CARTA DO EDITOR
Caros leitores,
Este editor que, de hábito, assina a carta de apresentação de cada edição da História, Ciências, Saúde - Manguinhos, tem contado ultimamente com a colaboração mais estreita de dois experientes conselheiros, Sergio Goes de Paula, fundador desta revista, e Marcos Cueto, um dos historiadores latino-americanos mais bem sucedidos no cenário científico internacional. A presença mais constante desses conselheiros na redação da revista nos tem ajudado a enfrentar o volume crescente de trabalhos submetidos e o esforço de melhor internacionalizar a revista. Gostaria de aproveitar este espaço para retomar a discussão proposta na Carta do Editor do volume 18, n.3, de julho-setembro de 2011. Transcrevo, então, as reflexões feitas por meu distinto colega Marcos Cueto em encontro organizado pela Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, em 22 de agosto deste ano, para tratar de "Publicação em periódicos científicos hoje".
Jaime L. Benchimol
Editor científico
Com base em minhas experiências como autor e membro do Conselho Editorial de revistas norte-americanas e europeias, gostaria de apresentar algumas sugestões aos historiadores da medicina e da ciência na América Latina que pretendam enfrentar os problemas associados à publicação em língua inglesa. São problemas porque ainda vivemos num mundo acadêmico etnocêntrico, em que o idioma inglês é o 'latim' da ciência. Minhas sugestões destinam-se especialmente a estudantes e historiadores mais jovens. Parto da premissa de que, para publicar em inglês em revistas estrangeiras de primeira qualidade, precisam ser cuidadosos em relação a assuntos de estilo e ao preparo do artigo em si. Além disso, às vezes precisam fazer mudanças na organização e no conteúdo do texto originalmente produzido na língua nativa. Assim, enumero a seguir os problemas que esse percurso impõem e sugestões para tornar mais fácil sua superação.
Primeiro problema: pensar que a tradução é suficiente
A linguagem faz parte de uma cultura, uma forma de pensamento e um estilo de dizer as coisas. Para escrever em inglês acadêmico é necessário escrever em primeira pessoa, claramente, e de preferência com um argumento apenas; refiro-me a um princípio organizador do trabalho. O estilo dos autores nativos do espanhol ou português costuma ser os da escrita em primeira pessoa do plural e da ambiguidade, isto é, dar várias possibilidades, em especial às conclusões, e não se preocupar em manter a consistência entre introdução e conclusão. Isso significa que não se pode dar ao tradutor um trabalho escrito em português ou espanhol supondo que ele irá convertê-lo em um bom texto acadêmico em inglês. Devemos oferecer ao tradutor uma matéria com o estilo que o inglês requer.
Segundo problema: não escrever com um roteiro
Para evitar isso, devemos anunciar, já na primeira página do artigo, a contribuição que nossa pesquisa representa para a história da ciência ou para a linha de pesquisa da revista. A precisão no título - que não deve ser descritivo - e no subtítulo - este sim descritivo - e a organização das evidências e ideias são fundamentais. A voz do autor e seu argumento são muito importantes para um periódico científico anglo-saxão.
Terceiro problema: não pensar qual é a diferença para o editor entre um estudo de caso e um estudo geral
Para nós, um estudo sobre o Brasil, por exemplo, é de natureza geral e o de caso é o que trata de uma cidade ou região. Mas para o editor o universo é diferente: a medicina ocidental é a que ocorreu nos Estados Unidos ou na Europa, e o Brasil, de modo geral, é considerado um estudo de caso. Portanto, na introdução do artigo, é essencial estabelecer uma relação entre o que trata a pesquisa e o universo do editor.
Quarto problema: ter pouco cuidado com as referências
Para publicar em inglês - ou em uma boa revista de qualquer parte do mundo - devemos buscar um equilíbrio entre as referências nacionais e internacionais, demonstrar que conhecemos a literatura existente sobre o assunto que pesquisamos.
Quinto problema: não dar ordem a nossas referências de arquivo e acervos nacionais
Em países desenvolvidos é comum encontrar acervos organizados, nos quais a referência pode seguir uma sequência tal como: arquivo, coleção, pasta, carta, data. Entretanto, muitos de nossos acervos não têm essa ordem. É preciso criar uma ou explicar o problema ao editor.
Sexto problema: julgar que publicar no estrangeiro é um processo fácil e rápido
Na experiência da maioria dos autores, é um processo de negociação, ainda mais difícil para os latino-americanos do que para os próprios norte-americanos ou anglo-saxões. É comum que o editor solicite três ou até quatro avaliações e que os autores sofram períodos mais longos de espera. O ideal é receber uma carta em um ano declarando que o artigo poderá ser publicado com mudanças.
Sétimo problema: acreditar que editor e avaliadores são a mesma coisa
Os avaliadores e o editor buscam rejeitar boa percentagem dos artigos para manter o prestígio da revista. Os primeiros crêem, em geral, que deveria ser feito outro trabalho e solicitam muitas mudanças. O editor, no entanto, precisa de artigos internacionais. Muitas vezes, é possível que ele aceite uma declaração do autor de que vai fazer parte das modificações solicitadas pelos avaliadores, e que o trabalho venha a ser aceito.
Oitavo problema: não dar importância ao inglês da carta de apresentação, tampouco à apresentação das mudanças
A carta endereçada ao editor e o resumo têm de ser escritos num inglês impecável, e é preciso explicar claramente as mudanças realizadas.
Nono problema: não pesquisar a revista em que se quer publicar
Devemos conhecer a política editorial da revista e assimilar as instruções aos autores, no tocante à normatização de texto, ilustrações, tabelas, quadros e gráficos, notas de rodapé, abreviaturas etc. Convém conhecer quais artigos sobre história da saúde ou temas afins ao que nos interessa foram publicados pelo periódico, como é avaliado pelas agências de pesquisa e ter mais de uma alternativa para submeter o artigo, mas nunca submeter a mais de uma revista ao mesmo tempo.
Décimo problema: desanimar
Ou melhor, tomar como coisa pessoal a rejeição do artigo. Se este for rejeitado, voltar ao mesmo e verificar se não lhe falta coerência ou se requer mais pesquisa ou outro estilo de escrita. Uma vez feitas as mudanças necessárias, enviá-lo a outra revista.
Marcos Cueto
Universidad Peruana Cayetano Heredia
Pesquisador visitante da Casa de Oswaldo Cruz
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
15 Fev 2012 -
Data do Fascículo
Dez 2011