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Implicações da lipoclasia dermossônica no metabolismo energético e na composição corporal de ratos Wistar saudáveis

Resumos

OBJETIVOS: Investigar as implicações da lipoclasia dermossônica (LCD), lipólise do tecido adiposo branco subcutâneo induzido por ultrassom (US), no metabolismo energético e na composição corporal de ratos saudáveis. MÉTODOS: Utilizaram-se 20 ratos Wistar saudáveis, com 4 meses de idade, pesando ±380g, divididos aleatoriamente em 2 grupos: 1) controle-sham (CS), 2) terapia ultrassônica de baixa intensidade (TUSBI). Durante 10 dias, após sedação (halotano-3% vaporizado), os animais eram submetidos à TUSBI (I SATA=3MHz, 1W.cm-2, modo pulsado 2:8ms, ciclo de 30% por 3 minutos) em região infra-abdominal e inguinal. Medidas de peso, comprimento naso-anal e parâmetros metabólicos (ingestão e excreção) foram controlados durante o estudo. Ao final do tratamento, amostras de sangue foram coletadas para dosagens bioquímicas, e então avaliadas adiposidades retroperitoneal (RET), perirenal (PR), epididimal (EP) e inguinal (ING). O HOMA-IR (homeostasis model assessment) foi calculado para estimar resistência insulínica (RI). Para análise estatística, utilizou-se ANOVA, teste de Tukey e teste t de Student, com diferenças estabelecidas em p<0,05. RESULTADOS: No peso corporal, não houve alteração nos animais CS (384±9g), no entanto reduziu (p<0,01) no grupo TUSBI (337±2g), assim como a ingestão de comida (25±1g) vs.(21±1g). Houve ainda reduções (p<0,05) nos coxins RET, PR e ING, índice de obesidade, níveis de triglicerídeos e lipoproteínas plasmáticas. A hiperinsulinemia, sem alterações da glicemia, caracterizou estado de RI confirmado pelo HOMA-IR. CONCLUSÕES: A LDC reduziu a ingestão de comida e o peso corporal, além de modificar a deposição de gordura nos depósitos RET, PR e ING em ratos, o que alterou o perfil lipoprotéico produzindo importante quadro de RI.

terapia ultrassônica; lipoclasia dermossônica; tecido adiposo; metabolismo energético; resistência insulínica


OBJECTIVES: To investigate the implications of Dermosonic lipoclasis (DLC), i.e. lipolysis on subcutaneous white adipose tissue induced by ultrasound, for the energy metabolism and body composition of healthy rats. METHODS: Twenty four-month-old male Wistar rats weighting ±380g were randomly divided into two groups: 1) sham control (SC) and 2) low-intensity ultrasound therapy (LIUST). For 10 days, after sedation with 3% vaporized halothane, the animals underwent LIUST (I SATA =3MHz, 1 Wcm-2, pulsed mode 2:8ms, 30% cycles for 3 minutes) in the infra-abdominal and inguinal regions. Weight measurements, naso-anal length and metabolic parameters (food and water intake and excretion) were monitored during the study. At the end of the treatment, blood samples were collected for biochemical analyses. Retroperitoneal (RET), perirenal (PR), epididymal (EP) and inguinal (ING) adiposity was evaluated. HOMA-IR (homeostasis model assessment) was calculated to estimate insulin resistance. For statistical analyses, the Student t test, ANOVA and the Tukey test were used, and differences were established as p<0.05. RESULTS: Regarding body weight, the SC group (384±9g) did not show any changes, while the treated group (337±2g) showed reductions (p<0.01). This was also seen in relation to food intake: (25±1g) vs. (21±1g). There were also reductions (p<0.05) in the RET, PR and ING fat-pads, obesity index, triglyceride levels and plasma lipoprotein levels. Hyperinsulinemia without changes in glycemia characterized a state of insulin resistance, which was confirmed by HOMA-IR. CONCLUSIONS: DLC reduced the food intake and body weight and modified the fat deposition in the RET, PR and ING stores in rats. This changed the lipid profile to produce a significant state of insulin resistance.

ultrasound therapy; dermosonic lipoclasis; adipose tissue; energy metabolism; insulin resistance


ARTIGO ORIGINAL

Implicações da lipoclasia dermossônica no metabolismo energético e na composição corporal de ratos Wistar saudáveis

Gonçalves WLS; Cirqueira JP; Abreu GR; Moysés MR

Departamento de Ciências Fisiológicas, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Vitória (ES), Brasil

Correspondência para Correspondência para: Prof. Dr. Washington Luiz Silva Gonçalves UFES, Departamento de Ciências Fisiológicas Centro de Ciências da Saúde Avenida Marechal Campos, 1.468, Maruipe CEP 29040-900, Vitória (ES), Brasil e-mail: wash30@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVOS: Investigar as implicações da lipoclasia dermossônica (LCD), lipólise do tecido adiposo branco subcutâneo induzido por ultrassom (US), no metabolismo energético e na composição corporal de ratos saudáveis.

MÉTODOS: Utilizaram-se 20 ratos Wistar saudáveis, com 4 meses de idade, pesando ±380g, divididos aleatoriamente em 2 grupos: 1) controle-sham (CS), 2) terapia ultrassônica de baixa intensidade (TUSBI). Durante 10 dias, após sedação (halotano-3% vaporizado), os animais eram submetidos à TUSBI (ISATA=3MHz, 1W.cm-2, modo pulsado 2:8ms, ciclo de 30% por 3 minutos) em região infra-abdominal e inguinal. Medidas de peso, comprimento naso-anal e parâmetros metabólicos (ingestão e excreção) foram controlados durante o estudo. Ao final do tratamento, amostras de sangue foram coletadas para dosagens bioquímicas, e então avaliadas adiposidades retroperitoneal (RET), perirenal (PR), epididimal (EP) e inguinal (ING). O HOMA-IR (homeostasis model assessment) foi calculado para estimar resistência insulínica (RI). Para análise estatística, utilizou-se ANOVA, teste de Tukey e teste t de Student, com diferenças estabelecidas em p<0,05.

RESULTADOS: No peso corporal, não houve alteração nos animais CS (384±9g), no entanto reduziu (p<0,01) no grupo TUSBI (337±2g), assim como a ingestão de comida (25±1g) vs.(21±1g). Houve ainda reduções (p<0,05) nos coxins RET, PR e ING, índice de obesidade, níveis de triglicerídeos e lipoproteínas plasmáticas. A hiperinsulinemia, sem alterações da glicemia, caracterizou estado de RI confirmado pelo HOMA-IR.

CONCLUSÕES: A LDC reduziu a ingestão de comida e o peso corporal, além de modificar a deposição de gordura nos depósitos RET, PR e ING em ratos, o que alterou o perfil lipoprotéico produzindo importante quadro de RI.

Palavras-chave: terapia ultrassônica; lipoclasia dermossônica; tecido adiposo; metabolismo energético; resistência insulínica.

Introdução

A ampla utilização da terapia ultrassônica em várias áreas da saúde possibilitou a identificação de diferentes efeitos biológicos do ultrassom (US) de baixa intensidade em inúmeros tecidos1-14, tais como: efeitos fibrinolíticos9, trombolíticos10, lipolíticos6,8, angiogênicos13, enzimáticos5,14, oxidativos13, sinérgicos em drogas vasoativas4,5, entre outros3,11. Todos os efeitos estão diretamente relacionados com as doses (potência, frequência, tempo) usadas, assim como associados à responsividade do tecido biológico exposto, isto é doses específicas de US implicam diretamente nas ações celulares e respostas teciduais observadas.

Estudos atuais mostram que o emprego de US em doses habituais (1 e 3 MHz) na fisioterapia3,8 e no diagnóstico clínico1, embora não apresente riscos na prática diária, não deve ser compreendido como ferramenta de absoluta segurança, pois bastam pequenas variações de frequência, potência, tempo, isto é doses e forma de aplicação para produzirem diferentes alterações locais do tecido biológico exposto1-14.

Recentemente, Miwa et al.6 mostraram que a aplicação de US no tecido adiposo branco (TAB) de ratos, em diferentes frequências, promove aumento da secreção local de noradrenalina pelo sistema nervoso simpático, ocasionando lipólise local e a mobilização de gordura pela liberação de ácidos graxos livres (AGL). Além disso, Kogure et al.7 relataram que a estimulação por US não somente produziu lipólise do TAB subcutâneo com liberação de AGL, como também aumentou a síntese da família de proteínas desacopladoras mitocondriais (UCPs), tipo-2 e tipo-3 em músculo gastrocnêmio de ratos por meio de um mecanismo diferente ao do exercício.

Em adição, outras investigações sobre metabolismo energético têm demonstrado que níveis elevados de AGLs regulam a expressão gênica da UCP-3 no músculo esquelético, fígado, pâncreas e outros tecidos, e que essa família de proteínas está altamente relacionada com obesidade, jejum e exercício15,16. Esses e outros efeitos da terapia ultrassônica de baixa intensidade no metabolismo lipídico e glicêmico fomentaram diversas possibilidades de novas aplicações terapêuticas para o tratamento da obesidade e do diabetes mellitus tipo-II (DM2). No entanto, importantes estudos em termogênese, obesidade e atividade física revelaram que elevações dos AGL plasmáticos estão envolvidas nos estados de pré-resistência insulínica (RI), obesidade e DM2 e têm muitas implicações na patogênese da síndrome metabólica (SM)17-24.

Paradoxalmente aos achados benéficos da terapia ultrassônica de baixa intensidade (TUSBI) em várias áreas2,5,7,10,11, raramente são encontrados estudos clínicos ou experimentais robustos acerca dos riscos metabólicos locais e sistêmicos da mobilização e liberação de gorduras ocasionada pelo uso de lipoclasia dermossônica (LCD), lise de células adiposas subcutâneas pela TUSBI, haja vista esta ser amplamente utilizada em tratamentos cirúrgicos, estéticos e cosmecêuticos4,8,10,23,25. Portanto, este estudo teve por objetivo avaliar as implicações da LDC no metabolismo energético e na distribuição da gordura corporal de ratos saudáveis, avaliadas por medidas de peso, comprimento, bioquímica plasmática, composição corporal (índice de obesidade)26 e lipectomia bilateral dos depósitos de gordura27.

Materiais e métodos

A investigação foi conduzida de acordo com as normas estabelecidas pelo Guide Care and Use of Laboratory e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa Animal da Universidade Federal do Espírito Santo, sob parecer nº. 014/2008.

Grupos experimentais e controle metabólico

Foram utilizados 20 ratos Wistar com 4 meses de idade, obtidos no biotério do CCS-UFES, com peso corporal de ±380 gramas, aleatoriamente divididos em dois grupos (n=10 cada): 1) controle-sham (CS) e 2) tratado com LCD. Os ratos foram acomodados em gaiolas individuais metabólicas para controle e ajuste da ingestão de comida (g) e água (mL) e mantidos em ambiente ventilado, temperatura (±22ºC) e iluminação artificial controladas, sendo o foto-período de 12h (claro)/ 12h (escuro).

O estudo foi iniciado com o período de adaptação (5 dias), no qual os animais executavam a rotina de procedimentos e retornavam às gaiolas, minimizando o estresse de manuseio e os efeitos do isolamento. Por conseguinte, foram adquiridas e registradas medidas de peso e comprimento naso-anal (N-A) e realizado controle térmico retal durante o período de adaptação e tratamento. No dia 0, após sedação por inalação com halotano-3% vaporizado em câmara de contenção, realizou-se tricotomia em região infra-abdominal e inguinal bilateral, numa área de 5 cm2. Não houve perda na amostra, isto é, todos os animais sobreviveram até o final do estudo, (momento da eutanásia).

Terapia ultrassônica (3MHz)

Para mimetizar os efeitos da LCD obtidos na clínica, além de reduzir os efeitos térmicos, foram estabelecidos os seguintes parâmetros de irradiação ultrassônica: ISATA (spatial average temporal average Intensity)=3MHz, 1 W.cm-2, modo pulsado (2 ms ON: 8 ms OFF), ciclo de 30% por 3 minutos, durante 10 dias consecutivos no horário matutino. Diariamente, sob sedação induzida (halotano-3% vaporizado em câmara de saturação), os amimas eram acomodados em decúbito dorsal e as patas traseiras fixadas em abdução por contentor elástico. Na área pré-estabelecida (infra-abdominal e inguinal bilateral), aplicou-se sonogel (H2O) e acoplou-se o transdutor (3-MHz) do US AVATAT II® (KLD - Biosystems - São Paulo, Brasil) a 1 mm da pele por suporte universal. Após início da TUSBI, o transdutor foi movido bilateral e sistematicamente da direita para esquerda durante toda irradiação. Os grupos CS e TUSBI foram submetidos aos mesmos procedimentos do estudo, entretanto, no grupo CS, utilizou-se o transdutor desconectado do equipamento gerador de US que estava desligado (OFF).

O transdutor ultrassônico foi calibrado em balança de precisão no Departamento de Física da UFES. O nível de irradiação do US usado nesse estudo foi o recomendado para US terapêutico pela W.F.U.M.B. (Word Federation Ultrasound Medicine and Biology) e FDA (Food and Durgs Association)1,2.

Bioquímica plasmática e HOMA

Ao final da LCD, sob anestesia induzida por hidrato de cloral, 10% – 0,4mL.100g-1 via intraperitonal, os animais foram decapitados para coleta de sangue e posterior análise da bioquímica plasmática. Em seguida, o sangue foi centrifugado a 3000 r.p.m. durante 10 minutos sob refrigeração (4°C) e o plasma armazenado a -20°C. Foram realizadas dosagens plasmáticas de colesterol total (CT), lipoproteína de alta densidade (HDL), lipoproteína de baixa densidade (LDL), lipoproteína de muito-baixa densidade (VLDL), triglicerídeos (TG), glicose e insulina e da enzima lipase lipoprotéica (LPL) pelos métodos convencionais de análise laboratorial.

Utilizou-se o modelo de avaliação de homeostase (HOMA - homeostasis model assessment) para estimar a resistência insulínica, em que HOMA-IR=(insulinemia de jejum [mU/L] x glicemia de jejum [mg/dL]), e para determinação da capacidade funcional das células beta (βcC), em que HOMA-βcC=(20 x insulinemia de jejum [mmol/L]) / glicemia de jejum [mmol/L]- 3,5). Para o cálculo, utilizou-se o software HOMA Calculator©, version 2.2, Diabetes Trial Unit,University of Oxford©.

Composição corporal e lipectomia bilateral

O índice de obesidade para roedores (Lee Index) foi calculado por meio da equação (3√Δg.m-1): raiz cúbica (3√) do delta (≠ do peso final e inicial) de peso corporal (gramas) dividido pelo comprimento N-A (metros)26.

As medidas de adiposidade abdominal retroperitoneal (RET), perirenal (PR), epididimal (EP), inguinal (ING) direita e esquerda foram determinadas por meio de lipectomia bilateral, que consiste na extração cirúrgica dos depósitos de gorduras (coxins). Realizou-se uma incisão longitudinal de ± 6cm na pele abdominal, tendo como referência a linha Alba. Em sequência, os compartimentos ING foram coletados e mensurados, o peritônio foi aberto e a extração dos coxins RET e PR foi realizada. A incisão peritoneal foi aumentada até o epidídimo, onde então foram coletados os coxins EP27.

Análise dos dados

Os dados foram inseridos e analisados em software estatístico (Graph-Pad-Prism4®), no qual se utilizou o teste t de Student e análise de variâncias (ANOVA) uma e duas vias, seguido do teste de Tukey para múltiplas comparações. Os valores foram expressos como média±EPM (erro padrão da média) e as diferenças fixadas em p<0,05.

Resultados

Conforme demonstrado na figura 1A, a partir do 5º dia de LCD, houve uma redução (p<0.01) do peso corporal no grupo TUSBI (341±13g) vs. grupo CS (380±11g), que se manteve até o 10º dia de tratamento (337±12g) vs. (384±9g), respectivamente. Verificou-se também que houve uma diminuição da ingestão de comida ao final do tratamento com LCD no grupo TUSBI (21,0±0,7g) em relação ao grupo CS (25,6±0,7 g) (Figura 1B); o que não ocorreu com a ingestão de água (Figura 1C) bem como com a temperatura corporal (Figura 1D).


Observou-se também que nos valores do índice de obesidade houve redução (p<0,01) no grupo TUSBI (-5,28±1,68), comparado ao grupo CS (0,58±1,47) (Figura 2A).


Na figura 2B, apresentam-se os valores dos coxins RET (3,8±0,2g), PR (3,7±0,1g) EP (3,8±0,3g) e ING (7,4±0,6g) no grupo CS que, após tratamento com LCD, apresentaram reduções (p<0,05) do RET (2,5±0,1g), PR (2,8±0,2g) e ING (5,8±0,4g), sem modificação do EP (3,9±0,2g).

Na tabela 2, estão demonstrados os valores do perfil glico-lipoprotéico e enzimático dos grupos CS e TUSBI, os quais não mostraram diferenças nos valores de CT, LDL e glicemia de jejum, porém os valores de VLDL, triglicerídeos, HDL e LPL e insulinemia apresentaram importantes diferenças. O HOMA-IR mostrou-se elevado (p<0,01) no grupo TUSBI em comparação ao grupo CS, o qual é compatível com quadro agudo de RI.

Discussão

Neste estudo, foram analisadas as implicações da LCD no metabolismo energético e na composição corporal de ratos saudáveis. Conforme observado na prática clínica25 e também nestes resultados, a LCD (TUSBI de 3-MHz) no TAB subcutâneo promoveu importante lipólise com significativa redução no peso dos ratos a partir da 5ª aplicação, e manutenção desses efeitos no peso corporal até o final do tratamento (Figura 1A). Associado a esta perda de peso corporal, observou-se redução gradativa da ingestão de comida a partir do 5º dia de LCD, que ao 10º dia foi significativamente diferente quando comparado ao CS (Figura 1B).

Esta perda de peso corporal associada à redução da ingestão de comida observada nos animais tratados com LCD indicou aumento da atividade do metabolismo energético local e sistêmico, com provável secreção e liberação de várias adipocinas pelo TAB subcutâneo. Algumas evidências, além de relatos na literatura20,21,25, suportam que neste compartimento do TAB (isto é coxim subcutâneo) em humanos e roedores, há uma maior capacidade de expressão, síntese e secreção de leptina, além de outras adipocinas pró-inflamatórias, como a interleucina-6 (IL-6) e o fator de necrose tumoral-alfa (TNF α)4-7. Mostram ainda que níveis elevados circulantes destas adipocinas, além de acarretarem repercussões cardiovasculares expressivas, modulam funções importantes de neuropeptídeos e hormônios anorexígenos no núcleo hipotalâmico arqueado17,28,29, bem como agem diretamente no mesmo, interferindo no metabolismo energético e na regulação do apetite18,21,23, podendo ter ocasionado a redução da ingestão alimentar e a perda do peso corporal observada nos ratos tratados com LCD (Figura 1A e B).

Adicionalmente, verificou-se, na avaliação da composição corporal, uma significativa diminuição do índice de obesidade (Índice de Lee) nos ratos tratados com LCD, possivelmente devido à redução da gordura subcutânea inguinal (lipólise), efeitos já descritos em animais não-obesos6,8. No entanto, as reduções dos depósitos de gordura (coxins) RET e PR, sem alteração do coxim EP em machos saudáveis, foi um achado interessante, considerando as distâncias entre os depósitos de gordura epididimal e perirenal, pois anatomicamente o epidídimo é mais próximo das áreas estimuladas com US do que o coxim perirenal. Além disso, utilizou-se um baixo nível de irradiação ultrassônica com alta frequência, não permitindo o efeito de espalhamento da onda mecânica, fato que sugere um importante efeito sono-químico da TUSBI no TAB (Figura 2A e B). Considerando os efeitos lipolíticos da LCD no TAB subcutâneo6-8, acredita-se que as reduções dos coxins RET e PR estariam relacionadas às ações endócrinas, parácrinas e autócrinas das adipocinas liberadas pelo TAB subcutâneo17,18-21,24,28 durante a LCD; ou ainda poderiam ter ocorrido pelo aumento da atividade de enzimas locais (lipases lipoprotéica-LPL e hormônio-sensível-LHS) estimuladas pela noradrenalina liberada nas terminações simpáticas do TAB subcutêneo6,7,9,30 após a LCD. Tais efeitos, que corroboram os níveis elevados de LPL obtidos neste estudo (Tabela 2), sugerem importantes ações sono-químicos do US de 3MHz no TAB subcutâneo inguinal e abdominal17,18,24.

No metabolismo energético (lipoprotéico), as implicações produzidas pela LCD foram hipertrigliceridemia, elevação do VLDL e redução do HDL plasmático, caracterizando um aumento do risco de dislipidemia18,24,28 devido às alterações diárias na mobilização e estocagem da gordura corporal nos coxins RET, PR e ING, além do aumento da LPL plasmática (Tabela 2).

Ao relacionarmos as alterações bioquímicas plasmáticas com a redução dos coxins RET, PR e ING, após tratamento com LCD, identifica-se um preocupante efeito de lipólise maciça e redistribuição da gordura corporal via circulação sanguínea, uma vez que inúmeros estudos demonstraram que constantes elevações nos níveis lipídicos plasmáticos são o principal fator de risco para dislipidemia e SM17-18 em indivíduos sobrepesos e obesos24,28,30.

Estudos de Lewis et al.18 e outros autores18-23 descrevem que a manutenção de elevados níveis de AGL não-esterificados circulantes produzem efeitos deletérios na bioquímica energética e no metabolismo celular. Relatam ainda que o fluxo aumentado de AGL oriundos do tecido adiposo para tecidos não-adiposos, de um modo geral, produz piora na sinalização da via do substrato do receptor de insulina (IRS-1)21-27, sugerindo que a RI observada nos animais tratados com LCD tenha ocorrido devido aos efeitos lipotóxicos dos AGL na sinalização do IRS-1, que implicou em disfunções na cascata de ativação deste receptor18-21, indicadas pelos elevados valores do HOMA-IR. Outras investigações mostram que a inibição e/ou perda na sensibilidade do IRS-1 pode facilitar o acúmulo de gordura tecidual pela redução da atividade lipolítica da insulina, levando à reesterificação dos AGL nos músculos e nos demais tecidos, efeito importante e atualmente discutido como lipotoxicidade17-24.

Embora os níveis de glicemia estivessem similarmente elevados nos grupos controle e tratados com LCD, a insulinemia apresentou-se mais elevada nos animais tratados que os valores basais encontrados no controle, evidenciando um quadro agudo de RI, confirmado pelo HOMA-IR, o que sugeriu ações secundárias (sistêmicas) da LCD.

Diante desses achados, pode-se afirmar que a LCD demonstra grandes potencialidades como modulador exógeno do metabolismo no TAB, pois interfere efetivamente na distribuição de gordura corporal, reduz o peso corporal e a ingestão de comida, produzindo importante lipólise com mobilização de gordura dos coxins RET, PR e inguinal direito e esquerdo, sem alterar a gordura EP, demonstrando assim alto potencial para o tratamento da obesidade ginóide. No entanto, também provoca alterações significativas do perfil lipoprotéico e enzimático plasmático, implicando importante quadro dislipidêmico e dismetabólico, o que induz a instalação do quadro agudo de RI.

Portanto, mais investigações experimentais e clínicas deverão ser conduzidas para melhor caracterização das vias, mecanismos celulares e sinalizadores moleculares ativados pela LCD no TAB subcutâneo, a fim de atenuar/abolir os efeitos deletérios e aperfeiçoar as ações benéficas da LCD neste importante órgão endócrino28.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao Dr. M. Borsoi e Dr. F. Souza, coordenadores do Laboratório de Análises Clínicas do Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes - UFES, a valiosa colaboração na dosagem e análise do perfil bioquímico deste estudo. Pesquisa financiada pelo Fundo de Apoio á Ciência e Tecnologia de Vitória (Facitec) e CAPES (Brasília).

Recebido: 16/02/2008 – Revisado: 05/07/2008 – Aceito: 06/10/2008

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  • Correspondência para:

    Prof. Dr. Washington Luiz Silva Gonçalves
    UFES, Departamento de Ciências Fisiológicas
    Centro de Ciências da Saúde
    Avenida Marechal Campos, 1.468, Maruipe
    CEP 29040-900, Vitória (ES), Brasil
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Fev 2009
    • Data do Fascículo
      Fev 2009

    Histórico

    • Aceito
      06 Out 2008
    • Revisado
      05 Jul 2008
    • Recebido
      16 Fev 2008
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