberculose; de Febre Amarela; de Malária; de Peste; de Doenças Mentais; de Educação Sanitária; de Fiscalização da Medicina; de Saúde dos Portos; de Águas e Esgotos; de Bioestatística; sete Delegacias Federais de Saúde e o serviço de Administração. Porém, a despeito do empenho de Kroeff, o governo varguista relutava em criar um serviço de atuação nacional contra o câncer. Isso porque as autoridades do MES divergiam da concepção de Kroeff, que previa o fortalecimento de uma instituição central com atuação em nível nacional, em diversos aspectos relacionados à doença. Essa proposta contrariava a diretriz do Ministério de fortalecer apenas a ação normatizadora do poder central e incentivar as atividades e instituições criadas pelos estados e municípios, em conjunto com a filantropia (Capanema, 19 dez. 1939). Apesar das resistências do MES, ainda em setembro de 1941 a publicação de um novo decreto acrescia aos serviços já existentes um serviço nacional dedicado ao câncer (Brasil, 23 set. 1941).

As fontes pesquisadas não permitem inferir os motivos que levaram à mudança de opinião dos dirigentes do MES em relação à criação do serviço. No entanto, é possível supor que a influência política de Kroeff se uniu aos interesses de Barros Barreto, diretor do Departamento Nacional de Saúde e que, como vimos, no Primeiro Congresso de Câncer apresentou proposta para a criação de uma campanha contra a doença nos moldes do que agora era sugerido para o Serviço Nacional. Em ambos os projetos cabia ao Estado a organização e a normatização das atividades, ficando a iniciativa filantrópica responsável pelas ações de tratamento e acolhimento dos incuráveis.

O decreto que criou o Serviço Nacional do Câncer lhe conferia a responsabilidade de orientar e controlar, em todo o país, uma campanha permanente contra a doença, a Campanha Nacional Contra o Câncer. Sua atuação teria como eixos a pesquisa sobre a etiologia, a epidemiologia, a profilaxia, o diagnóstico e a terapêutica; as ações preventivas; a propaganda dos exames de saúde periódicos e da importância do diagnóstico precoce; o tratamento e a vigilância dos recuperados; e o internamento dos cancerosos necessitados. O decreto ainda fazia menção à criação de uma revista de cancerologia, a ser publicada pelo novo serviço, e à cooperação do SNC com a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro na formação de profissionais para a área, por meio de cursos de especialização em cancerologia (decreto-lei 3.643, 23 set. 1941). Uma semana após a criação do SNC, Mario Kroeff foi nomeado seu diretor, e as atividades do novo órgão passaram a ter como base o Centro de Cancerologia que ele dirigia, no Hospital da Estácio de Sá.15 15 Para chefes de serviço foram convidados os médicos Sérgio Lima de Barros Azevedo e Alberto Lima de Moraes Coutinho. O Instituto também contava com 11 médicos assistentes: Luis Carlos de Oliveira Junior, Jorge Marsillac Motta, Egberto Penido Burnier, Osolano Machado, João Brancroft Vianna, Evaristo Netto Jr., Turíbio Braz, Francisco Fialho, Moacir dos Santos Silva, Antonio Pinto Vieira, Amador Correia Campos. Muitos desses pioneiros cumpriram uma longa carreira no campo da cancerologia, vindo a se transformar nos principais atores do processo de institucionalização dessa área, tanto no que concerne ao seu lado acadêmico, como em relação às políticas de saúde.

Em 1944, o decreto 15.971 regulamentou a estrutura e o funcionamento do SNC por meio de um regimento. O Serviço passava a ser composto por três seções, uma administrativa e duas voltadas para as atividades fins: o Instituto de Câncer e a Seção de Organização e Controle. O primeiro nada mais era que o Centro criado por Kroeff no Hospital Estácio de Sá e que, embora seguisse efetuando atividades de diagnóstico e tratamento, tinha sua ação limitada pela extrema deficiência de suas instalações físicas. Por sua vez, a Seção de Organização e Controle seria responsável pela Campanha Nacional Contra o Câncer (CNCC), atuando em nível nacional na uniformização das atividades de instituições públicas e privadas. Também prestaria consultoria ao Ministério em relação à subvenção federal a instituições privadas, que se faria por meio de convênios envolvendo recursos ministeriais (por intermédio do SNC), do estado onde a instituição estivesse organizada e das próprias instituições. A Seção de Organização e Controle era também responsável pela execução das medidas preventivas em relação à doença (Brasil, 4 jul. 1944).

Apesar da amplitude das suas incumbências, durante todo o Estado Novo o SNC teve uma ação bastante tímida, pautada na progressiva incorporação de instituições existentes nos principais estados da federação à Campanha Nacional Contra o Câncer. Em 1942 a Sociedade de Combate ao Câncer do Rio Grande do Sul se vinculou à Campanha (decretolei 4.975; Brasil, 19 nov. 1942); no ano seguinte foi a vez da Associação Paulista de Combate ao Câncer (decreto-lei 5.889; Brasil, 19 out. 1943); e em 1944 foi a vez da Liga Baiana de Combate ao Câncer (decreto-lei 6.525; Brasil, 24 maio 1944) e do Instituto do Radium de Belo Horizonte (decreto-lei 6.829; Brasil, 26 ago. 1944). A partir da sua incorporação, as instituições passavam a receber auxílio financeiro do Ministério e ajuda técnica do SNC. Esse processo seria o primeiro passo na criação de uma ação nacional contra a doença, estimulada, a partir dos anos 1950, pela progressiva ampliação do auxílio federal a instituições regionais.

No âmbito das ações diretas contra o câncer, o SNC tinha como principais atividades os tratamentos clínicos e as primeiras ações de educação sanitária desenvolvidas pelo Instituto de Câncer. Os relatórios do Serviço mostram que, até 1945, havia sido iniciado um inquérito epidemiológico e começavam a ser postas em marcha algumas iniciativas de educação sanitária, centradas na distribuição de panfletos educativos sobre a doença e em palestras radiofônicas. Quanto à formação de pessoal técnico, o Instituto de Câncer tinha dado início a um curso de capacitação para médicos. Visando alcançar a clientela das diferentes regiões do país, o curso oferecia bolsas para alunos de outras regiões. Fora as atividades atinentes ao Instituto de Câncer, iniciadas por Kroeff e continuadas por Alberto Coutinho - que em 1944 passou a dirigir a instituição -, muito restava a ser feito no que concernia à execução de uma política consistente contra a doença.

"Água mole em pedra dura..."

A segunda metade dos anos 1940 marca o início de uma transformação no controle do câncer no país. Embora o projeto encetado com a criação do SNC inicialmente avançasse a passos lentos - com poucos recursos e ações limitadas -, no âmbito mais geral da medicina brasileira a cancerologia se expandia, com a criação de novas instituições e formação de especialistas. Além disso, fortalecia-se, entre os cancerologistas, a noção de que a doença deveria ser alvo de políticas públicas especialmente direcionadas à sua prevenção. Tomando por base as ações de propaganda surgidas nos EUA e na Europa, especialistas brasileiros colocariam em marcha as primeiras campanhas de prevenção dirigidas ao grande público, que dariam a tônica da atuação da cancerologia brasileira no campo da prevenção à doença, nas décadas seguintes.

Para o Instituto de Câncer, esse foi um período de extrema produtividade. Em 1945 sua direção arrendou um setor do Hospital Gaffreé e Guinle, transformando-o em sua nova sede, que passou a contar com condições adequadas ao desenvolvimento de suas atividades.16 16 No mesmo ano em que o Instituto ocupou o Hospital Gafreé Guinle, o então prefeito do Distrito Federal, Filadélfio de Azevedo (irmão de Sérgio de Azevedo, chefe da seção de pesquisas do SNC), cedeu à União um terreno da Prefeitura, na Praça da Cruz vermelha, a ser utilizado para a construção de uma sede definitiva para o SNC (Carvalho, 2006). Além do aumento no número de leitos, as novas instalações possibilitaram a criação de novos serviços clínicos e cirúrgicos e a expansão dos cursos de especialização. Paralelamente, iniciou-se intensa atividade de intercâmbio de pesquisadores, com a vinda de diversos estudiosos europeus para o Instituto e o envio de vários médicos brasileiros para instituições de diferentes países.17 17 Desenvolveram atividades temporárias no SNC o cancerologista argentino Angel Roffo, em 1945; o francês Antoine Lacassagne, em 1948; a inglesa Margaret Todd, em 1948; e o austríaco Paul Werner, em 1950 (Carvalho, 2006). No início da década seguinte, esse processo se intensificaria ainda mais. Com novos aportes de recursos, o Instituto de Câncer ampliaria seu pessoal e reestruturaria suas atividades, criando as seções de cirurgia do tórax, de cirurgia da cabeça e do pescoço, um laboratório de citologia vinculado à seção de anatomia patológica e o primeiro ambulatório de prevenção do câncer ginecológico (Marcillac, 1968).

No âmbito mais geral de atuação do SNC, o final da década de 1940 marca a ampliação da rede de instituições locais filiadas à Campanha Nacional Contra o Câncer. Em 1946 quatro instituições compunham sua estrutura; em 1950 já existiam 16 instituições a ela vinculadas, totalizando 530 leitos inteiramente dedicados aos doentes de câncer em todo o país. Embora a oferta de leitos ainda fosse considerada muito pequena - o próprio Kroeff (1951) estimava haver, no país, cerca de 109 mil doentes e a necessidade de seis mil leitos para atendê-los -, ela mostra a progressiva ampliação geográfica da ação da saúde pública em relação à doença.

O início da década de 1950 amplificaria esse processo. No contexto político de retorno de Getúlio Vargas ao poder, o Instituto de Câncer protagonizou um episódio inesperado, que favoreceria o aporte de maiores recursos para a CNCC e, consequentemente, o fortalecimento institucional do Instituto. O médico e vereador paraibano Napoleão Laureano, sofrendo de um câncer terminal, buscou tratamento naquela instituição. Já em acompanhamento médico, mas vendo a doença se agravar, pôs em marcha uma campanha para a criação de um hospital de câncer em sua região de origem. Sua iniciativa teve grande repercussão, por meio da imprensa escrita e falada, tendo como clímax um debate realizado na sede do jornal Diário Carioca sobre o problema do câncer no país. Com a presença do ministro da Educação e Saúde representando o presidente Vargas, de Kroeff e diversos médicos do Instituto de Câncer, o debate foi transmitido pelas rádios Mayrink e Veiga e Nacional e publicado pelo jornal Diário Carioca (Carvalho, 2006). A transmissão gerou forte comoção popular e, além de proporcionar grande número de doações para a fundação do Hospital Laureano, deixou o Instituto de Câncer em grande evidência (Teixeira, Fonseca, 2007).

Ainda em 1951, como consequência desse acontecimento, a Comissão de Saúde do Congresso Nacional convidou Mario Kroeff para proferir conferência numa de suas seções, exclusivamente voltada para o câncer. Presidida pelo médico Janduí Carneiro, conterrâneo e amigo de Laureano, a Comissão propôs um projeto de lei concedendo um crédito de cem milhões de cruzeiros para o CNCC (Brasil, 28 abr. 1954). Tal recurso era bastante vultoso, levando-se em conta que, até então, o orçamento do SNC girava em torno de dois milhões anuais. Os novos aportes seriam utilizados no apoio às instituições anticâncer nos estados e na modernização do Instituto de Câncer, principalmente nas obras de sua nova sede, que estava sendo construída na Praça da Cruz Vermelha.18 18 Os relatórios do SNC, veiculados no periódico Arquivos de Higiene (1945-1948) apresentam os seguintes dados relacionados a orçamento: 1944, Cr$2.476.000; 1945, Cr$2.738.000; 1946, Cr$2.833.000; 1947, Cr$3.842.000. Não consegui obter os dados referentes ao período posterior. O decreto 35.408 (Brasil, 28 abr. 1954) determinava que 38% do valor total destinado ao SNC deveriam ser utilizados na construção da nova sede do Instituto de Câncer.

Fora da ação do Instituto, outras iniciativas também contribuíam para reforçar a cancerologia brasileira. Uma delas foi a criação da Revista Brasileira de Cancerologia. O decreto que criou os diversos serviços nacionais, em 1941, previa que eles deveriam publicar periódicos voltados para questões atinentes ao seu campo de atuação. Devido às dificuldades financeiras e administrativas, apenas em 1947 o SNC começou a editar seu periódico. A Revista Brasileira de Cancerologia (RBC) foi inicialmente editada por Moacyr Santos Silva e tinha como objetivo levar à comunidade científica o que vinha sendo realizado no campo da cancerologia. Buscava, também, auxiliar na divulgação de conhecimentos sobre prevenção e diagnóstico do câncer, junto a médicos sem formação especializada na doença e mesmo junto a leigos. A revista também divulgava as atividades do SNC - em especial seus cursos de especialização - e discutia as questões profissionais relacionadas à comunidade de cancerologistas.19 19 A partir dos anos 1960, a RBC modificou sua linha editorial e adotou uma progressiva especialização no campo da oncologia. Enquanto nos anos 1940 e 1950 eram frequentes os artigos sobre organização dos serviços relacionados ao câncer e à política mais geral do Estado nesse campo, a partir dos anos 1960 os artigos científicos foram se tornando muito mais numerosos. Mesmo assim, a revista continuou publicando alguns poucos estudos de caráter histórico, cujo objetivo era reforçar a identidade dos técnicos do SNC por meio da glorificação de seus feitos iniciais (Teixeira, Fonseca, 2007). De início, a RBC não se caracterizou como periódico científico, direcionado à veiculação de novos conhecimentos no campo da cancerologia, mas sim como instituição integradora dos profissionais do campo. Ao apresentar e discutir suas demandas e iniciativas e aproximar os diversos componentes da área, foi elemento de integração da nova especialidade em processo de ampliação, de divulgação das atividades da CNCC e de publicização das demandas dos cancerologistas do SNC perante o Estado, caracterizandose como o seu principal espaço de afirmação.

Outra instituição importante para a coesão dos cancerologistas foi a Sociedade Brasileira de Cancerologia (SBC). Fundada em 25 de junho de 1946 por um grupo de cancerologistas liderados por Mario Kroeff, a SBC justificava sua criação pela inexistência de um espaço "onde se congregassem especialistas, patologistas, médicos, educadores e todos aqueles que, de algum modo, se interessem pelo magno problema médico-social que o câncer representa" (SBC, 22 jun. 1945). Seu quadro de associados era formado principalmente por médicos do SNC, sendo que, por quase duas décadas, suas diretorias foram compostas por dirigentes do Serviço.20 20 Presidentes da SBC: Mario Kroeff (RJ), 1946 a 1950; Jorge de Marsillac (RJ), 1946 a 1950; Alberto Lima de Morais Coutinho (RJ), 1946 a 1950; Osolando Judice Machado (RJ), 1954 a 1956; Francisco Fialho (RJ), 1956 a 1958; Turíbio Braz (RJ), 1958 a 1960; Alberto Lima de Morais Coutinho (RJ), 1960 a 1962 ( http://www.sbcancer.org.br) A SBC funcionou como espaço de discussão das principais questões relacionadas à cancerologia. Além disso, atuou como espaço institucional de aproximação e valorização dos cancerologistas em relação a outras especialidades médicas. Em sua tribuna eram recebidos estudiosos de diversas áreas da medicina, que trocavam conhecimentos e experiências sobre os diversos aspectos do tratamento de câncer.

No que tange ao controle profissional de seu campo de atuação, os cancerologistas conseguiram, em 1949, alterar o regimento do SNC, restringindo as chefias do Instituto de Câncer e da Seção de Organização e Controle apenas a funcionários da carreira de médico sanitarista, ou a médicos extranumerários que possuíssem certificados do Curso de Cancerologia do Departamento Nacional de Saúde, ministrado pelo Instituto de Câncer desde 1942 (decreto 26.313; Brasil, 4 fev. 1949). Como vimos, desde 1942 o SNC promovia cursos de extensão no campo da cancerologia. O instrumento legal que lhe garantia o monopólio da ação profissional no campo da saúde pública foi de grande importância na coesão do grupo de cancerologistas do SNC e favoreceu, por várias décadas, a permanência do Serviço à frente das políticas e instituições anticancerosas do país. Formados nas concepções dos cursos ministrados no Instituto de Câncer, esses especialistas iriam difundir as noções que postulavam a importância da ação da saúde pública em relação à doença e a importância de políticas de prevenção durante as décadas seguintes.

O final dos anos 1940 também testemunhou o desenvolvimento das campanhas educativas direcionadas ao câncer. Essa atividade havia se iniciado quando da criação do SNC - estava prevista na lei que o criou -, mas se resumia à elaboração de cartazes e folhetos, que eram distribuídos em consultórios médicos, escolas e outras instituições, e à realização de algumas palestras sobre o tema, proferidas por médicos do Instituto (Carvalho, 2006).

Muito em voga nos EUA nos anos 1930, essas campanhas vinham sendo incentivadas por Antonio Prudente, em São Paulo. Como dirigente da Associação Paulista de Combate ao Câncer, Prudente criou diversas atividades educativas voltadas para o câncer, que também funcionavam como forma de incentivar a arrecadação de fundos para a fundação de um hospital para a Associação. Ainda em 1946 ele instituiu, em São Paulo, a Campanha Contra o Câncer, visando a ampliar a propaganda sobre a doença. Naquele momento, além de grande distribuição de panfletos explicando a doença e as formas de prevenção, foi montada uma exposição no centro da cidade de São Paulo.

Em sua viagem aos EUA, Kroeff tomou conhecimento das campanhas lá executadas e resolveu ampliar a atuação do SNC nesse campo. Em novembro de 1948 inauguraria a primeira campanha educativa contra o câncer no âmbito do SNC. A mostra era composta de fotografias e desenhos, elaborados especialmente para aquele fim, que apresentavam imagens sobre os vários tipos de câncer, sua localização no corpo, regiões geográficas de maior incidência etc. Nos anos seguintes, várias remontagens foram feitas. Na década de 1950, quando Kroeff já havia deixado a direção do SNC, as ações educativas - exposições, emissões radiofônicas, filmes etc. - foram aos poucos se institucionalizando. As campanhas eram realizadas anualmente nos estados, em colaboração com as ligas filiadas ao SNC, que a cada mês de abril levavam exposições a algumas grandes cidades, com material cedido pelo SNC (Teixeira, Fonseca, 2007).

Ampliando cada vez mais os convênios com instituições locais, intensificando suas ações de pesquisa e tratamento em seu Instituto de Câncer e colocando em marcha uma série de campanhas educativas para a prevenção da doença, o SNC caminhou a passos largos em seu processo de institucionalização. A intensificação dos ideais desenvolvimentistas que marcam os anos 1950 reforçaria as ações do Estado no controle da doença, favorecendo a consolidação do SNC e de seu Instituto de Câncer. No entanto, esse processo de ampliação de atividades e consequente consolidação institucional de nenhuma maneira se traduziria no atendimento às demandas sociais, pois as ações médico-hospitalares permaneceram insuficientes e restritas às cidades maiores. Num país onde doenças infecciosas e parasitárias de mais fácil controle ainda eram os principais problemas de saúde, o câncer permaneceria sendo visto como problema de menor amplitude.

Conclusão

Observei, nesta análise, que os caminhos que levaram a essa organização institucional específica, centrada no Instituo de Câncer, não foram os mesmos dos países desenvolvidos - que tiveram nas instituições filantrópicas ou estatais, voltadas para a radioterapia, importantes instrumentos de enfrentamento da doença. Nossa história mostra uma realidade diferente: embora no início dos anos 1920 tenham surgido os primeiros institutos de câncer e a atuação dos dermatologistas tenha originado a primeira ação estatal para o controle da doença, não seria por esse caminho que o controle do câncer se conformaria como ação efetiva no Brasil.

O percurso que levaria a esse objetivo seria aberto, uma década mais tarde, pelas ações muitas vezes individuais ou de grupos profissionais, em contextos específicos. Numa inesperada combinação, o interesse do cirurgião Mário Kroeff pela eletrocirurgia, sua capacidade empreendedora e o contexto favorável - determinado pela sua proximidade do grupo alçado ao poder político com Getúlio Vargas e pelo interesse da ditadura varguista em se aproximar da Alemanha -, possibilitaria o surgimento da instituição que se transformaria no centro irradiador da política do câncer no país. A eletrocirurgia - técnica já em desuso nos países europeus - foi o instrumento que facilitaria a Kroeff o reconhecimento necessário para pôr em prática sua empreitada.

No entanto, se a união entre a capacidade empreendedora de Kroeff e suas relações com a elite política favoreceu os primeiros passos na criação de uma política de controle do câncer, esta ainda permaneceu por algum tempo limitada, pela pouca base em que se organizava. Tal limitação, muitas vezes, inviabilizaria suas conquistas. Só a partir do final da década de 1940, quando seu empreendimento passou a contar com o reforço de uma comunidade de especialistas, a cancerologia brasileira e as políticas públicas no setor iriam começar a se institucionalizar.

O início da segunda metade do século XX marcaria um grande desenvolvimento da cancerologia no país. A ampliação do número de instituições vinculadas à CNCC, o desenvolvimento das campanhas educativas, a maior atualização da tecnologia de diagnóstico e tratamento, o fortalecimento do campo por meio da atuação profissional em congressos, periódicos e sociedades são elementos facilmente visíveis ao observador do período. Grande parte desse processo teria como protagonista o Instituto de Câncer. De seus quadros, e também dos cursos que organizava, sairiam os profissionais dirigentes do SNC, coordenadores das políticas públicas em relação à doença, assim como os que colocariam em marcha as revistas, sociedades e pós-graduações no campo da cancerologia.

NOTAS

Recebido para publicação em outubro de 2009.

Aprovado para publicação em março de 2010.

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  • KROEFF, Mario. O papel da electro-cirurgia numa campanha anti-cancerosa. In: Primeiro Congresso Brasileiro de Câncer: promovido pela Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro e reunido de 24 a 30 de novembro de 1935: actas e trabalhos. v.1. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde Pública. p.205-210. 1936.
  • KROEFF, Mario. Diatermo coagulação no tratamento do câncer. In: Teses da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro Rio de Janeiro: s.n. 1928.
  • PICKSTONE, Jonh V. Contested cumulations: configurations of cancer treatments through the twentieth century. Bulletin of the History of Medicine, Baltimore, v.81, n.1, p.164-196. 2007.
  • PINELL, Patrice. Naissance d'un fléau: histoire de la lutte contre le cancer en France (1890-1940). Paris: Métailié. 1992.
  • RABELLO, F.E. A dermatologia no Brasil: o passado, o presente e o futuro. Anais Brasileiros de Dermatologia, Rio de Janeiro, v.4, n.49, p.261. 1974.
  • RABELLO, Eduardo. Luta contra o câncer - papel do Departamento de Saúde - pré-câncer de pele. Indicaçőes da biópsia, exerese cirúrgica e do radium. Comunicação ŕ Academia Nacional de Medicina. Archivos Brasileiros de Medicina, Rio de Janeiro, ano 12, p.723-741. 1922.
  • SANGLARD, Gisele. Entre os salőes e o laboratório: Guilherme Guinle, a saúde e a ciência no Rio de Janeiro, 1920-1940. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz. 2008.
  • SBC. Sociedade Brasileira de Cancerologia. Convite para a sua fundação. Disponível em: http://www.sbcancer.org.br/ 22 jun. 1945.
  • TEIXEIRA, Luiz. Antonio e FONSECA, Cristina Maria Oliveira. De doença desconhecida a problema de saúde pública: o INCA e o controle do câncer no Brasil. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde. 2007.
  • TEIXEIRA, Luiz Antonio. O câncer na mira da medicina brasileira. Revista da Sociedade Brasileira de História da Ciência, Campinas. no prelo.
  • 1
    Refiro-me ao Instituto Bacteriológico de São Paulo, Instituto Pasteur de São Paulo e Instituto Soroterápico Federal, hoje Fundação Oswaldo Cruz.
  • 2
    Eduardo Rabello foi chefe do Serviço de Doenças da Pele e Sífilis, da Policlínica de Botafogo, professor da cátedra de Dermatologia e Sifilografia da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e um dos fundadores e secretário da Sociedade Brasileira de Dermatologia e Sifilografia em seus primeiros anos, vindo a ocupar sua presidência em 1925 (Rabello, 1974).
  • 3
    O melhor exemplo dessa atividade diz respeito às pesquisas e atividades terapêuticas desenvolvidas pelo médico A. Aguinaga, do Serviço de Ginecologia do Hospital São Francisco de Assis. Ele foi um dos pioneiros, no Brasil, na utilização da radioterapia no tratamento de câncer de colo do útero. Além disso, efetuou diversas pesquisas sobre o assunto e ainda em 1925 publicou um livro sobre o tema. Todo o seu trabalho tinha como base a utilização das aparelhagens do Instituto de Radiologia (Aguinaga, 1925).
  • 4
    O desinteresse da Inspetoria pelo câncer foi tamanho que, a partir de 1927, até o nome da doença deixaria de ser usado em suas comunicações oficiais, fazendo-se a instituição conhecida apenas por sua ação em relação à lepra e às doenças venéreas.
  • 5
    Em 1930 um golpe de Estado alçara o líder político e gaúcho Getúlio Vargas à Presidência da República. Já no primeiro ano de seu governo foi criado um ministério englobando saúde e educação. No período em que foi realizado o Congresso, o Ministério da Educação e Saúde Pública, sob a direção de Gustavo Capanema, começava a deslanchar e colocava em marcha uma política centralizadora que objetivava ampliar sua ação em relação a diversas doenças, inclusive o câncer. O Departamento Nacional de Saúde Pública era a seção responsável por todas as ações no campo da saúde. Sobre as concepções de saúde no período, ver Fonseca, 2007.
  • 6
    A eletrocauterização ou eletrocirurgia é uma técnica ainda hoje utilizada em diversas especialidades cirúrgicas. O procedimento se baseia na utilização de um bisturi elétrico, que transmite intenso calor aos tecidos.
  • 7
    Prudente elaborou as primeiras propostas para a criação de uma política estadual para o controle da doença em São Paulo, em 1934. Como vimos, também foi o responsável pela criação da Associação Paulista Contra o Câncer. Graças a grandes campanhas de arrecadação de fundos, conseguiu fundar em 1953 o Hospital A.C. Camargo para o tratamento do câncer. Antonio Prudente por duas vezes ocupou o cargo de diretor do Serviço Nacional de Câncer do Ministério da Saúde (Teixeira, Fonseca, 2007).
  • 8
    Os médicos Antonio Prudente, Roxo Nobre, Ugo Pinheiro Guimarães e Barros Barreto foram contrários às proposições de Kroeff. Entendiam que o principal era que a população das regiões mais distantes pudesse contar com médicos capazes de realizar o diagnóstico da doença, enviando o paciente para centros capazes de tratá-lo (conforme anais do Primeiro Congresso Brasileiro de Câncer, v.2, 1937).
  • 9
    Sobre as discussões acerca da eficácia da radioterapia e a utilização adequada da eletrocirurgia, ver as atas das discussões ocorridas no Primeiro Congresso Brasileiro de Câncer, em 1937.
  • 10
    Além da amizade de diversos políticos gaúchos que se aproximaram do poder no governo Vargas, Kroeff era próximo do próprio presidente, de cuja companhia partilhava em encontros sociais, além de visitas a sua residência (Kroeff, 1947).
  • 11
    Nas palavras de Kroeff (1971, p.203), "vale a pena explicar em que condições os poderes púbicos resolveram fundar o serviço: o ministro da Fazenda [Oswaldo Aranha] era meu amigo lá do Rio Grande. Viera com a Revolução de 30. Voltando-se para seus auxiliares, determinou: 'ponha na cauda do orçamento a verba de 150 contos, assim o Kroeff sossega'".
  • 12
    O cirurgião Alberto Coutinho, professor da Faculdade de Medicina e antigo colega de Kroeff na enfermaria da Santa Casa da Misericórdia, foi encarregado de chefiar a seção de cirurgia; Manoel de Abreu seria responsável pelo serviço de raios X; Sérgio de Barros Azevedo organizaria os estudos epidemiológicos sobre o câncer; Amadeu Fialho dirigiria o Laboratório de Anatomia Patológica; José Julio Velho da Silva seria o responsável pelos serviços clínicos; Frida Ruhemann, pelo corpo de enfermeiras; e caberia a Eduardo Vilela o serviço de radioterapia, criado posteriormente (Kroeff, 1947).
  • 13
    A partir da reforma ocorrida no início de 1937, o Ministério da Educação e Saúde Pública passou a denominar-se Ministério da Educação e Saúde e ampliou a centralização de suas atividades. Os primeiros serviços criados em seu âmbito foram o Serviço Nacional da Febre Amarela e o Serviço de Malária do Nordeste, ambos em colaboração com a Fundação Rockefeller, que já vinha atuando em ações de controle dessas doenças no país. Sobre a conformação e atuação da saúde pública na era Vargas, ver Fonseca, 2007.
  • 14
    O decreto-lei 3.171 (Brasil, 2 abr. 1941) reestruturou o Departamento Nacional de Saúde Pública, que passou a contar com as divisões de Organização Sanitária e de Organização Hospitalar; o Instituto Osvaldo Cruz e os Serviços nacionais de Lepra; de Tuberculose; de Febre Amarela; de Malária; de Peste; de Doenças Mentais; de Educação Sanitária; de Fiscalização da Medicina; de Saúde dos Portos; de Águas e Esgotos; de Bioestatística; sete Delegacias Federais de Saúde e o serviço de Administração.
  • 15
    Para chefes de serviço foram convidados os médicos Sérgio Lima de Barros Azevedo e Alberto Lima de Moraes Coutinho. O Instituto também contava com 11 médicos assistentes: Luis Carlos de Oliveira Junior, Jorge Marsillac Motta, Egberto Penido Burnier, Osolano Machado, João Brancroft Vianna, Evaristo Netto Jr., Turíbio Braz, Francisco Fialho, Moacir dos Santos Silva, Antonio Pinto Vieira, Amador Correia Campos. Muitos desses pioneiros cumpriram uma longa carreira no campo da cancerologia, vindo a se transformar nos principais atores do processo de institucionalização dessa área, tanto no que concerne ao seu lado acadêmico, como em relação às políticas de saúde.
  • 16
    No mesmo ano em que o Instituto ocupou o Hospital Gafreé Guinle, o então prefeito do Distrito Federal, Filadélfio de Azevedo (irmão de Sérgio de Azevedo, chefe da seção de pesquisas do SNC), cedeu à União um terreno da Prefeitura, na Praça da Cruz vermelha, a ser utilizado para a construção de uma sede definitiva para o SNC (Carvalho, 2006).
  • 17
    Desenvolveram atividades temporárias no SNC o cancerologista argentino Angel Roffo, em 1945; o francês Antoine Lacassagne, em 1948; a inglesa Margaret Todd, em 1948; e o austríaco Paul Werner, em 1950 (Carvalho, 2006).
  • 18
    Os relatórios do SNC, veiculados no periódico
    Arquivos de Higiene (1945-1948) apresentam os seguintes dados relacionados a orçamento: 1944, Cr$2.476.000; 1945, Cr$2.738.000; 1946, Cr$2.833.000; 1947, Cr$3.842.000. Não consegui obter os dados referentes ao período posterior. O decreto 35.408 (Brasil, 28 abr. 1954) determinava que 38% do valor total destinado ao SNC deveriam ser utilizados na construção da nova sede do Instituto de Câncer.
  • 19
    A partir dos anos 1960, a RBC modificou sua linha editorial e adotou uma progressiva especialização no campo da oncologia. Enquanto nos anos 1940 e 1950 eram frequentes os artigos sobre organização dos serviços relacionados ao câncer e à política mais geral do Estado nesse campo, a partir dos anos 1960 os artigos científicos foram se tornando muito mais numerosos. Mesmo assim, a revista continuou publicando alguns poucos estudos de caráter histórico, cujo objetivo era reforçar a identidade dos técnicos do SNC por meio da glorificação de seus feitos iniciais (Teixeira, Fonseca, 2007).
  • 20
    Presidentes da SBC: Mario Kroeff (RJ), 1946 a 1950; Jorge de Marsillac (RJ), 1946 a 1950; Alberto Lima de Morais Coutinho (RJ), 1946 a 1950; Osolando Judice Machado (RJ), 1954 a 1956; Francisco Fialho (RJ), 1956 a 1958; Turíbio Braz (RJ), 1958 a 1960; Alberto Lima de Morais Coutinho (RJ), 1960 a 1962 (
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Ago 2010
    • Data do Fascículo
      Jul 2010

    Histórico

    • Recebido
      Out 2009
    • Aceito
      Mar 2010
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