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Adenomatose erosiva do mamilo

Resumos

A adenomatose erosiva do mamilo é uma complexa proliferação benigna mamária que pode ser confundida com neoplasias malignas da mama. A apresentação típica cursa com descarga mamária, eritema, erosão e formação de crostas. O processo é geralmente assintomático e de instalação insidiosa. A adenomatose erosiva do mamilo pode ser confundida com condições benignas, como a dermatite de contato, psoríase e infecções, mas seu principal diagnóstico diferencial é a Doença de Paget. O tratamento é cirúrgico e o prognóstico, excelente

Adenoma; Doenças mamárias; Histologia; Mama


Erosive adenomatosis of the nipple is a complex benign mammary proliferation that can be misdiagnosed as a malignant mammary neoplasm. The most common clinical presentation includes discharge, erythema, erosion and crusting. The process is usually asymptomatic. It resembles benign conditions such as contact dermatitis, psoriasis and infections, but its main differential diagnosis is Paget's disease. Treatment is usually surgical and the prognosis is excellent

Adenoma; Breast; Breast Diseases; Histology


CASO CLÍNICO

Adenomatose erosiva do mamilo* * Trabalho realizado no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC - UFPR) - Curitiba (PR), Brasil.

Mayara Schulze CosechenI; Adma Silva de Lima WojcikII; Flávio Meingast PivaIII; Betina WernerIV; Sérgio Zuneda SerafiniV

IAcadêmica de Medicina na Universidade Federal do Paraná (UFPR) - Curitiba (PR), Brasil

IIMédica-residente em Dermatologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC - UFPR) - Curitiba (PR), Brasil

IIIMédico-residente em Patologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC - UFPR) - Curitiba (PR), Brasil

IVEspecialista em Dermatopatologia pela Sociedade Internacional de Dermatopatologia - Mestre em Clínica Cirúrgica, com área de concentração em Dermatopatologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) - Professora e dermatopatologista voluntária dos Serviços de Anatomia Patológica e Dermatologia e da disciplina de Anatomia Patológica e Dermatologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) - Curitiba (PR), Brasil

VProfessor-adjunto do Serviço de Dermatologia do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal do Paraná (UFPR) - Curitiba (PR), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Mayara Schulze Cosechen Rua Francisco Juglair, 410 - Apartamento 101 Mossunguê 81200 230 Curitiba PR Brasil E-mail: mayarasc@gmail.com adma_lima@ibest.com.br / dermatologia@ufpr.br

RESUMO

A adenomatose erosiva do mamilo é uma complexa proliferação benigna mamária que pode ser confundida com neoplasias malignas da mama. A apresentação típica cursa com descarga mamária, eritema, erosão e formação de crostas. O processo é geralmente assintomático e de instalação insidiosa. A adenomatose erosiva do mamilo pode ser confundida com condições benignas, como a dermatite de contato, psoríase e infecções, mas seu principal diagnóstico diferencial é a Doença de Paget. O tratamento é cirúrgico e o prognóstico, excelente.

Palavras-chave: Adenoma; Doenças mamárias; Histologia; Mama

INTRODUÇÃO

A adenomatose erosiva do mamilo (AEM) é uma rara doença causada por uma complexa proliferação dos ductos lactíferos mamários que acomete, primariamente, mulheres na meia-idade.1-4 Pode ser confundida clinicamente com Doença de Paget mamária e, histologicamente, com neoplasias malignas mamárias e tumores de glândulas sudoríparas.2-6 O diagnóstico correto é fundamental para que se evitem grandes cirurgias, realizadas de maneira desnecessária, que aumentam a morbidade do tratamento e podem causar danos ao paciente.1,4-6

RELATO DO CASO

Paciente feminina, 43 anos, encaminhada ao Serviço de Dermatologia por lesão em mamilo direito. Relatava que, após gestação, há 5 anos, apresentou aumento de volume do mamilo direito, associado a prurido, dor, exulceração e descarga serossanguinolenta. Referia-se a períodos de melhora seguidos por recrudescimento do quadro. Havia utilizado diversos produtos tópicos e antifúngico via oral, sem melhora. Não apresentava sintomas sistêmicos ou comorbidades. Ao exame físico, foi evidenciada lesão nodular, eritematosa, endurada, friável, com áreas de exulceração e crostas, acometendo todo o mamilo direito (Figuras 1 e 2). À palpação das mamas, não evidenciaram-se massas e a pesquisa de linfonodos axilares foi negativa.



A bacterioscopia pela coloração do gram revelou a presença de cocos e bacilos gram positivos. Não foram visualizados BAAR na bacterioscopia pelo Ziehl Neelsen nem fungos pelo exame micológico direto. Mamografia realizada no mesmo ano demonstrava apenas achados benignos.

O exame anatomopatológico revelou formações glandulares alinhadas em duas camadas distintas de células epiteliais. As glândulas possuíam revestimento de epitélio metaplásico apócrino constituído por células cuboidais com citoplasma eosinofílico e secreção eosinofílica decorrente da decapitação das células. A camada basal era composta por células mioepiteliais. Esta proliferação acometia toda a derme, sugerindo o diagnóstico de AEM (Figuras 3 e 4).



A paciente foi submetida a exérese da lesão com fechamento por segunda intenção. No sexto mês pós-operatório, o resultado cosmético era excelente e não haviam sinais de recidiva. Atualmente encontra-se em seguimento.

DISCUSSÃO

Inicialmente descrita por Jones em 1955 como Papilomatose Florida do Mamilo (PFM), muitos nomes já foram dados a esta doença desde seu relato original.4-8 Handley e Thackray, em 1962, questionaram Jones porque nas micrografias originais identificavam uma lesão adenomatosa.1 Le Gal, pouco tempo depois, denominou-a "adenomatose erosiva" devido à natureza erosiva da lesão.1,2,4,9 Na literatura, podem ser encontrados os seguintes nomes: AEM, adenoma papilar do mamilo, adenomatose florida do mamilo, papilomatose florida do mamilo, papilomatose dos ductos subareolares, adenomatose papilar superficial do mamilo, adenoma do mamilo, dentre outros.1, 2, 4, 5, 7-9 O termo mais aceito atualmente é o de adenomatose erosiva do mamilo (AEM).2

A AEM é uma rara e complexa proliferação benigna dos ductos lactíferos da mama. 3 Ocorre, predominantemente, em mulheres entre a quarta e quinta décadas de vida, com idade média de 45 anos.1,3,4,7,8 Raramente, pode ser encontrada em homens e crianças.1,4,5,7,8 Devido ao seu desenvolvimento insidioso, comumente é descoberta de maneira incidental e o diagnóstico costuma ser tardio.3,4

A lesão pode ser completamente assintomática.4,5,9 Nos pacientes que apresentam sintomas, os achados clínicos mais comuns são, em ordem decrescente: descarga mamária (que pode ser serosa, sanguinolenta ou serossanguinolenta), presença de crostas, erosões, formação de nódulos, dor e/ou prurido, edema e eritema.1,4,5,9,10 Em sua fase inicial, o mamilo pode apresentar-se com erosão, inflamação, eritema e aspecto "quebrado". Nesta fase, podem ocorrer prurido e dor.3,4,7,9 Pode haver exacerbação dos sintomas no período prémenstrual.3,8 Nesta etapa, a doença é indiferenciável clinicamente da doença de Paget da mama. Numa fase tardia, o mamilo mostra-se nodular, firme, endurado ou elástico, deformado como em nossa paciente, facilitando o diagnóstico diferencial em relação a outras enfermidades.1,3,4,5,9 Geralmente é unilateral, porém há relatos de lesões acometendo ambos os mamilos.9

O exame histológico é fundamental para o diagnóstico.6 Histologicamente, a lesão é caracterizada por uma proliferação intraductal que invade o estroma adjacente.1,4 A característica mais marcante é a presença de uma dupla população celular constituída por uma camada interna de células epiteliais cuboidais com secreção do tipo apócrina e uma camada externa de células mioepiteliais contráteis.1,3,4, 6, 9 Erosão e ulceração podem estar presentes em metade dos casos e cistos de queratina, em menos de 50%.1, 2, 4, 6 Pode ser realizado exame citológico da lesão, porém pode haver dificuldade de diferenciação com papilomas intraductais; portanto, a biópsia permanece como o exame padrão-ouro para o diagnóstico.11

A maior parte dos autores acredita que a doença seja benigna , com risco de malignidade comparável àquele do restante da população feminina; porém, alguns advogam que a probabilidade de desenvolvimento de neoplasias permanece incerta e há relatos de associação e evolução para doenças malignas.1,4, 7,10,12 Os autores concordam com a maior parte dos trabalhos que advogam que uma mamografia ou ultrassonografia mamária devam ser realizadas nestas pacientes.5,6,10

Os exames de imunoperoxidase e imuno-histoquímica podem ser úteis na diferenciação com doenças malignas, quando houver dúvida diagnóstica.12 Anticorpos anticitoqueratina1 coram as células epiteliais luminais e anticorpos antiactina, vimentina e proteína gliofibrilar ácida ligam-se à camada mioepitelial. 1,10,12 De acordo com Moulin et al 10, a diferença essencial entre carcinoma mamário e AEM é a ausência de marcação das células mioepiteliais pelo anticorpo antiactina no primeiro. Entretanto, este método pode não ser útil na diferenciação entre AEM e outras lesões proliferativas mamárias benignas.7 Não foram realizados estudos imuno-histoquímicos no presente caso, pois o diagnóstico era típico.

Os diagnósticos diferenciais de AEM são extensos, incluindo doenças inflamatórias, infecciosas e neoplásicas.4 Clinicamente, o diagnóstico diferencial mais importante é com doença de Paget e, histologicamente, com neoplasias malignas mamárias e tumores de glândulas apócrinas.1,4,5,8,10

No passado, os erros diagnósticos conduziam a cirurgias grandes e desnecessárias, adicionando morbidade ao tratamento.1,5 Atualmente, a simples ressecção do tumor com anestesia local é o método de escolha.1,5,7-9,11 A excisão curativa geralmente remove todo o mamilo, assim como o tecido subjacente, com posterior reconstrução do mamilo. A ressecção geralmente altera a arquitetura ductal e mulheres em idade fértil podem tornar-se incapazes de amamentar através deste mamilo após a ressecção.1 Existem relatos de recorrência quando a excisão é incompleta.1,2 A AEM pode ser tratada através de criocirurgia , havendo relato de sucesso no seu tratamento através de crioterapia com dois ciclos de 45 segundos, seguidos por retratamento após 2 meses.9,13 Não houve recidiva em 7 anos. A cirurgia micrográfica de Mohs (CMM) é uma boa opção de tratamento em doença localizada, pois permite excisão completa do tumor, diminuindo o risco de recorrências, ao mesmo tempo em que permite preservação da estrutura mamilar, o que facilita reconstruções posteriores e pode ser importante especialmente em mulheres em idade fértil. A técnica de purse string pode ser utilizada para fechamento após a exérese circular da lesão.2,8

A AEM é uma condição rara, porém, vem sendo cada vez mais frequentemente reconhecida. O papel do dermatologista vem crescendo no que se refere ao diagnóstico e tratamento da doença nos últimos anos, a partir de relatos de sucesso com tratamento crioterápico e CMM; portanto, é necessário que os dermatologistas, cirurgiões- dermatológicos e dermatopatologistas estejam familiarizados com esta doença.

Recebido em 15.04.2010.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 22.11.2010.

Conflito de interesse: Nenhum

Suporte financeiro: Nenhum

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  • Endereço para correspondência:
    Mayara Schulze Cosechen
    Rua Francisco Juglair, 410 - Apartamento 101 Mossunguê
    81200 230 Curitiba PR Brasil
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC - UFPR) - Curitiba (PR), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Nov 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Recebido
      15 Abr 2010
    • Aceito
      22 Nov 2010
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